Documentário Sophia de Mello Breyner Andresen O Nome das Coisas



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SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, CORAL E OUTROS POEMAS.

   Hoje de manhã fui ao jardim para ler as últimas 30 páginas deste livro recém lançado pela Cia das Letras. Então 3 borboletas amarelas começaram a brincar entre as flores e a minha cachorra. Ficaram por quase meia hora, soltas, leves, instáveis, rodopiando. Se uniram em trio e subiram, subiram, subiram. Sophia é sobre isso.
  Este livro faz um apanhado geral sobre toda sua obra e deixa claro que ela foi crescendo de ano para ano. Ao contrário da maioria dos escritores, ela melhora com a idade. Portanto, as últimas 30 páginas são as melhores, seus poemas dos anos 80-2000.
  Sophia faz uma oposição: mar e cidade. Para ela, a cidade é o mal, o feio, o desarmônico. O mar é o bem, o limpo, o claro. Grega de alma, ela ama o sol, o azul, a liberdade e o equilíbrio. Os poemas que ela escreve na Grécia são das coisas mais felizes já escritas.
  Pois ela nunca foi uma poeta triste. Oposta a Fernando Pessoa, ela é ela-mesma e ela é sólida. Ela escreve sobre a alegria do real, a felicidade de se olhar o azul aos 2 anos de idade. Na infância a comunhão da criança com a realidade do mundo, o olhar sem intermediários. A poesia é a volta desse estado, mas agora através das palavras, palavras que buscam o resgate do que se perdeu, a realidade.
  Existem poetas que escrevem como escultores. Eles têm uma ideia e trabalham sobre ela usando palavras. Fazem e refazem, tiram e adicionam. Outros, como Sophia, recolhem ideias que nascem no nada e escutam o poema ser escrito na alma. Eliot é um exemplo do primeiro tipo, assim como Wallace Stevens. Já Lorca e Burns são exemplos do outro tipo, o tipo marítimo. As imagens vêm como ondas. Elas brotam.
  Não costumo citar trechos dos livros que leio, quero que vocês os procurem; além do que citar fora de contexto é sempre um perigo. Os poemas de Sophia são curtos, breves, leves, simples, lapidares. E são feitos de água, sal e muito sol. Como ela mesma diz: " apesar da morte, minhas mãos nunca ficam vazias".

New Sumerian Artifacts 2018 Documentary The Forgotten History of Sumer



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The Long Good Friday: Making Of: Pierce Brosnan (2006)



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FILMES POLICIAIS E MAIS OUTRAS COISAS

