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O MACACO E A ESSÊNCIA - ALDOUS HUXLEY

Huxley estava muito irado em 1947 quando lançou este livro. Ele é tão raivoso, virulento que se torna uma leitura árdua. Não há prazer algum aqui. O enredo fala de uma dupla de homens de Hollywood que encontram um roteiro abandonado. Esse roteiro fala da Terra pós apocalipse. O planeta foi devastado por guerra nuclear e epidemias propositais ( uma delas foi desenvolvida por uma doença de cavalos, inoculada em humanos e transformada em pandemia ). Nesse kaos absoluto, os governos descobriram que o MEDO é a melhor arma existente, pois o medo transforma homens em seres irracionais, a Nova Zelandia escapa da destruição e um grupos de cientistas, anos mais tarde, visita os EUA. Então descobrem que lá, os macacos tomaram a civilização para si e se humanizaram. A mensagem de Huxley é esta: Nossos meios de ação são humanos, mas nosso objetivos são simiescos. Todos os nossos desejos e prazeres são os do macaco, a nossa cultura serve apenas para ter meios, humanos ?, para os obter. Após o fim da civilização, assumimos nossa condição de primatas. ---------------- O livro é um ataque frontal a governos, esquerda ou direita, pois todo governo, se puder, será tirânico e crescerá cada vez mais rumo à auto destruição. O povo, subjugado no medo, reagirá como macacos, em tola balbúrdia. -------------- Palavras de Huxley: ideologias transformam a complexidade humana em nada mais que ratos de laboratório. Tudo o que escapa aquilo que a ideologia-científica classifica como útil, será eliminado. A ideologia não aceita e por fim não enxerga nada que não tenha sido codigicado em sua crença racional. Aquele que nega a ordem, aquele que tenta ser si-mesmo será destruído. "Para o bem da humanidade", a ciência política terá de ser seguida à risca. Bem vindos ao mundo do "BEM".

O TEMPO DEVE PARAR - ALDOUS HUXLEY, UMA OBRA PRIMA

Escrito durante a Segunda Guerra, este talvez seja o romance de Huxley que mais me agradou. Contraponto é uma obra prima, mas este também é. O tema lembra muito Henry James, mas sem o estilo de James, é um texto 100% Huxley. ---------------- Por que lembra James? Por falar sobre a sutileza. Huxley demonstra como atos que parecem insignificantes podem destruir vidas. Tema que é o de todas as obras do grande Henry James. ---------------- Sebastian, o personagem central, é um jovem de 17 anos muito belo, inteligente e rico. Aparentando ter 13 anos, ele sofre de uma imensa timidez. Escreve poesia e é oprimido pelo pai, um tirânico socialista que trabalha pela revolução. Sovina ao extremo, o pai o educa sem luxos. Mas esse não é o tema do livro, felizmente. ------------------- Esse pai tem um irmão que foi socialista, mas que hoje é um cínico hedonista. Óbvia que ele o odeia. Esse tio leva Sebastian para conhecer Firenze e lá se hospedam na mansão suntuosa de uma avó cega e muito esnobe. Nessa mansão ele se envolve com uma mulher, Lady Thwale, um personagem que mostra o quanto uma mulher bonita pode ser fria e manipuladora. Ela vai para a cama com Sebastian por esporte, por diversão, ele, felizmente, não se apaixona. ----------------- O tio hedonista vem a morrer e Sebastian se perde em mentiras ( não contarei o porque, mas é uma mentira tola provocada por timidez ). Essa mentira fará com que pessoas morram, uma criança seja injustiçada e um amigo vá para a prisão. Sebastian, covarde, medroso, passivo, terá de enfrentar sua consciência. ------------- Belo enredo não? Mas a magnífica qualidade do livro não está em seu enredo, embora eu sinta pena por Huxley não ter escrito mais livros sobra a dolescência, pois seu retrato de Sebastian é perfeito. -------------- Os temas são aqueles típicos de Huxley, mas aqui dados sem forçar a coerência, sem estragar o fluxo do romance. O que faz desta obra uma força arrasador são os diálogos, primeiro entre Sebastian e seu tio e depois entre Sebastian e Bruno. O tio duvida de tudo, não crê em nada e possui um genuíno amor por arte, literatura, comida e bebida. Ele ensina a Sebastian o caminho do auto amor, do ego como força central, da criação de beleza. Quando ele morre sentimos pena pelo livro, não aceitamos o fim de uma persoangem tão interessante no meio do romance. Mas Huxley tem coragem e descreve então a vida pós morte do tio. ---------------- Sim, ele está morto mas continua no texto. Na vida pós morte, sua alma, sem ego, sem entender nada do que acontece, penetra em universo de cores, sensações, não-linguagem ( Huxley sabe que o mundo não racional é um mundo sem palavras e sem pensamentos verbais ). Porém, ele é tomado pela memória e Huxley nos mostra que há uma sedução quase irresistível pela rememoração. O tio mergulha na vida como lembrança, na sedução das comidas que ele comeu, amores que ele viveu, a arte que ele amou. O azul, sedutor e vazio é sua outra opção, mas ele opta pela memória. ------------------- Huxley não diz, mas ao escolher a memória ele escolhe a vida física e provavelmente irá reencarnar. O azul vazio era a opção pelo fim do ego, pelo esquecimento e assim pela vida no paraíso. Uma escolha, sempre uma escolha. ---------------------- Huxley leu O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS. -------------- É muito interessante ver como Huxley descreve uma sessão espírita convocada pela avó cega e milionária. O tio, convocado pela médium contratada pela avó, não compreende nada do que o tio diz e assim traduz tudo em frases banais, estou bem, estou aqui, sim eu sei. --------------------------- Na segunda parte do livro, Sebastian conhece Bruno, um amigo de seu tio. Pobre, esse católico, a princípio odiado pelo ateu Sebastian, irá mudar totalmente sua vida. A base do pensamento de Bruno é de que toda arte, toda política, toda religião e toda ciência são simples modos de se exaltar o ego. Agindo ou construindo uma obra, nós nos enamoramos cada vez mais de nosso ego e assim edificamos nossa profunda tristeza. Quanto mais ego mais dor, mais medo de perder coisas e de perder a razão e a vida, mais infelicidade. Bruno ensina que na raiz de tudo isso há o tempo. Viver na política por exemplo, é viver sempre no futuro, um futuro que jamais chegará mas que será sempre prometido ( Huxley fala da tolice comunista, mas não só ela ), viver no mundo da tecnologia é também viver no futuro, afirmar todo o tempo que a ciência caminha para o bem e JAMAIS A QUESTIONAR. Viver na arte é viver no passado, no estudo e no amor ao que foi feito e no desejo de não ser esquecido. Todas essas manifestações matam a única coisa que importa, O PRESENTE. ------------------- A felicidade é a abolição do tempo, o fim do futuro e do passado. Animais, felizes por viveram no presente eterno, conseguem isso por existirem em acordo com seu organismo. Eles comem ou caçam porque assim o corpo pedem. Copulam para procriar. Morrem como devem morrer. Já o homem luta contra seu corpo todo o tempo e mesmo quando pensa estar sendo livre ele na verdade está sendo subjugado pelo seu ego. ( Jogos sexuais, boa comida, apreciar a arte libertátia, tudo é anti natural, tudo é jogo tolo do ego em guerra feroz contra o corpo e aferrado ao tempo ). ----------------- Há uma página muito antecipadora de Huxley que fala claramente do 2023: Nada mais absurdo que uma pessoa velha apegada à sua juventude. Lutando para parecer eternamente ter 35 anos, ela nada evoluiu. Presa ao tempo passado e sempre com medo do futuro, escondida de si mesma em cremes, cirurgias e poses, ela não existe no presente e nega qualquer chance ao seu corpo. ----------------------- Uma pessoa escondida por detrás de piercings, tatuagens, botox, perucas, cílios, simplesmente não existe. Ela é um boneco do ego. Uma infelicidade que alimenta seus sintomas sem cessar. ------------------- Ao final, Sebastian se torna poeta. O livro, sublime, deve ser lido por todos que percebem a doença, profunda e feroz de nossa época.

