PAUL MAcCARTNEY POR BARRY MILES.

   Se o rock ou o POP um dia tiveram um gênio, seu nome é Paul, e ele nasceu em Liverpool.
  Sua infância foi sem dramas. Ok, a mãe morreu cedo, de câncer, mas Paul teve a sorte de crescer em meio a tias, tios, primas, irmão, e o pai, com quem ele sempre se deu bem. Eram pobres, mas eram felizes.
  O garoto aprendeu a tocar em casa, começou a cantar e entrou na banda de John Lennon. Foram para Hamburgo, a cidade mais cheia de sexo da Europa. Ficaram famosos lá. Voltaram. Foram recusados pela Decca. A EMI os quis.
  O primeiro LP foi gravado em uma tarde. Inteiro. De uma vez só. O resto é lenda. O que entendemos por POP foi inventado pelos quatro.
  Paul compõe como Mozart: sem dor, sem esforço, sem problemas. E rápido, bem rápido. Alguns clássicos foram compostos em meia hora. Outros em dois dias. Raramente mais que isso. As músicas fluíam. Centenas e centenas. No livro Paul as comenta sem grandes pretensões. Fala coisas como; "Esta é boa", esta foi só pra completar um LP.
  Eu havia lido este longo e delicioso livro em 2001. Releio. Gosto. Muito.
  A vida de Paul foi uma vida, entre 1960-1970, o livro vai apenas até o fim dos Beatles, de galerias de arte, cinema, muitas festas e a procura por novos sons. Lennon estava a maior parte do tempo enfurnado em sua casa tomando heroína. Paul ia pesquisar. Vemos isso em fotos: Paul com Jagger, Paul com Ginsberg, Paul com hippies de Londres, Paul defendendo a maconha, Paul em shows de Hendrix e de John Cage. Geminianamente em movimento todo o tempo.
  O segredo dos Beatles é que eles foram a única banda, até hoje, a ser ao mesmo tempo hiper popular e de vanguarda. Eles eram como Michael Jackson misturado com Brian Eno em 1980. Ou como Madonna com Radiohead em 1996. Vendiam como ninguém, e ao mesmo tempo apontavam as novidades, o futuro. Em meio aos mais encantadores POP, uma colagem sonora, um loop, um solo ao contrário, um quarteto à Bach, um ruído. Entre 63 e 68 eles foram a ponta. Em vendas e em arrojo. Em 69 perderam o pé. No mundo novo de Sly Stone e de Led Zeppelin começaram a ficar apenas POP.
  Leiam.

AQUELE MOMENTO-VIDA EM QUE NÓS ESTAMOS COMPLETAMENTE AQUI E AGORA.

   Eu a desejo.
 E por isso sou agora um corpo. Porque ela é o único corpo que existe. Não há mais dúvida em mim. Eu sou minha pele. Meu sangue. Porque ela é mais que pele e sangue. É um universo completo.
 A vida se torna simples. Estou aqui. Sou um homem que deseja. Meu corpo grita por ela. Mas falemos dos lugares...
 As ruas passam a ser aquilo que são: caminhos. E o passado morre. O tempo é agora, uma corrente de agoras. Tudo leva à ela.
 Consciência do corpo. O apaixonado atrai porque o corpo passa a viver inteiro. Olhos, mãos e boca vivem sua vida em plenitude.
 O corpo vive apenas nos momentos como este: em paixão. No resto do tempo realizamos simulacros de paixão. Roupas, maquiagem, exercícios, brilho intelectual: tudo busca simular o estado de apaixonado. Tudo afugenta eros. Ele só vem quando não é chamado.
 O corpo sabe tudo. Anda pelos dias recolhendo prazeres doloridos. Ele sabe que a paixão termina sempre em morte. Morte do próprio corpo ou mortes várias, simbólicas, reais. E ele sabe, o corpo, que ele existe para isso: paixão.
 Eu a vejo e quero cheirar ela. Entrar nela. Viver dentro dela. Comer ela. Ser dela e ter ela como escrava. Ser como ela é. Fazer dela o que sou. Corporalmente. Eis a verdade da matéria. Fundir-se dois em um. O milagre.
 Durmo menos e não sofro por isso. Nem mesmo posso dizer que alguma coisa aqui é sofrimento. Estou desperto. A vida material, o agora, o preciso instante me é um amigo leal. Ando de mãos dadas com a vida.
 Não falo dela porque sua beleza jamais poderá ser expressa em palavras. O amante não embeleza a amada. Ele revela ao mundo a beleza que sempre foi dela. E nesse processo ele próprio se embeleza.
 Mas há o cheiro. O cio. O sangue no olho. Ela é ruim como uma matilha de lobos. Ela é a natureza real. Morte e parto. Comer e ser devorado. Ela é mulher. Basta de letras!

POSSESSÃO - A.S. BYATT

   A autora Byatt ganhou o Booker Prize de 1990 graças a este livro. O que depõe contra o prêmio.
   Temos aqui a história de um professor de estudos literários que encontra dentro de um livro antigo uma carta de um poeta do século XIX. Com a ajuda de uma professora feminista, ele tenta entender a história de amor desse poeta com uma obscura escritora feminista. Esse enredo vira uma suave história de amor. Escrita do modo mais convencional possível. Apesar da mistura de tempos e dos paralelos entre vidas, é um simples novelão.
   Virou filme em 1997. O filme é menos ruim. O que sempre é mal sinal para o livro.
   Fujam.

Old Grey Whistle Test - Ultravox from 5/12/78



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ULTRAVOX! , UM GRANDE, GRANDE PRIMEIRO DISCO.

   Em 1976 o Ultravox começa a gravar seu primeiro disco. A sonoridade irá lembrar a banda pela qual eles têm profundo amor: Roxy Music. E o acento de exclamação no nome ( ! ), é homenagem a banda alemã NEU!
   Brian Eno produz os caras. Mas larga a produção antes do final para viajar à Berlin, onde vai encontrar Bowie voce sabe pra que. Em seu lugar assume o jovem Steve Lyllywhite, que será o produtor dos primeiros 4 discos do U2. Depois será Eno. A vida é ironia.
  O disco sai pela Island em 1977. Dois produtores, Eno e Steve. E, que azar, é o ano do punk. A banda será chamada de muito velha para ser punk e muito nova para o glam rock. Entre 1977 e 1979 lançam 3 discos. Todos incensados pelos críticos. Todos amados pelos futuros músicos dos anos 80. Todos ignorados pelo público de então, povo que ouvia punk, ska e a new wave de Costello e Ian Dury. Este primeiro disco, Ultravox! antecipa em cinco anos a música de 1981, a música da primeira metade da década de 80.
  John Foxx é o vocal. Ele sairia em 1980. Midge Ure entraria no lugar e a banda estouraria nas paradas com Vienna. Mas este disco é melhor. Bem melhor. Foxx era mais ousado, mais "do mal", mais sexy. O som do disco é puro Roxy. Um Roxy em que Phil Manzanera tocasse menos e Eddie Jobson muito mais. O som do disco é o som do violino elétrico de Rusty Egan. Imagine Ferry cantando estas canções e voce imagina um disco do Roxy de 1976. ( Em 76 a banda não existia mais. Voltaria em 79 modificada ).
  Nick Rhodes diz que o disco é seu favorito. Rhodes fundaria em 1979 o Duran Duran. O Ultravox! é um Duran menos pop e bem mais perigoso. A faixa My Sex é uma obra prima. E termina cortada pelo meio, como Eno faria em Low. Mas o disco é mais que ela. São oito canções tristes. E ao mesmo tempo desafiantes. Ouça.

Ultravox - My Sex (Best Quality + Lyrics)



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AVICENA E O DIA DOS MORTOS.

   A questão que encerra o curso é: De onde vem nossa inteligência, nossa consciência e nosso saber. Eis a base de toda filosofia. Três modos de pensar respondem essa questão: A consciência vem do alto e flui para dentro de nós. Ela nasce conosco e olha o mundo. Ou uma terceira via, que é a de Avicena: ela vem de fora, entra em nós e retorna ao cosmo. Não aceito nenhuma das três, e possivelmente, eu, como voce, partiremos desta vida sem saber.
  Avicena se intrigava com a mecânica do olhar. O que nos faz reconhecer uma flor como parte do reino das flores. O particular como uma fração do universal. O que faz com que reconheçamos o que vemos como O Real. Isso era para ele a inteligência primeira.
  O que me inquieta é não saber como se processa o que faço agora. Um bocado de sangue e carne estar neste momento consciente de si mesmo. E produzindo abstração. A criação do mundo dos números é um fato inescrutável.
  Estou agora aqui. Ali eles estão. Eu sei que esse ele não mais está ali. Pois se ele era apenas máquina, essa máquina deixou de funcionar. Pior ainda, enferrujou e apodreceu. Por outro lado, se ele tinha alma, luz, energia, pensamento cósmico, o que seja, ele também não está aqui, pois seu corpo seria apenas o rádio e não a onda que traz o som. Mas eu, nós, vamos ao cemitério e ficamos aqui. Olho a lápide.
  Fecho os olhos e ouço: pássaros cantam, vozes ao longe, vento nas folhas, minha respiração, passos. Abro os olhos e vejo: folhas no alto, sombra, grama, uma linda mulher, uma família de Quero-Quero. Fecho os olhos e sinto: vida ao redor. Vida dentro de mim. Vida neles. Vida nos passarinhos. Vida exercendo seu poder.
  Paz absoluta então.
 
