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  TE PEGO LÁ FORA de Phil Joanou
Revejo este clássico dos anos 80. Incrível ! Eu vivi essa época....os anos 80 me parecem muito mais remotos que os anos 70. Que é aquilo! As pessoas parecem inocentes, de plástico, diferentes de tudo que houve antes e que haveria depois...mas o filme é ok. Todo mundo conhece: um garoto é desafiado por um novo aluno valentão e grandão. A gente não ri. Mas também não se entedia.
  O LIVRO DO AMOR de Bill Purple com Jason Sudekis, Maisie Willians e Orlando Jones.
A esposa doidinha de um cara certinho morre num acidente de carro. Ele entra em colapso e conhece uma menina que recolhe lixo na rua. Ele a ajuda a fazer uma jangada. Querem ser Thor Heyedall...O filme tem todos os clichés dos anos 2010. É fofo, tristinho, fake pacas. Todos são bacaninhas e frágeis. Mas o final é bonito, meio surpreendente, e os dois atores, feinhos, são legaizinhos.
 QUATRO VIDAS DE UM CACHORRO de Lasse Hallstrom
Boa produção num filme que usa todas as armas para te fazer chorar. Demora um pouco, mas o choro vem. Um cão reencarna quatro vezes e na última volta a seu antigo dono. Lasse começou na Suécia e estourou em 1987 com Minha Vida de Cachorro. Depois de vários sucessos, e até uma indicação para o Oscar em 2000, ele anda fazendo filmes sobre cães. Uma lógica canina. Este, apesar de tão bobo, é legal. Poxa! Como falar mal de um filme que te emociona!
  A VIGILANTE DO AMANHÃ de Rupert Sanders com Scarlet Johansson
O famoso Ghost in The Shell vira este lixo sem nenhuma emoção e chato de doer. O famoso corpo de Scarlet é apenas um efeito digital, nem isso agrada. E toda a filosofia, corpo mecânico com cérebro humano, vira apenas uma aventura HQ de segunda. Um produto que mostra a que ponto baixo chegamos. Há uma corrente enorme da crítica americana que diz que o cinema acabou. São filmes como este que endossam essa tese.

A THOUSAND DOGS - RAYMOND MERRITT and MILES BARTH

   Na feira de livros aproveitei e comprei este belo volume da Taschen. Temos aqui fotos de cachorros que vão de 1860 até 2010. Todos os grandes fotógrafos têm ao menos uma foto presente, mas devo dizer que nada é mais pungente que as maravilhosas fotos de cães na guerra. Fotos de cachorros em trincheiras na Primeira Guerra, fotos de cães entre escombros na Segunda, fotos de cães em paraquedas no Vietnã. O rosto dos soldados, sujos, em relação com seus cachorros, sempre tranquilos, é das coisas mais bonitas que vi em fotografia. São imagens que revelam a profundidade total do drama humano na Terra.
  O livro, de 600 páginas, tem também frases sobre cães, de escritores, pintores, atores, filósofos e de anônimos. Uma das mais fortes diz que o homem está completamente só no universo, distante de tudo e de todos os seres, e que o único OUTRO que tenta contato é o cachorro.
  Viajar nesse livro de cabo a rabo dá uma sensação de beleza infinita.
  Um lindo presente.
  Compre!

The legend of Rin Tin Tin



leia e escreva já!

RIN TIN TIN, A VIDA E A LENDA-SUSAN ORLEAN, UM LIVRO TRISTE, AMARGO E BONITO.