TAMBÉM O CISNE MORRE - ALDOUS HUXLEY

Huxley esteve em Hollywood nos anos de 30 e 40. Na verdade foi morar por lá como roteirista. Deu palpites em muitos roteiros que não levam seu nome e nas horas vagas, escreveu romances. Este é de 1939, pouco antes de ADMIRÁVEL MUNDO NOVO. -------------- Aqui ele já percebe a aramdilha que fora armada para o homem do século XX ( e XXI ). A ditadura do prazer faria com que as pessoas abrissem mão de tudo: honra, liberdade, verdade, laços familiares, sentido d vida, tudo em nome do prazer, um prazer que seria sempre ilusório, pouco durável e portanto sempre em fuga. Ajoelhados perante aquele que lhes dá o prazer, prazer este puramente sensorial-físico, o ser humano seria para sempre um poço de ansiedade, espremido entre o medo de perder o prazer e a submissão a quem o proporciona. ----------------- Há um personagem aqui, um gordinho meio padre meio carpinteiro, bastante artificial pois ninguém conversa daquele modo, que é porta voz de Huxley. Ele diz que inclusive a religião e a ideologia política fazem parte desse tipo de prazer barato, ambos dando ao ansioso a ilusão de fazer parte de uma irmandade e de possuir uma missão na vida. Imenso prazer esse. ---------------------- O livro foi escrito durante a guerra civil da Espanha e Huxley condena os fascistas, lógico, mas não defende os republicanos. Ele sabe que se mantidos no poder, os republicanos fariam o mesmo que Franco e sua gangue, ou seja, prisões, assassinatos, exílios, crimes. Para ele, TODA ideologia é criminosa pois tira do homem sua única chance de felicidade, a independência. ------------------- A trama? Weeeellll...Huxley, como Orson Welles, ficou impressionado com Hearst e sua Shangrila. Então Huxley escreve sobre um bilionário americano, brega, que vive entre Vermmeers, Rafaellos e El Grecos. Coleciona objetos antigos, enche os jardins de estátuas e tem uma biblioteca de sonho. Aterrorizado pela ideia da morte, ele tem uma laboratório onde tenta se desenvolver um soro que prolongue a vida. Uma jovem é sua amante. Há ainda um inglês que vem catalogar uma nova coleção de manuscritos raros, um jovem cientista idealista e o tal pároco. --------------- Na primeira parte é uma sátira ao nível Evelyn Waugh. Huxley ri da loucura americana. Mas depois o romance se torna pregação filosófica e por fim um drama de mistério. Huxley era o tipo do cérebro que podia escrever o que quisesse, sua falha era o excesso de pregação. Se em A ILHA isso destroi a obra, aqui ela se salva. É um belo romance. -------------------- Diz-se aqui que tudo aquilo que pode ser descrito ou pensado dentro da gramática, por palavras, nada vale, pois é puramente humano. Teria Huxley lido Wittgeinstein????? Para Huxley, temos 3 níveis: o animal, que é válido e puro, mundo de instintos e de fomes, o médio, o pior, que é o humano, totalmente ligado ao tempo e ao prazer sem sentido, e o nível 3, fora do tempo, eterno e divino. Complicado? Não acho. Talvez porque eu já tenha sentido na carne cada um desses níveis. Talvez um dia eu fale sobre.

FOLHAS INÚTEIS - ALDOUS HUXLEY

Lançado em 1925, este é um dos primeiros livros de Huxley. Aqui ele é ainda um romancista inglês no sentido que um autor inglês tinha em 1925. Somerset Maugham mais exotérico, DH Lawrence menos histérico. Uma rica senhora, já entrada nos 40 anos de idade, recebe em sua rica mansão italiana, um grupo de convidados. Eles lá se hospedam, se envolvem amorosamente, conversam sobre arte, vida e sentido da vida, viajam à Roma, retornam e definem sua vida futura. Tudo isso contado em estilo seguro, elegante. Já se percebe o futuro de Huxley? Não, claro que não. No jovem Huxley é impossível perceber o autor filosófico e muito menos o curioso pesquisador cultural. Vemos no final do romance uma longa conversa sobre morte e vida, solidão e sociedade, mas nada que pareça fazer eco à livros como A Ilha ou As Portas da Percepção. Ingleses falando de budismo era comum em 1925. --------------- De qualquer modo é interessante ver um dos personagens dizer que em 2100 o mundo estará reduzido a um tipo de Aldeia, onde todos pensarão do mesmo modo sem jamais ousar pensar por si mesmo. E isso será obtido não pela força ou pela volta ao simples e básico, mas pelo prazer sintético, pelo entorpecimento através de diversões sem fim. ------------------ Pouco depois Huxley lançaria CONTRAPONTO, um dos livros chave do século XX, um tipo de sinfonia sem música. Folhas Inúteis é um ensaio para o que virá. Huxley divide o livro em 4 sessões, e em cada uma exercita um tipo de abordagem e procura um diferente objetivo. Tudo começa como uma espécie de comédia de bons modos, se torna um romance quase em estilo Jane Austen, então veste a roupa de uma narração de viagem e termina como discussão filosófica. Inglês até o osso, Huxley tenta fazer aqui um quadro contrastante do modo inglês e do modo latino. --------------- Sim, ele não consegue nada do que se propõe. Mas lemos isto com interesse. Um belo rascunho.

ALDOUS HUXLEY- A ILHA

As crianças podem sair de casa e escolher outra família. E essa troca pode ser feita quantas vezes ela quiser. Não há igreja, mas há religião, um tipo de Deus feliz rege a vida de todos. Sexo é livre a partir dos 14 anos de idade. Cirurgias são feitas usando a hipnose como anestésico. Não há tempo porque não existe progresso. Um jornalista sofre um naufrágio e se vê nessa ilha dos mares do sul. Escrito em 1960, é um dos últimos livros de Huxley, ele morreria em 1963, no mesmo dia que John Kennedy. Talvez por isso seja de longe o pior livro de Huxley que li. O romance, longo, nada mais é que uma série de conversas entre o jornalista e uma mulher que vive na ilha. Com a perna quebrada, ele passa lá sua convalescença. Não pense que é uma ILha Misteriosa ou coisa assim. É apenas uma pequena ilha em 1960, que é conhecida, consta dos mapas, mas que é fechada para qualquer influência externa. Huxley critica o socialismo e o capitalismo, para ele duas formas de opressão, e elogia essa sociedade livre da ilha. Eis o problema, Huxley parece ingênuo, pela primeira vez ele erra. Crianças sem pais, crença sem regras, sexo sem compromisso, hoje sabemos ao vazio absoluto que tudo isso leva. Hoje sabemos que esse vazio não traz felicidade, antes traz tédio e depressão. É um sociedade, sinto dizer, NEW AGE, e Huxley, quem diria, antecipa o mundo de certas comunidades do primeiro mundo. Pessoas que se guiam pelo prazer e só pelo prazer. Não funciona. No primeiro acidente, na primeira emergência elas se portam como as crianças eternas que são. O mundo da ILHA é um berçário.

AS DUAS GRAÇAS, E MAIS 3 CONTOS - ALDOUS HUXLEY

Encontro em um sebo esta velha edição brasileira de 4 contos de Huxley. Na verdade é uma novela de 100 páginas, AS DUAS GRAÇAS, e mais 3 contos curtos. Ler Huxley é sempre um imenso prazer, ele é desses poucos autores que eu pego para ler sem nem mesmo hesitar. Sua escrita, além de elegante, é filosófica sem jamais perder o rumo narrativo. A novela "Graça" é uma pequena joia. Conta a história de um homem bem sucedido que influencia a vida de Graça ( Grace ), uma mulher casada, comum, banal, até meia burrinha, que se envolve com dois amigos do narrador, um esnobe e moderno artista plástico, e depois por um autor do tipo "maldito". Graça é casada com um homem estremamente chato, e a novela começa com todo foco sobre a chatice absurda de um amigo do narrador. Huxley aproveita esse tema para nos dar não só personagens muito interessantes, vivos, plausíveis, como tecer comentários sobre modernidade, sociedade e psicologia de casais. Uma de suas tiradas me pegou fundo: a que diz que amor livre, promiscuidade, prática propagandeada pelos ditos modernos, é na verdade o mais arcaico dos costumes. Amor livre é algo que lembra símios, homens primitivos. O amor é uma invenção recente e a fidelidade uma conquista moderna. --------------- Os outros contos, breves, são exercícios de estilo elegante, brilhante, bastante divertidos. Huxley não errou nunca.

O GÊNIO E A DEUSA - ALDOUS HUXLEY

" O mal da ficção é que ela faz sentido demais. A realidade nunca faz sentido". Essa é a primeira frase deste livro, curto, de Huxley. Lançado em 1955, nos vemos no centro de um caso de amor. Amor recordado, anos mais tarde, por dois amigos que conversam. As personagens: Um gênio e sua esposa, um jovem que começa a trabalhar com o gênio ( é ele quem recorda ), a filha de 13 anos do casal e o filho de 10 anos. Huxley nos mostra a vida, acontecimentos sem porque, sem lógica, sem consequência. O gênio é um quase idiota, velho, super sexuado, brilhante em ciência e incapaz de viver só ou de cuidar de si mesmo. A esposa é a Deusa. Uma fonte de vida. Auto confiante, bela, à vontade em tudo que tem respeito à Terra. Mas ela, mesmo ela, será surpreendida pelo inesperado. O mais interessante em Huxley é que o inesperado é óbvio. Parece estranho? Aquilo que faz da vida algo sem enredo, desarrumada, vaga, é o mais comum e normal dos fatores da equação: a Morte. Alguém morre na história do livro, e então toda a vida das personagens perde sua arrumação. ---------------- Wittgenstein dizia que é impossível falar da morte porque ela não faz parte da vida e portanto não faz parte da linguagem ou do pensamento. Ninguém jamais provou a morte. Ninguém conhece a morte. Ela está radicalmente fora de tudo o que existe no universo. ----------------- Huxley faz a morte irromper e anarquizar a vida. Por fim, uma constatação: Como é bom ler esse tipo de autor! Sábio sem ser negativo, profundo e jamais obscuro, civilizado e elegante. Huxley tem muito o que falar, e fala. E eu, ansioso por saber, escuto lendo.