   THE LONG GOOD FRIDAY ( CAÇADA NA NOITE ) de John Mackenzie com Bob Hoskins e Helen Mirren.
Faz tempo que em toda lista de melhores filmes ingleses da história leio este título. Feito em 1980, é um filme amado pelos ingleses mas pouco conhecido fora do país. Lançado aqui em dvd, eis que o assisto. Começa mal, com uma trilha sonora pop horrível. Cenas incompreensíveis e todo o clima yuppie de então. Mas, quando Bob Hoskins entra em cena o filme cresce, cresce, cresce e vira uma coisa inesquecível. Ele é um mafioso londrino. Que começa a ver seu império ruir. Iludido, ele pensa que pode se salvar. Mas seu inimigo, o IRA, é muito mais letal que ele. Hoskins tem uma das maiores atuações da década e foi este filme que o lançou. Ele é brutal, cruel e meio burro, mas a gente o ama. O filme, cheio de humor amargo, é uma diversão louca. Muito, muito bom. Como curiosidade, Pierce Brosnan, jovem, um dos mais bonitos atores já filmados, tem duas cenas mudo: seduz um gay numa sauna, e aponta uma arma para Hoskins. Quem imaginaria que ele seria Bond? O mundo é surpreendente mesmo...
   GET CARTER de Mike Hodges com Michael Caine
A GB de 1971: falida. Caine, frio como aço, vai à Newcastle para se vingar. O filme, sujo e lento, estranhamente vazio, é outro policial muito amado na ilha. Michael Caine tem um dos seus melhores momentos. É um ator anti-teatro, anti-Olivier, por isso marcou tanto e é até hoje o mais querido pelos ingleses. Ele trouxe a rua, o cockney para as telas. Este filme, duro, de macho, é uma lição de economia. O final é maravilhoso.
   O SEQUESTRO DO METRÔ de Joseph Sargent com Walther Mathau, Robert Shaw, Hector Elizondo, Jerry Stiller.
Ainda lembro que em 1977 este filme passou em branco por aqui. 4 semanas em cartaz, ignorado por críticos. Hoje é super cool e super cult. O motivo: faz parte da grande leva de filmes sobre a Nova Iorque dos anos 70. Como Um dia de cão ou Taxi Driver, a estrela é a cidade, seu povo, suas ruas, o clima. A cidade estava em seu ponto mais baixo, falida, suja, confusa, sem governo, e uma explosão de pessoas esquisitas habitava suas ruas. Filmes como este perceberam isso e foram às ruas. Aqui se fala de um bando de 4 malucos que sequestram um vagão de metrô. O filme, ágil, engraçado, esperto, gira entre ruas, delegacias, o metrô e casas imundas. Os atores estão perfeitos e a trilha sonora mostra o porque dessa época ser considerada a melhor em termos de trilhas para filmes ( 1965-1978 ). Qualquer pessoa que ver este filme hoje vai amar. E vai querer saber o porque de não serem mais feitos filmes assim.
   THE SEVEN UPS de Philip D'Antoni com Roy Scheider
É sempre ótimo ver Scheider em cena. Poucos ou nenhum ator faz angustiados tão bem. Este é mais um filme sobre New York, um pouco confuso demais, mas ainda assim ok. Roy é um policial. Ele tem um traidor em seu grupo. O filme gira entre ruas sujas e pessoas imundas.
  SOFRENDO DA BOLA de Norman Taurog com Jerry Lewis e Dean Martin
É o filme da dupla sobre golfe. Tem coisas bem ousadas, como mostrar os dois como eles mesmos, mas não é dos melhores da dupla. O humor de Lewis, muito infantil demais, envelheceu mal.

OS QUATRO AMORES - C.S.LEWIS

   Em edição com capa dura, bonita, este livro pensa a cerca de quatro formas de amor: o afeto, a amizade, o amor erótico e a caridade. Há uma decepção óbvia com o primeiro texto. Lewis parece não se animar com o afeto. Afeto seria o amor que une pessoas em interesse comum. É aquilo que nos faz ser gregários, sociais. Sentimento que nos faz precisar de alguém ou apreciar alguma coisa. É o amor que sentimos por animais, objetos, lugares, lembranças. O texto é parcialmente convincente.
   Isso não acontece com o que ele escreve sobre a amizade. Aqui Lewis beira a genialidade. Basta citar sua percepção de que a amizade é o amor menos prezado e valorizado pelo mundo moderno. Isso porque a associação de dois ou três amigos, faz deles seres à parte, fora do comum. Um tipo de amor sem ciúme e sem cegueira, a amizade dispõe os participantes lado à lado, prontos para observar e usufruir do mundo. O texto de Lewis é muito mais que isso. Ele consegue nos mostrar o porque da desconfiança de esposas, maridos e chefes em relação à amigos. Amor valorizado ao máximo no mundo antigo, desde o romantismo ele é desvalorizado. Por não ser trágico, perigoso, sanguíneo, a amizade tornou-se vista como um tipo de amor sem risco, sem narrativa e sem tragédia. Deixou-se de perceber sua nobreza. A grande sacada de Lewis: é, dos amores, o mais humano. Amor sem corpo, puro espírito. Pode-se viver sem amigos. Ele é uma escolha sempre, jamais uma necessidade.
   Belo é também o texto sobre eros. E, como os outros textos, Lewis faz uma coisa matreira, que seja: exibe o bem de eros para em seguida provar seu perigo. A amizade é nobre, mas pode se tornar soberba. Eros é lindo, mas pode virar crueldade. Eros não é animalidade, pois precisamos de uma única pessoa e não de qualquer uma. Lewis descreve o caminho que o amor-sexo percorre e seu crescimento quando unido à amizade.
  Por fim temos a caridade, e ela não é aquilo que voce imagina. Aqui Lewis se poetiza, cresce, e se cala ao fim. O livro, apenas 200 páginas, se encerra em clave celestial. Se levamos algum amor conosco para outra vida, quem pode saber?, esse amor seria o caridoso e não o eros ou a amizade. Não nos cabe saber qual de nossos amores é o caridoso. Não nos cabe saber qual deles seria o mais celestial.
  Sei que é um pequeno livro bonito.