   Mas que livro terrivelmente triste! Escolhido pelo New York Times um dos melhores livros de 2011, a própria autora confessa ter ficado deprimida nesses dez anos de pesquisa que levou para escrever este livro. 
   Alguém não sabe quem foi Rin Tin Tin? Penso que aqueles com menos de 40 anos não sabem, mas TODOS com mais de 40 sabem. Eu o conheci na TV, As Aventuras de Rin Tin Tin foi provavelmente a primeira série que assisti na telinha. Foi produzida nos EUA, pela ABC, entre 1954/1960. Aqui passou por toda a década de 60/70, e devo ter visto logo em 1966-1967. Meu pai adorava e me colocava para ver. Rin Tin Tin ou Zorro, uma das duas foi minha iniciação ao mundo da ficção. O sucesso televisivo foi imenso e foi mundial. TODO o mundo assistia a série de TV. Por mais de 30 anos ele rodou mundo afora. Mas vamos ao inicio...
   No começo do século XX houve um garoto solitário do interior da América. Lee Duncan, um solitário, amava bichos. Serviu na primeira guerra mundial, na França devastada. Primeiro fato triste do livro, o fato de que num mundo préTV, a Europa era tão estranha para um americano comum como a Lua. Comida, gente, paisagem, clima, tudo era assustador. E o inferno da guerra química, das trincheiras, das amputações, das mortes às centenas. Lee Duncan, um dia, invadiu uma fazenda destruída. Norte da França, lama, fogo, frio, cinzas, cadáveres. Ele vê uma construção que deveria ter sido um canil. Montes de cães mortos, e de repente um gemido. Uma fêmea de Pastor Alemão sobreviveu, com quatro filhotes. Lee Duncan, o caipira solitário, os salva. Milagrosamente todos sobrevivem na guerra. Ao final, em mais um golpe de sorte, Lee consegue trazer um deles para os EUA, num navio lotado. Volta ao sítio, pobre, e cria esse cachorrinho que lhe restou. Andam pelos bosques, sobem montanhas, ficam inseparáveis. O nome do cão é Rin Tin Tin. 
  Lee ensina truques ao cão e começam a fazer shows pelas estradas. Vão à Califórnia e acabam no cinema. Rin Tin Tin começa a fazer filmes de cinema, longas, é tempo do cinema mudo. São cinco, seis filmes por ano, e mais um milagre ocorre: Rin Tin Tin salva a Warner da falência! Ele se torna a estrela mais querida e mais conhecida do cinema americano. Seus filmes rodam o mundo, ele viaja, ganha dinheiro, se torna um mito. 
  Quem viu os filmes, eu nunca os vi, diz que ele era mesmo surpreendente. Rin Tin Tin conseguia ter expressões faciais, conseguia comover com seu olhar triste. Os filmes repetiam sempre o mesmo tema, o conflito entre o selvagem e o domesticado, conflito que ocorria dentro do cachorro-ator. Como os filmes eram mudos, Rin Tin Tin era como mais um ator, já que todos eram mudos. Sem precisar de dublagem ou legendas, os filmes, como os de Chaplin e Keaton, eram entendidos em todo o planeta. Mas...
  Com o cinema falado seus filmes foram perdendo público. Agora os atores falavam e um cão não podia falar. Os animais passaram a servir apenas para cenas secundárias, de humor, de pastelão. Lee Duncan, que via Rin Tin Tin como um tipo de nobre, não aceitou a vulgarização de seu astro e se afastou do meio. Voltou ao sitio. 
  Rin Tin Tin morre. Os filhos dele continuam seu legado. Alguns aparecem em exposições, em filmes mais dignos, e nos anos 50 ressurgem na TV. A série, sucesso imenso, inaugura em 1954 a era do merchandising. Roupas, botas, chapéus, revistas, discos, mochilas, brinquedos, tudo com a marca Rin Tin Tin. Lee Duncan nunca soube ganhar dinheiro, foi explorado e mal conseguia sobreviver. O cão ator, tataraneto do Rin Tin Tin dos tempos da guerra, tinha talento, não como o primeiro...
  Ficamos sabendo que foi o primeiro Rin Tin Tin que popularizou a raça dos Pastores Alemães, mais que isso, foi a partir dali que as pessoas começaram a educar seus cães, a permitir que eles vivessem dentro da casa e não mais jogados no quintal. Rin Tin Tin humanizou os cães, urbanizou os animais, revolucionou costumes. Antes da Disney, foi ele o bicho que fez com que as pessoas deixassem de olhar animais como bestas. Rin Tin Tin mudou o mundo. 
   Mas é tudo tão melancólico....Lee Duncan nunca deixou de sentir falta do primeiro Rin Tin Tin. Foi feliz apenas nas caminhadas com seu cão, no começo de tudo. E o produtor da série, homem de talento que depois faria as séries Rota 66 e Naked City, também morreu falido, querendo reviver o mito de Rin Tin Tin. 
   A autora percebe que a história de Rinty é a história do país. Da ingenuidade dos caipiras solitários, à ambição dos advogados e executivos. Do espaço sem fim à vida ordenada das cidades. Rin Tin Tin lembrava a uma América recém urbanizada ( foi em 1919, ano do primeiro filme, que pela primeira vez a população urbana passou a rural ), a vida que eles não mais podiam ter. Daí o amor-paixão que todos davam aquele cão. A partir dos anos 60, quando as raízes rurais já começavam a morrer, Rinty, assim como os westerns e os cavalos, começou a nada mais significar. Mas Susan, assim como todos que o viram em sua segunda incarnação, na TV, nunca esqueceu de Rin Tin Tin. Triste e belo livro.
  PS: Meu primeiro cão foi um imenso Pastor Alemão chamado Bucky. Apesar de meu amor por Boxers, nenhum cachorro que tive depois de Bucky tinha a metade de sua inteligência.

