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............. a seguinte história - CEES NOOTEBOOM

Um engenhoso livro de pouco mais de 100 páginas. Um ex professor ( meu Deus, às vezes me sinto cansado desses livros que têm sempre um professor, um escritor ou um psicólogo, livros feitos para a turminha ), como dizia, um ex professor acorda em Lisboa e ele não sabe como apareceu lá se antes estava na Holanda. Então ele também não entende se ele é ele mesmo e notamos que o livro é um tipo de homenagem torta à Fernando Pessoa e a Portugal. ------------------ Ele recorda, ele surge lá e cá e embarca em um navio com umas poucas pessoas. Para onde vai o navio? Quem são esses companheiros de viagem? Não é fácil encontrar este livro e se voce vai o ler não leia daqui para frente. --------------- Ele morreu e Portugal, fim da Europa, é o além. No barco vão os mortos, que contam como morreram. Mortos, eles permanecem aqueles que estavam a morrer e então chegam ao Brasil, ao Pará, inferno? Fim do Mundo. Nesse momento o livro se revela e faz todo sentido, engenhoso, o narrador morreu e é outro pois é morto. Metafísico Nooteboom sempre é. Eis a vida pós morte, memória do pré além, além que é umidade e calor sem fim. Metamorfose física. Cinzas. E fim.------------- Mais não conto.

RITUAIS DE CEES NOOTEBOOM

   Acho que li uns 4 ou 5 livros desse autor holandês. Gostei de todos. Mas este, se eu o tivesse escrito teria vergonha. Este romance, lançado no meio dos anos 90, segue todos os chavões da literatura existencial, fria, "maldita", da época e das épocas passadas.
   O livro não descreve cenas, apenas estados de espírito, claro, e falas, falas que são lamentáveis, uma macarronada azeda que mistura existencialismo adolescente com niilismo banal, e, tudo isso, desaguando em uma "japonezice" jeca. Somos obrigados, obrigados?, a acompanhar a vida de um holandês rico que tem como único motivo de vida a caça às mulheres. As cenas de sexo são tristes e brochantes, os pensamentos do personagem óbvios. Tudo dentro daquele estilo "fim dos tempos"...argh
  Ele encontra dois solitários, um que nega todo sentido da vida, e um outro que é budista. Não, a coisa não melhora, temos mais do mesmo, uma chuva torrencial de chavões.
  Temo agora reler Cees Nooteboom. Será que ele sempre foi tão ruim e eu me enganei? Ou será que superei faz muito tempo esse mundinho de pessoas movidas a Sartre e whisquinho?

RITUAIS, CEES NOOTEBOOM

   Um livro raso. Mas por já ter lido outros 3 grandes livros deste holandês irriquieto, penso se toda essa superficialidade não será proposital.
   São 3 partes. Na primeira um homem se suicida em 1963. Indiferente a revolução dos costumes que se processa na Amsterdã de então, ele se enforca por ter sido deixado por sua esposa. Mas sobrevive. E resolve encarar a vida, uma vida vazia, sem interesses, oca.
  Em 1953 ele conheceu um homem recluso. Um vaidoso existencialista. Esse homem cita Sartre todo o tempo. Ateu militante. Sua única conexão com a vida é seu cão. O bicho irá morrer de velhice e ele rumará as montanhas onde morrerá congelado.
  Em 1973 esse mesmo personagem conhece o filho do existencialista. Mestiço, ele ignora a cidade onde vale tudo da época. Mestre Zen, vive recluso em negação de tudo. Se suicida após realizar a mais perfeita cerimônia do chá.
  Árido, seco, o livro é um retrato impiedoso de certa fauna que nos cerca, seja em 53, 63, 73 ou 2013. O homem sem paixões, sem fé, sem vínculos com nada. O texto evita toda forma de poesia, de simbolismo, de transcendência. Pode-se dizer que ele parece ter sido escrito por um desses personagens.
  Nooteboom então alcança seu objetivo.
  Mas é seu único livro chato.