O JARDIM SECRETO - FRANCES HODGSON BURNETT. nascendo a new age.

   Só um idiota não leva a literatura infantil a sério. Nascemos crianças e as marcas que essa literatura deixa numa criança é para sempre. Quando lidos em minha idade, quando visitados por um adulto, esses livros mostram aquilo que eles são, os melhores, claro: fonte de símbolos e arquétipos, imagens que revelam o que respira na nossa alma.
  Frances Hodgson Burnett foi uma escritora muito famosa na virada do século XIX para o XX. Nasceu na Inglaterra, empobreceu quando criança e passou a viver de sua escrita desde os 17 anos ( !!!!! ). O Jardim Secreto, hoje um dos mais famosos livros infantis, foi lançado em 1911. A princípio não foi um de seus maiores sucessos, mas a partir da contracultura se tornou um tipo de livro fundador da new age. Na história da menina infeliz e chata que se transforma no contato com a natureza, vive a crença de "volta ao jardim", plantar e colher e assim fazer o mesmo por sua alma. Burnett era estudiosa da cientologia, da teosofia e de rituais "do bem". A mensagem do livro é a de que ao se abrir a mente para as flores e os bichos, sua vida se abre para ela-mesma. Mais ainda, há a crença no pensamento positivo e na força da vontade.
  Mary vive na India e é enviada ao Yorkshire para viver com um tio. Mergulhado em luto, esse tio nunca está presente. Mary, feia e fraca, mimada e arrogante, se humaniza ao conhecer gente do lugar e principalmente ao cuidar de um jardim. No processo ela salva o primo doentio, Colin, e o próprio tio. Burnett escreve simples, escreve como quem fala. É uma linguagem deliciosamente despretensiosa.
  O livro tem sido atacado na última década. É tachado de colonialista e misógino. Não vi o menor sinal disso. Mary é a heroína e o colonialismo é várias vezes tachado de injusto. Me parece que esses bobocas do PC exigem panfletismo em tudo. Aff.
  Bela edição da Penguin com introdução e pós escrito.
  Junto a "O vento nos salgueiros" e "Peter Pan", é dos melhores livros "para crianças".

CONTRA UM MUNDO MELHOR - LUIZ FELIPE PONDÉ

     Pondé é um cara de grande importância pra mim. Lendo seus escritos na Folha, lembrei, com alegria, dos textos de Paulo Francis. Não que eles se pareçam, mas Pondé compartilha com Francis o desejo de remar contra o esperado, o comum, o bem aceito. Ele consegue isso dizendo apenas aquilo que muitos pensam mas evitam dizer. Vivemos o tempo da hipocrisia, fingimos não ter preconceitos, não ter impulsos violentos, fingimos uma civilidade que na verdade não é civilizada, é apenas covardia. O espírito da manada voltou em forma de ovelha. Ovelha do bem, multicolorida.
    Ele cunhou um dos termos que mais gosto: o inteligentinho. Nada define melhor o povo que serve água aromatizada, ceviche e fala sobre ecologia light que a palavra inteligentinho. O inteligente mirim recicla lixo, não fuma e só usa drogas naturais. Ele é um carinha que respeita as mulheres, deixa os filhos livres para experimentar tudo ( desde que seja do bem ), e tem um vira lata salvo do abrigo. Há um texto neste livro, hilário, que descreve esses seres iluminados.
   O livro, curto, é composto por alguns textos. Pondé reafirma sua posição como trágico. Ser trágico é ser o anti-inteligentinho: saber que não temos poder nenhum sobre o destino e sobre nossa vida. Inclusive e principalmente sobre nosso corpo. Os gregos sabiam que éramos joguetes nas mãos dos deuses. Deuses que eram como reis temperamentais. Mudavam de humor e com isso nos castigavam ou protegiam. Nada na vida grega escapa ao humor imprevisível desse destino. Nossa vida é apenas um barco perdido num mar feito de acaso.
   Gosto desses textos, mas Pondé me conquista nos dois últimos: aquele que fala de Jó e da Biblia Hebraica. Fico espantado no modo como Pondé descobre a validade do pensamento judaico. A imagem do vazio, do deserto, do grão de areia, do nada...Somos um grão de areia no Sinai. Deus, um vazio, um nada, nos concede a graça, mas apenas quando conseguimos nos aproximar desse vazio. A solidão necessária à essa graça. Me surpreendo ao notar que essa aproximação de Pondé, essa quase aceitação da fé, se constrói do mesmo modo e pelos caminhos que a minha: o niilismo, a negação do sentido, a descoberta da beleza, o vazio cheio de nada, a graça. E o silenciar.
   Pondé diz escrever cada vez menos. Isso se deve à desconfiança em relação às palavras. Mas também à inutilidade de fazer. À preguiça que advém do nada. E, adendo meu, ao horror ao excesso de "coisas", sintoma do mundo moderno, mundo lotado de objetos, palavras e acontecimentos fúteis.
   Leia Pondé. Este é um bom começo. ( No texto acima cito alguns pontos do livrinho ).