SOBRE BIOGRAFIAS CENSURADAS, BEAGLES E BLOCS PRETOS

   Deve ser dificil ter 70 anos.Principalmente quando voce foi símbolo da juventude. Mais dificil ainda deve ser passar mais de 50 anos tomando whisky e jogando bola no sol. Cercado de puxa-sacos. A cabeça do Chico deve estar uma zona. Todo mundo sabe que gosto de Gil e que alguns discos do Caetano acho muito jóia rara. Mas a cabeça deles, por culpa de outros produtos, tipo azeite de dendê, também está pra lá de Marrakesh. E então eles, numa típica confusão que mistura preguiça, medo e amizade, resolvem ouvir o que Roberto Carlos tem a dizer...Qualquer um sabe que Roberto bota Elvis Presley e Michael Jackson no chinelo. Vive em Zanzibar faz tempo. Fique claro, eu adoro Roberto Carlos. Adoro sua voz e algumas múiscas que ele fez lá por 1970 são obras-primas do pop alto nível. Mas ele é um zumbi hoje. E vive num mundo de puxa-sacos e esotéricos freaks também. Eles querem censurar suas biografias? Não sejam tão duros com eles! Ignorem os vovôs. A verdadeira vilã se chama Paula...
   Quanto aos beagles...Isso é a marcha da história baby. Não venham me chamar de racista pelo que vou falar. Uso o exemplo dos escravos e esses escravos podem ser brancos e amarelos também. Todos temos antepassados escravos, escravos dos gregos, dos celtas, dos romanos, dos chineses...O que digo é que daqui a cem anos nossos descendentes acharão tão revoltante o modo como tratamos os bichos como achamos a escravidão hoje. É o caminho natural. Irão olhar nossos matadouros com horror e pensarão "Como a gente de 2013 podia aceitar isso?" O cômico, e esperado, é que assim como os escravocatas usavam o motivo econômico como fato que devia manter a escravidão, falavam que libertar os negros deixaria o país falido, os anti-beagles falam que prescindir de bichos atrasaria a ciência. Ora! Pura preguiça! O Brasil, como foi no caso da escravidão, está ainda um século atrasado. Os animais terão direitos reconhecidos. Esse é o futuro, nossos netos irão ver e nos criticarão por nossa demora.
   Quanto aos black-blocs, eles são a torcida organizada das ruas. Sujam a moral onde botam as patas.
   E é só.

