Mostrando postagens com marcador anos 80. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador anos 80. Mostrar todas as postagens

NOVO AEON - RAUL SEIXAS....SIM, É RAUL E É SEIXAS

Eu nunca ouvi Raul Seixas. Quer dizer, eu ouvi o que era obrigado a ouvir. Ele estava sempre na TV entre 1974-1977 e no rádio. Então eu ouvi muito dez ou doze canções dele que todo mundo ouvia. Mas eu não gostava dele. O achava sujo, feio, de mal gosto. Sim, sempre fui um esteta. Fresco até o umbigo. ------------------- Tenho uma amiga que tem um pai de 65 anos. Nascido no Ceará, pobre de doer, ele veio para São Paulo em 1980 e morou em barraco de tábuas. Passou fome. É do povão. Pois bem. Esse homem adora forró, música brega e Raul Seixas. Sabe tudo de Raul decorado. Canta Raul. ----------------- O rock brasileiro pós anos 80 sempre foi elitista. Salvo poucas excessões, era feito por jovens filhos da elite e escutado por jovens que se viam como elite. Nunca conseguiu atingir o povão. ( Mamonas Assassinas conseguiram e eles sempre me lembravam Raul Seixas em versão idiota ). Mas não é só isso. Cazuza, Renato Russo, os Titãs parecem terrivelmente pobres, em som e em letras, se os compararmos com este disco. Novo Aeon seria um disco perfeito se não fosse uma faixa muito ruim, Caminho II, mas mesmo assim é um disco que humilha Arnaldo Antunes ou Humberto Gessinger. É de uma riqueza de som e de verbo que somente um homem especial poderia atingir. Raul é o único gênio na história de nosso rock. E, esperto, atingiu o povão sem forçar nada. Sua arte era incrivelmente natural, portanto, brasileira. ------------------------ Fico espantado em imaginar que pessoas semi analfabetas escutassem algo tão belo e bem escrito como A Maçã, uma obra prima completa sobre a relação homem e mulher. Ou a anárquica mensagem de Fim de Mês, uma festa de rimas não óbvias em ritmo do nordeste do Brasil. Ele antecipa a mangue beat. Tente Outra Vez é heroico, Rock do Diabo é rock de primeira, Eu Sou Egoísta é grito de independência, e Tú És o MDC da Minha Vida tem uma letra que me deixou muito, muito surpreso: Caramba!!!!! O cara era bom!!!! O cara era muito muito bom!!!! --------------------- Descobrir Raul Seixas na idade em que estou, ver que uma faixa como Sunseed parece o indie dos anos 2000, faz de mim um provilegiado. Chegar aos 60 anos tendo a chance de ouvir a obra de Raul PELA PRIMEIRA VEZ não é pouca coisa. Portanto, TOCA RAUL! digo bem alto agora para quem estiver por aí.

THE BIG CHILL - O REENCONTRO, FILME DE LAWRENCE KASDAN seu melhor filme

Quando feito, em 1983, filmes ainda não se valiam de músicas já famosas para conseguir criar um clima favorável. A partir da década de 90 isso se tornou lugar comum. Um filme como QUASE FAMOSOS é muito valorizado pela verdadeira chantagem emocional que ele faz usando músicas míticas. Não há como não achar uma cena linda se ele for exibida ao som de sua banda favorita. Tarantino fez toda sua carreira sabendo disso e eu ficaria aqui horas falando de filmes queridos que se valeram da verdadeira apelação musical. --------------- Em 1983 isso ainda era raro. Kasdan, diretor da turma de Spielberg, aparecia na época como novo bom diretor. Ele acabou não sendo o que se esperava, e este é seu melhor filme. Começar ao som de I Heard Through de Grapevine com Marvin Gaye ajuda muito. Amigos que estão por volta dos 35 anos recebem a notícia do suicídio de um deles. E essa morte os faz se reencontrar após cerca de 10 anos. Ex jovens universitários de 1971, 72, eles são, em 1983, adultos bem vestidos, atrás de sucesso, de dinheiro, de um rumo, sendo alguns bem sucedidos, outros não. Todos eles fumam maconha, jogam futebol, ouvem rock e assim passam o fim de semana juntos. O filme tem algo de muito bom: Não procura nada de melodramático ou sensacional. Tudo ocorre sem forçar nada. Pouco se fala da morte do amigo, pouco se chora, pouco se faz filosofia barata. Na verdade o que move o filme é o sexo, natural, inseguro, amigável. -------------- Essa naturalidade, que acabo de elogiar, é também o ponto fraco do filme. Esperamos o motivo do porque dele ter sido feito, esperamos uma explosão de raiva e de dor, e quando termina sentimos que algo foi deixado de lado. Ele não tem nenhum grande momento. ------------ Kevin Costner é o corpo enterrado no começo do filme. Suas cenas foram cortadas e assim este não é seu verdadeiro primeiro filme. Kevin Kline já era uma estrela em 1983 e ele rouba o filme facilmente. Aliás, como sempre fez. Kline é um ator adorável, um dos raros atores que consegue passar alegria genuína na tela. Glenn Close é sua esposa, e os dois são os mais ajustados e os mais ricos entre eles. Ex radicais ativistas, hoje vivem em paz. William Hurt faz algo muito raro num ator: Ser discreto sendo doentio. Ele faz um ex soldado do vietnã impotente, doido, drogado, e Hurt compõe esse personagem sem exibir o tipo "doido perigoso exagerado". Se contém, cria alguns gestos discretos recorrentes. É uma grande atuação. Há ainda Jeff Goldblum, hilário como o amigo chato e Meg Tilly é a ex namorada do cara que se matou, bem mais jovem que todos eles, de certo modo ela é o olhar da geração dos anos 80 sobre os ex hippies dos anos 60-70. Meg está natural, atraente, selvagem, apaixonante. ----------------- O enterro é ao som de you cant always keep what you want, dos Stones e eu ouço pensando que em 1969 a banda atingiu um tipo de grandeza genial que ninguém mais conseguiu. Penso também que é muito estranho um filme falar do Mítico Passado, passado esse que na época, em 1983, era velho de apenas 15 anos! Seria como fazer hoje um filme sobre "Os bons e velhos tempos de 2009!!!!" ---------------- Na verdade o mundo mudou demais entre 70 e 83. ------------------- 2024, o mundo do agora, é um mundo criado pelos caras da mesma geração dos caras do filme. Este planeta é comandado exatamente pela mesma turma, Gates, Musk, Obama, Merkel e Spielberg. Bom filme.

RIO DURAN DURAN, OU NADA COMO O TEMPO

Leio que recentemente este disco foi considerado um dos 50 melhores discos ingleses de todos os tempos. Lembrei então que eu já o considerei um dos 10 melhores dos anos 80. Ouvi RIO por anos com prazer visceral. Era um disco de verão, solar, pra cima. E lindo. Ouço-o hoje, após tanto tempo. Sim, ele se mantém. Ao contrário de coisas como Echo and The Bunnymen, que são bons, porém datados, Rio não tem época. É de 1982, e é de qualquer tempo. ------- Recordo então do contra-baixo de John Taylor, sempre digno da escola Bernard Edwards de groove. Me surpreendo com a guitarra pesada de Andy Taylor, na verdade ele era o diferencial no som da banda, e os teclados discretos e ao mesmo tempo dominantes de Nick Rhodes. A banda era profissional. Tocavam bem, muito bem, e tinham algo a transmitir. ---------------------- No verão europeu de 1982 eu estava lá, eu vi. A Europa começava a respirar pós crise dos anos 70. Roupas muito coloridas, carros pequenos laranja ou amarelo limão, e uma infinidade de shows. Numa feira de rua nos cafundós de Portugal, comprei Rio do Duran Duran. ( Nessa barraca de rua havia também Talking Heads, Classix Nouveau, Adam Ant, XTC e Stranglers. Comprei tudo isso. Essas coisas não existiam no Brasil de então ). Para quem não sabe esse foi o verão New Romantic e a ordem era ser bonito. Mas esse "bonito" era aquele de brincadeira, um visual que misturava Lord Byron-Oscar Wilde e sci fi dos anos 50. O Duran Duran foi o primeiro a largar esse visual. Passou a seguir o estilo Roxy Music do disco Manifesto. Mas Simon Le Bon e sua gangue não largaram o modo de estar e de ser. Festa. ------------------- Lonely in your Nightmare seria alegremente assinada por Bryan Ferry. Hold Back The Rain é esfuziante. E os hits são aquilo que hits deveriam ser sempre: sublimes. Todo o POP inglês dos anos 80 beberia nessa fonte. Luxo dançante. ------------ Quando voltei ao Brasil, setembro de 82, o Duran Duran começava a tocar no rádio. Mas só se tornaria famoso por aqui em 1984. Me surpreendi ao saber que a Blitz era uma febre no país. Era uma banda que tentava trazer o clima que eu vira na Europa para esta taba. Gostei. Eu achava que era o fim do bode Gonzaguinha-Simone-Maria Bethânia. Não era. --------------------- O tempo fez justiça a este disco. Ele é muito bom.