 

EU VI 3 FILMES...

   Vi três filmes recentes ontem. E eles dão um bom exemplo do que o cinema é hoje.
   O novo filme de Todd Haynes é o atual filme de arte. Uma ótima ideia desperdiçada. Haynes estica tudo, enche de ambição desmedida, deixa o narciso à solta e perde nosso interesse. Falta vitalidade. Falta sangue. Falta culhão. O filme é flácido e mesmo cenas maravilhosas ( a parte de filme mudo, as cenas em Nova Iorque anos 70 ), se deixam esquecer perdidas sem rumo.
   Deadpool 2 é, como quase toda continuação, a morte de um excelente personagem. Sai a ousadia e entra o óbvio, sai o politicamente incorreto e vem a média geral, sai a zebra e entra a vaidade. O filme não é ruim não, mas é o fim. Depois dele não tem mais como continuar.
   E vi ainda um filme do Dwayne Johnson sobre uma fórmula que faz os bichos crescerem ( não é Viagra ). O filme é tão mal escrito, tão sem sentido, que parece ser feito para ser assistido enquanto se faz coisa melhor ao mesmo tempo.
  Que foi o que fiz.

HISTÓRIAS DA OUTRA MARGEM - NAGAI KAFU

   Nos anos 30, em Tokyo, um solteirão começa a andar pelas ruas sujas do bairro das putas. Não das gueixas, das putas. Ele vaga por lá para escapar do calor de seu apartamento e dos ruídos dos vizinhos. Conhece então uma prostituta e começa a visitar essa moça ainda ingênua.
 Ele é escritor e ao mesmo tempo escreve um livro sobre um homem casado que abandona a família.
 O escritor solteiro e a jovem puta conversam e ela se apaixona por ele. Ele resiste, não vê futuro.
 Fim.
 Nunca li um romance mais simples que este. As frases de Kafu são esquálidas e o que mais lemos no livro são descrições das ruas e conduções do local. O texto é quase um guia de endereços.
 Se eu gostei? Acho que sim.

AS AULAS QUE NÃO SE REVELAM

   Avicena é tema de um dos cursos que faço agora. O professor é ótimo e o filósofo, médico, físico árabe é fascinante. Com 12 anos ele já era um mestre. Escreveu uma enciclopédia que resumia todo o saber da época. No ano de 800 de nossa Era, ele já era um renascentista.
  Ótimo. Só que quase não. Uma coisa me incomoda. A renúncia absoluta do professor e dos alunos em citarem a palavra "Deus". Avicena dizia que somos existentes mas não a existência. Que dentro da existência existiam minerais, plantas, animais e humanos, estrelas e o sol, a lua e a terra. Nós temos uma existência que se manifesta na nossa capacidade de pensar o imaterial. Com a mente criamos coisas que não possuem matéria: ideias. Vivemos dentro da Existência, uma substância sem tempo ou sem começo, dentro da qual todas as existências vivem e morrem. Nosso corpo, como um rádio, deixa de funcionar, mas a existência, como a onda que dava voz ao rádio, continua no universo. Pois bem, meus colegas conseguem falar nesse Existente sem jamais admitir que Avicena falava de Deus. Haja ginástica verbal e mental pra isso!
  Faço também um curso de literatura da Irlanda do Sul e os professores estão conseguindo falar de literatura sem jamais falar de escrita ou de imaginação. Na primeira aula se falou da imigração irlandesa, na segunda aula da condição das mulheres em países católicos e agora se fala do fato dos escritores irlandeses terem fugido do país. Aff...
 

O LIVRO DO CHÁ - KAKUZO OKAKURA

   Kakuzo Okakura foi ministro da cultura do Japão. Era o tempo, fim do século XIX, começo do XX, em que o Japão se ocidentalizava. Tendo morado em Boston, sendo conhecedor da Europa, o autor tenta com este livro, lançado em 1909, mostrar ao ocidente o que faz do Japão aquilo que ele é. Ao mesmo tempo, Okakura quer fazer eterno o país que ele ama.
   Para isso ele escolhe a cerimônia do chá como o costume mais típico e que melhor simboliza sua nação. Pois para ele, é o chá que fez do Japão aquilo que ele é. A cerimônia transformou a arquitetura das casas, a pintura, o costume, e até mesmo o modo como o japonês se vê. Para isso, ele começa falando da China, da India, e por fim do país em plena modernidade.
   O livro, de apenas 100 páginas, mais uma bela edição da Estação Liberdade, fala de Zen, de budismo, de viver bem. Mas acima de tudo nos fala do que é a beleza. E das diferenças entre o belo ocidental e o belo oriental.
   No ocidente é belo o que é rico, farto, complexo, chamativo. No oriente é belo o que é precário, simples, incompleto, discreto. A cerimonia do chá se faz num aposento precário, de bambú e papel; usa elementos simples e perfeitos, incompletos e sublimes. Um arranjo de flores, uma pintura em seda, o bule e o fogo, o silêncio, a água em ebulição. Cada gesto é pensado e exato. Os elogios são comedidos, porém, obrigatórios. Cortesia e etiqueta. Criada em 1540, a cerimonia do chá cresceu séculos afora.
   Para Zen, o vazio é onde a beleza vive. Em tudo que fazemos há de se deixar espaço para a ausência, para o nada. Daí a incompletude. Pois é no vazio que a transformação pode ocorrer. Sem espaço vazio não pode haver imaginação. Sem imaginação não existe criação. Sem criação não há vida. Nada dura, nada faz sentido, a não ser a eterna mudança que se opera dentro do nada.
   Nosso corpo é um objeto sensitivo criado para podermos experimentar a matéria. O chá é matéria cercada por vazios. Espaços para se observar. E apreciar. O livro de Okakura é apreciação que se aprecia.

CREPÚSCULO - STEFAN GEORGE.

   Foi difícil achar este livro de Stefan George. Foi editado em 2012, mas logo sumiu das prateleiras. Não por ser um sucesso, quem lê no Brasil um poeta alemão simbolista?, mas por sua edição de poucos exemplares. Bem, o acho num canto da livraria Cultura em 2018.
  George é o simbolista mais conhecido e destacado em língua alemã. Ele e Rilke, claro. George nasceu no fim do século XIX e viveu até 1933. Teve a vida que quis, mas ela foi triste. Nada trágica, apenas melancólica. Seus pais nunca desaprovaram sua escolha e ele viveu de rendas. Viajou, escreveu, amou, escreveu. Teve um caso com uma mulher, mas sua vida era a de musos, dos quais o mais marcante foi um menino de 14 anos. Não é uma poesia que fala de casos gays, então não podemos chamar sua obra de homossexual. É antes uma poesia assexuada, ou talvez, hiper sexuada. Às vezes sinto que a Lua e a Música são falos ou vaginas.
  É enganosamente simples ler George. Seu vocabulário é acessível e sua sintaxe fácil. Mas suas imagens são rígidas, frias, e a construção é engenhosa. Tem metro e tem rima. Inflexível. Rilke é quase latino, George é hiper alemão.
  Voce deve notar que meu texto está um tanto perdido. E contraditório. É complicado falar de Stefan George. Ele não se deixa amar. É liso como peixe.
  O livro traz fotos dele e seus amigos. George foi impressionante. O rosto é inesquecível. Feio além da feiura. Forte. Ancestral. As fotos falam do além. Parecem fotos tiradas em um mundo que nunca houve. As pessoas não se parecem com gente. Lembram arquétipos.
  Acho que George gostaria de ser arquétipo. A poesia simbolista não procura nada mais que isso.

Stefan George - Das geheime Deutschland Doku (2018)



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Duran Duran - Girls on Film (Live @ Måndagsbörsen '81)



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Duran Duran: Careless Memories (Original version!!!)



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O SOM DOS ANOS 80 E DE HOJE.