PARAÍSO PERDIDO- CEES NOOTEBOOM

Uma moça dos Jardins, em São Paulo, filha de alemães, em momento de tristeza, sai de noite com seu carro sem rumo. Acaba em favela onde é estuprada. No choque de sua dor, sem nada mais a perder, resolve fazer a viagem sempre adiada: ir à Austrália. Lá ela se embrenha no deserto e conhece um pintor aborígene. Tem uma experiência de sexo, de silêncio e de êxtase. E volta sabendo o que é a vida. A vida é (---------------------------... ).
Ao mesmo tempo ( ou tempos depois? ) ocorre uma feira literária em Perth. Um crítico em crise encontra uma moça/anjo. É a garota que foi ao deserto e voltou. Um contato. Ele fica obcecado. Ela se vai. Breve. Silêncio...
Neste curto e muito preciso livro Cees atinge seu alvo. O mundo como vazio oco, anjos como seres com quem nada temos em comum, o cinismo destruindo toda possibilidade de sentido, e a Austrália ( pois do Brasil ele apenas fala de São Paulo, e SP é uma favela com os tais Jardins no centro. E os Jardins são um lugar onde todos sonham em viajar para fora ).
Austrália...India, Nepal. Cambodja, Terra Santa, Mongólia... existem lugares onde se busca um sentido, uma experiência, mas a Austrália é o mais forte, porque lá existem as terras sagradas, e lá viveram os aborígenes. O que eles tinham de tão diferente? Não conheciam o tempo. Viveram 40.000 anos exatamente no mesmo lugar, sem avançar um passo ao futuro, sem construir nada, tendo apenas meia dúzia de palavras em seu vocabulário, nada possuindo. São a mais radical oposição a nosso mundo. Quietos, calados, se guiando em terra onde nada cresce, nada existe, nada ocorre. Imutáveis, lentos, andando sem andar e profundamente ligados as estrelas, aos sons do silêncio, aos bichos, ao pó e ao vento. Povo de pedra, de areia, de sol. Perdedores em nossa corrida; mas qual é nosso prêmio mesmo?
Anjos que são os seres terríveis que anunciam nosso nada. Jogados por nós ao limbo da indiferença. Nooteboom consegue embaralhar tudo. E consegue ser misterioso e claro. Inicia o livro com citação de Benjamim sobre pintura de Klee e encerra com John Milton falando de Adão e Eva expulsos do paraíso. Nossa nostalgia desse paraíso perdido, nossa aversão a esse paraíso perdido. E os anjos que nos cercam, sempre lá e aqui, pagam quietos e calados por nossa aversão.
Os melhores estão calados.
O livro é muito bom.
PS: Os melhores livros de nossa época são os que lutam contra nossa atitude de ver em tudo que escape do banal, o brega, o kitsch. Nosso tempo cínico e covarde, vê em tudo que procure ser relevante, ridiculo. Nooteboom nunca é ridículo. E nunca é cínico ou blasé. Por isso ele é relevante. Seus personagens fazem a transposição, penetram no oculto e nada dizem sobre o que lá encontraram. Essa é a única função da literatura hoje. Todo o resto é farmácia.

DIA DE FINADOS- CEES NOOTEBOOM

Um homem anda por Berlin filmando aquilo que ninguém filma: pés sobre a calçada, pegadas na neve. Ele é holandês, calado, e adora a solidão. Mas tem 3 amigos, que costumam se encontrar em bar e filosofar sobre a vida e Berlin. Esse holandês conhece uma mulher misteriosa, com quem terá uma relação silenciosa ( o que não impede o sexo ) e a quem seguirá à Espanha. Ao final, ele descobrirá que o que filma é aquilo que jamais muda no tempo do mundo: sombras, pegadas, pedras, vento. Ele, que é viúvo, ansia pelo não-tempo, pelo que perdura.
Com esses temas este poderia ser um livro maravilhoso. Quase chega lá, mas não é. Pois se nos convencemos de sua profundidade, de sua sinceridade ( e de sua contemporaniedade ), nos desiludimos ao ler certos chavões que o texto exibe. Nooteboom escreve algumas linhas de banalidade absoluta, dignas de qualquer livrinho pseudo-artístico, e essas poucas linhas derrubam tudo de sólido e verdadeiro que o livro tem. Nos embrenhamos em toda aquela filosofia pessimista/atéia, e então somos desligados do encanto por frases tipo "Janelas com chuva como lágrimas de solidão"....
Nooteboom é inquieto, levanta questões pertinentes sobre politica, história e filosofia, mas escreve sem a altura que esses temas merecem. É tipico caso de autor de ambição maior que seu talento.
Cees Nooteboom está vivo e é" O" autor da Holanda. Este livro consta dos tais 1000 livros para ler antes de morrer. Waaaal... há melhores.