SE VOCE NUNCA OUVIU THE X VOCE É UM BOBO

Se voce nunca ouviu The X voce é um bobo. Por que? ------------------- Porque é rock n roll em estado puro. Porque é o meio termo perfeito entre a alegria colorida dos B'52s e o punk rock dos Ramones. Mas não é bem isso! É adrenalina mas é também cérebro. É produzido por Ray Manzareck. Mas é mais. É o som dos skates de Venice Beach nos alegres anos de 1980, o consumo lá em cima e a molecada na rua fazendo festa. Mas é mais: John Doe tem a guitarra mais simples do mundo , mas não é minimalista. E que coisa: lembra Jefferson Airplane por causa dos vocais em duo de John e de Pauline E. Mas é mais ainda: é perigos e é sexy pra caramba. ------------------------ Se voce é bobo voce não ouviu The X e nem vai ouvir. Entre 1980 - 1984 eles foram centrais no underground made in USA. E acima de tudo eram fun. Muito fun.

MEU TEMPO E SEU TEMPO

======================================== O meu tempo não é o seu tempo. E isso é corriqueiro. ---------------- Luis Schiavon morreu nesta semana e disse uma frase interessante ( frase que sinto sempre ): " O pior de ficar velho é se despedir de seu mundo. Ele desaparece dia a dia ". Não, não pense que este texto é choroso. Não faço elegias ao meu tempo. Ele existe enquanto existo. E tenho orgulho em ser dele e não deste. Muita coisa se foi, mas eu estou aqui. Sujando e poluindo o mundo de hoje. ------------------ Fui criança nos anos 60 e o que morreu daquele tempo foi o espaço. Havia espaço, não apenas uma quantidade imensa de terrenos vazios e ruas desertas, veja os mapas de então, como espaço para planejar. O futuro parecia um campo sem muros. Otimismo baby, um imenso otimismo. Nas ruas, tomadas por crianças, seja aqui seja no Japão ou em NY, o que mais lembro são dos rádios, volume alto, muita música. Música alegre. Minha cidade era muito pobre, mas não se ligava muito pra isso, porque a vida era vivida na rua. Em comunidade. Muita festa: carnaval com lançaperfume, guerra de confetes, em cada rua crianças jogando água em quem passava. Páscoa com os Judas amarrados nos postes. Festas juninas com fogueiras nos quintais e balões aos céus. Muita pipa, pião, bola, corda pra pular. --------------- Minha melhor década foram os anos 70. Quadrinhos, as bancas tinham cerca de 50 títulos mensais de quadrinhos. Discos e revistas de mulher pelada. Foi uma década colorida, de rock e de surf na alma. Carros amarelos, laranja, verdes, camisas de estampados absurdos, calças rosa e roxa. Tudo era exagero e eu exageradamente só pensava em mulheres e rock. Longos cabelos, longas noites na rua, longas conversas, Amigos vinham em casa sem avisar, porque ninguém tinha telefone, então pra ver alguém tinha de ir lá e correr o risco de dar com a cara na porta. Normal. No fim da década veio a discoteque e a coisa mudou, agora a gente tinha de ser elegante. E saber dançar. Adorei. ------------------- Os anos 80 foram uma chuva de cocaína. Todo mundo cheirava, era barato. Década de se sair toda noite e voltar com o sol. Eu detestei essa década desbundada, onde se falava muito, onde todo mundo parecia histérico, onde nada fazia sentido nenhum. Foi minha década pesadelo mas também minha década de apaixonado, em love por livros, filmes, meninas, praias, festas. Tudo sem regra, tudo free. Foi o tempo mais livre, mais irresponsável, mais over que eu vivi. ------------------ Nos anos 90 começaram os primeiros anúncios do que somos hoje. Mas ainda era louco. Foi um tempo que tentou pegar o melhor dos anos 70 e juntar ao que havia de bom dos anos 80. Não rolou. Os anos 90 foi um replay dos anos 70 em modo cínico. De repente tudo que era dos anos 70 era cool: filmes, discos, cabelos, roupas, modismos, tudo feito em 1976 parecia cool em 1996. Mas a coisa era fake, 1996 tinha uma frieza e uma melancolia que não havia em 76. --------------------- Então veio 2000 e logo veio a queda das torres e o mundo virou uma merda. A propagação do medo fez de nós um bando de dedo duros sem trégua. É um mundo de pavor, de cuidados, de receios e de policiamento absoluto. Quem nasceu dentro desta paranoia não pode a perceber, isto é tudo que se conhece, mas para a minha geração a coisa é ridícula. ------------------- Meu mundo tinha Paulo Francis e Nelson Rodrigues. E eles seriam impossíveis hoje. Meu mundo tinha Von Karajan e George Solti. Eu vivi sabendo que Dali e Miró estavam vivos. E fui acostumado a esperar um livro novo de Saul Bellow, Norman Mailer, John Updike e Graham Greene. Eu conheci o cinema lendo sobre a estreia dos novos filmes de Bunuel, Truffaut, Kurosawa e Bergman. Quando comecei a ir ao cinema sozinho, aos 13 anos, ainda produziam filmes gente como Hitchcock, Elia Kazan, Vincente Minelli e pasmem!, George Cukor!!!! Kubrick e Fellini estavam cheios de energia. ----------------- Aqui no Brasil a nova música tinha Secos e Molhados, Alceu Valença e Fagner. O país crescia a 12% ao ano. Mais que Coreia do Sul ou Singapura. Tivemos nossa chance. Mais uma. 1988 mataria nossas chances. ------------------ Esse é meu mundo e todo dia eu vejo um pouco dele sumir. O primeiro sinal faz muito tempo, foi a morte de Lennon em 1980, um sinal de que minha infancia estava partindo. Depois foram centenas: desde a casa de minha ex que é demolida, a rua que fica cheia de prédios, o amigo que morre ou enlouquece. -------------------- Mas o fim de meu tempo não é exatamente a morte de um guru ou a destruição de uma memória física, a morte do meu mundo é muito mais cruel e muito mais sutil, é o fim de um modo de viver, de pensar, a morte de valores e de sonhos. É o fim do "numa boa", a extinção do "eu quero é mais", o silenciamento do "é proibido proibir", tudo isso trocado por coisas, para mim ridículas, atitudes que cobram de todos uma espécie de eterna guarda, eterna tensão contra "o inimigo", inimigo que não existe, que é um espantalho criado para unir os diferentes em pseudo igualdade. ----------------- No meu mundo ser diferente era ser melhor. Hoje são todos falsamente iguais. A diversidade dos que pensam o mesmo e são diversos apenas na fachada. ------------------------ Meu mundo ria, ria muito. Ria do careca, do gordo, do magro, do baixo, do alto, do preto, do portuga, do gringo, do paulista, do baiano, do gaúcho, de todo mundo. Rir era recomendado e se voce era alvo de riso, então que se crie uma piada melhor como resposta. O brasileiro era famoso por contar piada. Por rir. Se contava piada no ônibus lotado, na praia, no bar, na escola. E acima de tudo, se admirava a mulher.... Se amava a beleza, as curvas, o sorriso da mulher. Drummond, Vinicius, Bandeira, eles falavam da mulher que passa, do molejo, do bamboleio, da felicidade que era a presença da mulher. ------------------------- Preciso dizer que isso morreu? As feias tiveram sua vingança. --------------------- Irreconhecível mundo meu. Amado mundo meu. -------------------Penso então que ele não morreu. Na verdade ele passa, eternamente, em looping, bamboleando como aquela mulher indo à praia. ---------------- Não falo de mulher por acaso, a beleza e o elogio à beleza são hoje atitudes rebeldes. Nada parece mais revolucionário que amar a beleza e elogiar a mulher como ser mágico e encantado encantador. -------------------- Então encerro dizendo que elas ainda existem e ainda são lindas e que o eu de 13 anos, que as descobria e as amava como fossem elas mágicas, tem seu canto em meio a melodia da moça que passa ao caminho do mar. Pois a moça bonita e o mar, esses não mudam, não morrem e resistem. E eu, ainda aqui, e esperando viver pelo menos mais 20 anos, testemunho, alimento, insisto e faço presente o meu mundo vivo. E como diria o poeta maior: Bebete vão bora pois já tá na hora!