   A gente estava na Europa em 1982 e foi um momento brilhante aquele. Naquele verão os anos 70 acabavam enfim. A primeira coisa que estranhei foram os jeans. Não havia jeans. Se voce quer saber como a molecada se vestia na Europa em julho de 82 veja o clip que postei acima. Continuo: fomos para o interior do interior do continente. Ou seja, norte de Portugal, quase Galicia. Quarenta graus, aridez, pouca gente. Uma festa na cidadezinha de meia dúzias de ruas. Eu e meu irmão vamos. Uma feira de tarde. Barraca de discos. Que surpresa!!!!! Tem tudo que aqui no trópico não tinha ( e na verdade nunca teve, nem em cd ): Talking Heads 77, Gang of Four, Classix Nouveaux, Ultravox, John Foxx, Toyah Wilcox, Orange Juice, Haircut One Hundred, Adam Ant e Bow Ow Ow. Compramos. Era a época do Escudo. Um escudo era dez cents de dólar. Eram discos made in Portugal e made in France. Tenho até hoje. Andamos pelo local...meninas de enormes franjas cobrindo os olhos. Meninos com calças de mulher: laranja, roxo, pinky. Bebemos ginja.
  Na sala da minha tia tem um programa de música POP ao vivo. Um palco cheio de luzes, cores e brilhinhos. Era o nascimento da década e ela só nasceria no Brasil em 1984. E aqui ela seria para meia dúzia de moradores de bairros legais. No fim do mundo português era fenômeno popular.
  Na época eu não era fã do Roxy Music e pouco entendia de Bowie. Ouvia-o desde 1974, mas era pra mim só um rock star gay e criativo. Então não pude notar que ele e Ferry eram os vencedores do década passada. Entre 1980-1987 o POP e o ROCK que importava eram, em 90% dos casos, filhotes do glam e do funk chic.
  Chego de volta a 2018 e escuto o disco Duran Duran, o primeiro. Para mim, é a coisa mais fora de moda que existe. Teclados gelados e simples, baixo funkeado ( John Taylor é um gênio do ritmo ), guitarra exagerada, percussão lá em cima, tudo a cara do POP dos anos 80. Mas caramba!!!! Ouço uma multidão de "novas" bandas de 2018 e um monte tem esse mesmo som, mas, COM UMA DIFERENÇA: eles tocam muito, muito mal. Daí dou razão à Neil Young. O fato dos novos sons serem gravados em aparelhos ruins para se reproduzir em condições precárias, faz com que toda uma geração seja acostumada a ouvir música pobre. É um tchuc tchuc prás sem nenhuma sutileza.
   Por isso esse vinil me surpreendeu desta vez. Fico embevecido com a riqueza sonora. Tem centenas de coisas para se escutar, sons que vão e que voltam, timbres que surgem e morrem, ecos sem fim.
   A criação do LP em 1948 fez nascer o som de Sinatra, e depois o jazz adulto. A tecnologia dava campo para eles. O estéreo deu nascimento aos sons dos Beatles e todo o rock psicodélico. Os estúdios de 64 canais ensejaram o POP dos anos 70, com seus montes de músicos profissionais. A fita K7 criou o fã de bandas toscas e o CD fez nascer a dance e o eletro. Cada salto científico faz surgir um novo modo de ouvir e de fazer música popular. E faz se abandonar outro modo, antigo, de produzir e compor. O tempo do Ipod e do Spotify, do mp3, fez surgir o som sem sutileza, que luta contra o ruído das ruas e a pressa do ouvinte. Se compõe para essa tecnologia. Singles de 3 minutos. E só.

Neil Young and Devo: Hey Hey, My My



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NEIL YOUNG, A AUTOBIOGRAFIA

   Neil Young é um cara muito mais legal do que eu esperava. Mas ele escreve como fala. E o que ele fala é muitas vezes repetitivo. O que nos seria agradável numa conversa na praia, em uma página escrita fica sem graça.
   Cresci lendo que Neil era um "artista atormentado". Outra das baboseiras impostas pela crítica ideológica dos anos 70-80! Essa crítica, fantasiosa, me fez crer não só que Neil era um tipo de mártir, mas que o AC DC era um lixo e que os discos de Peter Gabriel eram bons. Haja!!!
   Neil não é sofredor. Ele se divertia muito nos anos 60, 70 e 80. A gente imaginava que ele estava sofrendo como uma personagem de Bergman, e na verdade ele estava colecionando carros velhos e conhecendo "meninas cósmicas". Ele é um hippie assumido. Um hippie dos bons. Não a caricatura bicho grilo dos anos 70, mas o autêntico, o místico. Um dude. No livro, as melhores partes, são quando ele se derrama em elogios, como um hippie, aos amigos e meninas que lhe trouxeram boas vibes. Neil é sempre sincero. Um cara que a gente adoraria ter como amigo.
  Ele tem suas dores. Como todos temos. Um filho com paralisia cerebral. Casamentos desfeitos. Sua epilepsia. Mas ele não para nessas dores. Mesmo o tempo em que não saía de casa por medo de ter ataques ( sei bem o que é isso ), é deixado de lado em favor de suas lembranças felizes. Neil é profundamente otimista.
   Ele passa dezenas de páginas em um idealismo bastante anos 60: vencer a Apple e trazer de volta à música a qualidade sonora. Veja bem, não é saudosismo. Ele não fala que a música de hoje é mal composta. Ele diz, e basta ter ouvidos para perceber, que ela é mal gravada. A molecada ouve som em celulares e esse som não tem definição, profundidade, riqueza de timbres e de detalhes. A experiência cósmica de se ouvir música é rebaixada a uma atividade tão vazia como correr no parque ou fazer palavras cruzadas.
  Tenho uma experiência recente sobre isso. Após anos ouvindo dos discos de Hendrix em cd, ouço os 3 primeiros em vinil e me arrepio ao sentir que naquele som há uma profundidade, alcance, eco, ruído, chiado, agudez, que o cd não consegue reproduzir. Em stream ou mp3 a coisa é ainda pior.
  Neil fala do Pone, um sistema digital que ele e sócios desenvolveram que traz de volta o som cósmico. Como o livro é de 2012 e em 2018 esse Pone ainda não está por aí...acho que a Apple fodeu com eles. Neil também financia carros elétricos.
   Ele teve fazendas, barcos, iates, mulheres, drogas, bebidas, sucessos, fiascos, bandas, lutos, sexo, se dava bem com a família. É rico e viveu bem. É só isso. Mas ele é bem mais caloroso e bacana do que esperava. É cósmico.
   PS: A mudança no Hall da Fama, de cerimônia íntima em show de TV, é uma das coisas mais tristes no livro.

Como compreender a 4ª DIMENSÃO espacial? | Ponto em Comum 133



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GIGANTES DA FÍSICA - RICHARD BRENNAN

   Brennan, físico e escritor, pega oito físicos centrais e conta suas biografias e explana o que descobriram. O estilo é agradável, mas para quem, como eu, já se aventurou no assunto, ele pode ser cansativo. Se voce nunca leu nada sobre o assunto, eis um começo.
  Newton, Einstein, Planck, Bohr, Rutherford, Heisenger, Feynman e Gell-Mann, são esses os oito. Lista arbitrária, claro, pois se os quatro primeiros não podem ser esquecidos, onde estão Pauli ou De Broglie?
  Não me darei ao trabalho de aqui explicar nada, dou apenas duas pistas:
  1- Vivemos no mundo da física de Newton e até na polícia isso de revela. Mundo onde toda ação enseja uma reação proporcional.
  2- O mundo quântico só se aplica ao mundo muito, muito pequeno. Então não tente falar em mundo paralelo, ausência de sentido, realidade invisível em nosso mundo cotidiano.
  De qualquer modo o mundo Einsteiniano é nosso e olho minha cadela e, como diz a relatividade, sei que ela é energia, que eu sou energia, e que essa energia irá um dia se transformar, e permanecer a mesma quantidade de energia para sempre. Massa não se faz energia, ela é energia. Tudo o que voce vê, faz e sente são fluxos de energia. E energia são feixes, ondas que se movem. Isso não é física quântica, é relatividade. A física sub atômica é bem mais perturbadora e dela nem quero tentar falar.
  ( Mundo tão pequeno que ele tem o tamanho de minha unha em relação à Júpiter ).