CULTURA, CULPA, WONDER E CACHORRO

   Sempre pensei como Coutinho ( o Coutinho que escreveu ontem na Folha ). Ele atacou o novo livro de Vargas Llosa, livro tosco que fala da espetacularização da vida. Aviso que não gosto do peruano. Mas me parece que Coutinho meio que se atrapalha. Ele cita sua visita a Oxford. Lá, diz ele, a cultura humanista permanece viva, profunda, e nada tem de espetaculosa. Coutinho fala então de novos e impressionantes trabalhos. E que trabalhos são esses? Volumes, que eu adoraria ler, sobre Thomas Hobbes, sobre Leibnz, sobre a cultura dos últimos séculos. Sim, são trabalhos nada pop, nada midiáticos, nada "chocantes". Mas falam sobre autores "antigos". Isso não confirmaria a tese de Llosa? Coutinho escreve então algo que sempre senti mas que não podia formular. Produzir um texto sobre Dante ou Homero hoje é produzir cultura do presente. Quando falo de Wilder em 2012 estou falando do cinema agora. Estou preocupado com a qualidade da arte "hoje". De qualquer modo não deixa de significar decadência o fato de que os melhores trabalhos feitos em Oxford agora serem sobre filósofos dos séculos XVI e XVIII.
   Um pseudo-sábio escreve um textinho sobre culpa. E como todo estudante bem dogmatizado, ele formula um pensamento bem aprendido e se mostra incapaz de pensar por si-mesmo. Ele termina falando da tal culpa católica ao formular o ato de se dar a outra face. Claro que ele aprendeu bem. Dar a face é dar a culpa para o outro. Welll...Não queria estar na pele de seus pacientes...
   Quando voce leva um tapa voce tem 3 opções: revidar com força, tentar revidar e não conseguir, dar a outra face. Se voce revida com força voce vence. E automáticamente ganha um inimigo. Se voce tenta revidar e erra ( ou bate fraco ), ganha a suprema humilhação. Se voce dá a outra face surpreende o opositor e faz com que ele pense. É isso que o mal pensador não faz. Tem o chavão da culpa e vomita esse argumento surrado. O homenzinho é incapaz de pensar: "Ok, e depois da culpa? Quais as opções ao tapa?"
   Aviso que minha reação é sempre um bom pontapé na barriga. Estou certo?
   A India surpreendeu os ingleses ao dar a outra face. Os palestinos revidam cada tapa. Quem usa a inteligência? Quem obrigou o mundo a parar e pensar?
    Mudo de assunto: Músicos negros. Que show foi esse? Stevie Wonder deu uma aula de swing. O cara transpira inspiração! Jazz, soul, funk, bossa, reggae...tá tudo lá. E a banda!!!! Um monte de músicos swingando sem parar. Quem viu sacou. O show confirma outra vez: Se voce gosta de música mas ignora a black music ( isso é muito comum ), voce não sabe nada de nada do nada. Sorry baby...Stevie tocou por 3 horas..podia ter tocado por treze.
    A familia acabou. Compre um cachorro. Essa a grande evolução do século.

ACUSAÇÃO MUDA ( MUDA MUNDO, MUDA )

   Não deu certo. A gente não entendeu nada, não aprendeu nada, não criou coisa alguma que valesse a pena criar.
   O que aconteceram foram apenas leves ameaças de melhora. Um poeta aqui, um lider lá, uma nova filosofia em dado momento. Mas essas possibilidades, essas "quase" melhorias deram em nada. Se fomos criados por um Ser superior, perdemos a conexão com esse Mentor e Ele de nós se apartou. Se somos um simples acidente, um acaso incriado, a direção desse acaso aponta para a extinção e o vazio absoluto. Falhamos. Somos fungo de laranja, nada mais que isso.
   ...
  O buraco foi cavado e o animal ficou mudo ao ser jogado lá. O destino daquele ser vivo é aquilo que aquele homem fizer e desejar. Ele desejou um buraco para ele, e jogou nesse buraco o cachorro vivo. A terra então foi jogada sobre esse bicho e com olhos mudos ele olhou o rosto do dono de seu destino. Olhos que foram logo cobertos por terra, pedra e lixo.
  A muda dor, o mudo protesto. Doze horas se passaram e nessas doze horas aquele ser soube que sua vida seria aquilo: terra, escuro, nada. Até ser resgatado, e poder, em outro destino sentir o ar livre outra vez. Mas ver a luz do dia, nunca mais.
 ...
  Eu não sou um idiota. Sei que neste momento crianças são jogadas no lixo, estupradas, acorrentadas. Eu sei. Mas eu resolvi escrever sobre esse cão sem nome, sem voz, sem nada. Porque vi em seu olhar a condenação muda de todas as nossas falhas. Estamos falhando. Quanto mais velho eu fico, mais certeza tenho de que nossa nobre missão ( a única ), seria a consevação da vida, de toda vida. Mas não é para esse lado que caminhamos. O cão é vitima de nosso mundo. Nós o envolvemos na rede de nosso tipo de vida, de nosso mundo. Ele somente estava lá, passivo.
  E seu olhar ferido nos condena. Mudo. Abismado. Para sempre calado.