THEY ALL LAUGHED - PETER BOGDANOVICH. AME OU DESPREZE.

Feito em 1981, este filme foi talvez o maior dos fracassos de Peter Bogdanovich. Eu o assisti por volta de 2000, em alguma emisorra à cabo e o revi ontem, em dvd. Nos extras, antes do filme, há uma bela entrevista de Peter, feita em 2006 por Wes Anderson. Wes diz que They All Laughed é o mais Jean Renoir dos filmes de Peter, isso porque, como em Renoir, todos os personagens são boas pessoas ( com excessão do marido de Stratten, que mal se vê ), todos são gente que adoraríamos ter como amigos. Além disso, o filme tem apenas um fiapo de enredo, o que importa é a interação entre as pessoas. Aqui, como em Renoir, é mostrado que na VIDA NÃO INTERESSA AQUILO QUE FAZEMOS, MAS SIM A INTERAÇÃO ENTRE EU E VOCE. -------------- O que acontece de "ação" ? Na Nova Iorque de 1981, uma cidade que no filme parece um tipo de paraíso de vida e cor, três homens, detetives, espionam duas mulheres, suspeitas de traírem seus maridos. O que assistimos são as perseguições pelas ruas dessas mulheres, depois o encontro dos detetives com elas em hoteis e bares, restaurantes e taxis, e por fim o amor que nasce entre detetive e esposa infiel. Mas, observe, nada disso importa. Não há suspense ou surpresas, o que interessa ao filme é o amor, e somente o amor. Durante todo o filme as pessoas beijam, trocam de parceiro, riem, levam tombos, correm, fumam, vão para a cama e dão a volta por cima. Se voce deseja ação tradicional, voce irá odiar este filme. Mas se voce ama ver gente adorável "vivendo", voce vai usufruir de duas horas de belo prazer. É um filme onde voce mora, não assiste. ------------- O absurdo do filme é que ele tem um final trágico na vida real. Na época, Peter estava feliz e profundamente apaixonado pela ex poster da Playboy, Dorothy Stratten, que era casada. O filme tem a estreia de Stratten como atriz e SEU MARIDO NA VIDA REAL FAZ O MARIDO CIUMENTO QUE SÓ APARECE EM DUAS CENAS AO LONGE. Pois ele a mataria num acesso de ciúmes e Peter mergulharia numa tristeza que o marcou até o fim da vida. Nunca no cinema houve nada parecido com isso. Em absoluta falta de pudor ou senso de distanciamente, Peter, o amante, faz um filme onde John Ritter, alter ego do diretor no filme, se apaixona por Stratten, que tem um marido ciumento. É absurdo! Mas há mais: o filme tem Ben Gazzara, como outro detetive que investiga a infidelidade de Audrey Hepburn. No processo os dois têm um caso e se separam, ela fica com o marido. Pois bem... na vida real, Ben e Audrey, ambos casados, estavam terminando um caso doloroso entre os dois!!!! Vendo o filme, percebemos a emoção de Audrey ao viver na tela aquilo que ela vivia na vida, e com mesmo ator que ela amava. Sim meu caro, nunca se fez um filme assim...e o mais fantástico é: tudo é feito com leveza e humor. ( Dorothy seria assassinada ao fim das filmagens, antes do lançamento do filme, crime que matou qualquer chance de sucesso da obra ). O assassinato de Stratten daria tema a outro filme, STAR 80, de Bob Fosse, de longe o pior filme de Fosse, um drama pesado que ninguém entendeu porque foi escolhido como tema por Fosse. STAR 80 matou a carreira do seu diretor. Como se não bastasse tudo isso, o filme ainda tem no elenco o filho real de Audrey fazendo um belo latino tímdio, e as filhas de Peter fazendo as filhas de Ben Gazzara. E como uma taxista que vai pra cama sorrindo com todo homem que ela simpatiza, temos Patti Hansen, ex modelo, loura e muito alta, que um ano depois seria a senhora Keith Richards, papel que ela faz até hoje. Ela quase rouba o filme. Bastante masculina e muito bonita, ela tem carisma de sobra. Pena não ter seguido carreira. ------------------- Companheiro de geração e de turma de Copolla, Scorsese, Friedkin e De Palma, Peter teve uma carreira muito mais variada e, porque não dizer?, interessante. Eu amo os riscos absurdos que ele corre, o modo como ele ignora a moda cinematográfica da época, o mundo sem ódio e sem horror que ele sempre nos dá. Este não é um grande filme e talvez nem seja mesmo um bom filme, mas eu amo esta coisa que roda na tela. Tudo que posso dizer é OBRIGADO PETER.------------------------ ps: A TRILHA SONORA É TODA DE CLÁSSICOS AMERICANOS, GERSHWIN ETC....QUE BELA SURPRESA OUVIR, EM TODA A CENA NUMA LOJA DE SAPATOS, ROBERTO CARLOS CANTANDO "AMIGO!!!!!!! A MÚSICA INTEIRA ROLA ENQUENTO COLLEEN CAMP COMPRA SAPATOS. QUE LINDO!

LIFES RICH PAGEANT - REM E O GÓTICO AMERICANO

Um europeu, isolado em imenso novo mundo, olha aquele espaço e vê nele espírito pagão. Ao redor, cobras, corvos, lobos, ursos, florestas sem fim, névoas. Esse o gótico americano de Hawthorne, Poe, Melville. O Brasil não teve um gótico, infelizmente, porque não havia ninguém aqui para ler nada. Éramos todos analfabetos. ------------- Na Georgia, terra dos REM, o gótico foi muito forte. E no século XX ainda se viam velhos casarões abandonados, cercados de mato, estátuas em ruínas, janelas com fantasmas à escuta. FABLES OF RECONSTRUCTION, o maior e melhor disco do REM, é um mergulho nesse mundo. Mergulho tão profundo, tão próximo da loucura, que a própria banda tentou o renegar depois. Foram para a Inglaterra e o gravaram lá, sob a produção de uma lenda, Joe Boyd, o homem que produziu o folk inglês mais alucinado ( Incredible String Band ). Em algum ano perdido, aqui, neste blog, eu escrevia sobre essa obra prima. Procure. Espero que meu texto seja minimamente digno do disco. -------------- Após FABLES OF RECONSTRUCTION, o REM chamou Don Gehman, produtor de John Mellencamp, um cara que fazia alguns dos discos mais quentes da época, e é incrível como nos anos 80 eu escutava tanta música, e gravam LIFES RICH PAGEANT, o mais viril LP da banda americana. Begin the Begine já dá o tom, o som é forte, alto, afirmativo, decidido. Bateria lá em cima, Michael Stipe cantando de modo duro, sem choro nenhum. É um muito grande disco, não ao nível mágico de FABLES, nem tão perfeito e poético como MURMUR, mas um muito ótimo disco de rocknroll. E o REM quando queria fazia rock como ninguém. Hyaena é uma canção sublime e rebelde, assim como Swan, Fall on Me e todas a outras. Feito em 1986, no ano mais difícil e belo da minha vida, é trilha sonora de uma geração, a minha. ---------------- Infelizmente, com o correr do tempo, o REM se tornou pai de uma multidão de bandas chorosas muito ruins. E o próprio Stipe se transformou numa espécie de guru chorão do politicamente correto. O cara tão elétrico, cheio de adrenalina de 1983-1987 sumiu para sempre. Fica a obra. Murmur é histórico, um dos maiores discos de estreia de qualquer banda em qualquer tempo. Fables é uma das cinco ou seis maiores obras primas melancólicas do rock e Lifes é uma ressureição. Document viria a seguir e depois o conformismo de bom moço. --------------- Como disse em outro post, uma boa banda tem no máximo 3 grandes anos. Uma banda ótima tem 5. O REM teve seus 5 grandes, grandes anos, quando dividia com Smiths o posto de maior banda indie do mundo. Foi bom enquanto teve gas. Fica o testemunho gravado.