FILMES

   Faz duas ou três décadas que o cinema, como arte relevante, morreu. Ainda se fazem bons filmes, alguns geniais, mas eles todos além de não repercutirem, possuem a tristeza de saber que seu mundo, o universo do cinema, é passado. Como o jazz, a ópera, o rádio ou mesmo o teatro, ir ao cinema é apenas um modo de digerir o jantar, passar duas horas com a namorada ou, pior de tudo, tentar dar sobrevida à um costume. Filmes de TV são apenas isso: Filmes de TV. São filmes, mas não é cinema. Podem ser bons programas para se ver na cama. Podem ser boas séries para se ver após o futebol, Mas por serem TV, já nascem sabendo que em duas décadas estarão completamente mortos. Ninguém assiste Os Sopranos hoje. Menos ainda assiste Friends.
   Um rápido comentário sobre o que assisti no último mês:
   PORTO, UMA HISTÓRIA DE AMOR de Gabe Klinger
Passado na cidade do Porto ( estrangeiros nunca acertam o nome da cidade! Ela se chama O Porto, nunca se diz Porto apenas. ), conta o encontro de um cara muito chato e uma moça muito triste. .
Voce já viu esse mesmo filme umas mil vezes. A cidade é exibida, claro, em seu lado mais soturno.
   OS AVENTUREIROS de Robert Enrico com Alain Delon, Lino Ventura e Joanna Shimkus.
O cenário é lindo mas a aventura é chata. Dois homens se envolvem na busca de um tesouro. Com eles vai uma mulher que eles partilham. É longo e tem a modernice de um filme de 1968. Ou seja, cansa. Mesmo com uma fotografia bonita, não vale a pena. E a trilha sonora é insuportável.
   ILHA DOS CACHORROS de Wes Anderson
Eu vejo várias qualidades em Wes Anderson. Mas ele está mergulhando em uma emboscada. Seu estilo virou maneirismo e aqui desce ao cliché. Ele precisa de uma dose de adrenalina e sair desse mundinho feito de vozes sem emoção, ações sem impetuosidade e humor fofo. Mesmo adorando cães, achei este filme bobo, vazio e incrivelmente feio. Não há porque se fazer uma coisa assim. Parece apenas um desenho da TV Cultura dos mais banais. ( Doug é melhor ).
   SOMENTE O MAR SABE de James Marsh com Colin Firth, Rachel Weisz
Baseado numa incrível história real. Em 1967, na Inglaterra, se estipula um prêmio para o homem que conseguir quebrar o recorde de navegação solitária. Um cara cheio de dívidas, que navega só em fins de semana, se lança ao mar. E enlouquece. Com uma história tão boa, este filme, chato, consegue naufragar. Ele é boring boring boring boring boring so boring.
   MISTER ROBERTS de Melvyn LeRoy e John Ford com Henry Fonda, William Powell, Jack Lemmon e James Cagney.
Foi uma peça de enorme sucesso e marca a estreia de Lemmon no cinema. E ele é a única coisa que presta aqui. É um filme longo, que deveria ser engraçado e heroico, mas que é apenas chato e aborrecido. Fala de um capitão que trata mal seus marujos. Fonda é o oficial que o enfrenta. Tudo em clima de farsa leve. Quer dizer, deveria ser leve, fica travado na verdade. Le Roy assumiu o filme depois que Ford perdeu o interesse. Ou foi o contrário?
   ATOS DE VIOLÊNCIA de who cares? com Bruce Willis, Cole Hauser, Mike Epps
Um bom filme de ação como aqueles que Willis fazia nos anos 90...não é o caso. Ele é um tira que procura um assassino sequestrador. Mas é lento, calmo, e dois irmãos assumem o controle da busca. Pois é.
   SURPRESAS DO CORAÇÃO de Lawrence Kasdan com Meg Ryan, Kevin Kline, Timothy Hutton
Kline está magnífico como um francês malandro que se envolve com uma americana que tem medo de voar. Se passa em Paris e na Riviera, e, óbvio, tenta resgatar a beleza charmosa dos filmes de Cary Grant e Audrey Hepburn. Fica a milhões de anos luz. Mas tem belas canções, bela imagem e não tem nada de burro ou forçado. E tem um casal que funciona bem.
  DESEJO DE MATAR de Eli Roth com Bruce Willis
E esse desejo se satisfaz. Ele mata um monte de gente. Bruce é um cidadão pacato que resolve ir à caça dos bandidos. O filme é ruim? Não. É bom? Não. Não é ruim por nunca ser chato. Não é bom por ser de uma tolice atroz. Bruce não parece muito interessado na coisa. Aliás, desde Pulp Fiction ele não parece muito a fim de trabalho.
  ANDREI RUBLEV de Andrei Tarkovski.
Sentiu a coisa? Eis a tal aura da arte, aquilo que Benjamin dizia que o mercado e a repetição destruía. Este filme de mais de 3 horas, fala da vida de um pintor de ícones do século XV. É um filme sobre pintura que não fala de pintura. Fala do momento em que a Russia nasce como nação. Mas vai além. É sobre a violência crua. Por isso ele é bem duro de se ver. As cenas de crueldade são cruas, rudes, e os atos de violência são vistos como ato banal. Claro que por ser Tarkovski, o filme é bem mais que isso. Há um conflito entre ideal e real, e em meio às loucuras dos homens paira sempre a calma beleza da natureza. A cena final justifica todo o filme. Ao lado de uma aldeia arrasada, dois cavalos namoram numa ilha fluvial. Tarkovski foi um gênio, um dos 5 ou 6 do cinema, e no documentário que vem com o filme vemos que ele parecia ser uma pessoa adorável.
 

ELEIÇÃO

   Estudando na USP, um dos centros da esquerda mais retrógada do país ( lá ainda se fala em proletariado e campesinato ), me tornei um conservador sem qualquer problema de consciência. O mesmo ocorreu no país em tantos anos de ataque aos valores comuns. São ataques diários à igreja, à masculinidade, à família tradicional, ao passado. Ao ser atacado voce tem a possibilidade de duas reações: baixar a cabeça e se culpar, ou erguer a cabeça e reafirmar aquilo que voce é. A esquerda deslumbrada não entendeu e não quer entender isso. Bater no conservadorismo não faz com que ele desapareça. Ao contrário, ele se torna furioso. E deixa assim de ser conservador. Vira proto-fascismo.
   Não falarei sobre o partido dos mentirosos e dos ladrões. Não há o que dizer sobre um partido que nos obriga a escutar a voz de um bêbado presidiário mendigando votos na TV. Falarei sobre o fenômeno de um homem tosco, que contra toda a elite "inteligente" fez de um partido de garagem um partido poderoso. Ele lembra o fascismo por ter o domínio sobre a massa de seguidores frustrados e rancorosos. Isso é perigoso. Mas ele não é um fascista de verdade. Aliás nestes tempos de hiper vigilância e hiper conectividade não há como o fascismo se implantar em um país razoavelmente civilizado. Lula tentou um fascismo de esquerda e se deu muito mal. A vigilância o pegou. Bolsonaro nunca conseguiria. E sei que ele sabe. Lula é muito mais esperto que o simplório ex soldado.
  Se vencer, Bolsonaro tentará fazer um governo moralista e liberal. Moralista em comportamento, liberal no mercado. Para negociar com os países capitalistas de ponta, e esse é seu sonho, terá de se apresentar como moderninho e confiável. Ele sabe disso. Não há escolha.
  Provável que a turma mais hardcore que o elege se sinta traída. O mesmo ocorreu com o PT hardcore. Fundarão um partido à direita de Bolsonaro. Um PSOL de camisas pretas. O que acho interessante em Bolsonaro é que ele fala muita bobagem mas nunca parece mentir. Teria ainda mais votos se mantivesse a boca fechada. Ou aprendesse com Lula a falar o que o público da vez deseja escutar. E isso entendo bem porque sou assim também, desbocado e tosco. O diabinho me faz falar tudo que vem à mente. E quando vejo o estrago foi feito. Um político conseguir milhões de votos falando por impulso é admirável. Não posso e não vou negar.
  Você que me lê deve estar estranhando algo aqui. Parece que só elogio o Coiso. Não. Apenas o olho como o que ele é: humano. Seu governo tem tudo para ser um kaos. Mas o do PT também o será. Com o adendo de ter empáfia e revanchismo. Os petistas babam por vingança.
  Bolsonaro tem muito de Jânio Quadros. E se for eleito será vigiado por uma esquerda louca por sangue. Se seu governo naufragar, Boulos aguarda sua vez. A guinada será à esquerda mais utópica e irresponsável. Espero que seus assessores saibam disso.
  O povo, esse desconhecido, cansou de "folias artísticas", declarações modernetes e roubos à granel. O povo é moralista. Em qualquer canto do planeta ele é. O PT acreditou em certo momento que o Brasil era o baixo Leblon. Que bastava um discurso libertário para ter seus erros perdoados. Não é assim. Para o povo comum, o discurso libertário acrescentou cinismo à história. Perderam o respeito. Não notaram que formadores de opinião só formam opinião de formadores de opinião. Círculo fechado.
  O Mané garçon não quer saber de liberação de drogas, casamento gay ou direito animal. Ele quer respeito à sua igreja, á sua filha e ao seu pai. Bolsonaro sabe disso. Lula sabia e esqueceu. E isso faz uma enorme diferença.