CHARLIE E EU

Eu não choro por Charlie, meu velho cachorro, ter se ido. Choro por mim.
Não tenho a ilusão de pensar que cães são "humanos" ou que pensem e sintam como nós. Não. Eu adoro cães pelo simples fato de eles serem maravilhosamente cachorros.
Eles cheiram mal, são sujos, não têm vergonha, fazem bagunça. São completamente maloqueiros. E é por isso que eu os amo.
Meu Charlie, um meio-boxer totalmente canino, morreu ontem. Acordo hoje e o encontro morto em sua cama. Tinha 11 anos e meio. Era mal-humorado, antipático, preguiçoso e egoísta. Mas eu olho seu corpo frio e penso exatamente isto: sentirei falta de seu cheiro, de sua baba, de sua cachorrozidade.
Chorei, e chorei muito. Por mim. Porque cada vez mais eu percebo que amadurecer é realmente dizer montanhas de Adeus.... Enterrar os mortos.
Caraca Charlie!!!!! Voce podia ter ficado mais um pouco comigo!!!! Que merda!!!!!
O canto dele ficará vazio. O resto é a vida minha que segue...

O CÃO DO FILÓSOFO- RAIMOND GAITA

Professor de filosofia na Austrália, a questão que introduz o texto é das mais espinhosas: Afinal, os animais possuem uma consciência? E habilmente, o que Gaita faz é nos mostrar a irrelevância dessa questão. Não só dessa, mas a irrelêvancia de várias questões.
No mundo, no universo, não existe uma razão ou uma moral. Mais que isso, em nós não é a biologia ou a evolução que explica a vida. O que a explicaria é a experiência do corpo, a vivência corporal, a lingua viva das ações. Razão, moral, ética, são criações artificiais feitas pelo homem e que são válidas apenas em seus próprios termos. O problema é que estamos perdendo o hábito de questionar VERDADEIRAMENTE as coisas. É como se tudo fosse hoje uma questão de fé. Assim, quando um evolucionista diz que o comportamento materno é herança evolutiva aceitamos isso como verdade infalível. Mas, e as mães que abandonam seus filhos? E as mães que não se importam com as mortes de outros filhos? O que Gaita nos diz é que a vida é feita de muito mais escolhas do que pensamos.
Não importa se um cão pensa. O que importa é o corpo desse animal e aquilo que ele nos diz com seus olhos, músculos e atitudes. Pensar em linguagem canina é pensar em corpo. E o que nos une a esse ser-corpo não é o fato de que todos somos bichos, ou a ideia de que ele possui uma alma. O que une homem e cão é a decisão ativa de se gostar desse animal. Em palavras mais diretas, o amor. Raimond Gaita não tem nenhum receio em usar essa palavra, amor. Para ele, a poesia explica o mundo de forma muito mais completa que a razão. Porque?
A razão tende a sistematizar e reduzir tudo. Ela floresce em mentes que não toleram o imponderável, o excesso, o inalcansável. O pensamento poético faz exatamente o contrário: mostra o complexo naquilo que é aparentemente simples. A razão, ao pensar abrir nossos olhos, na verdade os fecha. Porque nós somos certamente um corpo, carne e sangue, e falamos e sentimos através desse corpo, e nada nele pede a razão, nada nele é absolutamente racional. Ato de irracionalidade suprema: a morte. Para que nascer se sabemos que iremos morrer? A morte destrói toda ilusão de racionalidade na vida e no corpo. Ela é um irracional desperdicio.
Gaita foge das fórmulas simples. Animais são animais. Merecem não o nosso respeito, merecem ser honrados. Honrando a vida de um bicho adquirimos o direito de honrar nossa própria vida. Ao perceber, por pura vontade e poesia, o quanto há de inalcansável num gato ou num pássaro, percebemos também o quanto há de sublime em nós mesmos. É impossível viver a plenitude de se estar vivo sem honrar toda vida ao redor. Mas isso não significa dar aos bichos o status de humanos. Significa entendê-los como seres ao lado de nós, completamente incompreensíveis e por isso mesmo, ricos de possível significado.
O livro discorre longamente sobre o problema do significado. Significado que só pode ser obtido se percebermos as coisas, capturarmos sua verdade possível. Se não houver idealização a priori.
Wittgenstein é citado. O filósofo demonstra que tudo na verdade é feito de crenças. Cremos que os outros têm uma mente. Cremos que eles são como nós. Onde a prova disso na razão? O que nos leva a ter a certeza de que existe uma vida interior em todos os humanos? A crença nessa ideia. Nada disso passa pela razão.
Em outro trecho se fala de Iris Murdoch. Ela fala que se conseguirmos deixar de lado o "ego obeso", ego que nos faz crer na razão; e por outro lado abandonarmos o sentimentalismo fofo da arte, que nos faz ver tudo como lenda e destino; talvez então consigamos usando o amor e a coragem ver a vida como ela é de fato.
Gaita nos lembra então que a ciência só existe em termos de pesos e contagens. Tudo precisa ser reduzido a números mensuráveis. Como medir a consciência de um animal? Num animal nada está oculto, tudo está lá, exposto. No animal o que a ciência pode? Até que ponto nossa consciência não é criada pela ciência para honra da ciência? Até que ponto nossa subjetividade não é criação artificial da arte para glória da arte?
Pablo Casals: " Nos últimos 80 anos todas as manhãs tenho acordado e executado ao menos duas peças de Bach antes de começar o dia. Bendizo a casa. Redescubro o mundo todas as manhãs. Tocar faz-me agradecer por viver e por ser humano. Não me recordo de um dia em minha vida sem o espanto pela natureza..." Esse é o amor incondicional pela vida sem a ajuda da religião. Casals agradece a vida, não questiona a vida, a aceita. Seria isso o ser-com-o-corpo?
Isak Dinesen: "Todos os pesares são suportáveis se contarmos uma história sobre ele."
Chesterton: " A vida está presa a uma teia de aranha sutil. Cada fio é um fio que leva a outro fio. Mas há muitos que desejam a destruir. Para esses tal complexidade é insuportável. São os reducionistas, os hiper-racionais. Esses pensam que se puderem substituir a teia por algo robusto conseguirão ter a paz definitiva. Paz em suas mentes assustadas." Para Gaita, a razão não faz parte dessa teia. Se uma estrela explode nada há de racional nisso. Se voce ama alguém, nada explica isso. Se um cão pensa ou apenas sente, qual o valor desse pensar canino?
RF Leavis diz que existem dois modos de se julgar um poema: " Isto pode ser assim..." e "Isto deve ser assim, mas..." No primeiro caso temos o julgamento que aceita a teia de relações, no segundo caso o endurecedor, aquele que sempre vem com um reducionismo expresso nos "mas..."
Por fim, Gaita tem a coragem de tocar no tema dos direitos humanos. Não existem direitos humanos. Ninguém tem o direito real a nada, o que há é um afeto, um respeito devido e sentido entre os homens. Portanto falar em direito animal é falar de algo que jamais existiu. O que deve ser pensado é o respeito, a honra que deve ser dada a toda a forma de vida. Árduo e belo livro.