É PRECISO FAZER AS PAZES COM OS ANOS 80

Eu e o mundo precisamos nos reconciliar com os anos 80. ----------- É a década em que eu tinha 20 anos, 21, 22, e desde sempre eu gosto de dizer que foi a pior década da história. Por que? Foi mesmo? ------------- Não. Esta década é muito, muito pior, assim como pior foram os anos 2000. Na atual ditadura do feio e do incompetente, é hora de voltarmos aos moços de gel e terno Armani. O ambicioso assumido e o bonito sem culpa. Chega da hipocrisia de vender Coca Cola como produto do bem, ou uma conta em banco como ato de bondade ecológica. É hora de beber Coca porque é bom e abrir conta para tentar ficar rico. Mais verdade por favor, menos babaquice infantil. --------------- O mundo nadou em dinheiro nos anos 80, o Brasil não, temos uma vocação para ir contra a maré mundial, e por isso a beleza se tornou alvo dominante. Não se usava o feio para nivelar o homem por baixo, se almejava o belo como alavanca de consumo. E esse consumo nos fazia melhores, mais belos e mais despertos. Imbecis dizem que foi a década do cinismo, mas não, foi a mais real. Somos ambiciosos e amamos o que é rico e bonito. Cinismo? Não. Mundo real. -------------- Tempo em que tudo era visual, o que se buscava era ser ou pelo menos parecer brilhante. Não havia culpa nenhuma em ser bonito ou querer ser, e o riso, ele era geral. Podia-se rir. Rir não era humilhar ninguém. Que cada um fizesse sua piada. -------------- Eu amava esse mundo até 1984, mas então, por uma crise pessoal, passei a odiar aquele tempo. De 1985 até 1990 fui profundamente infeliz e culpei a década por um mal que era apenas meu. Tudo que me recordasse aquele tempo passou a ser deprimente. Uma década feliz, em minha mente parecia ser um necrotério. Mas...2023 é um período tão negativo que agora eu me reconcilio com 1986 ou 87. Como disse, é hora de demitir o executivo de cabelo pink e delírios sobre "mundo sem mal" e chamar os yuppies de 1982 para dar um jeito na bagunça. --------------- Exatamente como aconteceu em 1981. Os anos 70, que adoro, foram um kaos provocado por líderes pressionados a puxar o freio. O mundo quase faliu e nos anos 80 os tais hiper executivos consertaram a bagunça. Hoje o que vemos é a transfomação dos ideais dos anos 60 e 70 em lei única. O que, lógico, leva o planeta à pobreza. Hippies, freaks e poetas não sabem e não querem fazer dinheiro. Eles visam uma ideia e não acumulo de capital. Não entendem que economia não é filosofia, é ciência exata. Hora dos caras que pensam em números e não em rimas. ------------------ Sim, eu era esnobe. E minha saudade é muito maior dos anos 70, quando eu tinha 12, 13 anos, que dos anos 80, onde aos 22 eu me perdi em noites de loucura sem hora para terminar. Mas as meninas eram lindas com seus vestidos de seda vermelha e suas luvas rendadas. E eu amava meu paletó branco com meus sapatos de couro azul. Tudo era uma tentativa de ser lindo. O tempo todo. Oscar Wilde dava as cartas e se hoje parecemos bregas, pense nas roupas do cara mais famoso do RAP ou do Funk de hoje e compare com isenção. Abra uma Vogue ou Elle de 1988 e compare página por página com uma edição atual de qualquer site de moda. Voce vai entender o que digo. Não há hoje nada que lembre vagamente o tempo de Linda Evangelista. --------------- A arrogancia imperava, ser vaidoso não dava raiva em ninguém. Eramos como um bando de pavões a se exibir. O futuro parecia ter duas alternativas: o fim do mundo ou uma festa sem final marcado. Quem diria que seria uma depressão do bem? Não esqueça, em 1985, até uma banda alternativa como Smiths tinha visual vaidoso. Ninguém sairia de casa ou faria um show sem pensar horas no que usar. Camiseta e jeans? Nunca! Os anos 70 estavam mortos baby. Apolo dava as regras. Então, seja David Lee Roth ou Robert Smith, o visual e a atitude devem dizer algo sobre "um estilo só seu". Vaidade e mais vaidade. Quem imaginaria que o mundo sentiria falta desse tipo de atitude? Aquela que remete ao desejo de ter e não ao querer agradar. Nós tínhamos. Não ligávamos em agradar. Qualquer filme que mostre a classe média de então vai te surpreender: a gente tinha muita coisa: brinquedos, aparelhinhos, roupas, discos, livros, móveis, carros, coleções, uma abundancia de posses. E nem pensávamos em parecer corretos ou discretos. ------------------ A frase da Nova Ordem Mundial: Voce não vai ter nada e será feliz, em 1986 seria considerada uma sentença de morte. E ela é. Hoje fomos treinados a nem mesmo pensar no que ela significa. ---------------------------- Passo agora diante da vitrine da Chanel e vejo um vestido rosa. Me alegro. Não há nenhuma das roupas dos últimos anos. Nada de ridículos casacos de croché colorido ou calças de plástico mal costuradas. É apenas um vestido rosa que Audrey usaria. Talvez a beleza seja um bem eterno e ela renasça mais uma vez. -------------------- Sorrio.

RONDA MORTAL, UM FILME DE CLAUDE MILLER

Fracasso no lançamento, em 1983, hoje este filme, inclassificável, belo, perturbador, é um cult francês. --------------- Um detetive não consegue esquecer da filha. Anos atrás a esposa o abandonou e levou a criança junto. Ele nunca mais as viu. Hoje a filha deve ter 25 anos de idade. Sua chefe o encarrega de encontrar um milionário desaparecido. Ao investigar, ele descobre que a namorada o assassinou. A matadora é uma jovem de 21 anos, e aos poucos ele descobre que ela é uma assassina compulsiva. Ela mata todos que a namoram e todos são ricos e belos. ---------------- O detetive, que tem o hábito de pensar em voz alta, passa a seguir a matadora. É testemunha de tudo que ela faz, e sem que ela perceba, a ajuda. O filme se desloca então por várias cidades, vários hoteis, vários sets. Sabemos que ela não é a filha desaparecida, e pela data de nascimento, ele sabe disso também. Mas ele a trata como fosse sua filha perdida. Não importa, ele precisa ser pai. O final do filme é de beleza perfeita. ---------------- Michel Serrault faz o pai. O que dizer? Impossível ser melhor que isso. Serrault é sempre um ator brilhante ( A GAIOLA DAS LOUCAS ), mas aqui ele se supera. O pai é patético, charmoso, triste, ousado, e na cena final, comovente. É uma persoangem dificil de fazer, pois ele não pede que sintamos pena dele. É um homem frio e sofrido, mas que nunca chora. E nem é durão. Humano. Serrault lhe dá dignidade e realidade. Uma das maiores atuações já vistas. A assassina é Isabelle Adjani, um papel mais simples, que ela faz com o distanciamento correto. Óbvio que ela é louca, inventa histórias, muda de nome, mas Isabelle consegue não cair no cliché. A trilha sonora, de Carla Bley, é jazz em alto nível. --------------- Claude Miller começou como assistente de Truffaut e teve uma carreira de sucesso ( menos aqui ). Dirige o filme no tom certo. Em mãos menos hábeis poderia cair na ironia fácil ou no horror tolo. É crível do começo ao fim. ------------------ Causa espanto a beleza dos anos de 1980. Eu havia esquecido de como o mundo era belo então. Entre 1978-1986. Roupas, lugares, tudo exala o esnobismo que era então permitido. É uma elegância que busca a beleza sem pudor algum. Éramos bonitos e sabíamos disso. --------------- Um filme espetacular!

MY LIFE IN THE BUSH OF GHOSTS - ENO - BYRNE

Gravado entre 1979 e 1980, causa espanto saber que nesse período Brian Eno encontrou tempo para trabalhar em Lodger, de Bowie, Fear of Music dos Talking Heads, lançar seus discos de ambient music e ainda produzir o sublime Ultravox. Este trabalho, Eno e David Byrne sozinhos, eles compuseram, produziram e tocaram todos os intrumentos, é considerado um marco histórico: pela primeira vez um disco usava vozes sampleadas. Sampler feito em fita, editados e produzidos por Eno. Para isso, ele gravou vozes no rádio, um cantor do Líbano, um DJ de New Orleans, um pregador religioso e até mesmo uma sessão de exorcismo. As vozes são mixadas e colocadas sobre ritmos tribais, funkeados, world music. Algumas músicas chegam a dar medo, parecem fantasmas captados para sempre. Em 2023 percebemos que este trabalho repercute em tudo que foi feito em música eletrônica 10 anos mais tarde, entre 1989-1991. Lembre-se, em 1980 NINGUÈM gravava vozes para as samplear. Se hoje isso é banal, quem começou foram esses dois irriquietos. --------------------- Eu comprei o vinyl na época e o escutei apenas uma vez. Me pareceu então perturbador demais. Eu não entendia o porque daquelas vozes, o porque de as gravar e editar, o porque dos loopings sem fim. Mesmo sendo um ouvinte acostumado a Bowie, Kraftwerk, Gary Numan, este disco parecia radical demais, simples demais, estranho demais. A música não andava. Não havia introdução e nem refrão, não havia desenvolvimento. O som era como um flash fotográfico. Um momento sonoro paralisado no tempo. E com vozes fantasmagóricas. Era inclassificável. ------------------- Tudo que foi um dia moderno se torna velho em seguida. Ouvir este disco hoje, vale a pena? Sim, vale porque é belo. A sonoridade é fantástica, o som é rico, cheio de detalhes e muito dançável. E ao mesmo tempo parece soturno. Ouça e absorva.