A MAIS IDEALISTA DAS BANDAS.

   Não há consenso sobre onde o movimento romântico começou. Uns dizem ter sido nas ilhas, mais especificamente na Escócia, outros, a maioria, diz ter sido na Alemanha. Depois se espalhou pelo mundo. A característica principal do romântico é o sentimento de solidão. Mas podemos também falar do egocentrismo, da sensação de perda, da busca por transcendência, da valorização das coisas jovens, puras, naturais. Não lembro quem disse a bela tese de que o corpo ansia por criar alma.
   O Kraftwerk é o mais romântico dos grupos musicais de seu tempo e nisso nada há de irônico no que falo. A máquina encontra alma nas mãos desses alemães que desejavam, e conseguiram, criar um tipo de música POP que fosse 100% europeia. Da Alemanha seu som aportou na Inglaterra e de lá para a França e Bélgica. Hoje, escutando dois de seus discos, os dois melhores, percebo que a música eletrônica é a mais romântica dentro do Pop ou do Rock. O lado B do vinil de Autobahn é das coisas mais poéticas já gravadas. Assim como o lado B do Low de Bowie ( que é filho direto deste ), os discos de Ultravox, Eno, Radiohead, Yazoo, Cocteau Twins, e tantos outros, têm esse clima de "altas montanhas isoladas", de solidão alpina, de doença que isola, de ansiedade por transcender. Na América o rock sensível usa violão e é não-romântico, antes é comunitário, idealista. A América é sempre Whitman.
  Mas não a Europa. E os alemães de Dusseldorf criaram um universo de novos timbres e de uma nova sonoridade. O lado B de Autobahn e no Radioactivity inteiro são um enorme poema sobre o romantismo. No sintetizador eles encontram o melhor instrumento para criar paisagens imaginárias, sempre geladas e sempre solitárias. O homem contra o mundo acompanhado por um instrumento e mais nada, um instrumento excessivamente artificial e ao mesmo tempo tão tênue como a eletricidade.
  A beleza é sempre perfeição e o lado B de Autobahn é perfeito. Não existe erro na gravação do Kling Klang estúdio. Um iceberg onírico. Paisagem de sentimentos negados. A Alemanha é um ideal incômodo. É o Kraftwerk é seu símbolo.

Kraftwerk - Autobahn 1975 Tomorrows World TV Programme



leia e escreva já!

O QUARTO DE JACOB - VIRGINIA WOOLF

Que mente maravilhosa tinha Virginia Woolf...ela era capaz de captar uma abelha passando ao lado de uma flor e ao mesmo tempo imaginar o movimento de um deus sobre o firmamento. A mente dela sempre me recorda uma floresta, os pensamentos brotando sem parar, no chão, dos galhos, da água, por entre as pedras. Ao mesmo tempo é sinfônica, mas não no sentido de Beethoven, é música de Debussy. Impressões que vão e retornam, que morrem antes de crescer, que viram árvores centenárias. Jacob é um jovem londrino que conhece mulheres, estuda em Cambridge, viaja à Grécia. O livro é uma coleção orgânica de impressões. Uma sinfonia de vozes, de personagens que vão e vêm, de modos de ver e de sentir. Virginia Woolf arquiteta tudo isso, que em mãos pouco hábeis seria uma bagunça, com gosto, arte, sabedoria; e em troca nos dá prazer. Ler Woolf é como ouvir música.
Este livro foi editado em 1922 pela Hogarth Press, a editora fundada por ela e seu marido. É o terceiro trabalho dela, mas é o primeiro com seu estilo. É moderno, é surpreendente, é excitante, é um universo completo.

O GÊNIO DA HORA CERTA.

   Observe: em 1770, quando Mozart e outros muitos mais escreviam suas operas, não havia cinema. Óbvio, mas quero destacar isso. Mozart, e depois Rossini, operavam dentro da diversão-arte dominante de sua época. Havia circo. Havia teatro. Havia literatura. Mas a ópera era a rainha da noite.
  Agora pense em 1850. Na Europa o analfabetismo começa a ser erradicado ( na Inglaterra fora já há 50 anos ). Em casa não existe rádio. Nem disco. Você lê. Eis porque se escreve tanto no século XIX. Jornal, revista, romance, poema, filosofia, folhetim. A palavra impressa reina absoluta. Destaco isso porque é essa a explicação pragmática, objetiva, lúcida, do porque jamais teremos outro Tolstoi, Dickens ou Balzac. Produziremos Updikes, Roths e Sebalds, são excelentes, mas nunca mais um grande escritor será o símbolo de seu tempo. Isso porque a própria literatura não mais é o símbolo deste tempo. Entre 1750-1920 mais ou menos, ela foi a ditadora das salas. Veio o rádio, e com ele nasceu o tempo da canção popular.
  Podemos aplicar isso a vários gênios de sua época. Shakespeare trabalhou na grande arte da Inglaterra de 1600: o teatro. Cole Porter e Gershwin na grande arte dos EUA de 1920: a canção popular e o teatro musical. O que digo é: o gênio, hoje, pode estar fazendo teatro em versos, mas pelo fato do teatro em versos não ser a arte deste tempo, ele jamais será um Esquilo ou um Marlowe. Ele será um "quase" .
  Nunca mais tivemos novos Beatles porque eles fizeram seu alarido no curto tempo do rock como febre mundial. Surgiram, por acaso e sorte, no pico da descoberta do adolescente como público alvo. Hoje o rock é apenas um nicho entre inúmeros produtos. Por mais que uma banda tenha talento, ela será apenas uma prateleira e não o supermercado inteiro.
  Entre 1920 e 1950 sair de noite era ir ao cinema. Voce podia ir comer depois, dançar depois, mas ia ao cinema. Porque os filmes eram o modo de se saber como se vestir, do que falar e como seduzir. Veio a TV, ficar na sala de casa voltou a ter o apelo que tivera no século XIX com seus livros, e o cinema começou a se tornar apenas mais um entre vários itens de diversão ou arte. É por isso que Hitchcock, Murnau ou Ford nunca perdem sua aura. Eles, mais que grandes cineastas, são a cara de toda uma época. Radio e cinema era tudo de novo que havia. Sinatra e Bogart. Os reis do mundo.
  Por melhor que Wes Anderson ou Tim Burton sejam, eles são grandes dentro do cinema e apenas do cinema. Porque os filmes não são mais o centro do mundo. Estão na prateleira A82, ao lado do rádio e do circo.
  Pode ser que haja agora um talento tão grande quanto Verdi na ópera. Ou quanto Ben Jonson no teatro. Mas ele jamais poderá ser tão central quanto eles são. Porque esse novo músico ou dramaturgo exerce uma atividade não central.
  Hoje se vê TV, se joga video game, se navega na internet, se lê HQ, se ouve música. Tudo ao mesmo tempo. Nenhuma dessas atividades é central porque todas se completam em um grande ruído. Por isso não adianta se procurar o grande gênio da arte atual. Ele não pode crescer em um meio onde nada cresce de fato. O gênio é um pinheiro, uma faia e hoje temos um matagal fechado, raízes que se devoram e se ajudam.
  Não falarei que o grande talento de hoje está na ciência. Ela sempre foi central. Galileo foi central no tempo da arquitetura e Darwin foi central no do romance. Falo de arte e de diversão. Da vida social. E paro aqui.

UM DISCO SOBRE SEXO, E SÓ SOBRE SEXO= RAW POWER-IGGY POP.

