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GEORGE BERKELEY E DAVID HUME.

   Andei lendo esses dois filósofos britânicos, Berkeley irlandês e Hume da Escócia. São considerados pragmáticos, Berkeley teve seu apogeu por volta de 1710 e Hume 1740. Falo agora, do forma bem superficial sobre aquilo que li.
 Diz-se hoje, em 2020, que Berkeley tornou-se bastante atual. Ele sofreu um longo tempo de semi esquecimento, injusto. Essa sua renascença se deve ao centro de seu pensamento: tudo aquilo que conhecemos e sofremos na vida, são apenas e tão somente aquilo que pensamos. Ele não nega a realidade sólida das coisas, mas afirma que não temos como conhecer uma mesa ou uma árvore como ela é. O que conhecemos é aquilo que pensamos e sentimos que ela seja. Indo adiante, a mesa não existe enquanto não é observada, e se voce tem lido essa teoria em um ramo da física quântica, não, voce não está enganado.
 Para Berkeley, nosso olhar e nosso pensamento organizam a realidade, realidade que ao não ser pensada, é uma outra. Não há ordem na natureza ou no cosmos a priori, o que os organiza é nossa atenção. Olhando construímos o universo em nossos pensamentos. Um bom exemplo é seu bicho de estimação. Voce o olha como um amoroso membro de sua família. Para voce ele é o querido Buster, ou o amado Rex, mas nunca será conhecido como aquilo que ele é. Sua realidade cachorral não existe.
 Mas então somos apenas ignorantes? Nem é esse o caso. Pois sem nossa observação, esse cão nem mesmo existiria.
 Vem então a questão Divina. O pensamento de Berkeley é construído, na verdade, para provar a existência de Deus. O que ele diz: Deus se torna necessário, pois é Seu pensamento que faz com que a realidade FORA DE NOSSO PENSAMENTO possa existir. Tudo o que há seria uma ideia Divina.
 Perco o interesse por Berkeley nesse ponto. Essa conclusão me parece forçada. MAS... eis aí a Matrix, um mundo ilusório onde pensamos ver uma realidade, realidade que na verdade é uma construção de uma mente maior que a nossa. Berkeley intuiu em 1710 algo que nos é familiar, que é até mesmo uma moda, 300 anos depois.
 Falei intuiu? Não. Ele não intuiu. Falo agora do muito mais brilhante Hume, e então voce irá entender o que acontece hoje e sempre.
 Lanço de cara duas frases minhas: HUME VENCEU. HUME MANDA.
 O mundo de 2020 é filho do pensamento pragmático britânico. E tudo aquilo que vivemos hoje é previsto naturalmente se soubermos ler seus escritos.
 Hume é radicalmente ateu. Deus não só não existe como não é mais necessário. Então nada em seu pensamento leva à Deus ou a qualquer tipo de religião. A mente humana sabe aquilo que vê, nada mais que isso. A prova é que coisas abstratas como infinito, Deus ou eternidade, só podem ser imaginadas como algo que experimentamos na vida cotidiana. O infinito como o céu amplificado, Deus como um rei hiper poderoso e a eternidade como um correr de estações que jamais terminam. Por mais que tentemos ter ideias originais, criar coisas fora da experiência concreta, tudo o que podemos fazer é misturar objetos, conceitos e fatos JÁ VIVIDOS.
  Observe que em 2020 nossos mais loucos filme de sci fi não conseguem deixar de imaginar ETs como seres humanoides, sempre com membros e olhos, e o futuro mais distante é sempre uma mistura de fábricas com laboratórios. Somos incapazes de pensar a vida como algo radicalmente diferente de uma planta ou uma bactéria. Nossos ETs são seres que poderiam viver na Terra. Sempre.
  Hume manda porque ele sabe que tudo o que uma pessoa quer é viver em paz. Apenas isso. E impressiona a maneira como ele quase nunca erra. Em 1740, antes da criação dos USA, ele já dizia que nos tempos modernos, um país só seria rico se fosse livre e garantisse os direitos de seu povo. A Inglaterra era o modelo do futuro e jamais a Espanha ou a Holanda. O progresso estaria ligado à propriedade privada, à garantia de que a propriedade seria sua e só sua. Pois assim se cria o amor por aquilo que voce tem, e o desejo de se obter mais. Em nações como a Espanha TUDO é do rei ou da igreja, desse modo o povo se torna oprimido e perde o amor pelas coisas. David Hume fala muito de política e eu, que nunca gostei de ler sobre esse assunto, me delicio com seu texto.
  Filósofos geralmente escrevem mal. Lemos montes de frases sem sentido até topar com uma que justifique a obra. Hume não. Ele é um verdadeiro escritor. Seu texto é delicioso, fácil sem jamais ser simples. Conversa conosco, convence, nos ensina a pensar.
  Volto então ao que disse: Berkeley não teve intuição. Hume não pensou o futuro. O mundo anglo saxão é que os seguiu sempre. Mesmo quando não tinha consciência disso. Ao imaginar uma Matrix, um americano segue a linha de imaginação de Berkeley e ao lutar pelo direito de ser feliz, um jovem está repetindo Hume. O pragmatismo britânico deixou uma marca tão forte na mente de seu povo como os jesuítas deixaram aqui na América Latina e os idealistas na Alemanha. Quando Hume diz que a beleza é relativa ou que a tirania não se faz entre um povo que está em constante comunicação ( eis a internet...para Hume um povo que se comunica, que sabe ter partidários entre sua população, se organiza em resistências...a tirania se faz entre pessoas que vivem isoladas sem poder se comunicar ), quando diz essas coisas, Hume está dando as coordenadas do modo anglo de viver. Inclusive ao dizer que um povo armado não pode ser subjugado por um ditador e nem dominado pelo vizinho.
  David Hume tira o pó da nossa mente. Ele é luz. Tudo o que sabemos é tudo o que vivemos e conhecemos. E tudo o que podemos fazer é combinar e recombinar essas informações. Se voce pensou agora na mente da informática acertou. Para Hume, a falta de liberdade impede que essas informações sejam usadas. Interrompe o circuito. Substitui a experiência real pela superstição e pela crença irreal.
  Deixei de crer em Deus? Provável que não. Mas minha crença não me impede de admirar o pensamento claro de Hume. Em um mundo ideal, Hume seria matéria obrigatória em escolas ( obrigatória? ). Sua filosofia é aquela que te dá amor pela própria filosofia.