MACHINE GUN E O FIM DO ROCK EM 2022 ( E A MELHOR COISA DE 1980 )

Na lista dos maiores vendedores de discos em 2022, entre os 200 primeiros, só há um nome do rock. Um tal de Machine Gun Kelly. Mais nada. É a primeira vez que acontece isso. Rock virou jazz. Um dos estilos clássicos do POP americano. Apreciado por pessoas com mais de 30 anos. Insignificante para adolescentes. Música de perdedores. Eu amo. Mas eu sou um homem do século XX. Apesar de amar rock, eu DESTESTO bandas dos anos 80 que insistem em viver. Não há nada pior que a geração dos anos 80 do rock brasileiro. Titãs, Paralamas, Barão, me dão vontade de vomitar. Eram ruins em 1985. São patéticas em 2022. ------------------- Alguns sabem envelhecer. São pessoas que simplesmente esquecem a merda toda de 1985 e tocam o barco pra frente. Os anos 80 tiveram um grande tempo: 1980-1983. Depois foi ladeira abaixo. A partir de 1988 começaram a inventar o que seria os anos 90. Prince foi legal. Mas eu não preciso ficar aqui falando sobre isso né? ---------------- 1980 foi ótimo. Eu lembro, eu tava lá. No mainstream tinha o Steely Dan com Gaucho, Bowie com Scary Monsters, um bom Stones-Emotional Rescue, e na black music o começo do RAP com Sugarhill e o delicioso Kurtis Blow. Dire Straits e o atemporal Making Movies. Back in Black do ACDC, Killers do Iron Maiden e a obra prima do metal: British Steel do Judas Priest. Motorhead e Ace of Spades. Queen com The Game. Eu disse que foi um grande ano! ------------- Na música que na época era chamada cool, hoje nem tão cool, mas ainda super legal, 1980 tinha o Joy Division e o movimento do ska: Madness, The Beat e Specials. Clash com London Calling e The Jam com Setting Sons. Meu disco favorito, desde a época até hoje é Pretenders I, uma obra prima irretocável. 1980 tinha Elvis Costello, Cure, Gary Numan, Ultravox, Stranglers, Warren Zevon, The Cars, Talking Heads, B'52s, Devo, Japan, todos lançando discos bons, ou muito bons, ou ótimos. Roxy Music lançou Flesh and Blood. --------------- Na época críticos diziam que era um grande momento do rock. Que tudo que viera antes se tornava irrelevante. O rock morrera em 1977 e renascera muito melhor. A banda que eles mais elogiavam era The Clash e eu até gostava do Clash mas preferia muitas outras. London Calling era chamado de maior disco da história do rock. Eu gostava de 50% dele. Hoje eu sei, e não soa hoje tão excêntrico como parecia em 1980, que a melhor banda do mundo em 1979-1983 se chamava The Police. -------------- Outlandos D'Amour ( os nomes dos discos são maravilhosos ), foi o primeiro, em 1978. É ótimo, mas ainda tem resquícios punk. O som, único, do grupo, ainda não está afirmado. Em 1979, Reggatta de Blanc, uma obra prima, talvez seu ápice, já traz o estilo solidificado. A bateria, perfeita, dançante, hipnótica, de Stewart Copeland, domina o som. Não há bateria como a dele. Stewart é complexo, anguloso, metálico, cheio de beat. A guitarra de Andy Summers, tomada por reverb, um estilo copiado à exaustão por guitarristas de todo o mundo, faz o papel da bateria. Esse o segredo: uma inversão: os riffs são da bateria, quem pontua o som é a guitarra. Andy Summers era já velho em 1980, tinha 32. Tocara com The Animals e com Kevin Ayers. E havia Sting, um contra baixo jazzy, uma voz afinada, bonito e foi por causa de sua beleza que a banda sempre foi vista com má vontade. Roqueiros bonitos, principalmente em 1980, tinham de provar ter cérebro. Todo o tempo. ------------- Eles se odiavam. Brigavam sem parar. Era esperado, o som do Police é uma disputa entre baixo-guitarra e bateria por protagonismo. Zenyatta Mondatta é seu disco de 1980. Eu ouvi muito. Muuuuuuuito! Ainda é delicioso. A faixa final é uma das maiores execuções de bateria da história. Depois, em 1981 veio Ghost in The Machine e Sting começou a encher o saco. Passou a querer provar sua inteligência. Fez letras políticas. O disco é muito bom, ótimo, mas não é mais The Police. Veio então Synchronicity, em 1983, e a banda acabou. É um disco sobre Jung. JUNG! Stewart e Andy não aguentaram mais tanta pretensão. Acabou. Synchronicity é um dos maiores discos da história. Mas Reggatta de Blanc e Zenyatta Mondatta são muito melhores. --------------- Posto duas músicas da banda. Repare na sonoridade. No ritmo. Nos detalhes de eco, de reverb, na produção. É coisa de quem sabe TUDO de música. Enjoy it!

THE CARS. AQUELA ELEGÂNCIA PERDIDA.

Deixo claro logo de cara: eu adoro The Cars. Surgido em Boston, 1978, eles foram os reis da new wave americana. E na verdade possuem a batida e a sonoridade mais típica do movimento. Sonoridade. Quem me lê sabe que aquilo que mais dou valor em música é o timbre. E o timbre em The Cars é maravilhoso. A guitarra base com seus curtos acordes rítmicos, a bateria metálica, mixada em cima, o baixo cheio de beat, o teclado, delicioso, com sua sonoridade de sci fi. E as vozes. Seja em coro ou em solo, são vozes que nunca parecem doces demais ou tolas e piegas. Produzidos por Roy Thomas Baker, o homem que produziu o Queen entre 1973-1977, The Cars é um amor que trago desde 1980. -------- A crítica destaca o album de estreia, The Cars, sucesso nas paradas e símbolo da sua época. Mas eu prefiro o segundo album, Candy O, de 1979, para mim uma obra prima do POP. Em 1980 eles lançaram seu disco de "arte", Panorama, mais uma obra prima perfeita e em 1981 voltaram a vender muito com Shake It Up!----------------- Eu falei new wave? New wave foi o resgate do rock básico do POP feito nos anos 60 com o molho tecnológico dos anos 70. Pense em Kinks tocado com teclados de Brian Eno ou Small Faces com a produção do Kraftwerk. Isso era new wave. Uma festa! Quanto a elegância citada acima, The Cars se preocupava muito com roupas e design, preocupação comum à todas as bandas do movimento. Esse cuidado visual era refletido no som, sempre trilha perfeita para salas de bom gosto e roupas de bom corte. Um amor à beleza que está ausente no rock feito pós 2000. Pena..... ------------- Ouvir The Cars hoje é saudosismo sim. Mas e daí? Se a beleza se tornou coisa demodée, então viva o saudosismo!!! Aliás, que ironia, a new wave nasceu como saudade do rock sem solos longos e cabelos ao vento que dominavam o rock de 1976. New wave queria o fim dos solos de bateria de 15 minutos. Conseguiu. ------------------- Posto dois clips deles que amo muito.

LIQUID SKY ou UMA COMPARAÇÃO ENTRE OS ANOS 80 E 2022.