   Conheci alguns Iggys na minha vida. Garotos com pirocas gigantes. Não que as tenha visto, mas suas vidas eram, desde os 14 anos, totalmente dirigidas pela cabeça peniana. Um Leonardo que comia velhos gays em troca de uns trocados e comida. Ele tinha 16. Francisco Eduardo, rico e bonito, que transava com qualquer coisa que tivesse um buraco úmido e quente. André, o que comia toda pessoa que o tocasse. E outros mais. Todos eram pequenos Iggys. O desejo físico puro. Um ódio terrível por esse desejo. Pois eles sabiam, intuitivamente, que o gozo pleno jamais viria.
  Detroit nos anos 60 era uma cidade doida. Capital da black music e ao mesmo tempo berço do MC5, dos Stooges e de Alice Cooper. O metal das fábricas de carros deu metal às guitarras estúpidas. Iggy sempre foi estúpido. Mas sua estupidez virou estilo: Iggy nunca foi intuitivo. Seu ódio era consciente. Ele sabe que o gozo é ilusório.
  Raw Power foi às lojas no ano de 1973. E 1973 foi um ano cú. Ele começa com Dark Side of The Moon e acaba com Goodbye Yellow Brick Road. No meio tem Houses of The Holy. E Sabbath Bloody Sabbath. Tem dois discos do Roxy: For Your Pleasure em janeiro e Stranded em novembro. E ainda solos de Eno e Ferry. Tem o Alladin Sane e Pin Ups. E nos EUA, passando bem despercebido, tem Raw Power. E Berlin, do Lou Reed. Alice Cooper, que lançou o brilhante Billion Dollar Babies, era o king. Iggy era semi morto. Bowie o salvou da morte.
  Bowie mixou o disco todo errado. Um canal com bateria, guitarra e tudo mais. Som de radinho de pilha. O outro canal com voz e guitarra solo. O canal "ruim" é punk. O canal bom é hard rock. Os dois juntos são Iggy Pop. Bowie fez de propósito? Ninguém vai saber.
  A voz de Iggy é a mais explícita voz do sexo já gravada. Sexo sem amor, digamos assim. O ato físico. Um vale tudo entre dois ou três corpos. Essa voz tem tons de sadomasoquismo. Mas também de masturbação, de orgasmo e de estupro. Não é sedutora. Adolescentes tarados não são sedutores. É uma voz que deseja agora. E onde o outro não importa nada. Nos anos 70, onde tudo era feito "numa boa", essa voz falava quase sozinha. No fim dessa década ela anunciaria os anos 80, a década do "voce que se foda, eu quero é mais".
  Raw Power NÃO PODE E NÃO DEVE ser analisado como música. Não procure harmonia, melodia ou criação. Ele é um ato. Um testemunho. Deve ser sentido e pensado como afirmação de uma verdade. Antecipa o punk por ser um posicionamento político. Não música. ( O Roxy já era também isso, mas a política do Roxy era esnobar o mundo real e viver na redoma do romance ).
  Iggy faria pelo resto da vida novos testemunhos sobre o sexo. Às vezes com uma pitada de romance e de alma. Mas sempre com a velha fome da carne imperfeita. O cara é foda. O disco é foda. E nós somos todos uns fodidos.

PEDRA DE TOQUE - EDITH WHARTON

   Edith Wharton nasceu no fim do século XIX e no século XX se tornou uma das mais famosas e geniais escritoras em língua inglesa. Americana como Henry James, de quem foi amiga e com quem se parece, Wharton retrata normalmente, mas não sempre, o mesmo tipo de meio que James, pessoas de classe média que se sentem desconfortáveis perante a alta classe dos mais poderosos. O estilo de Wharton é tão precioso e psicológico quanto o de seu amigo mais genial, ela esmiúça os pensamentos e os sentimentos do personagem. Vivemos na alma do "herói" e nos surpreendemos ao notar que muitas vezes seu interior nada reflete da sua vida exterior. O grande toque deste livro, curto, é o contraste entre o que o herói pensa e aquilo que está acontecendo a seu redor.
  Um jovem foi amado pela mulher mais genial de seu meio. Mas ele não retribuiu. Ela vem a morrer e as cartas, centenas, que ela lhe mandava passam a valer dinheiro. Ele as vende e se casa graças à esse dinheiro. Vemos então a consequência desse ato. Tomado pela paranoia e pela culpa, cheio de medo, ele se debate em pensamentos que jamais se casam com aquilo que os outros pensam e sentem.
  O final é apressado. Wharton deixa de fazer deste livro uma obra prima por se precipitar e nos dar um final sem nuance. É seu primeiro livro e talvez isso explique esse erro. Mas se lê com prazer e emoção todo o resto. Se voce quer entrar no mundo dessa brilhante autora, este é seu portão.

HARRY NILSSON Don't Forget Me (Quad Mix)



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UM ANO BEBENDO, O NASCIMENTO DO INDIE E UM AMERICANO LEGAL.

   Ouço falar de Bob Seger desde 1980. Eu comprava as Rolling Stone gringas e ele sempre estava bem colocado nas paradas. Não tinha curiosidade nenhuma em o escutar. Sabia que era um tipo de Bruce Springsteen dos pobres. Eu achava isso. Achava errado. É legal voce ter mais de 50 anos e ainda descobrir gente que não conhecia. Ter ainda toda uma discografia pra descobrir. Me surpreendi muito ao ver um disco de Bob Seger entre os discos que meu irmão me deixou. Ele não tinha nada de Bruce. Ouço Seger então. Poxa! O homem é bom!
 Bob Seger começou antes de Bruce, em 1970, cantando um tipo de rock de garagem. A partir de 1976 se tornou estrela nos EUA. O som que ele fazia então tinha tudo a ver com Bruce e ao mesmo tempo nada a ver. Seger é mais intimista, não faz hinos. E, apesar de entregar tudo no palco, ele é um pouco mais contido, quase nada, mas é sim. O som de Seger tem uma elegância pop que Bruce raramente tem. Bruce é mais visceral. Bob é mais simples. As canções de Seger vão diretas no coração. São sofridas. São belas. Quando o vinil duplo termina dá vontade de ouvir mais. Eis um cara pra eu ir atrás.
  Ninguém, dentre os gênios do rock, que são poucos, gravou tanta coisa ruim como Paul MacCartney. Ele grava desde 1963, são 55 anos. Imagino que ele deva ter uns 55 discos. Talvez 35 pós Beatles. Desses todos, ele tem 4 ou 5 bons. E mais de 20 muito, muito ruins. E quando Paul é ruim, ele é o mestre da ruindade. Red Rose Speedway e Wild Life são tão ruins que parece até proposital. Tudo soa tão meloso, tão inocente e piegas, tão feitos em capricho, que a gente fica pensando que Paul gravava sem escutar a si mesmo. Os refrões são chatos, as melodias comuns e ele canta com sono. London Town tem o single London Town, que é lindo, uma canção de 1978 com a mágica harmonia que só Paul sabe criar. Um gosto de melancolia e de leveza, de London Town. Adoro muito! Mas o resto do LP, do London Town é constrangedor. Mas...
  Ouço MacCartney, lp de 1970, o primeiro. E pesquiso sobre ele na internet. Leio esta opinião em geral: Um disco massacrado em 1970. Na época dos solos perfeitos, das letras com "conteúdo", o disco foi considerado pobre, mal tocado, esquálido e indulgente. Mas, agora, desde 2000 em diante, o LP é tido como "O PRIMEIRO DISCO INDIE DA HISTÓRIA". Juro que leio isso. E ele é!!!
  Gravado em casa, com um gravador de 4 canais, Paul canta e toca todos os instrumentos. E fala coisas simples: rotina, amor, memória, filhos, solidão. Deus Meu! Que disco bonito!!!! Delicado. Valentine Day, Every Night, Junk, Glasses...são todas tão bonitas, tão atemporais, tão "indie". É a sonoridade que 90% das bandas inglesas tentam ter. Ouça. É como chá ao gramado. Violão, um piano, uma bateriazinha...
  Em 1974 Yoko largou John e ele passou o ano inteiro bebendo. Em 75 ela voltou e ele se trancou no apto. O resto voce sabe.
  Ele bebia com seus amigos: Elton John, Keith Moon e Harry Nilsson. Todos grandes bebedores. Na época eu era criança e ganhei o disco que Moon, John e Nilsson gravaram em 1974: Pussy Cats. O disco tem a capa mais feia da história. Mas é fascinante! Não o ouvia desde mais ou menos 1978. Compro o cd. Meu lp sumiu a muito. Um amigo o roubou.
  Nilsson era uma estrela na época. Fazia até filmes. Ficou famoso em 1969 com Everybodys Talkin, a linda canção de Perdidos Na Noite, o filme com Voigt e Dustin Hoffman. Without You que Nilsson lançou em 1972 é uma das canções que mais vendeu na década. Mas Pussy Cats vende quase nada...Que posso dizer? O disco é amargo como tudo que Nilsson fez. E ao mesmo tempo é histérico. São dez canções que variam do sublime ao desleixo. Nada nele é banal. Posto Dont Forget Me. Se não te pegar...esquece.

