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VERMELHO AMARGO- BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS

   Naquela tarde gelada meu pai e minha tia voltaram do hospital onde minha mãe estava. Eu tinha 13 anos e de nada eu sabia. Mas percebi a febre que infectou as paredes da casa. No rosto de minha tia, a sempre sorridente Noémia, o assombro de um brinquedo quebrado antes do Natal. Ela foi para o quarto sem falar comigo, e lá ficou. Meu pai se sentou em sua poltrona de sempre e assistiu o jornal. Mas não era mais meu pai. Era outro. O silêncio absoluto era diferente de seu silêncio balbuciante. O rosto dele estava rígido. Para eles dois, soube muito depois, minha mãe estava morrendo. E a febre eu a sentia na casa.
 O que meu pai faria? Ele foi jovem durante a segunda guerra, sua geração foi a última a admitir que a vida não é um prazer. Como meu pai daria uma familia para dois filhos se ele sabia que ser pai nunca pode ser mãe? Meu pai foi da geração que admitia não ter e deixar então de querer. Meu irmão brincava naquela noite, no tapete. A sorte de se ter apenas 10 anos. 
 Minha mãe foi salva. O desvio que haveria em minha vida nunca se fez.
 Hoje leio este livro. Que nada fala de mim, mas que dialoga com meu pai. Porque ele perdeu a mãe cedo e viu cada um da casa partir. Um de cada vez. Primeiro o pai, que se calou para sempre. Depois os irmãos, ao Brasil, à África, ao mato, à serra. A pedra era o tomate de sua vida. As paredes de pedra, o choro calado de cara à parede, as tardes de neblina sem fim. Pedra não se fatia, se engole inteira. 
 O livro é triste como um fado. Triste como a outra margem do Rosa. A prosa é poesia que se come e amarga a boca. A prosa do centro do Brasil. Do norte pedroso de Portugal. Terra dura e gelada que é pedra, cada enxadada uma dor nas mãos. E o vento que venta sem nunca aquietar. Fome.
 Meu pai....que saudade....