Um dos piores filmes já feitos, Liquid Sky é um documento daquilo que os anos 80 tinham de mais caracterísitico. É pretensioso, é tolo, é triste, é colorido e hiper junkie. O roteiro não faz sentido algum. Um povo da moda, viciados, vivem querendo drogas pesadas. Há também um casal lésbico, um disco voador, um alemão maluco, uma modelo trans e um clube à Madame Satã. Tudo isso interpretado pelos pseudo atores de forma robótica. A trilha sonora é péssima, um techno medíocre, mas os diálogos são ainda piores. Não há filme melhor para conhecer a década que eu vivi como pesadelo. O que acho mais interessante então é comparar o filme aos anos 2020, tempo ainda mais grotesco que aquele. ---------------- SEXO INDEFINIDO No filme muita gente tem sexo indefinido e numa das falas uma personagem diz que classificar pessoas em hetero, homo, bi não faz sentido. Uma diferença radical: em 80 a indefinição sexual era individualista, cada um era o que era, agora é uma imposição social, as pessoas querem um rótulo, todos devem afirmar publicamente sua condição. Um gay em 80 exibia sua originalidade, em 2022 afirma sua condição de gente que possui uma marca, um código, uma condição. É assim também na moda. Vemos no filme cabelos coloridos com cortes absurdos, roupas exageradas, como fossem penas de pavão. Hoje temos os mesmos cabelos e a mesma moda desequilibrada, mas com uma diferença central: em 80 o grotesco tentava capturar a beleza em seu aspecto mais radical, em 2022 cultua-se o feio como fosse belo. Em 80 o objetivo era chocar encontrando uma beleza original e única, em 2022 o objetivo é afirmar que todo feio é válido e que o belo não existe. Na superfície são mundos parecidos, no modo de agir são opostos. Um jovem em 80 se vê como a coisa mais fina, linda e chique do mundo e percebe seu tempo como um futuro limpo e brilhante. Nietzsche manda aqui: cada um é seu heroi. Em 2022 o jovem nega herois. Ele quer ser mais um dentro de um grupo de diferentes que na verdade são idênticos. O filósofo aqui é Thomas More. Eles querem crer numa utopia futura. O indivíduo deve se submeter ao meio e o meio é criação do grupo. -------------- Eu não vi Liquid Sky em sua época. Eu estava ocupado vivendo essa realidade. O filme é trágico porque fala de aids de um modo indireto. Há nele o espírito do fracasso. Jovens em 80 eram trágicos. Hoje são paranoicos. Nossa forma, em 80, de negar os caretas era rir deles e viver em nossas bolhas individualistas. O modo de negar os caretas hoje é persegui-los obsessivamente. Sim, 2022 é bem mais árido que 1980. A aids foi uma tragédia, a covid um medo irracional. A droga em 80 era ferramenta de hedonismo, em 2022 é hábito sem sentido. Já se esqueceu para o que a droga serve Em 80 eu pintava meus olhos e minha menina tingia o cabelo para sermos arrojadamente belos. Em 2022 se faz o mesmo porque seus companheiros o fazem. Imita-se. Tudo em 1980 ERA UMA TENTATIVA DE SE AFIRMAR COMO SER ÚNICO. EM 2022 TUDO É SEGUIR UM SLOGAN. Por isso, mesmo entre a esquerda, 1980 é um tempo de liberdade absoluta, enquanto 2022 é tempo de obedecer ou ser calado. Em 80 todos eram Oscar Wilde, mesmo sem o saber, em 2022 todos são Big Brother, de Orwell, mesmo sem querer ser. Afirmo sem dúvida alguma que este é o pior dos tempos nos últimos dois séculos. Porque pela primeira vez desde 1800, o bem supremo não é a Liberdade, mas sim fazer parte do grupo. Ser comparsa em um tipo de BEM criado e imposto pelo grupo. E mesmo eu, tendo consciência disso, faço parte de um desses grupos, pois sou obrigado a defender, dia a dia, sem trégua, o direito de ser diferente. E não há como me defender sem o apoio de algum grupo. Irônico não? Para tentar ser diferente, inclusive de TODOS os meus amigos e ex amigos, faço companhia a pessoas que fazem parte de um mesmo mundo. A MINHA diferença é que tenho plena consciência de ter ESCOLHIDO fazer parte, de ter como OBJETIVO jamais impor meu modo de pensar e NUNCA deixar de conversar e até mesmo amar ALGUÉM QUE SEJA DIFERENTE DO QUE EU SOU.-------------- Se este filme me despertou pensamentos, bem....então ele não é de todo ruim.

UM DISCO ABSOLUTAMENTE PERFEITO: BRITISH STEEL, JUDAS PRIEST

Uma pesquisa feita pela revista Kerrang! apontou este disco como o segundo mais importante-influente na história do heavy metal. O primeiro sendo Paranoid, óbvio, e o terceiro Rising, do grupo Rainbow ( adoro ). Mas espere!!!! Diz agora meu leitor, voce, que se dizia ROXY, falando de metal? O que houve? Well....agora respondo: Não penso no que houve, apenas sinto. Passei minha vida adulta lendo críticos vomitando que eu NÃO PODERIA E NÃO DEVERIA ouvir este tipo de disco. Então, como sempre quis ser inteligente, obedeci. Mas agora, com a podre falência da crítica, graças a Deus, ousei ouvir heavy metal com a cabeça limpa, como se eu jamais houvesse lido nada sobre o tema. E o que senti? Prazer. Um instintivo e sublime prazer. Depois, pensando, percebi aqui uma maestria em execução e em vocalização. Após meu ano mergulhado nos clássicos era lógico que meus ouvidos se acostumassem a perceber sutilezas. E ao contrário do que os críticos queriam me fazer crer, há aqui sutileza e riqueza musical. Como me disse uma amiga, músicos de metal ouvem música erudita. Todos sabem ler partitura. -------------- British Steel foi lançado em 1980 e catapultou o Judas Priest à condição de sucesso, o que ele não era até então. O disco é influente porque foi aquele que misturou metal com new wave. Ele é veloz, é urgente, não se alonga. Breaking The Law abre o disco e não parece heavy metal. É pop. Bateria e baixo têm a batida da new wave, o vocal é metaleiro e as guitarras são quase punk. Eis estilo novo. Em 1980, ano crucial para o estilo, ano de Iron e Motorhead, o Judas dava sua enorme contribuição. Rapid Fire, a faixa seguinte é uma obra prima. É um punk rock perfeito. Estou viciado nessa música, mas não só nessa. Toda banda de metal dos anos 80 ouviu e estudou muito isto aqui. É um dos mais instigantes riffs já imaginados. A seguir vem Metal Gods. Mais uma perfeição. O refrão é 100% new wave, e todo o resto é metal. Incrível que funciona. A banda, execrada pela crítica, está fazendo a mistura mais improvável de então. Grinder é maravilhosa. Incrível como o disco não cai. O nível continua lá em cima. Grinder tem um refrão chiclete, voce canta o dia inteiro: Grindeeeeer.... United é um hino para o futebol. Inicia como quase um funk infernal e tem um coro à la Queen. É a mais POP. Living after Midnight antecipa Motley Crue e todo metal MTV da década. De Bon Jovi à WASP tudo está aqui. É a faixa menos interessante, mas sua importância é gigantesca. You dont have to be Old to be Wise volta ao metal puro. Um dos pontos chave do disco. Outro refrão inesquecível. Levanta estádio infalível. The Rage é, surpresa, um reggae! Ou melhor, um metal infernal com toques de reggae no baixo. Não é forçado, creia, funciona naturalmente. Steeler, a última faixa, é a melhor. Uma obra prima irretocável. O riff, maravilhoso, corre como um super carro, o vocal nos faz pular sem parar, os solos são curtos e brilhantes, e no final há uma repetição, um looping que é hipnótico. Não dá pra ser melhor que isso. ------------------ Um disco maravilhoso e que eu lamento muito não tê-lo escutado aos 20 anos. Mas...ouço-o repetidamente desde o ano passado. -------------- O looping final está tocando aqui agora. Paro de escrever para poder pular. Delicioso.