Bob Seger ~ Night Moves (1976) ° .. *.☾°*. ●°*. ♫



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Paul McCartney - Singalong Junk



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ALBERT EINSTEIN - WALTER ISAACSON

   Segunda bio de Einstein que leio neste ano, esta é bem mais longa. São 700 páginas escritas pelo mesmo autor da bio de Leonardo da Vinci. Bem escrita, ela quase esgota o assunto. Será que preciso repetir a beleza de uma vida tão feliz? Einstein foi feliz, alegre, distraído, intuitivo. Ele é o ícone daquilo que se convencionou chamar de "gênio da ciência". O velhinho simpático, nas nuvens, que vivia com roupas amarrotadas, ajudava crianças a fazer a lição de casa, falava o que pensava e nunca perdia o bom humor. Sim, ele foi tudo isso. Nele o mito é a realidade. Mas então o que posso dizer de novo sobre ele?..... Falo do que ele considerava a marca de uma vida bem vivida: a curiosidade. O desejo de saber aquilo que não se sabe. De pensar o não pensado. Einstein foi um homem que não suportava o conformismo, por isso sua dificuldade em aceitar o modo prussiano de ser. Não aceitava a ordem unida, o dogma, a fidelidade à uma ideia.
   Mas há mais que isso no livro. O universo visto como a obra ordenada de uma mente superior. Einstein não acreditava em um Deus pessoal, um Ser que cuidava da vida de cada um, mas ele acreditava em uma inteligência que criava o Kosmos. E era a mais fascinante das coisas, usar nossa mente, tão limitada, na leitura dessa obra divina. A física e a matemática são as línguas que mais se aproximam da divina.
   Não se preocupe, vou te poupar de explicações sobre a teoria da relatividade. Menos ainda sobre a mecânica quântica. Einstein no fim da vida não aceitava a nova física. Não acreditava na indeterminação, na probabilidade de um evento, no efeito sem causa. A realidade para ele, era cognoscível. Ela existia na realidade. Independia de nossa observação. ( Para a física quântica, as coisas existem apenas ao serem observadas. Não há uma realidade que possa ser apreendida fora de nossa observação ).
   Pera aí! Prometi não me enfiar nesse emaranhado de conceitos! Como explicar que duas partículas que um dia estiveram unidas, agora separadas, permanecerão reagindo em sincronia mesmo que a bilhões de anos luz uma da outra? É fascinante!
   Ah sim, ele era um ótimo violinista e amava Mozart.

SOBRE O TAL MUSEU E SOBRE A HISTÓRIA DO BRASIL

   Trabalho com educação. E amo meu trabalho. Compreendo os alunos, todos eles. Não me misturo com professores. Alunos são ainda indivíduos, professores, salvo raras coragens, são grupo comandado. O museu pegou fogo e veio abaixo. Nada mais óbvio. Sendo acidente, é um ato falho perfeito. Sendo crime premeditado, é de uma lógica perfeita. Por que?
   Um bando de brancos assassinos vem ao Brasil para matar índios e destruir o paraíso. Depois, esses mesmos monstros escravizam negros. Daí vem a ditadura militar de 64 e enfim surge Lula, nascido em meio ao povo. Esse é o modo como se conta a história do Brasil hoje. Não há amor ao passado que aguente tal narrativa. É dada a ideia de que se deve zerar todo o país até 2003. Só então começa a verdadeira história do real país. Crime hediondo contra uma história cheia de dubiedades e de erros e acertos. Perto desse modo de reduzir a história, queimar um museu faz todo sentido.
   Se diz que somos índios e negros. Talvez sejamos. Mas há quem não o seja. Esses têm duas escolhas apenas: Fingir ser tupi ou se envergonhar. Nessa equação não há lugar para um imigrante europeu ou asiático. Ele deve se reconhecer como filho de um explorador. E se ajoelhar no altar da culpa. Eu falo palavras indígenas e ouço música de preto. Sou tropicalmente indolente. Como feijão. Mas também falo uma língua europeia descendente do latim. Cresci em cultura moldada pela renascença, pelo cristianismo e pelo iluminismo. Conheço escrita, matemática, cinema e melodias românticas. Mas faz de conta que sou africano e guarani. Eis a cultura do fake. Sou uma complexa mistura de gregos, tupis, iorubas, portugueses, romanos, yankees, ingleses, romanos, árabes, indianos, russos e alemães. E adoro a cultura britânica. Mas faz de conta que não. Sou apenas um brasileiro. E sendo brasileiro, sou negro e índio. E se me reconheço como filho de europeus, sou um boçal.
   Foi de uma mediocridade hilária ver postagens comemorando o incêndio do museu. Diziam ser o fim merecido de uma cultura burguesa e escravocrata. Esses pobres idiotas me lembram aqueles filhos mimados de pais odiados. Recebem educação dos pais e depois usam essa educação mal absorvida para negar a própria família. Fiz muito isso. Sei do que falo. A vergonha simplista das origens faz com que um cara se torne o mais imbecil dos seres. Ele mutila a própria raiz. Imagina raízes mortas e podres. Ser um humano inteiro é compreender e aceitar sua história. Entender que o homem do século XIX não era apenas um escravocrata. Era muito mais que isso. Assim como não somos apenas matadores de animais que apertam teclas e assistem filmes pornô. Perceber que índios foram mortos, mas que os marujos faziam apenas seu trabalho e que tiveram uma coragem de gigantes.
  A história do mundo é uma história de guerra. Uma luta pelo poder. O mais forte vence. O mais fraco tenta sobreviver e se fortalecer. Dentro disso há a bela saga da ciência, da arte, dos homens e mulheres mais inteligentes e mais criativos. Negar a crueldade e a beleza dessa história é querer transformar todos em crianças, ou pior, em bichos. O ser adulto sabe que o mundo é duro. Injusto e desafiante. Sempre foi. Sempre será. Nunca houve um paraíso de índios. Eles guerreavam entre si todo o tempo. Torturavam. Estupravam. Nunca houve uma alegre vida africana. Eles viviam em guerra. E os escravos eram capturados nessas guerras. A escravidão sempre existiu em toda cultura humana. E, pasmem!, foi o cristianismo quem primeiro lutou contra ela.
  Não digo que devemos nos conformar com o mal. Lutamos contra ele dia  a dia. Mas devemos saber que ele sempre existiu, existe e existirá. O mal maior é quando acreditamos em sua fraqueza. Reduzir a história a "tempos do mal" e "tempos do bem" é dar trégua à maldade.
  O museu caiu.
  

A FÍSICA OU A ARTE?

   Estou lendo mais uma biografia de Einstein. A que li alguns poucos meses atrás é boa, mas curta demais. Esta, a de Walter Isaacson, é longa e bem mais completa. Mas não é desse livro que desejo falar agora. O que passo a dizer, é que existe uma correspondência entre aquilo que a ciência revela e o "espírito" que rege o momento histórico e criativo do mundo humano. É como se as descobertas revolucionárias da ciência acontecessem apenas no momento em que nossa mente, ou melhor, a mentalidade geral da história, já estivesse apta a aceitar tamanha revelação. Digo isso porque tenho a certeza de que uma teoria como a de Einstein só poderia ser entendida e aceita no momento em que foi revelada. O mundo ao redor dele, o mundo da Europa e da América de 1905 ao menos, já estava pronto para entender e aceitar a hipótese. Posso dizer então que não é a arte que anuncia o tempo que virá. Nem a filosofia especulativa. Uma nova etapa na vida do homem sobre a Terra é anunciada por uma nova descoberta científica. Quero além disso enfatizar que não é a ciência nova que dá nascimento à uma nova época. A ciência dá um salto "ao mesmo tempo" que a mente universal.
  Einstein, entre 1905 e 1916, afirma e prova matematicamente, que não existe em todo o Cosmos nada que esteja em repouso. Mais radical que isso, afirma que o tempo só existe como parte do espaço. E que a matéria cria e é criada por tempo e espaço. Ele nos joga em um universo onde deixa de haver um ponto de referência, onde o antes e o depois passam a ser meras convenções, e a matéria se torna energia pura e imensa. Eis aí o mundo dos últimos 100 anos. Sem um centro, sem uma certeza, sem autoridade, sem antes e depois, onde tudo se conecta mas nada é central. Mais que o pensamento bobo do "tudo é relativo"- crença central do século- o que marca o século é a interconectividade de tudo, a ligação onde tudo é parte do todo e o todo é parte de um todo-outro e ao mesmo tempo se reduz ao ínfimo. O acaso fica de tocaia e toma vez no fim do século XX: os novos tempos são da física sem causa e consequência, o caos e o acaso como lei. Agora, após Einstein, o tudo é relativo será trocado pelo "sei lá porque".
  O romance de Proust, Joyce, Borges, Nabokov, Calvino, só pode existir após Einstein. Vários pontos de vista, ações concatenadas, tempo que não é rei, centro que se apaga. Autores como Tolstoi ou Henry James ainda são do mundo de Newton, tempo e gravidade comandam o ambiente, cada ação tem uma reação, um ato tem consequência previsível. Pois Isaac Newton, por volta de 1680, funda dois séculos de mecânica, de ordem racionalizada, de crença na história. ( Assim como antes Galileu e Kepler fundam a mentalidade sem Deus ). No mundo Newtoniano, aquele que ainda nos seduz, tudo pode ser previsto, basta que se conheça um lugar e uma ação para se prever uma reação. O tempo manda em tudo, faz nascer e faz morrer e as distâncias se medem em metros. É o ambiente perfeito para o romance, a sinfonia e a pintura.
  Einstein destrói tudo isso. O mais suave dos homens demole um universo. Tempo não existe, matéria é energia e distancias são relativas. Estar parado é impossível. Tudo se move, tudo se distancia, tudo se esvai...Esse o tema de toda obra de arte destes 100 anos. Estamos juntos nesta névoa. Caindo ou subindo, tanto faz, não há como saber; bem ou mal, em relação a que? Indo para a frente, mas como dizer "a frente" se não existe atrás? Usando apenas a razão, a lógica e, claro, bastante imaginação ancorada em números, ele descobre o mais fantástico dos mundos. este.