UM POST RICO: WELLS, DVORAK, BEETHOVEN, BORGES E O FUTURO

Jorge Luis Borges amava escritores que sabiam contar histórias. Daí seu amor por Stevenson e Conrad. E por Wells. Quando voce lê Julio Verne, por exemplo, a decepção é flagrante. Verne não é bom narrador. Seu sucesso se deve ao tema. Ele criou um tipo de sci fi plausível. Excetuando VIAGEM AO CENTRO DA TERRA, nada que ele escreveu é muito criativo. Como já disseram, Verne é mais um professor que um fabulista. Wells não. O inglês tem fantasia. E escreve claro sem ser didático. O que ele inventa é invenção pura. Mas com alguma possível plausibilidade. Borges queria que suas histórias fossem mais poéticas, mais sonhadoras. Caro Borges....se assim o fossem ele não seria Wells. ---------------- A MÁQUINA DO TEMPO foi relido por mim agora. É uma história, uma narrativa, um conto. Como ocorre em Borges, a psicologia do personagem não importa e aquilo que acontece fora da consciência do heroi também é ignorado. Wells pega seu tema com os dentes e o leva avante. Nada fora desse tema importa. O filme feito em 1960 por George Pal é uma das 3 melhores adaptações literárias já feitas ( OS INOCENTES e O SOL POR TESTEMUNHA são os outros ). Isso porque nada que há no conto ficou de fora do filme. Ver o filme é como ler o livro, e isso é um elogio aos dois. --------------- Citam muito Huxley, Kafka e Orwell como os caras que acertaram várias previsões sobre o futuro. Huxley acertou na ditadura do prazer e na química como lei da vida. Kafka previu a burocracia do mundo moderno e suas leis sem sentido ( quem pensou nas máscaras? ). Já Orwell previu a uniformização da vida, a abolição do individualismo. Pois Wells deveria ser citado como o autor que previu, aqui, o fim da virilidade. Por não haver mais necessidade de força física e de coragem, o homem, como espécie, se torna um ELOI. Um ser bonzinho, fraco e infantil. Gado para ser comido pelos MORLOCKS, os humanos que foram rejeitados do mundo de prazer onde antes os ELOIS mandavam. A mensagem de Wells é que aqueles que abriram mão da virilidade se tornam passivos cordeirinhos, prontos para obedecer negando a realidade da vida; já os Morlocks são o lado feio e perverso da vida, mas por trabalharem duro e não temerem a vida como ela é, fazem dos Elois seu meio de alimentação. Espertamente Wells coloca o livro mais de quinhentos mil anos no futuro, o que dá chance a toda uma evolução biológica. Os Elois não têm mais uma cultura, apenas fazem amor, brincam e comem. Os Warlocks mantêm as máquinas em funcionamento e devoram Elois a noite. É a vida das aranhas e das borboletas. A vida nua. ------------------- Música? Sim, vou unir os dois temas. Beethoven e sua OITAVA SINFONIA. Esqueça a Nona e a Quinta. As melhores são a SÉTIMA e a OITAVA. Ela ataca. São quatro movimentos breves, fortes e impetuosos. Dizem que se nascido em 1950 Beethoven seria um mestre do heavy metal. Concordo plenamente. Ele é feroz e barulhento, ama o kaos para poder o vencer e controlar. É viril, maravilhosamente viril. Cada movimento aqui é escrito com os culhões. Metais que explodem violinos que respondem. Beethoven foi um homem. Um homem anti ELOI. ---------------- Agora Bruno Walter rege a Nona de Dvorak. É talvez minha sinfonia favorita entre todas. Uma profusão feliz de melodias. Todas as trilhas de cinema estão aqui. Os compositores plagiam temas desta obra até hoje. Escrita no ano da invenção do cinema: inconsciente coletivo? Pensaram que o tcheco Dvorak havia sido influenciado pela música negra e indígena dos EUA de 1895. Mas não, Isto é eslavo até o osso. Uma obra prima da força. Mais uma obra de arte anti ELOI. ---------------- John Huston teve pneumonia, e dado como inválido, pulou a janela e foi nadar em rio gelado. Ele pensou: ou me curo ou morro. Curou. E passou toda a vida pulando janelas e se atirando em rios gelados. O que ele pensaria da minha máscara? Tolstoi evitava a tuberculose, mal que atingia 30% das pessoas de então, nadando no inverno, nu, todo dia, cedo. ---------------- É ótimo ler este livro agora, em meio a maior onda de medo da história do Globo. Nunca estivemos tão perto do mundo dos ELOIS.

LÍNGUA É INTELIGÊNCIA

Leio um dado que é para mim bastante relevante: esta é a primeira nova geração que não demonstra, em testes de QI, ser mais inteligente que a geração anterior. Desde a Segunda Guerra é a primeira vez que isso acontece. O motivo apontado é o empobrecimento da linguagem. --------------------------------------------------------- Não irei me alongar porque sei que voce não gosta de textos longos. ---------------------------------------------------------------------------------- E sei que os filmes que voce ama não se alongam em cenas de diálogos. São feitos de ação contínua, ou pior, têm muitas cenas de silêncio e longas sequências apenas com música. -------------------------------------- Voce não lê romances. ---------------- E assim, seu vocabulário é mínimo. Para dizer que um filme te agradou, o máximo que voce consegue dizer é: Do caralho! Ou então que ele é Fantástico! Mais que isso te é improvável. ------------------ Quando apaixonado voce expressa apenas um : Tou gostando ou Tou amando. E nada mais sai de dentro de voce. --------------------- Mas tudo isso poderia ser apenas timidez. O problema real, profundo, difícil, é que em seus pensamentos também não há muita riqueza. Voce sente a complexidade do amor, mas nem pensando voce consegue o expressar. ---------------------------- Há pessoas que gostam de dizer que apenas gente que leu muito tem problemas existenciais. Não meu caro, apenas pessoas que leram muito conseguem os expressar. Todo humano tem problemas de existência, mas os mal alfabetizados morrem sem poder verbalizar o que sentem. Então, sem escape, batem na mulher, bebem, se matam ou matam alguém. Sofrem sem ter como falar o que sentem. Carregam feridas que não sabem curar. Porque nem mesmo dizem como a ferida é. --------------------- O artigo que li vai mais fundo. O fim dos tempos verbais complexos, hoje só se conjuga o presente, passado e futuro são falados como presente ( estou pensando em....ou estou lembrando ), faz com que o pensamento esteja cada vez mais preso ao aqui e agora eterno. Não há a sutileza do tempo que flui, nem o distanciamento da coisa passada. --------------------------- Não é à toa que se tenta a destruição dos gêneros. A língua emburrecedora tende a homogeneizar tudo. O complexo, os meandros dos sentidos se anulam. A língua, como o pensamento, se faz preto no branco. Não há cinza. Nem cor alguma. --------------------- Sem língua complexa, sem vários sentidos possíveis para cada palavra, o pensamento se cala. A língua se torna uma questão secundária. O que se diz é o que se vê: Bela casa. Vai chover. Tou com fome. ------------------------------ A troca de informações se torna fofoca. A história do mundo uma questão de slogans. A arte um instrumento da moral do grupo. E seus sentimentos se tornam quase nada. Estou bem. Estou mal. Mais nada de possível. ------------------------------------------ Um grupo assim não questiona nada. Seguem ordens do grupo. E por não questionar, sequer percebem fazer parte do rebanho. Para eles, Woody Allen é mal e fim de papo. Ou Bergman é um chato e acabou. Não há graduação, não há outro lado, não há investigação. --------------------- Aldous Huxley e George Orwell trocaram cartas sobre o tema. Por volta de 1946. Diziam que o mundo do futuro seria dominado por remédios e medo. E que nesse mundo, a língua seria cada vez mais empobrecida. Só o óbvio seria falado. A língua seria vista como empecilho a ser eliminado e não como instrumento de liberdade. ---------------------------------------- Se voce leu até aqui fizeste nada demais. Vá ler algum clássico e aprenda a pensar melhor. ------------------------------ Eu não aprendi a pensar com Descartes ou Montaigne ( embora eles sejam ótimos ). Aprendi a pensar lendo Jane Austen, Henry James, Proust. Eles expandem sua língua e abrem seua mente. Farenheit 451 de Ray Bradbury não fala do fim dos livros apenas. ELE FALA DO FIM DO PENSAMENTO. ------- Atente.

