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UM ALFABETO PARA GOURMETS - M.F.K. FISHER

   Faz 20 anos que a Companhia das Letras lançou este livro. Merece uma reedição. Mary Frances Kennedy Fisher nasceu em 1909 e este livro é de 1949. Na época, Auden disse que ela tinha o melhor texto em inglês. Os amigos a pressionavam para que dedicasse sua escrita sublime a coisas mais nobres que comida. Não entendiam que para ela nada era mais sublime que comer. E beber.
  Ela nasceu numa família rica e feliz. Casou jovem e foi morar em Paris. Se casou mais algumas vezes e voltou aos EUA, Califórnia, Hollywood. Foi amiga do pessoal que fazia filmes. Não toca no nome de ninguém, nunca fofoca, ela é fina.
  O livro, pequeno, elegante, fala de seus jantares inesquecíveis, de bebidas favoritas, de noites mágicas, de modas efêmeras, tudo escrito com um estilo saboroso, leve, borbulhante. Ela não escreve sobre comida, ela escreve sobre a vida, e por acaso, para ela, viver é amar, e para amar se deve comer. Na verdade o amor é tão discutido no livro como a comida.
  A escrita ainda nos revela como era a comida americana nos anos 40. Nada de muito diferente. Talvez menos frango e mais caviar. Menos whisky e mais gim. França e Itália dominavam a culinária. Ainda dominam hoje. Mas em 1949 eram apenas os dois. Iguarias hoje mais raras eram um pouco mais comuns. O caviar era comprado por quilo. O salmão era caçado.
  O mais divertido são os cardápios que ela tem dos reis ingleses de 1600, 1700... Era carne, carne, carne e mais carne. E coisas estranhas como línguas de cotovias, patas de tartaruga, rins com calda de mel...Tudo era misturado, doce com miúdos, frutas com sangue. Em toda refeição eram 8 pratos principais, 20 entradas diferentes, 12 sobremesas diversas e mais uma centena de acompanhamentos ( que nunca eram tocados ). São esses acompanhamentos que hoje fazem a base de nossos pratos mais comuns.
  Um livro que a gente lê devagar. Com calma. Um prazer de mesa, sofá e cama.

THOMAS MANN

   Thomas Mann mudava de ideia. No começo foi um aristocrata. Defendia a Alemanha e detestava a França. Para ele, ser alemão era amar um poder central e abominar a democracia. Mann via na influência francesa o mal do vulgar, do comum, do banal. Ele desejava a aproximação da Alemanha e da Russia. Era contra a Europa.
   Depois Thomas reviu sua posição. Passou a aceitar o tempo da mudança e depois de 1918 começou lentamente a crer numa espécie de socialismo aristocrático. A Alemanha poderia ser europeia, desde que não fosse francesa. A Europa que ele aceitava era a eslava, aquela da Tchecoslováquia, da Hungria, e a Europa suíça e austríaca. Seu orgulho alemão ainda era exaltado.
   Veio o nazismo e Mann cai na real. A Alemanha se torna o mal. A nação que abomina a civilização. A vida de Thomas Mann, aos 60 anos, se agiganta, ele finalmente sai de sua concha, se arrisca.
   Se tivesse de definir Thomas Mann em uma palavra esta seria: vaidade. E se tivesse de usar uma segunda palavra seria egotismo. Ele não era mal, em sua vida nada há de destrutivo, mas sua visão ia apenas até o espelho. Ele era incapaz de perceber o outro. Cada ato de sua vida, que foi bem movimentada, tinha por foco apenas seu bem estar.
   Nasceu em berço de ouro. Sua mãe era brasileira de Paraty. Julia Mann viveu aqui até os 11 anos. Foi uma dondoca de sociedade na Alemanha, em Lubeck. Thomas foi um jovem vaidoso e nada infeliz. Escrevia. E era homossexual. Conscientemente gay. Mas amava rapazes a distância. Nunca viveu sua homossexualidade em carne, mas a vivia em sentimento e assim se dizia feliz.
   Casou e teve 6 filhos. Erika era uma atriz combativa, selvagem, lésbica. Vestia terno e se casou com o poeta gay Auden ( excelente poeta ), para poder ter a cidadania inglesa em 1935. Klaus era o filho favorito. Escritor, tentou ter o sucesso do pai. Viciado em morfina, homossexual promíscuo. Michael era violinista conhecido. Foi o único filho a brigar com o pai. Esses foram os filhos mais importantes.
  Heinrich, irmão de Thomas, se tornou escritor oposto ao estilo barroco de Thomas. Escrevia rápido, falava abertamente de sexo, era hetero, politico, algo vulgar. Os dois nunca brigaram de fato, mas foi uma relação difícil. Heinrich Mann é o autor de O Anjo Azul.
  Thomas Mann se tornou famoso logo com seu primeiro romance, Os Budenbrook. E desde então jamais teve dificuldades financeiras. Viveu sempre bem, com carros, empregados, viagens, férias. A Montanha Mágica virou sucesso europeu. Thomas cobrava caro por palestras, e os convites não paravam de chegar. Se quisesse ele ficaria rico só com suas aparições públicas. Sua vida teve muito do atual rock star. Excursões cercado de aplausos, fãs, puxa sacos, jornalistas, fotos.
  Todos os seus grandes livros lhe tomaram anos de trabalho. Entre eles escrevia contos, novelas, artigos; trabalhos curtos para nunca sair da mente do povo. Incrível é saber que esses livros gigantescos, difíceis, áridos, vendiam tão bem. Thomas Mann, no tempo de Hitler, era o alemão mais famoso do mundo. E logo começou a fustigar o mais vil líder do mundo. Se exilou na Suíça e depois na Califórnia. Mann amava a Alemanha, mas graças ao nazismo, seu desgosto com o país foi profundo. Hitler destruiu toda a herança cultural alemã e Thomas viu nesse ato o fim irrevogável da Europa. O humanismo teria sido profanado. O mundo a partir daí seria anti-humano, negação de tudo que pudesse lembrar o homem de antes de 1930.
   Thomas Mann não era fácil. Metódico, sempre vestido como um executivo, controlado, hipocondríaco, exigindo silêncio, querendo ser o centro do mundo, distraído, ávido por dinheiro, amante de adulação, se dando uma importância desmedida. Queria ser o Goethe dos novos tempos. E sabia que ninguém poderia ser mais oposto à Goethe que ele mesmo.