TOMMY - THE WHO. EM PROCURA DE UM SENTIDO.

   O que mais nos surpreende ao ouvir o disco, duplo, de 1969, é sua mansidão. Ele é quase todo acústico, e tem uma suavidade de timbres que amortece a raiva da banda. Kit Lambert, o produtor, mixou a bateria lá no fundo, o que é um alívio para a harmonia musical, e coloca como guia o som do violão de Pete Townshend. Violão que é muito rítmico e ao mesmo tempo orquestral. O inglês genial faz a simplicidade ter ares de sinfonia.
  Tommy é um garoto que fica autista por ver o que não devia: o crime. É salvo ao quebrar o espelho e ver a verdade. Essa a história, religiosa, quase banal, mas que em 69 é um alívio. No tempo em que tudo era "revolução e loucura", o Who continua em sua busca por sentido e não por ação. Na verdade as 3 bandas mais interessantes da época, Stones, Kinks e Who, não se deixaram levar pela sanha hippie. Os Stones continuaram sexuais e individualistas, os Kinks com saudade de casa e flertando com o dandismo e o Who perseguindo a sua alma própria. Tommy é isso tudo.
   Nunca é simples ouvir esta banda. Eles exigem atenção. E esta "ópera pop" mais que tudo o que eles fizeram, tem de ser escutada em silêncio e em suspensão. Alguns momentos são sublimes em sua beleza franciscana, há dois tropeços, mas no geral é um disco admirável. Pete está no auge de sua inspiração.
  Falando do som: poucos discos têm uma sonoridade tão cristalina. Os couros da bateria de Moon parecem de veludo. Suas baquetas batem em bolhas de ar envoltas em veludo. O disco tem ecos discretos, ruídos quase imperceptíveis e harmonias vocais que conduzem ao estranhamento. Tudo isso com a dinâmica nuclear do dedilhado de Townshend. Tudo parece feito de ar. Há um vazio, um vácuo nas músicas; e essa é sua mensagem espiritual.
  Tommy, feito na era dos solos de meia hora e do barulho como protesto, é um disco quase silencioso. E que fala tudo o que se podia dizer.

O CORPO DA LIBERDADE - JORGE COLI

   A editora Cosac não existe mais, compro este volume em sebo, belo sebo rico. Coli, em linguagem limpa, fala de um período da arte que é pouco lembrado por aqueles que só pensam em renascença e impressionismo, o tempo do final do classicismo até Manet, este, o primeiro impressionista. Ingres, David e Delacroix são os mais citados. Mas o melhor texto, o livro é feito de textos separados, ensaios, é sobre Manet, Edouard Manet, este, claro, conhecido por todos. Aliás Manet é mais um que foge ao chavão de que todo gênio deve ser infeliz. Ele era um piadista feliz, simpático, sorridente, de palavras gentis.
  Jorge Coli tenta mostrar, num texto final, o nascimento do espírito modernista. Quase me convence. Não sei se ele está certo, mas é sedutor. Para ser moderno seria preciso ser livre, e para ser livre é preciso produzir algo de completamente inédito, mesmo que isso seja merda. A mídia dará destaque, o sucesso virá apenas para o transgressor, não para o talento. Hummm....talvez...não sei...eu perguntaria que tipo de sucesso seria esse.
  De qualquer modo, valeu!