O IRRACIONAL ( AMOR E BICHOS )

Respeitar um animal NÃO significa imaginar que ele seja como nós. Eles não são fofos nenês amorosos, eles são irracionais, bichos, feras em potencial, mistérios. Seus pensamentos, se os há, são "não verbais", e portanto, inatingiveis, inimagináveis por nossa razão. Mas eles têm sentimentos, sentem medo, dor, fome, solidão. Gostar dos bichos, como eu gosto, é respeitar sua animalidade tola, sua irracionalidade estúpida, sua vulnerabilidade. Portanto tenho pena de quem os veste como dondocas, tinge seus pelos ou lhes obriga a viver em bolsas Chanel. Cães são cachorros, todos ansiam por ser como vira-latas bem nutridos. Amo meus cães por serem eles-mesmos. AMO OS BICHOS POR SEREM COMPLETAMENTE DIFERENTES DE EU-MESMO. É esse o amor desinteressado de que fala Milan Kundera ao final da INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER. O amor de um homem por um cão é desinteressado porque o homem sabe, todo o tempo, que seu amor jamais será retribuido. E mesmo assim, ele ama. Nietzsche teve como ato inaugural de sua loucura o abraço choroso que deu em cavalo, nas ruas de Turim. O filósofo pedia perdão, aos prantos, pelo mal feito a todos os animais. Após essa cena, sim, patética, ele passou cinco anos trancado. Mas o que ele fez ( em alucinação ) nós devemos fazer, conscientemente. Se ainda há algo de digno no homem, se ainda podemos pensar numa trajetória de alguma nobresa em nosso caminho, devemos necessariamente passar pela reavaliação do animal no planeta e do irracional em nós. Se nosso caminho veio das trevas do medo e da intolerância, do racismo e do ódio ao diferente, chegando à aceitação do vizinho e do não-igual, chegará, necessariamente, o momento de começarmos a considerar os direitos do bicho como coisa séria, e NÃO COMO EXCENTRICIDADE DE PESSOAS BOBAS. Pois quando chegarmos nesse momento de ajuste de contas, e é isso que assusta muitos homens risonhos, teremos de sofrer a consciencia do mal perpetuado. Perceber o bicho como ser digno e existente, como um ser existente, trará uma série de insights, de concientizações, de preços a se pagar, o maior deles sendo o remorso. Não confio em pessoas que desgostam de animais. Principalmente daqueles que dizem que deveríamos nos preocupar mais com as crianças ( como se uma coisa excluisse a outra ). O homem que só consegue amar outros humanos tem sempre algo de narcísico em si. Seu amor é dado, com regular sobriedade, a apenas quem lhe é parecido. Um amor domesticado. Amo muito mais aos humanos. Mas amo, e muito, a todos os bichos. Um não exclui o outro, antes o refina, o sensibiliza, lhe dá liberdade.