FOGO-FÁTUO, ALDOUS HUXLEY

   Dentre os livros que peguei na casa do meu amigo, livros deixados por seus pais, está este volume de Huxley, um dos escritores do século XX que mais admiro. São quatro contos, que vão do muito bom ao enfadonho.
  O último conto, DEPOIS DOS FOGOS, é o mais longo e o enfadonho. Huxley tem uma frase muito boa onde ele diz que cultura é quando tomamos contato com aquilo que nada tem a ver conosco. Frase ótima para os dias de grupo social. Diz ele que ler ou conhecer apenas aquilo que tem "tudo a ver" conosco é apenas narcisismo. Adquirir cultura é expandir a alma, ela cresce quando conhecemos aquilo que é diferente de nós. Bem, apesar desse belo e correto pensamento, este conto me entediou. E, que estranho, o motivo foi o de ser dos quatro o mais próximo de mim. Conta a história de um terrivelmente pedante e bem sucedido escritor que se envolve com uma fã. Ele tem 51 anos, ela tem 21. Ela se apaixona por ele, ele tenta resistir. Lemos os dois pontos de vista. Ele é incrivelmente chato, tenta educar a menina, a leva a museus, restaurantes típicos, tudo se passa na Itália. A atração que ele sente é física, puramente física, e por isso, segundo ele, irresistível. Diabólica. A atração que ela sente é a de admiração. O tema é interessante, mas por Deus!, como Miles Fanning, o escritor, é chato! Filosofa sem parar, tece longos discursos sobre deuses e demônios, exibe seu charme urbano pedante e blasé, e pior que tudo, chafurda no medo. Ela é prática. Ele é um monstro de falsidade auto imposta.
  Os quatro contos têm isso em comum: a exibição de pessoas de alta cultura e de alta hipocrisia. Sinto um temor: será que Huxley teve esse objetivo? Será que esses escritores falam por ele? Ou será que esses intelectuais são modelos para serem criticados?
  No primeiro conto, o melhor, temos basicamente a conversa entre dois amigos. Um praticamente só escuta, o outro é um escritor frustrado, rico, mas que vive do jornalismo. Ele escreveu a auto-biografia de um milionário. O conto fala da vida desse magnata, Chawdron. O escritor é a imagem perfeita da antipatia. Tece epigramas e lições de vida sobre tudo! Mas o conto é tão bem escrito e o que ele diz é tão afirmativo, que acabamos lendo com prazer. É um personagem terrível. Ele chega muito perto de parecer um nazista. ( Os contos são de antes da guerra ).
  O segundo conto, Cura de Repouso, centra-se numa mulher que foge do marido. Vai para Roma e lá se envolve com um italiano. Fim trágico aqui. O marido abandonado é mais um escritor. Dessa vez um inglês seco e frio.
  OS CLAXTONS é o segundo melhor conto. Bastante atual, fala de um casal que é vegetariano, liberal, bondoso, que deseja educar os filhos no caminho certo, e que por isso acabam por se revelar dois tiranos que usam seu vitimismo como modo de oprimir suas crianças. Lembra o mundo de hoje? Muito! Huxley tinha esse dom de antecipação, e ele já percebia nos anos 20, que a bondade era a pior forma de opressão possível. O casal Claxton é correto, liberal, tem pena dos pobres bichinhos, quer a paz universal, e impõe a seus filhos a culpa eterna por serem humanos. É impossível para os filhos serem apenas crianças. Eles precisam ser um projeto de futuro.
  Interessante o que percebo agora...o escritor do primeiro conto é quase nazista em certas opiniões , e não consigo saber se Huxley na época as endossava. Mas...todos os personagens centrais dos quatro contos têm esse aspecto de intelectualidade vaidosa, de donos da verdade que jamais duvidam de si mesmos. Dos quatro, três se passam na Itália, e os Claxton, que não tem nada de italiano, zomba da mania dos Claxton de andarem com mochilas e amarem as longas caminhadas. Calções, botas, meias, e as mochilas eternas, mochilas como símbolo de superioridade moral. Fascistas? Mussolini?
  Na sequência Huxley mergulharia no mundo Admirável e Novo.

ALDOUS HUXLEY, O CHAPÉU MEXICANO E OUTROS CONTOS.

   Houve um tempo, por volta dos anos 20, em que abundavam revistas que publicavam contos. Havia uma demanda constante por histórias, narrativas que falassem da guerra, de crimes, de horror ou de casos de amor. E algumas revistas, The New Yorker era a melhor delas, que pediam arte. Não havia romancista que não tenha começado como contista e Tchekov era o modelo a ser seguido.
   Ainda bem jovem, Huxley lançou vários contos e este livro compila alguns de seus primeiros. Ainda não é o gênio que escreveu Contraponto, muito menos o autor de ficções perturbadoras sobre a distopia do futuro. Aqui seu objetivo é descrever uma personalidade, um caráter e um momento crucial. São leves, agradáveis, bem escritos e graças a Deus, bem traduzidos. Tio Spencer é de longe o melhor conto, retrato afetivo de uma infância e de uma vida que se choca com a verdade do mundo.
  Huxley nunca é desinteressante.

MÚSICA NA NOITE - ALDOUS HUXLEY

   Huxley define inteligência como curiosidade. E diz que nada é mais bonito que o adulto-criança, adulto que é aquele que mantém a curiosidade infantil enquanto os outros já se enclausuraram no casulo da meia idade. O adulto -infantil é outra coisa, é o adulto choramingão, querendo sempre voltar ao colo da mãe.
   Pensamentos espertos como esse abundam neste livro. Ele é uma coletânea de comentários, crônicas, críticas, publicadas em 1931. Um ano antes do Admirável Mundo Novo. Vários dos textos são antecipatórios, Huxley acerta em todos. O mundo que ele via nos anos 30 é o nosso. Claro que hoje bem mais exacerbado.
  Os assuntos vão de música à moda, de propaganda à pintura. Da impossibilidade de se falar sobre música à vulgaridade de escritores como Poe, Balzac, Dickens e Zola. Ele fala também sobre o sexo livre na URSS, lugar onde o sexo é livre mas a alma é proibida, o que faz do ato nada mais que uma insatisfatória experiência biológica.
  Huxley, um cético então, desfaz a crença em toda Utopia, demonstra que a igualdade econômica levaria à desigualdade, pois é do homem ter talento ou não, saber formar alianças ou não, e assim a igualdade logo seria destruída. Sua exposição sobre a educação é brilhante! Os homens antigos achavam que a educação era uma coisa sublime, e assim, olhavam os eruditos como mágicos poderosos. Quando tiveram acesso à escola perceberam que não havia nada demais na tal "cultura". Que escola não garantia dinheiro, poder ou sabedoria, e passaram a zombar dos eruditos, dos intelectuais, dos professores. Por isso a moda, em 1931, de se fingir burro, a vergonha de ser intelectual. ( Moda que só cresceu em 80 anos ).
  Em outro texto ele fala que toda experiência que foi desfrutada por poucos se torna em extinção quando desfrutada por muitos. Como exemplo, o turismo. Se as pessoas de Calcutá podem ir à Madrid e se as pessoas de Madrid vão à Calcutá, logo nada haverá de novo para se ver lá e cá. A não ser um monte de ruínas feitas por pessoas mortas a muito tempo.
  Os textos são todos nesse tom. Huxley vê o óbvio que poucos percebem.
  Outro: Para a filosofia atual, a do Fordismo, nada é pior que um homem que se sente feliz em seu quarto. ( Pascal dizia que o homem feliz seria aquele que poderia ser feliz em seu quarto, sozinho ). Esse homem, solitário, sem desejos, quieto, será considerado pelos fordistas, um paspalho. Ou, um perigo. O homem ideal do fordismo é agitado, andarilho, insatisfeito, cheio de amigos, festeiro, histérico e bastante incompleto, ou seja, um consumidor.
  Ler Aldous Huxley é tomar contato com um grande e belo cérebro.

