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PONTO ÔMEGA- DON DELILLO

   Numa galeria há uma instalação. Numa tela, o filme Psycho de Hitchcock é exibido em velocidade lenta e sem som. O filme passa a durar 24 horas. O livro começa nessa exposição. O tema é o tempo, o tempo como convenção e o modo de se modificar sua existência.
   Num deserto. Um velho. Ex-conselheiro de guerra. Na verdade é um intelectual que se fez conselheiro no Iraque. E um jovem. Que tem um projeto de fazer um filme com esse velho. Um filme sem cortes, em tomada única. "Como Sokurov em A Arca Russa", diz o jovem cineasta.
   Nesse deserto desaparece uma pessoa.
   O livro é isso.
   Um momento no tempo. Curto, 100 páginas, sufocante, cheio de ideias obscuras. Se voce quer começar a ler Delillo é este o livro. Não por ser o melhor, mas por ser o menos trabalhoso. Ele observa a vida de agora com ira. Ira fria.
   Incomoda.

A VIDA DO CORPO

   Li um texto em jornal, de J. Coutinho, onde ele fala da tomada de poder do corpo. Com o fim da idade religiosa, o que vemos hoje é a ditadura do corpo e assim vivemos suas leis como verdade única.
   Tudo em nós é então voltado aos valores corporais e tentamos o impossível, dar sentido à vida pela via biológica. Tudo se torna corpo: emagrecemos ou sofremos com nossa gordura, nos enfeitamos e passamos a vida toda preocupados com nossa aparência. Ser feliz passa a ser conseguir ser bonito, saudável e com atividade sexual plena. Tatuagens, piercings, centenas de sapatos, cirurgias plásticas, maquiagem, academias de ginástica; esses passam a ser os mantras do corpo. O espelho se torna o altar, o cirurgião plástico e o personal trainer são os pastores.
   Felicidade é ter saúde, sorrir com dentes brancos e "parecer" feliz. Neste mundo que matou a alma, tudo se resume a nosso corpo. Procuramos nele a felicidade, o bem e o sentido. O que ele pode nos dar? Óbvio, ele nos responde com suas limitações, tudo o que ele pode nos dar são prazeres efêmeros, prazeres corporais. Passamos a crer então que a vida em sua totalidade é este corpo, que ela existe dentro desses limites, que a vida é apenas isso, eu e a relação com meu corpo.
   Nesse mundo corporal nada pode ser mais temido que o mundo da alma que o nega. Se o corpo é imediatista, temporal e óbvio, o mundo da alma lhe parecerá sem razão, atemporal e incompreensível.
   Não tenho o menor interesse em saber se há ou não uma alma. O que falo é de alma como tudo aquilo que não é carne e exterior. A religião é criadora e ditadora desse mundo. Quando a matamos, instituimos outra ditadura, a corporal.
   No reino da alma a busca não é por beleza, saúde e vida longa. Procura-se honra, tradição e o salvamento da alma. Se hoje ansiamos pela sobrevivência, creia, houve um tempo em que a vida da alma era o objetivo. O corpo era para ser escondido, negado, ignorado. A alma era a grande preocupação.
   Interessante notar que hoje é o oposto em sua forma mais radical. Esconde-se qualquer sinal de vida interior, a alma é negada, escondida e silenciada. Ninguém se guiará por honra, por uma tradição ou pela salvação. Os valores serão sempre o prazer, a saúde e a beleza física.
   Começo um livro de um muito importante autor atual que eu nunca lera ( mas de quem ouço falar a vinte anos ), Don Delillo. Nessa novela o personagem principal diz que caminhamos para a volta à pedra. Que desejamos retornar a condição de coisa, que nosso corpo ansia pela não-consciência de si, pelo não-ser. Tornar-se um tipo de pedra, que jamais deixa de estar lá, e que não pensa em si-mesmo, uma coisa em repouso. Para Delillo, nossa história é a jornada de matéria que criou auto-consciência, e que ao fechar seu ciclo se fará matéria sem consciência outra vez.
   O texto de Coutinho se casa a perfeição com essa ideia de Delillo.
   No fim do texto o brasileiro diz que não devemos reclamar da vida vazia e sem sentido. Essa é a vida possível ao corpo e nós a criamos e apoiamos todo o dia. Comer, dormir, gozar. Se enfeitar, se cuidar, ficar forte, reproduzir. Fora disso, nada. Eis a vida corporal.