BERKELEY E A REALIDADE

   George Berkeley fez um estrago enorme na minha cabeça quando o li pela primeira vez. Ele bateu na grande dúvida que sempre tive: Afinal, existe a realidade? Grosso modo o que Berkeley diz é que essa coisa que chamamos de realidade é criada em nossa mente e que nossa mente pode ser manipulada. Vemos aquilo que nosso tempo nos permite ver. Isso até a época de Berkeley, após o totalitarismo ( invenção do século XX ) vemos o que desejam que vejamos.
  Se levarmos essa teoria ao extremo podemos dizer que houve um tempo em que podíamos ver anjos e fantasmas e que agora essas entidades não mais fazem parte de nós. Foram tiradas da realidade. Não estou defendendo a ideia de que anjos ou fantasmas são reais, estou dizendo que eles foram um dia tão reais quanto hoje é real o Taleban ou o Buraco Negro. Nunca vi nenhum dos dois, mas fazem parte de nossa realidade.
  Se Sócrates, Shakespeare ou mesmo Nietzsche caíssem neste nosso mundo, agora, quantas coisas que nos são absolutamente reais não seriam irreais para eles? E quantas coisas eles perceberiam que não mais conseguimos notar? Essa teoria de Berkeley é basicamente anti-democrática também. Pois ela postula que no fundo a minha realidade sempre será diferente da sua. O que vejo, percebo e tomo como certo é diferente de tudo o que voce percebe. O gosto de uma maçã para mim será sempre o gosto da maçã para mim. Eu jamais saberei qual a sua experiência da maçã. E se formos mais longe direi que o modo como amo, detesto ou sofro jamais poderá ser dividido com alguém. A realidade em que vivo é minha, e ELA É TÃO FALSA COMO É A SUA E A DE TODOS.
  Um nó.
  Tudo isso me foi recordado num excelente livro que estou lendo que entrelaça a biografia dos dois mais interessantes autores ingleses do século XX, Evelyn Waugh e George Orwell. Ambos, apesar de aparentemente tão opostos, tinham essa visão de que a realidade não pode ser conhecida. Ambos detestavam o futuro e espezinhavam o presente. Um deles usava o humor mais cruel possível, o outro o pesadelo mais asfixiante. Os dois liam Berkeley.
  Conto mais um dia desses.