O PERIGO DO ROMANTISMO E A BELEZA IMPOSSÍVEL, ECHO AND THE BUNNYMEN, OCEAN RAIN

Quando vi voce novamente...como um oceano em tempestade...meus navios ao mar...Ian McCullough e seus Bunnymen chegaram muito perto aqui da beleza mortal do romantismo clássico, aquele de 1800. E exatamente por isso, morreram após este disco. Pete de Freitas, seu baterista portugês morreria literalmente em acidente de moto em 1985, e a banda, lentamente, afundaria no oceano de palavras e seus ecos distantes. OCEAN RAIN, como poucos discos na história, é uma nota de suicídio. E por isso, em seu lançamento, 1984, foi profundamente incompreendido.-------------- A crítica de então estranhou o quarteto de violinos. O som que parecia separado, como se o instrumental pertecesse a um outro ambiente. Chmaram Ocean Rain de fiasco, de engodo, de ego trip, de vergonha. Hoje ele é considerado um dos grandes discos de todos os tempos. ------------- Lembro que diziam que a banda havia revelado aqui suas influências: Doors e Love. Dio mio!!!!! Love só por causa dos violinos? Doors pela voz clara? Não há nada de Love aqui! Nada! Ocean Rain tem algo de Astral Weeks e qualquer um percebe isso. De resto, é obra de um coração inspirado. -------------- Lloyd Cole com Rattlesnakes e Ocean Rain....os dois discos românticos de 1984 são amores que guardo desde então. Ambos foram mal recebidos, ambos permanecem após quase 40 anos. Quarenta anos! ------------------- Eu fui o cara que chorava pela menina que se deu para outro e eu andava pelas ruas, sozinho, sem saber direito o que fazer daquilo que chorava em mim. No fim de 84 vivi uma paixão ao som da última faixa deste disco e eu chorava todo dia. Eu era o marujo no meio do oceano. O amor é sempre um mar e o mar é sempre uma fuga possível. Ocean Rain tem a imagem do velho veleiro em meio as ondas mais bravas. Nada no rock é mais romântico que isto. -------------- Silver, Killing Moon, Kingdom, Seven Seas...não há faixa menos que sublime. A voz de Ian está a altura do que se canta, é um cantor brilhante. Baixo, guitarra e bateria navegam e flutuam. Há magia nesta navegada. Portugal e Inglaterra. ---------------- Fazia anos que não enfrentava esta obra prima. Doeu. Como toda beleza doi. Ocean Rain é um monumento à beleza. Amém.

OS NEW ROMANTIC E SUA OBRA PRIMA: AVALON, DISCO DO ROXY MUSIC DE 1982.

Toda ação tem sua reação, e em 1981 a Inglaterra, para reagir ao pessimismo violento dos punks, criou o new romantic ( mas não só ele ). Politicamente conservadores, fantasiosos e em eterno estado de festa, eles colocavam o estilo acima da substância. John Taylor, o excelente baixista do Duran Duran, dizia que suas calças eram muito mais importantes no palco que o modo como ele tocava. ( E eu, crescido nesse meio, ainda fico chocado com calças sem estilo num palco de rock ). Na realidade o que eles eram: fãs do Bowie pós 1974, de Marc Bolan e de Bryan Ferry. Misturaram o som dos três com beats disco music e climas Kraftwerk e voilá! Eis o new romantic. -------------- Visage com The Anvil e Ultravox com Vienna talvez sejam os mais representativos discos do movimento. Ambos são ótimos, mas Avalon, do Roxy, é a obra prima da coisa toda. Único caso em que a influência produziu algo mais moderno que a própria cria. Isso porque Ferry e seus amigos entenderam que o new romantic almejava ser Young Americans e não Low. Avalon é soul music branca, funk gelado, modernismo contido, e acima de tudo é luxo explícito. É o chique assumido no rock. É o pico do estilo. E nos anos 80, é a cartilha de tudo de classudo feito após 1982. ------------ É um disco, então tudo isso está no som e não numa calça. Lembro quando o escutei pela primeira vez. Senti algo novo alí e a novidade não era a invenção, não era um novo tipo de composição, a novidade era o estilo. Belas canções pop embaladas em seda. E a seda era a mixagem. Rhett Davies e Bob Clearmountain, cada um em seu campo. Rhett vindo da escola Fripp e Eno de som, ou seja, teclados embrulhando guitarras, gelo nos amplificadores, e Bob vindo do sucesso da mixagem da bateria de Start me Up dos Stones. Bob mixaria, por toda década, todo disco com som de bateria no talo, Born in The USA é obra dele também. --------------- Avalon é isso: um emaranhado de percussão e bateria, sutil, volumoso, angular, com um contra baixo que rege o todo. Na época eu nunca escutara baixo e bateria tão bem mixados. Acho que ainda não ouvi. A guitarra, o sax, a voz, o teclado, existem em função do baixo, rodeiam sua linha, nunca comandam. E do que fala Avalon? Amor e só amor. Punks não falam dele. Punks odeiam ( era o que se dizia ). Os new romantics amam. Tudo se resume a um casal. O resto é distração. ------------- To Turn me On exemplifica o disco inteiro. Eis o baixo à la Chic- Bernard Edwards ( o baixo aqui é Alan Spenner ). A voz de Ferry em seu auge e um solo de Manzanera que não pode ser melhorado. Acordes de um grande piano que é imenso e a volta do baixo que pontua e dialoga. Obra prima. -------------- Lembro de a escutar no carro, madrugada de chuva, novembro de 1984, apaixonado......não há como ser mais feliz que isso. O final da canção brilha como miragem inalcansável. O cume do estilo. ---------------- Ouvir Avalon em 2021 é estranho. Ele está tão distante de nosso mundo atual como Mozart está. Fala de uma sensibilidade e de valores perdidos. Hoje o estilo se chama escândalo e a sensibilidade é a do histerismo. Falo como velho? Eu o sou baby. Sou do tempo de Avalon. Tenho uns 97 anos de idade...

INXS-KICK. O DISCO QUE NÃO DEVERIA TER EXISTIDO. ( E ALGO SOBRE OS ROLLING STONES TAMBÉM )

No fim de 1987 os australianos do INXS vinham numa corrente ascendente. Cada disco vendia mais que o anterior. Então eles resolveram gravar um LP e só depois de pronto o mostrar para a gravadora. Era KICK. O que voce não sabe: Os executivos odiaram e queriam jogar tudo no lixo. --------- O veredito foi: Não presta. Ninguém vai ouvir. Não é rock e assim não será comprado pelos rockers. Não é POP como Madonna e George Michael. Será um fiasco. Façam outro disco. Mas eles tinham um produtor de gênio. Com nome na indústria e ele bateu pé. O disco vendeu 7 milhões. -------------- O produtor era Chris Thomas. Um cara que produziu ROXY MUSIC entre 1973-1976. Depois fez o disco dos SEX PISTOLS. Gravou os dois primeiros dos PRETENDERS. Sabia o que fazia. Entendia de sonoridade. Deu ao ROXY um som redondo e refinado, aos PISTOLS o denso volume das guitarras cheias de peso, e aos PRETENDERS o modo meio ácido e pseudo tosco de seus dois discos iniciais ( os únicos que valem a pena ). ------------- Para o INXS ele deu percussão. Tudo é percussivo. E deu certo. Ouvi o disco tanto em sua época que não há como o comentar hoje. Ouvi outra vez, após anos, e entendo seu valor. Não há mais como me emocionar, mas compreendo o porque de sua força. É o POP na perfeição. Dá pra dançar, dá pra ouvir quieto. É profissional. Não parece plágio de nada. Mas não assusta por ousadias. É jovem em sua confiança. E o principal: Michael Hutchiense era ótimo cantor. Da escola Jim Morrison de barítonos leves, tinha distanciamento exato, controlava a voz, dicção ótima, senso de melodia. Não há bom POP sem uma boa voz. Ele era excelente. ( Morreu de modo idiota. Fazendo estrangulamento durante o sexo. Coisa que hoje qualquer teen sabe fazer ). ------------ Ouvindo-o penso que KICK é exatamente, sem tirar nem por, o disco que os STONES adorariam ter feito e nunca, desde 1981, conseguiram fazer. Daí lembro que quando Keith Richards lançou seu primeiro solo em 1988, ele falou que o INXS era uma ótima banda ( e a crítica caiu de pau dizendo que ele estava por fora, que o quente era Bad Brains e The X ). Keith disse o lógico: KICK era o disco dos Stones que os Stones fariam se tivessem 25 anos de idade. Sexy, bem feito e cheio de groove. ------------- Em tempo: o maior erro da vida dos Stones foi terem não mais aceito, desde 1973, trabalhar com produtores fortes. Quando o fizeram, em 1994, e só em 94, conseguiram um album legal. A dinâmica entre banda e produtor é a coisa mais mágica na música. E pouca gente percebe isso.

A MELHOR BANDA DE 1987: THE RED HOT CHILI PEPPERS- THE UPFLIT MOFO PARTY PLAN.