OS EMIGRANTES - WG SEBALD

   Sebald morreu em um acidente de carro. Em 2001. Estava no auge de sua carreira. Foi professor em Cambridge. Nasceu em 1943, na Alemanha. Difícil escrever sobre um livro tão melancólico e tão bonito. Vou recomeçar.
   Sebald escreve quatro relatos. Nesses quatro relatos, de quatro pessoas e quatro famílias que não se conhecem, surgem pistas: Em todas surge um caçador de borboletas. E nós sabemos que ele é Nabokov. Por que será que Sebald usa Nabokov?
   Errado eu ter começado assim este texto! Vai parecer que o livro é sobre o autor russo e não é! Longe disso! Ele só aparece um duas breves linhas, sem fala nem nada. Sebald e Nabokov nada têm em comum mas tudo rimam entre si. Ambos são exilados. Nabokov por imposição histórica, Sebald por não aceitar seu país. Ambos têm saudade.
  A Alemanha era uma nação de judeus. Isso ninguém tem coragem de lembrar. Os nomes judaicos estavam por toda parte: Mannemann, Lubock, Goldstein, Heine...Os nazistas destruíram esse passado e assim mataram a alma alemã. Mas o livro não é sobre a guerra nem sobre os judeus. Mas no fundo, lá no fundo, é sim...
  O livro fala sobre o campo: a Suíça, as montanhas, a alegria de viver no silêncio, no alto, no espaço amplo. Fala sobre a história de Manchester, sobre a feiura, sobre a industrialização. Narra a decadência da Inglaterra.
  Será que voce nunca leu Sebald? Sua falha é imperdoável! Voce não sabe que seus livros são ficção biográfica. Ele enreda várias histórias com fatos históricos, enfeita as páginas com fotos pessoais e íntimas. Voce lê e não sabe o que é biografia e o que é ficção.
  Ler Sebald é tomar contato com o melhor tipo de romance possível após os anos 60. O romance que mistura fato e invenção, foto e texto, passado distante e presente vago. E Sebald escreve como música. O texto é sonata de piano. O texto é também uma imagem congelada: O momento em que voce abre os olhos. A primeira chuva e o primeiro inverno.
  Muitos escritores eu admiro, poucos eu gostaria de ter como amigo. Sebald é um deles.