DONOVAN- HUXLEY-ANTONIO CALLADO- LAURENCE OLIVIER- PAULO FRANCIS

   No bosque do psicodelismo inglês nasceram muitos cogumelos envenenados. Syd Barret, Arthur Brown, Brian Jones são alguns. Mas também nasceram flores e Donovan é uma das mais primaveris. Tudo nele sempre foi inocência, ele é uma criança do Peace and love.
   Começou como cantor folk de protesto, mais um fã de Dylan. Catch the Wind e Colors são dessa fase, 1965, e são lindas. Causa estranhamento o sotaque escocês que ele nunca escondeu. À partir do final de 1966 ele se torna psicodélico e o sucesso popular vem junto. Suas canções têm o perfeito equilíbrio entre Pop e Psico. As melhores, e são muitas, atestam talento genuíno. Ele fala de amor e sua voz transmite esse amor.
   Mellow Yellow estourou inclusive no Brasil. Me recordo de escutar essa canção, linda e sexy, no rádio de casa enquanto minha mãe cozinhava. Eu tinha 4 anos. John Paul Jones fez os arranjos e MacCartney faz as vozes de fundo. Donovan é o mais alegre dos hippies. Sunshine Superman usa o Led Zeppelin antes que ele existisse. JP Jones está no teclado, Page na guitarra e é Bonham, aos 17 anos, na batera. Jeff Beck dá um show de acidez em Hurdy Gurdy Man. Mas, apesar do povo ilustre, é Donovan o dono de tudo isso. Um Shelley da época. Paul fez em sua homenagem uma de suas mais belas canções: Mothers Nature Son.
  Dando uma arrumação em recortes. Antônio Callado escreve sobre Huxley no Brasil. Ele foi ao Xingú. E esteve na macumba do Rio. Huxley queria achar Deus. Achou a si-mesmo. E algo mais, sem nome. Para ele, a iluminação poderia nascer na hora da morte. Desde que não houvesse medo. Desde que fosse vivida a aceitação. Um grande homem.
  Um recorte fala de excêntricos. Um psiquiatra escocês diz que eles são necessários. Sem eles não haveria avanço. O que faz de um cara estranho um excêntrico: o pouco se importar com a opinião geral. A facilidade em travar contatos e o amor à solidão. A Inglaterra tem uma multidão deles porque o sistema social reprimia muito toda individualidade. O excêntrico é aquele que foge disso e cria um mundo seu. Um esquizo do bem. Sem delírios.
  Que beleza reler Francis falando de Olivier no dia de sua morte! Que bom que Laurence Olivier morreu a tempo de ainda ter espaço no jornal !

SEM OLHOS EM GAZA- ALDOUS HUXLEY

   Terminamos de ler com uma sensação de sufoco. Escrito anos após Contraponto, ele está longe da perfeição formal dessa obra-prima. Este é muito mais torto. Falho. Cheio de erros. Por isso, incomoda. A gente sente estar diante de uma obra, grande e invulgar, mal feita. Isso acontece porque aqui o homem Huxley vivia uma transformação. Ele superava o niilismo de sua mocidade e começava a abraçar a busca espiritual de sua maturidade. Aqui ele escreve a travessia. E ela é árdua. Terrivelmente escura.
  Acompanhamos a vida de Anthony Beavis. De 1911 até 1936. Mais ou menos. E a forma que Huxley dá ao livro não nos ajuda. Em certos capítulos tudo é escrito como um diário, com data e narração em primeira pessoa. Em outros trechos é tudo em terceira pessoa, o narrador se torna o autor, distante e neutro. O tempo nunca é cronológico. O tempo avança e recua. Um quebra-cabeças. 
  Anthony perde a mãe quando criança e aprende a reprimir a dor. Se torna um homem neutro, sem vontades, alienado. Faz amor, casa, escreve, pensa, mas nunca sente. Dá desculpas para sua covardia. Foge de compromissos com a vida. Helen é filha de Miss Amberley. Ele namora a mãe, uma ricaça fria, vaidosa e volúvel, e depois casa com a filha, uma menina oca que vira militante comunista. Há ainda o pai de Anthony, um scholar fútil, os amigos de Cambridge, desde um gago obcecado pelo pecado da carne, até um niilista radical que procura a morte em aventuras vazias e revolucionárias. E mais gigolôs, missionários, católicos, ateus, jogadores, viciados...Politicos e dondocas. Uma multidão de pessoas vazias, hiper-ativas, histéricas, ninfo. O sexo permeia tudo. E Huxley, como ele mesmo diz, discursa nas entrelinhas.
  Nenhum dos personagens é Aldous Huxley. Anthony se torna, talvez, a voz de Huxley apenas nas últimas vinte páginas. Ou nem isso. O romance nunca é de panfletagem, na verdade Huxley exibe os erros do século: capitalismo, mas também comunismo, fascismo, e a corrupta democracia. 
  Ele aponta o dedo contra a forma de progresso que temos. O que progride é a matéria, a alma nunca progride. Temos o trator ou a penicilina, mas não conseguimos progredir e sair da caverna. Continuamos nos guiando pela violência. Huxley admite, o homem é naturalmente violento, mas e daí?  O homem poderia e deveria fazer a grande transformação e se tornar pacifista. O homem natural também não escreve ou dirige carros,ele aprendeu isso, porque não negar a natureza e aprender a ser pacífico? 
   Todos os personagens se perdem. Todos são destruídos por se envolverem com a vida levando a sério o que não é sério. A mensagem final do livro é hoje datada. Mas não superada. E nisso vai imensa diferença. Ela é datada porque, felizmente, muita gente em 2014 a segue. E não é superada porque o mundo de 2014, o mundo em sua lei geral, é o mesmo de 1940. Continuamos achando que o amor é algo à margem da vida, um tipo de luxo, uma sorte para poucos. Ou pior, ficção. Continuamos reagindo com violência à violência. E continuamos confundindo covardia com coragem. 
  Huxley prega o budismo zen. E hoje isso é um chavão. Mas quem segue? Falar se tornou um chavão, seguir não. Miller, um médico que Anthony encontra no México, no fim de sua jornada, fala dezenas de chavões hippies. E nenhum desses quase irritantes chavões pode ser contestado por quem tenha o mínimo de sabedoria na alma. Huxley foi um viajante. O que aqui ele escreveu era novidade na época. E era corajoso pregar o pacifismo no tempo do nazismo. Huxley se coloca claramente contra Hitler, mas também contra Stalin e contra os conservadores. O que ele pede é a revolução individual. Que cada um mude tudo dentro de si e fora de si. Que mude o modo de viver, o modo de sentir, o modo de falar. Que se torne vegetariano, pacifista, calmo, justo, nobre e veja em cada um uma parte de si-mesmo. 
   Ele não nega que isso é religião. E talvez, na página mais desagradável deste livro muito desagradável ( TODOS os personagens são terríveis ), Huxley diz que nós jogamos pedras nos heróis, nos deuses, nos mitos e nos exemplos....e agora temos o que?
   Aldous Huxley foi um grande homem.

O MESMO HOMEM. NO AMOR E NA GUERRA. EVELYN WAUGH E GEORGE ORWELL, BIO ESCRITA POR DAVID LEBEDOFF.