Eu não conseguia entender! Freaky Styley vendera quase nada e agora este disco, em 1987, chegava apenas ao 146 lugar da Billboard! Eu achava os Red Hot a melhor banda de então, de 1987, e tanto meus amigos como críticos e compradores de discos os ignoravam! Cara, eu ouvia eles todo dia, tava apaixonado! Flea já era o melhor baixo do mundo! Mas o povo preferia U2 ou Smiths! Não eu! Não eu! ----------------- Em 2021 eu ouço agora o terceiro disco dos caras, este Upflit...... E me espanto! Sim, o som dos Red Hot nos anos 90 virou coisa dominante. Toda banda, até aqui no Brasil, fazia esse mix de rap e punk, de rock e funk. Mas ninguém fez como eles. Aqui há uma assustadora adrenalina. Eles fizeram o som de Venice Beach dos anos 80. O som dos vestiários das universidades da Califa de então. O som do skate como esporte ainda amador. Eles trouxeram cor e humor á uma década escura e pretensiosa. Eu ainda amo este disco. --------------- Flea diz no encarte que Malcolm McLaren os procurou durante 1987 para os empresariar. O inglês queria que eles fossem "mais Chuck Berry"....Malcolm via os Red Hot como um grupo de rocknroll tradicional, um sucesso certo. Claro que Flea não gostou. Acabaram sendo produzidos por Michael Beinhorn, um cara da tecnologia, que trabalhava com Bill Laswell, Herbie Hancock e a cena de jazz-funk de New York. Flea odiou o som de bateria do disco, "sem dinâmica". É o maldito som dos anos 80, só caixa e bumbo, estridente. Mas o disco é fantástico! Hillel Slovack ainda era o guitar man, bem mais funky que Frusciante, e Jack Irons o batera, bate forte. A única faixa que não me toca fundo é Behind The Sun, talvez a mais conhecida. Vou postar dois arrada quarteirão dos disco. Aquela mistura analfabeta de rap e heavy e punk e funk na veia. ----------------- Kiedis fará 60 anos em 2022. Minha geração. Fácil imaginar Anthony ouvindo os funks que eu ouvi quando moleque de 11 anos de idade. Depois o punk aos 14 anos. E o rap aos 19. Em 1987 eu senti: esse cara é dos meus. Ele também tá enjoado dos anos 80. Ele quer misturar tudo de bom dos anos 70 com a cor e a grana dos anos 80. Foi o que ele fez. E teve a sorte de ser brother de alma de Flea, o cara com a pegada pra unir tudo. Deu certo demais!

VU THE VELVET UNDERGROUND.....FAIXAS PERDIDAS E REENCONTRADAS

1985. Jesus and Mary Chain nas paradas. E Lloyd Cole. Então lançam um disco com 10 faixas perdidas do Velvet Underground. Era o momento certo, porque essa galera amava o VU. E para minha imensa surpresa, a banda de Lou Reed volta a viver. Mais incrível ainda: nos anos 80 o VU desbanca os Beatles como o grupo mais influente do mundo. Na década seguinte eles ficariam solidificados como uma das top 5 para sempre. Mas em 1985, que ótimo, os VU pareciam novos. Ao lado de bandas dark eles eram a coisa autêntica. ----------- Eu comprei VU correndo! E ouvi todo dia por quase um ano. Eis o que sinto o escutando em 2021. -------------------- É passado. O mundo amestrado de agora nada tem a ver com a força primitiva de Lou e seus caras. O VU era uma banda suicida e em 2021 até o suicídio parece domado. Drogas hoje são recreação ou modo de fuga para o medo. Em VU elas são o que são: modo tenebroso de morrer aos poucos. Há prazer, mas há uma cuspida na própria face. Lou não foge da sujeira como não foge do ruído. Nada há de fake aqui. O perigo ainda não era uma diversão. Ele era horrível. ------------------i cant stand it é a coisa mais pop que eles fizeram. É 1968 e no meio da alegria burra dos hippies ele se desespera. Não há guitarra mais ácida. A batera, Maureen Tucker, é uma seringa. Não dá pra ficar mais. Fist sex e chicotes sem anestesia. Em 2021 isso é moda de meninas de 17 anos viciadas na internet. ------------------------- Stephanie Says e Lisa Says em seguida. Lou é doce. Ele usa pomada antes de penetrar. Sorry baby, não há como falar de Lou sem ser de verdade. Lou é doce como açucar cheio de fezes de moscas. E mesmo assim o filha da puta produz beleza. ---------------- Ocean....a coisa mais próxima de psicodelismo que Lou ousou desfazer. É muito foda. ATENÇÃO....todas as versões aqui são melhores que em seus discos oficiais. São gravações de prima, em 1968. ----------------- Foggy Notion é uma das coisas mais safas que já foi feita por alguém. É mais que alegre, é eufórica. A gente escuta 20 vezes seguidas. Pra repetir depois. ------------- Temptation Inside my Heart.... no mundo ideal teria sido number one Billboard em 69. Nunca foi. Percussão e timbre de guitarra são o céu de meus ouvidos. Se essas faixas tivessem sido lançadas como album em 69 teríamos um dos grandes discos da época dos grandes discos. --------------- one of these days é uma canção bêbada e pasmem, Lou tem poucas canções bêbadas. Surreal. -------------- andys chest reapareceria em Transformer radicalmente modificada por Mick Ronson. Aqui ela é 100% Reed. Ouve. ------------------ im stick with you....é um disco perfeito. ------------------ VU é o LP mais pop dos VU. E é tão bom quanto qualquer um dos outros 4. Ouvir em 2021 esta obra prima é lembrar da amarga vida que se amava viver então. Ninguém cantou a amargura de modo tão corajoso. Lou cantava na bosta, e Lou tinha a espinha sempre ereta. Ele era foda. Ele é foda. Pra sempre.

SEXO EM 1981

Vivo cercado por adolescentes. Me espanta o fato de que todos eles acham que nos anos 80 o mundo era uma espécie de bacanal romano. Essa ideia vem de algumas coisas muito mal digeridas, por eles: Xuxa seminua em meio a crianças as 10 da manhã, propagandas machistas que eram comuns na época, revistas de mulher pelada, o hábito de se olhar mulheres na rua. Pode ser isso, eles dizem que é, mas eu penso que o motivo é outro. --------------------------- Observe: hoje voce não deve olhar uma moça passar na rua, mas voce pode se masturbar com as fotos dessa mesmo moça na internet. Conheço mais de uma mulher que já me deu bronca por eu ousar olhar sua bunda na rua, mas que me mandaram nudes alegremente. A sensação que tenho é que hoje existem dois mundos: No mundo das ruas, no mundo real, todos são vigiados; no mundo da net, por incrível que pareça, tudo é permitido ( não é, já fui censurado várias vezes por questões políticas, mas para eles, de esquerda, tudo parece permitido ). --------------- Desse modo, na rua ou no trabalho, há que se ter um código de conduta. Nos anos 80 as ruas tinham um código muito mais flexível e por isso eles imaginam ser tudo então permitido. Meus caros, em 1981 se transava muito menos que hoje. Mas o clima nas ruas era bem mais " de paquera", por isso a confusão. O que hoje se faz em rede virtual era feito olho no olho. O tinder era a rua Augusta no sábado de noite. ------------------------ Ia-se de carro à Augusta e ficavamos a noite toda congestionando o trânsito. Os carros, abertos, paravam para paquerar. Havia até um program de rádio que passava recados em tempo real: " O cara do carro azul está querendo o fone da menina do Corcel branco". Pegava-se fone, essa era a vitória. Depois se telefonava e se tentava sair. Após uns dois meses talvez houvesse sexo. Era assim. --------------- Mas o comportamwento masculino era arrogante, alegre, exuberante. Usei 3 palavras hoje mal compreendidas. Sexo era alegria. Diversão. Era o brinquedo dos adultos. Graças a seriedade atroz dos vídeos pornô, temos toda uma geração que pensa o sexo como ato de violência. Ou performance esportiva. ------------------ A pornochanchada era a imagem a ser alcançada. Aquele era o ideal erótico de uma época. E na pornochanchada se ri muito, se faz piada, se alivia o peso de ser adulto. Fato inegável: minha jovem namorada não entende que eu veja o sexo como algo engraçado. Ela confunde esse humor como irresponsabilidade ou simples bobeira. Pois para ela e sua geração, sexo é aquilo que eles assistem desde os 10 anos em sites pornô: tapas na cara, estupros fingidos, tempo cronometrado, pressa, ansiedade. Falei fingidos? Sim. Um grande fingimento. --------------------------- Como aconteceu com o rock, o sexo também se tornou algo mecânico e meio triste. Eles não sabem disso, porque só conhecem o sexo como ele é para eles. Não entendem que sexo era escape, era fantasia e não performance e sempre rimava com riso.