OS DRÁCULA DA HAMMER - ARTHUR PENN - WARREN BEATTY

   BOX DE FILMES DA HAMMER
Quem tem entre 40-60 anos sabe bem o que é a Hammer. Uma produtora média de filmes ingleses, liderada por Michael Carreras, que entre 1956-1980 produziu filmes de terror às toneladas. Na TV dos anos 70, principalmente na Tupi, eles passavam quase toda noite, sempre com cortes. Não gosto muito desses filmes, nunca gostei. Mesmo assim assisto este box com 9 filmes feitos entre 1958-1974. Percebo logo porque eles não me agradam: a fotografia. A Hammer fazia terror sem sombras, a luz muito forte, cores claras, tudo nítido demais. Sem clima portanto, o oposto do horror da Universal americana. Os diretores neste box são Terence Fisher, bom artesão, Peter Sasdy, completamente doido e Roy Ward Baker, um preguiçoso. Ah! Tem ainda o péssimo Alan Gibson. Christopher Lee é o vampiro em quase todos eles, e sua atuação física é tão correta que Dracula passou a ter, em nossa imaginação, a cara de Lee. Peter Cushing, um grande ator, é Van Helsing em 4 filmes. Essa a dupla clássica. Dracula no Mundo da Minissaia é o mais interessante, não o melhor. Vemos aí a Londres de 1972, o satanismo dos jovens de então, e as bobeiras da moda "rebelde" da época. O filme é doentio. Críticos respeitam muito os filmes feitos por Fisher, que são os mais antigos. Os roteiros são bons, mas usam a droga de luz forte. Não espere medo. Nem clima. Muito menos erotismo.
  MICKEY ONE de Arthur Penn com Warren Beatty.
Feito em 1965, foi um fiasco na carreira de Warren e de Penn. Eles se recuperariam depois com Bonnie e Clyde. Vi este filme em 1978, na TV Cultura, na sessão da 10 da noite. Era muito legal essa sessão! O filme passava nas noites de segunda, quarta e quinta, e na sexta, quatro críticos ficavam uma hora debatendo o filme, e depois ele passava mais uma vez. Eu amava essa mesa redonda! Tinha o Rubem Biáfora, Rubens Ewald Filho...e uns caras do JT que esqueci o nome...pena...O filme, num preto e branco fantástico, e edição de video-clip, conta a paranoia de Mickey, um stand up man que foge da máfia. Stan Getz toca na trilha e é um dos filmes mais jazz que assisti na vida. Tem jeito de filme francês, é datado, mas ainda é jovem. Gostei.
  ARLO'S RESTAURANT de Arthur Penn
Feito após Bonnie e Clyde, em 1969, este é o mais hippie dos filmes. Arlo é o filho de Woody Guthrie, o ídolo dos anos 40 de Bob Dylan. No filme, Arlo é ele mesmo. Visita o pai no hospital, vive amores livres e faz parte de uma comuna jovem. Tudo é muito estranho!!!! Eles são, vistos hoje, antigos como dinossauros, mas ao mesmo tempo uma quantidade imensa de teens de 2018 ainda os imita sem saber disso. Vemos roupas, modos de andar e de pensar que remetem imediatamente aos dias de hoje. Os hippies são crianças de 12 anos. Hoje, com falsidade e nostalgia, tentam resgatar esse momento. O filme foi um fiasco em seu tempo. Odiado. Visto agora parece um filme para crianças. Fofo.
 

O FURGÃO - RODDY DOYLE. MAIS UM TIRO NO ALVO.

   Há a porra de um c  aralho de poesia de merda no uso de palavrões. Porque se poesia é atingir a expressão no alvo, porra, o palavrão atinge o cú do sentido.
   Este é o terceiro livro de Roddy Doyle que leio. E, se não é tão maravilhoso como Paddy Clarke Ha Ha Ha, é este um fodido de um livro do caralho sobre uma amizade entre homens. Se Roddy fosse um diretor de cinema, ele seria um Ken Loach de bom humor. Este livro virou filme em 1993. Stephen Frears, um Ken Loach com bom gosto, o dirigiu.
   Jimmy e Bimbo e Bertie são amigos. Têm 40 e tantos anos, um monte de filhos e estão desempregados. Espero que pelos nomes voce já saiba que estamos na Irlanda do Sul. Em 1989. Desempregados, vivem do seguro desemprego e passam o dia bebendo umas e jogando golfe. Bimbo compra um furgão velho e abre um carro que vende fritas e burgers. Só isso. Nada acontece mais, mas acontece tudo. Roddy constrói seu romance em diálogos, mais de 75% do livro são conversas. E ele consegue escrever com perfeição, e sem afetação, a linguagem das ruas da Irlanda. Piadas e palavrões, o bom humor do país mais feliz do mundo. ( As estatísticas dizem isso e não me pergunte como um país tão frio e tão pequeno pode ser tão alegre ). Mais o que tudo, Doyle faz um retrato quase comovente da amizade entre homens.
  Jimmy e Bimbo nunca falam de sentimentos, são pouco letrados, simples, mas sofrem e têm medo como qualquer bundão de merda. O afeto entre os dois é real, sólido, simples, instintivo. E nisso, assim como nas relações deles com esposas, filhos e vizinhos, o romance chega a ser sublime. Há dor, frustração e raiva neles. Mas a esperança e o amor nunca morrem.
  Os ingleses tentam desde sempre escrever assim. Como um irlandês fodido. Não conseguem. Lhes falta o lastro da miséria absoluta ( que mora nos genes irlandeses ) e a fé católica ( que é parte vital da paisagem da ilha ). Não que os ingleses sejam piores, eles apenas nunca convencem quando tentam ser "povão". Sempre há uma consciência "fora" do povo a observar tudo.
  Roddy Doyle é bom pra caralho. Tem cheiro de cerveja e cor de manhã com sol. E isso é uma puta coisa do caralho.
 