   George Orwell era um solitário. Um socialista que odiava o comunismo. Para os comunistas era então um direitista e para os conservadores era um comuna. Ateu, era excluído do hall dos crentes, mas defendia a igreja e assim era ridicularizado pelos ateus. De origem classe média, culto, sotaque e modos de cavalheiro, era um estranho entre os pobres e um plebeu entre os ricos. Viveu uma infância muito feliz, segundo ele conheceu o paraíso, e a partir da adolescência conheceu a crueldade do sistema de classes inglês. Foi estudar em Eton, a mais exclusiva e elitista das escolas inglesas. E lá foi tratado como subalterno. Entenda, o pai era bem de vida, mas não tinha origem aristocrata. Orwell, que na verdade se chama Eric Blair, passou a lutar toda a vida contra esse sistema. 
  Não quis Oxford e foi servir na Birmânia. Em solidão, no meio da selva, cinco anos. Pegou tuberculose. Voltou e vagabundeou pela Europa. Lavava copos e restaurantes de luxo. Escolheu ser pobre. Foi voluntário na revolução espanhola. Ao contrário de Heminguay, lutou de verdade. Se feriu. E percebeu que os comunistas eram tão ruins quanto Franco. Foi perseguido pelos comunas espanhóis por ser socialista. Conseguiu fugir com a esposa. Milagrosamente. 
  Ainda conseguia tempo para ler uma média de quatro livros por semana. Entre seus favoritos estava Waugh. Começou a escrever. Não conseguia vender. Artigos que estão entre os melhores de sempre. Se isolou em casa de campo. Lança A Revolução dos Bichos. Enorme sucesso. Perde a esposa para a doença. Logo depois de terem adotado um filho. Com esse filho, que ele adora, vai para uma ilha da Escócia. Uma ilha fria, agreste, deserta. Sua tuberculose, claro, piora. Lá escreve 1984. 
  O filho brinca livremente. É feliz. Volta após 4 anos para Londres. O novo livro vende aos milhões. Morre de tuberculose aos 46 anos. Seu filho se torna fazendeiro. Se forma em agricultura. É feliz. E tem orgulho de seu pai. Orwell escolheu a vida que teve e por isso foi realizado. Jamais se arrependeu de nada. Quis viver na "realidade social", foi 24 horas por dia um "homem politico", e escreveu, segundo Lebedoff, um livro muito melhor que Admirável Mundo Novo, de Huxley ( que foi seu professor em Eton ). Orwell antecipou o que seria o mundo dominado pela esquerda. Huxley antecipou o mundo da direita. Nosso mundo atual é uma mistura dos dois. 
  Orwell, como Waugh, amava o passado, detestava o presente e temia o futuro. Mesmo sendo ateu, Orwell pensava que toda a civilização ocidental fora edificada pelo cristianismo. Se a igreja cristã fosse retirada do mundo, se os homens parassem de se guiar pela esperança em outra vida e pela transcendência, se eles passassem a ver a vida como apenas um eterno tempo presente, sem futuro além e sem passado relevante, a moral se tornaria relativa e tudo seria reduzido a satisfação de desejos corporais imediatos. Viver se tornaria satisfazer o corpo. A vida seria estar vivo e nada mais que isso. Cada ato se faria um ato gratuito. Um instante sem história e sem repercussão. A queda de Deus e do espírito faria da sociedade um bazar. Onde tudo vale em nome do prazer. 
  Orwell nunca deixa de apontar os crimes da igreja, mas diz que sem ela esses crimes, como mostrou o nazismo, seriam ainda piores. Sem a ideia de vida maior, de pós e antes da vida, o homem se vê vazio, entediado e sem porque. Orwell, que não tinha fé, se via assim? Não, porque ele abraçava a moral racional da igreja. A justiça, o bem e a bondade, sem relativismo algum. 
  Vale dizer que mesmo muito doente Orwell fez de tudo para lutar na segunda-guerra. E como Waugh, ele percebeu que apesar de derrotados, o mundo do pós-guerra seria o mundo do totalitarismo. Falarei mais dessa verdade após falar de Waugh, alguém tão diferente de Orwell e que Lebedoff vê como um igual.
  Evelyn Waugh ( Evelyn na Inglaterra é nome masculino ), nasceu também em familia classe média. Mas não foi para Eton. Foi para um colégio pouca coisa pior. Seus modos não eram tão bons quanto os de Orwell e sempre foi um aluno ruim. Sarcástico, ele era o baixinho enfezado. Lider de gangue. Entrou em Oxford e lá ele se deslumbrou. Decidiu ser o "homem mais alta classe da Inglaterra". Fez amizades com as familias mais exclusivas, se vestia como um dandy, sabia tudo sobre vinhos, cavalos e tradição. Festas e bebidas. A imagem que se tem de Oxford se deve a Waugh. E Oxford só foi Oxford nos tempos de Waugh. Jovens de sangue azul, cheios de dinheiro, dando festas e fazendo de tudo para não se entediar.
  Festa de Mozart, festa dos travestis, um dia na Idade média, festa de mendigos... Arruaças de rua, brigas, festas que duravam quatro dias inteiros. Waugh achou que era um deles. Mas um dia um professor, irritado, disse a verdade. Que ele não passava de um "homem de negócios", um vulgar inferior. No mundo de Oxford de 1920, nada era pior que gente que lidava com dinheiro. Waugh ficou tão bravo que passou a perseguir esse professor. Acabou com a sanidade dele. Sério! Esse professor acabou no hospicio.
  Devo dizer que antes de tudo isso Waugh tentou lutar na primeira guerra. Mas tinha apenas 14 anos!
  Ao contrário de Orwell, Evelyn Waugh se tornou famoso muito jovem e logo em seu primeiro livro. Para Lebedoff ( para mim também ), ele é o melhor escritor inglês do século XX. Em seus livros ele satiriza o mundo. Usando o humor ( menos em Brideshead, seu livro sério ), ele desmascara o novo mundo, mundo onde o dinheiro e a vaidade imperam. Ou seja, são os mesmos alvos de Orwell mas usando outra arma. Todos os livros de Waugh vendem muito bem e sua fama atinge o mundo inteiro. Mas eu disse que ele queria ser o mais alta-classe dos ingleses. Conseguiu?
  Sim. Ele desejou e conseguiu se casar com a herdeira do brasão mais exclusivo do país, uma autêntica Herbert. Com ela teve seis filhos e foi um pai ausente porém amado. Muito rico, se tornou a imagem do inglês dono de terras, gordo, de tweed, cachimbo e sorriso. E em Brideshead adivinhou, como Orwell, que o mundo que conhecera fora vencido pelo totalitarismo. 
  O mundo que eles conheceram era injusto, eles lutaram contra a divisão de classes. Mas esse mundo tinha uma vantagem, ele tinha alvos claros e se podia lutar contra eles por serem claramente injustos. No novo mundo os alvos seriam camuflados e o conformismo iria imperar. Pão e circo. Seria um mundo em que o objetivo único seria satisfazer o corpo e distrair  a mente. Acalmados, indolentes, as pessoas passariam a confundir felicidade com prazer. 
  E quais seriam os lideres? Aí vem o pior, Seriam os rancorosos. Os invejosos, os revanchistas. A classe, terrível para Orwell e para Waugh, dos especialistas. Gente "competente"que saberia tudo de administração, de economia, de sociologia, e nada sobre a vida. Se um aristocrata usufruia a injusta segurança de nascer em berço de ouro, ele ao menos tinha a vantagem da honra, de não poder sujar o nome da familia e de sentir um certo dever a sua tradição. No novo mundo a tradição e o dever são abolidos. Mata-se o passado e o dever é apenas aquele de produzir mais prazer. Sem passado não se tem lealdade a nada e a ninguém. O especialista deve contas apenas a sua ciência, nunca a gente real. É o mundo totalitário, onde tudo é feito pelo 'BEM"de todos, onde o AMOR impera. Como lutar contra burocratas sem rosto? Como ir contra quem só fala em bem e amor? Como inflamar uma população que não pode abrir mão de seus brinquedos? Eis o mundo que Orwell, Waugh e Huxley intuiram. 
  Devo ainda dizer que ao contrário de Orwell, Waugh se converteu ao catolicismo, o que na Inglaterra é um ato bastante incomum. Ele acreditava em Deus, e como Orwell, pensava que o começo do fim se dera com a morte da igreja. Sem os deveres para com Deus e sem a certeza de uma outra vida, a humanidade se tornaria nada mais que máquina de repetição. Atos do dia a dia sem consequência e sem história nenhuma. Nada de sofrimento real, nenhuma possibilidade de crescimento e de felicidade. 
  David Lebedoff, professor americano, lutador contra o politicamente correto, escreve simples, escreve bem e comenta sem medo. O livro me deu um prazer do qual já sinto falta. Filho que sou de minha época, não tenho a coragem de ser como Orwell e nem a fé para ser como Waugh. Indolente, entediado e covarde, passo pelos dias, todos o mesmo, sem um só instante de dor ou de felicidade. Mais ou menos forever.
  Mas ainda penso. 