SOMOS DEUSES PARA ELES....

Encontrei esse deus em minha vida. E devo lhe dizer que vejo seus milagres todo dia !
Veja só: todo dia, não sei como ele faz isso, mas todo dia ele me alimenta. Milagrosamente, ele faz de minha tigela vazia, uma tigela cheia! E transforma o dia seco, numa vasilha repleta de água fresca.
Bolinhas de borracha brotam de suas mãos, e como um titã poderoso, ele faz dessas bolinhas cometas, que voam alto e caem longe. É meu dever sagrado à esse deus recuperá-las todas.
Ele surge em minha frente com mágicos discos de plástico, com ossos que surgem sem que eu veja nenhum esqueleto por perto, com mantas que me aquecem, com toques milagrosos que fazem desaparecer minhas pulgas. Um deus que cura minha sarna...
Tento, há tanto tempo... Decifrar sua língua sagrada. Sinto que se dominasse a linguagem celestial, eu poderia evoluir, atingir uma espécie de nirvana. Mas tudo que compreendo é tão pouco...
Meu deus se posta em profunda meditação. Fica horas diante de uma tela luminosa, paralisado. O que se passará em sua magnífica mente ? Depois ele segura um pouco de papel diante do rosto e fica parado, por toda a tarde, sem se mover. Dorme ? Não, seus olhos estão abertos. Qual o segredo ? Ora, sou apenas um mortal, como saber ?
Esse deus me ergue do chão e me leva às alturas, e me coloca em meio ao vento, quando vejo a paisagem rodar. Faz milagres diante de mim, e eu o adoro em minha pequenês.
Ele não sente cheiros, é superior a isso; não tem pêlos, evoluiu, é puro pensamento. Me guia pelas ruas, me protege de chuva e de sol, e me leva`a assustadores semi-deuses que me purificam com água e espuma, num ritual simbólico. Assustador. Eles fazem chover e ventar!
Meu deus pode dispor de minha vida a seu prazer. Rezo para que ele a mantenha. Meu deus pode me abandonar e me deixar à solidão e ao abandono, peço à sua bondade celestial que me poupe dessa dor. Ele é meu pastor, com ele nada me falta.
Deito-me em seu colo e folgo em seu calor...
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Escrevo este texto na esperança de que todos os humanos sintam a imensa responsabilidade que é ser um deus para alguém, mesmo que esse alguém não fale e tenha quatro patas.

um cão

Uma das mais belas criações do homem : o cão. Sim. Pois o lobo foi criado pela natureza, mas o cão, esse é nossa obra. Foram séculos de convívio, de interdependencia, de aulas e truques, de obsevação. E afinal, criamos o companheiro dos sonhos : leal, dependente, constante e eternamente infantil.
Com um cão podemos ser sempre crianças, podemos ter a 'sem vergonhice' da qual a civilização nos priva. Pois ele é criança sempre e sem vergonha radical.
Não me venha com essa ladainha de que é uma bobagem gostar tanto de um cão e tão pouco de humanos- um amor não exclui o outro, muito mais o afirma. São sentimentos diferentes, porém, complementares.
Um amigo hoje perdeu seu boxer. Nada pode ser dito.
Perdi o cachorro que mais amei ( Nicky ) no tempo exato em que tinha a menina que mais amei. Parece que o mundo sempre mede tudo.
Mas a morte de um cão dói pelo fato de que sentimos que algo de muito inocente se vai. Pois um cão, ao contrário de outros carnívoros, não mata, não caça. Ele apenas vive com seu humano. E encara nosso olhar com abertura, com curiosidade, com clareza.
Amamos os cães porque talvez eles sejam nossa melhor criação.