ARETHA FRANKLYN SOUL 69

   Em 1969, no auge do movimento hippie, quando até o povo da soul music misturava sua música com som freak, Aretha, a maior cantora negra, mas não a de maior sucesso, essa era Diana Ross, lança Soul 69. E fazendo isso vai contra tudo o que se fazia no Pop de então.
   Acompanhada por músicos que tocavam com Miles Davis, e outros que tocaram com John Coltrane e Charles Mingus, ela canta aqui canções de jazz-blues, com big band e arranjos jazzísticos. Ela é produzida pelos cobras da gravadora Atlantic, a mesma de Ray Charles, a gravadora que criou a black music moderna: Tom Dowd, Jerry Wexler ( o boss ) e Arif Mardin. Vamos ouvir o disco então ( que vendeu bem, chegando ao segundo lugar em abril de 69 ):
   O som é redondo, viril, com destaque para a bateria, sempre em estilo jazz, Grady Tate, um cara que fez discos com Oscar Peterson, Mingus, Sonny Rollins. Pulsa, como pulsa o baixo de Ron Carter, ele mesmo, o homem de Miles. Os metais são ao estilo Sinatra, irrompem para dar mais gás, mais ritmo, mais fogo à coisa. E temos a voz de Aretha.
  Sim, ela é  a melhor cantora de soul da história, uma voz que estala nos ouvidos e bota fogo em tudo que canta. Respect é o Kilimanjaro do Pop feminino. Mas...a gente percebe que jazz...bom, jazz é outro mundo né meu nego...
  Ella Fitzgerald. Ouço o disco, que é excelente, e noto o quanto Ella é grande. E Sinatra também. O jazz revela cada canto do canto, até a respiração aparece, e Aretha não erra, mas também não chega lá. A dicção, o fôlego, ir lá do alto até lá embaixo, mudar de tom, voltar ao ritmo depois de improvisar, Aretha nem tenta nada disso e quando quase tenta perde a confiança. Sabiamente depois deste disco ela nunca mais tentou o jazz. Deixou a coisa para Ella, a cantora que em 50 anos jamais errou, em disco ou em palco.
  Mas este é um grande disco. Te dá um prazer do cacete. Tem bossa. Tem fogo e tem negritude. É fogo na jaca. Ouça. Voce vai amar. E se voce não gosta de jazz, vai gostar. E se voce gosta de jazz, vai amar.

RITUAIS DE CEES NOOTEBOOM

   Acho que li uns 4 ou 5 livros desse autor holandês. Gostei de todos. Mas este, se eu o tivesse escrito teria vergonha. Este romance, lançado no meio dos anos 90, segue todos os chavões da literatura existencial, fria, "maldita", da época e das épocas passadas.
   O livro não descreve cenas, apenas estados de espírito, claro, e falas, falas que são lamentáveis, uma macarronada azeda que mistura existencialismo adolescente com niilismo banal, e, tudo isso, desaguando em uma "japonezice" jeca. Somos obrigados, obrigados?, a acompanhar a vida de um holandês rico que tem como único motivo de vida a caça às mulheres. As cenas de sexo são tristes e brochantes, os pensamentos do personagem óbvios. Tudo dentro daquele estilo "fim dos tempos"...argh
  Ele encontra dois solitários, um que nega todo sentido da vida, e um outro que é budista. Não, a coisa não melhora, temos mais do mesmo, uma chuva torrencial de chavões.
  Temo agora reler Cees Nooteboom. Será que ele sempre foi tão ruim e eu me enganei? Ou será que superei faz muito tempo esse mundinho de pessoas movidas a Sartre e whisquinho?