A LITERATURA E A MORTE DE DEUS

   Tenho lido a biografia de C.S.Lewis. Tenho um profundo amor por essa turma, esses ingleses que viveram entre 1890/1940, essa época de Eduardo, de George. Lewis tinha uma vida dupla, era um dos mais destacados professores de Oxford, um dos melhores críticos literários e talvez o melhor leitor de seu tempo. E ao mesmo tempo escrevia livros populares, é ele o autor da saga de Nárnia. Não por acaso, um de seus melhores amigos era outro grande professor de Oxford, J.R.R.Tolkien. O que seus contemporâneos não conseguiram entender é algo que nosso tempo, felizmente, consegue compreender um pouquinho melhor ( mas ainda com muita ignorância ), Lewis tentava unir a razão a criatividade, um casamento que foi um dia a regra entre artistas, mas que no mundo moderno havia sido cada vez mais raro. Ele e Tolkien procuravam salvar a literatura da asfixia onde ela se encontrava. Que asfixia era essa?
 Há que se dizer que nos seus primeiros trinta anos de vida foi Lewis um racionalista. Em seu diário ele diz que conseguia deixar cada coisa numa gaveta separada de seu cérebro. E mesmo a experiência na Primeira Guerra, ele esteve nas trincheiras, foi colocada em lugar seguro, longe da parte central de sua vida. 
 Ateu convicto, Lewis começou a perceber, em seus estudos literários, ele logo seria um dos melhores professores de literatura inglesa, que os autores ateus, céticos, os que colocavam todo campo espiritual de lado, tinham sempre uma prosa limitada. Esses escritores não conseguiam criar vida. Seus livros são como teatro de bonecos, os personagens jamais parecem reais, o que esses relatos transmitem é sempre a voz do autor, em total isolamento, lutando para criar vida, e sendo sempre derrotado. Porque isso acontece? Porque a criatividade desses escritores é sempre castrada, truncada, tristemente árida? E porque escritores como Sterne, Dickens, Dostoievski, Tolstoi, Balzac, Stendhal, conseguem criar tanta vida, tantos personagens que falam, agem, vivem como se fossem gente de carne e de osso? Mais que isso, porque esses escritores parecem ter tanto interesse na REALIDADE? Descrevem árvores, cidades, guerras, rostos, bichos e mares como se os conhecessem em profundidade. O que eles, assim como Huxley, Lawrence, Waugh, têm que Wolff ou Dreiser não têm?
 Lewis percebeu então que o que unia os autores criativos era a não negação do mundo espiritual. Para eles a ruptura entre razão e criatividade nunca se deu COMPLETAMENTE. Eles não dissecavam a criatividade, não extirpavam o maravilhoso da razão, em suma, e para seu espanto de ateu, eles jamais mataram Deus. Podiam blasfemar, duvidar, amaldiçoar, mas não ignoravam Deus. Lewis ficou aterrado ao se deparar com isso. Tendo Deus dentro de seu mundo, autores como Dante e Cervantes conseguiam criar como jorro, eram completamente férteis. Criar para eles não era um problema, era um dom divino, uma herança bendita. Com a morte de Deus a criação começa a ser tomada por algo de herança maldita. Ser criativo se torna uma ilusão, uma doença, um problema e deve assim ser analisado, domesticado ou negado. Como a religião, o homem da razão deve ENTENDER a criatividade a luz da razão e nunca com a colaboração da razão. Criação e razão se divorciam. Dois antagonistas. Toda criação deve ter um porque, um motivo, um símbolo. Nessa aridez a criatividade morre, daí a secura mórbida de tantos autores modernos. Fez-se com o ato criativo aquilo que se fez com o Criador. 
  O resto, que tem surpreendentes semelhanças com meu processo espiritual incompleto, deixo para futuro post.

O GÊNIO E A DEUSA- ALDOUS HUXLEY

   É tão bom tomar contato com a literatura inglesa! O bom-senso inglês, nunca tão Descartes-Racine como os franceses, nunca tão Kant-Schiller como os alemães. Há um momento neste livro em que Huxley fala disso. Da razão extremada dos franceses, razão que é uma abstração em si, pois a vida nada tem de racional; e a mania alemã de colocar a vida dentro de um romance, de a imaginar como fato com começo, meio e fim. Os ingleses se abstêm disso. Apenas escrevem aquilo que sentem e percebem. Jane Austen já era assim. E mesmo românticos como Wordsworth ou Keats mantinham a vida dentro dos limites de nossa percepção. Não é uma questão de realismo, pois o ingleses abominam o realismo crú, tampouco questão de materialismo, pois a Inglaterra é o país dos fantasmas e das bruxarias. É uma questão de não tentar falar "com certeza". Nada de correntes de "ismos". O único ismo inglês é o pragmatismo.
   Esta é uma novela de apenas 100 páginas e foi escrita no fim da vida de Huxley. Já quase cego ( como Joyce, como Borges ), Aldous viajava pelo mundo, vivia experiências psicodélicas e se preparava para morrer. A história começa com o encontro de dois velhos. Um deles conta uma experiência vivida na juventude. Ele foi trabalhar na casa de um velho gênio da física e lá se envolveu com a filha e a esposa desse gênio. Tudo termina em kaos.
   O livro basicamente fala da necessidade de "precisar se morrer para poder se viver plenamente". Seus temas são morte, sexo e razão. Tudo tratado de modo simples, objetivo, sem grandes vaidades. O velho gênio quase morre várias vezes, e continua sendo o duro e teimoso gênio de sempre. Sua esposa é a deusa que o faz renascer continuamente, mas como deusa, ela não sabe morrer. A filha é uma adolescente que descobre o sexo e é humilhada pelos adultos. E o narrador, um tateante novato na arte de viver.
   Novela que se lê numa tarde, longe das alturas dos textos mais ambiciosos de Huxley, serve para nos fazer lembrar do soberbo autor inglês, filho de uma familia cheia de intelectuais liberais, de suas ideias que admitem nada saber, mas que mesmo assim indagam e tentam apreender. Huxley abomina os "donos da verdade", os pregadores confiantes, os respondedores. Ele sabe que a vida é inapreensível pelo homem.
   As pessoas deveriam lê-lo muito mais.

GOTTFRIED KELLER E O ROMANTISMO A QUE ESTAMOS FADADOS

   Quanto mais o homem é amassado pelo anonimato, pelo medo ou pelo puro desespero, mais ele tende a reafirmar a presença de seu ego. É simples: se tudo grita a seu redor que voce é um nada, mais e mais voce vai berrar: Eu existo e eu sou Eu.
   Esmagaram toda a história e tudo o que era "homem" no século XVIII. De repente nada era mais o que era certo, tudo virara nada. Que reação poderia nascer a não ser a afirmação desesperada da única coisa que se mantinha " ao lado" ( aparentemente confiável e fiel ), o Ego. Pois veja então....
   Até então a paisagem onde uma criança nascia seria a mesma de sua velhice. E se ele nascia rico, morreria rico, se pobre seria pobre. Ele teria a profissão do pai ou de um tio e se casaria com uma vizinha ou uma prima. Seria batizado, casado e enterrado na mesma igreja. Teria a proteção do mesmo barão e lutaria uma guerra que seria certamente justa. O mundo era conhecido, imutável, confiável e principalmente vivido em grupo. Todos saberiam quem voce era: filho de seu pai.
  A indústria trouxe novos cenários. Fábricas, sujeira, fumaça e a derrubada de bosques. O progresso mudou a vila, o bairro. E seu futuro já não seria o de seu pai. Na fábrica voce não seria filho de ninguém. Voce seria mais um. Estradas, trens, bancos, desemprego, fuga do campo.
  Assustado, o homem precisa se reerguer. Nasce o romantismo. Se voce não é mais filho de seu pai, então será filho de sua nação, da história de seu país, de seu folclore. Seu Ego é seu mundo, e nesse mundo voce cria fantasias. O amor é livre, escolhe e luta, Deus agora é amor, o Amor manda. A vida não é mais algo dado a cada um, ela agora terá de ser conquistada. É imperativo viver e deixar sua marca no mundo.
   Penso que tudo isso sobrevive. Jamais voltaremos ao mundo pré-romantico. Onde nossa vida era do grupo. Assinamos tudo o que fazemos, lutamos para nos afirmar. Somos todos romanticos.
   Gottfried Keller era suiço. Leio duas novelas: O TRAJE FAZ O HOMEM trata de um alfaiate pobre, que por ser belo e bem vestido. vê-se confundido com um conde. A trama segue deliciosa, ele tenta resistir a mentira, mas vai mergulhando fundo e acaba, claro, por se apaixonar.
   A outra novela é ROMEU E JULIETA DO CAMPO, que traz um belo retrato dos camponeses de então. A infelicidade surge entre vizinhos que brigam e a vida de ambos se desfaz em dividas e rancor. Os filhos se apaixonam e fogem. Acabam por ter um destino trágico. No final dessa novela há toda a confirmação do ego romântico. Os dois se amam por uma noite e se deixam afogar, juntos, afirmando assim sua vontade de "eternidade". Se precisam ser conformados a vida familiar, preferem antes morrer.
   Nunca mais alguém se conformaria a ser e ter aquilo que seu pai foi e possuiu. Nunca mais viver seria apenas continuar a "doce rotina" da eternidade. A rotina doce fora corrompida, a inocência se perdera, e como bem sabemos, quando se deixa ir a inocência, nunca mais a reencontramos.
   Aldous Huxley afirma em seu livro " A FILOSOFIA PERENE" que a função sublime da religião é exatamente destruir esse ego, trazer ao ser a conciência de que ele é parte de um todo, de que nada ele pode possuir e que toda posse é dor. Incrível!!!! Com toda sua adoração por magos, bruxas, vampiros, celtas e druidas, os romanticos são dos menos religiosos dos seres. Percebem o mundo como um espelho e ansiam por um amor que é posse egoísta. Alimentam o eu, inflam, sentem pena de si-mesmos, se imaginam como seres hiper-sensiveis e especiais. Deixam de lado toda chance de paz e de serenidade.
   Se nosso mundo é uma ponte ao anonimato, somos todos pequenos romanticos com nossos blogs, nossas bandas de rock e nossos videos bombando. Em meio a bilhões de seres tentamos fazer nosso ego sobressair. Gritamos: Estou aqui ! Sou diferente! Existo!!!!Tenho opinião!
   Huxley e todos os seus santos, gurus e xamãs devem estar com piedade de nós.