CEES NOOTEBOOM E MAIS BENJAMIN E AINDA HEGEL

Estou lendo um autor bem interessante: Cees Nooteboom. É o principal autor da Holanda hoje. Escreve filosoficamente, é bastante materialista, mas é um materialismo em crise. Tenta abarcar tudo o que importa agora: a falência da sensibilidade, a vulgarização da história, a falta de rumo da existência, a memória persistente, o fim de tudo todo o tempo. Sobre o livro que leio hoje, falo depois. Quero antes citar algumas coisas de interesse.
O século XX é o século da ironia. Tudo é olhado com dúvida, com distanciamento. Ora, com ironia não se dá um passo. Se voce não se entregar sem reservas a nada, se voce não tiver fé em coisa alguma, nada será feito, produzido, tentado. A vida se torna um sempre "quase", um talvez, um relativo quem sabe ou outra vez. Mas, estranhamente, o século XX é feito e destruído na Alemanha, país desprovido de ironia.
Alemanha é nação da punição. O alemão está sempre se policiando, se vigiando e se punindo por seus erros. É um povo que ama seu sofrimento: Wagner, Beethoven, Nietzsche, Rilke, Freud e Strauss. A imagem de Nietzsche abraçado ao pescoço de um cavalo e pedindo perdão a todos os animais da terra é a imagem da Alemanha. Ela faz a guerra e sofre a derrota, sempre. Sua ânsia é a vontade de perder. Porque isso?
É um país de nevascas, de vales escuros, de florestas eternamente em névoa, de montanhas isoladas. Tudo na Alemanha era mistério: cavernas, bruxas, bosques, mitos, sangue em abundancia. De toda a Europa é o país que pior se adapta a modernidade, a razão fria, ao tempo sem segredos. Mas, como povo guerreiro, ele corre rumo a liderança, sacrificando sua "alma". Dá-se a irrupção sazonal do inconsciente, do espírito, do que foi negado. Já a Holanda é seu oposto: uma nação sem montanhas, sem cavernas, plana e simples, exposta, anti-segredos, reino da burguesia, dos bancos, do pensamento moderno, onde tudo é reto, claro e sem mácula.
Nooteboom fala ainda dos humanos extintos. Características humanas em vias de desaparecer. Humanos tímidos. Ninguém mais é timido. Todos sabem posar para fotos, criar nomes falsos, sair de casa sozinho. O rubor está sumindo, a mocinha de seio rosado e bochecha rosa, olhando para o chão; o mocinho timido, sonhador, romantico velado, gaguejante. A timidez foi morta pelo mundo do espetáculo, pelo show, pela vida em escritório, pelo cinema americano, pelo rocknroll. O respeito é outro valor extinto. Tudo o que importa é a minha verdade, e se a minha verdade é só minha a sua verdade me é irrelevante. Não respeitarei alguém que deseja ser mais verdadeiro que eu mesmo. Não respeitarei ninguém, pois respeito é negação de si mesmo. Esse pensamento torto, bobo, ridiculo se torna dominante com a tecnologia ( onde tudo é relativo e sem hierarquia ) com o fim da timidez ( timidez que traz a vida interior ). Para o futuro haverá a extinção da verdade, do subjetivismo e da solidão.
Tudo isso nas 130 primeiras páginas de Nooteboom.
Uma citação de Walter Benjamim:
"... é assim que o anjo deve ser representado perante a história. Com esse olhar crispado voltado ao passado ( ele fala de uma pintura de Paul Klee ). Onde nós vemos um encadeamento de fatos que significam nossa história, o anjo vê apenas um momento único de catástrofe absoluta. Esse anjo gostaria de ficar e ressuscitar os mortos, abrir a luz nos escombros. Mas do céu desce um vento irresistível que arrasta suas asas ao porvir. Os escombros, o entulho se agiganta a seus pés alcançando montanhas, mas o anjo precisa voar, rumo ao destino. É a essa tragédia que damos o nome de progresso".
Uma citação de Hegel:
" Voce está num trem bem iluminado. Voce observa por toda a viagem o ambiente e seus companheiros de viagem. Rostos, vozes, roupas, gestos. Voce crê então conhecer a realidade daquele vagão. Então voce pede a outra pessoa para descrever aquele vagão, descrevendo inclusive voce. E descobre que a realidade para ela seria uma aberração para voce. Pois ela não considerou nada do que lhe é mais real. Ela não percebeu seus sentimentos, seus desejos, seu passado, aquilo que voce ama em voce e renega em voce. Ela simplesmente não conheceu a realidade. É por isso que toda a história do mundo é impossível de ser apreendida."
Nooteboom, como todo grande artista, vai mais longe: É por isso que a Verdade não existe.