A FILOSOFIA PERENE- ALDOUS HUXLEY

Um desses ateus militantes ( ateu militante é uma vergonha para um ex-ateu verdadeiro. A beleza do ateísmo está na indiferença individualista às coisas da religião. Militar dentro do tema é fazer parte dele, falar sobre aquilo que não se quer fazer parte ), mas como ia dizendo, esse ateu superstar diz que o que motiva todo religioso é o medo de morrer. Aí está o que acabei de falar. O cara se mete a falar sobre aquilo que não sabe e solta um chute no vazio. O auge de meu medo de morrer foi entre meus 15/20 anos. E foi ao mesmo tempo minha época mais descrente. Eu sentia pavor de morrer e odiava toda forma de religião. Via em todas uma forma de consolo para fracos. E só. Para mim, islamismo, gnosticismo ou hinduísmo eram iguais. Assim como eu não conseguia perceber que igreja e religião são tão diferentes como são rimas e poesia. A igreja se move na matéria, no comunitário e no comum, a religião é inefável, individual e original.
Ando tentando terminar A FILOSOFIA PERENE, de Aldous Huxley. É dificil. Há uma profusão de informação, de nomes, de citações. Huxley passeia pelos sufis, pelos católicos do inicio da idade média, pelos profetas menos conhecidos. E de começo ele já fala o que intuitivamente eu sempre soube: Nada é mais anti-religioso que a igreja. Qualquer igreja. Porque a verdadeira experiência religiosa é individual, não pode obedecer a ritual ou a leis exteriores a própria experiência. Mais que isso, para se viver essa experiência é preciso ter sentido de forma profunda a inadequação, o não-conformismo e a ânsia pelo "algo a mais". Huxley fala então do Eu, e isso encontra mais uma de minhas certezas, a de que toda infelicidade nasce da hiper-valorização do eu. O objetivo final de toda vida religiosa é a destruição do eu. Pois detrás dessa cortina enganosa vive aquilo que nos é mais precioso, verdadeiro e forte, o não-eu, o sem-nome, o inenarrável. A vida que é eterna por não ser eu.
Como dizer então que a motivação da religião é o medo da morte se seu objetivo e seu único pensamento é exatamente a morte do eu? Enquanto materialistas se distraem com bebidas, sexo e ciência, enquanto se envaidecem com sua razão, suas respostas óbvias e sua "coragem", o verdadeiro religioso se obriga a encarar o vazio, o nada, a destruição do ego. Onde o conto da carochinha?
Por favor, não pensem que sou um religioso. Se fosse não estaria aqui exibindo minha tese. Há vaidade no que falo e isso coloca por terra minha espiritualidade. Adoro dinheiro, sexo e gosto de beber. Mas ao menos tenho a humildade de admitir que pouco sei sobre a experiência de São João da Cruz ou de Rumi.
Hippies adoravam Aldous Huxley. Assim como amavam Hesse. Os dois, quando mal entendidos, pareciam dar um aval para um tipo de espiritualidade fácil. Uma espiritualidade "numa boa", individualista sem solidão e criativa sem riscos. Dava pra ler Sidarta e cair no mundo do sexo e drogas como se o barato fosse parte de uma auto descoberta. Para alguns poucos foi. Mas isso descambou num tipo de nova igreja. A igreja da religião util.
Hesse se perdeu mais que Huxley e o inglês escrevia melhor. Na visão de Hesse sempre há o âmago do romantismo alemão. Em Huxley o gosto de século XX é mais forte.
Por um breve milionésimo de segundo eu um dia pude quase ver. Senti o não-eu e pude me livrar de todo peso. Êxtase ou transcendência, palavra não há pra falar daquilo que não foi criado por palavras e por discursos. Não há como esperar uma mensagem ou um sermão tirados dessa visão. É a intimidade solitária de cada um perante o todo do universo.
Nesse centro do ser tudo é silêncio.

OLIVIER/ VISCONTI/ RAY/ RENOIR/ CLAUDIA/ HUXLEY/ STAMP

ORGULHO E PRECONCEITO de Robert Z. Leonard com Greer Garson, Laurence Olivier, Maureen O'Sullivan e Edmund Gwenn
Olivier compõe um excelente Mr.Darcy. Sua mistura de timidez com altivez atinge a medida certa. O roteiro deste belo exemplo de produção MGM, ou seja, muito luxo, é de Aldous Huxley. Sim jovens, houve um tempo em que gente como Huxley, Faulkner e Hecht trabalhavam para Hollywood. O roteiro consegue condensar o romance de Austen em duas movimentadas horas. Não senti falta de nenhuma cena. Há uma versão recente deste livro igualmente boa. Nota 8.
VAGAS ESTRELAS DA URSA de Luchino Visconti com Claudia Cardinale, Jean Sorel e Michael Craig
Logo após o soberbo O Leopardo, Visconti fez este pesado drama sobre casal de irmãos que tem relação dúbia ( incesto? ). Claudia, estranhamente feia, é uma recém casada que leva o marido inglês a mansão onde ela e irmão cresceram. O irmão, meio doido, logo tenta voltar aos tempos de contato íntimo com a irmã. O filme não flui. Visconti tenta se renovar, pega alguns tiques da nouvelle-vague e se perde. O visual é estranho, às vezes se parece com tv. A questão é: quem se interessa por personagens tão vazios? Nota 4.
MORTE EM VENEZA de Luchino Visconti com Dirk Bogarde
Dificil falar desse filme. Porque? Por ser um dos mais esquizos filmes já feitos. E também por ser exemplo de um tipo de filme velho, morto, mumificado. Vamos aos porques. Ele é esquizo por ser ao mesmo tempo ruim e excelente. Excelente são as roupas de Piero Tosi, figurinista mais famoso do mundo. Um desfile de detalhes, cores, requinte, soberba. Excelente são os cenários e a fotografia de Pasqualino de Santis. Veneza no explendor. A produção reformou e restaurou um hotel de verdade para filmar o luxo de 1911. Excelente a trilha sonora de Mahler, de tristeza cósmica. Então a gente fica meio hipnotizado ( se voce for um esteta ) admirando o visual e escutando a trilha sonora. Mas por outro lado, o filme em si é risivel. Discussões filosóficas sobre arte, pedantes e redundantes; movimentos de câmera irritantes e atores conduzidos como zumbis empaturrados. O efebo é anódino e Bogarde interpreta Thomas Mann como um entediado burguês. Detalhe: é um filme com som à Jacques Tati: diálogos que não se ouvem e muito som ambiente, o que ressalta seu caráter visual, de turismo em Veneza. Não é um filme, é uma coleção de souvenirs de uma viagem de um velho. Fofocas: Visconti era tão perfeccionista, que na obra-prima O Leopardo, ele atrasou a filmagem em horas para que em cena as champagnes estivessem na temperatura exata. E observe em como Dirk Bogarde tem o rosto de Johnny Depp!!!!!!! Nota 5.
BILLY BUDD de Peter Ustinov com Terence Stamp, Peter Ustinov, Robert Ryan, Melvyn Douglas e Paul Rogers
Navios ao mar. Preto e branco fantástico de Robert Krasker. Um marujo ingênuo é recrutado para a guerra. No navio ele se verá em conflito com o mal nada ingênuo. Stamp faz um retrato preciso, seu marujo é exemplo do bem e do bronco, é tolo e é angelical. O filme jamais filosofa por nós. Ryan é o mal, e o mal vence. Uma aula de cinema. Nossa mente fica completamente ligada ao filme, ele diverte e faz pensar. O final é digno de grandes filmes, exato. Nota 9.
O ATALHO de Kelly Richardt com Michelle Willians, Bruce Greenwood e Paul Dano
Western de arte. Argh!!! Para mostar três meninas cruzando um riacho são gastos vários minutos. Há quem confunda arte com fazer sofrer. É o pensamento do jeca: se voce quer arte, sofra de tédio. Imagens escuras, múrmurios, ação lentíssima, pseudo-profundo. Um porre!!!! Pra que fazer isso? Nota ZEEEEEEERO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
A SALA DE MÚSICA de Satyajit Ray
Um nobre empobrecido. Um palácio sujo. Um rio vasto. E muita música. Com poucos elementos Ray faz um imenso filme. É cheio de falhas. Algumas cenas são excessivas e outras chegam perto da caricatura. Mas perto do valor de seu todo é uma obra de poesia cósmica e original. Cinema atemporal, belo e sincero. Nota 9.
O SEGREDO DO PÂNTANO de Jean Renoir com Dana Andrews, Walter Huston, Anne Baxter, Walter Brennan, Ward Bond
Pântanos. Belas imagens da água e lodo. Um jovem atrás de seu cão conhece condenado que lá se esconde. A história corre através dessa relação e da relação do jovem com seu pai e com sua vila. Renoir fugiu da França nazista e fez alguns filmes americanos. São bons filmes, mas não procure o estilo Renoir neles. São impessoais. Nota 6.