BORN TO RUN - BRUCE SPRINGSTEEN. GOTAS NA JANELA.

   Há um momento em que voce olha pela janela e vê gotas grudadas no vidro. Então a luz da lua ilumina essas gotas e um pássaro voa. E voce acha que alguma coisa foi perdida nesse momento. Como se uma taça tivesse caído e se quebrado. Os cacos podem ser colados, mas nunca mais o momento da queda será esquecido. Isso é Bruce Springsteen.
  Em 1975 os EUA estavam no escuro. Um presidente havia renunciado, a guerra estava perdida e não havia emprego. A costa leste via cidades sendo abandonadas ( Atlantic City ) e outras falidas ( Detroit, Philadelphia e New York ). Mas o americano é no fundo um religioso. E instintivamente sabe que é preciso morrer para poder viver. Rocky seria o filme do ano. Mas também havia Um Dia de Cão, Nashville, Taxi Driver e Jaws. Desespero, melancolia, loucura e medo. Críticos de rock diziam que 1975 era o pior ano da história. Falavam isso porque as bandas mais populares eram o Aerosmith e os Bay City Rollers. Ora seus bobos! 1975 foi o ano de Horses da Patti Smith, do Captain Fantastic do Elton John, do Siren Roxy Music e Young Americans do Bowie. 1975 foi ano de Born to Run. E é inescapável um dia escrever sobre esse disco.
  Em 1968 The Band salvava almas pela amizade. Um clube de amigos tocando no porão para convidar amigos a sair da névoa púrpura. Em 1975 Bruce cantava na rua. Gritava para tirar gente da depressão. Em 2018 ouço o disco pela segunda vez em minha vida. ( ouço Bruce desde 1984, muito, mas não este ). Em vinil, o lado A é um tipo de preparação para o que ocorre no lado B. Todo esse primeiro lado é uma fotografia da América. Bruce apresenta suas histórias como um tipo de Walt Whitman modernista. Sem ironia, Bruce crê em tudo que vê e em tudo que fala. Não há jogo nele. Quando digo modernista é pela época em que vive, seu estilo é romântico, se joga de alma. Thunder Roads é a confissão de alguém que espera a hora certa. Este é o terceiro disco dele. E acontece a hora: o lado B, um dos mais milagrosos do rock.
  O som de Bruce é uma mistura do sax das bandas negras dos anos 50, a batida de Phil Spector e o piano, tocado por Roy Bittain, um piano que é jazz, é erudito e é Broadway, tudo junto. O disco é um disco de piano, não de guitarras. O disco é um momento de plena e absoluta transcendência. Dessas faixas, quatro, saiu toda a carreira do U2 por exemplo. Mas também do Pearl Jam, Billy Joel, John Mellencamp, e mais toneladas de bandas, cantores e cantoras do mundo. A faixa Born To Run sozinha é um fonte de inspiração. Ela tem 4 fases e 4 andamentos distintos. Vai da balada estradeira até o dedilhado do piano que traz lembranças de noites brilhantes. Mas esta faixa tem o mesmo caráter de todo o disco: Bruce está morrendo e ao mesmo tempo começa a viver. Nisso ele é único, pois mesmo um disco sagrado, como por exemplo Astral Weeks, não apresenta o processo de renascimento inteiro, Van Morrison olha de fora, apresenta uma observação genial, enquanto Bruce é o que observa e ao mesmo tempo aquele que faz a via crucis.
  Sim, Bruce está imbuído da tradição protestante da América. Como diz Scruton, se você tirar a igreja da nação, a América desaba. Os shows de Bruce, shows sem fim, de entrega, são cerimônias religiosas, de fé, crença e de renovação. Há um momento em She's the One em que a mágica acontece plenamente. Uma espécie de suspiro, de suspense suave, como um passo insuspeito, em que todo o disco conflui para uma espécie de orgasmo sonoro espiritual. É um milagre. E quando a conclusão chega, na última faixa, longa, estamos dentro de Bruce. Como um flash sem tempo, Jungleland reverbera na nossa mente e alma.
  Born to Run é uma catedral musical. Bruce cria um estilo, hiper imitado depois, equivalente ao que Bach fez no barroco. Frase sobre frase num tipo de "fuga" bachiana. Acordes de piano em harmonias originais. Vocais rasgados como violoncelos graves. Refrões e riffs em função de uma ideia. 1975 foi um ano crucial. Os críticos nada entenderam. Como sempre o fazem.

CONFISSÕES DE UM HERÉTICO - ROGER SCRUTON. O MELHOR PENSADOR.

   Ayiné é o nome da editora. Mineira. Ela tem lançado pequenos livros, bem feitos e interessantes. Estilosos. Scruton tem sido publicado neste fim de mundo por 3 editoras diferentes. Bom sinal. Se voce nunca o leu, este livro é um bom começo. Ele traz textos publicados em revistas e jornais, e dois deles são inéditos. Felizmente o autor escreve muito. Ler seu pensamento é um prazer.
  Descobri Scruton por acaso e a identificação foi imediata. Ele não só raciocina como eu gostaria de poder, como vê o mundo de um modo que é irmão ao meu. Aqui darei uma geral muito breve deste livro. Tudo escrito abaixo é de sua fonte. Meus adendos vêm entre parênteses.
  O primeiro texto, Fingindo, toca num dos pontos que mais interessam aqueles que conhecem Scruton: a falsidade na arte. O modo como a arte moderna tem um caráter de embuste, onde críticos fingem ver complexidade onde só há vaidade. O artista finge se levar a sério, o crítico finge entender algo de imenso na obra e o público finge gostar. Todos ficam contentes e ninguém diz a verdade.
  O segundo texto é o mais bonito do livro. Fala dos animais. A princípio, parece que ele vai atacar a mania de defender bichos. Mas não. Ele ataca apenas os gatos. ( Leia e entenda o por que ). Scruton defende os animais selvagens, e dá motivo racional, não sentimental, para isso. E faz um lindo retrato, real, do que é um cão. Ele pensa como eu. Um bicho está longe de ser um bebê ou um ser. Mas ele tem sentimentos, tem emoções e deve ser tratado com dignidade. Mesmo que sua vida seja apenas caçar e ser caçado.
  Não falarei de todos os textos. Isto não é um resumo, é apenas um elogio. Mas tenho de citar o texto sobre a dança. Ele dá a melhor descrição sobre o que significa a música eletrônica e onde mora o valor da música POP. A dança, a dança a dois, em salão, grupal, com passos decorados, movimentos delicados, atenção ao parceiro, era uma linguagem que ensinava o jovem o jogo da cortesia, dos bons modos e da leveza no trato à vida. ( Lembro que mesmo meu pai, um anti social, sabia dançar valsa ). A música eletrônica nos faz dançar a sós, ou pior, em exibicionismo narcísico, onde o outro existe apenas para ser conquistado ou para ser nosso espelho. Não há ritual, regras, modos ou cuidado com o parceiro. Não há na verdade parceiro nenhum. Scruton, que sabe muito de música, fala sobre a harmonia, a melodia, a função educativa que elas possuem, e de como, mesmo na mais banal das melodias POP, elas ainda tentam sobreviver.
  O mais profundo dos textos é aquele que fala da hora certa de morrer. Esse toca numa ferida. Haveria momento certo para se morrer? Vale a pena viver uma vida de doença? Não há como eu resenhar este texto. O desenvolvimento do pensamento de Scruton é astuto e poético. Precisa ser lido. O que digo é que ele fala que a vida é uma questão de profundidade e nunca de duração.
  Há ainda textos sobre o luto, a tela e a internet ( o menos bom deles...ele não erra, mas é quase óbvio ), formas de governo, o que é o conservadorismo ( inexistente neste canto de mundo ), arquitetura, ícones visuais. É um banquete para o cérebro e um guia para o coração. Voce tem de ler este livro. Sua mente o merece.

DOIS CASOS DO LIVRO DE MICHAEL KORDA.

   Deixe-me contar dois momentos muito interessantes que mostram a beleza do livro que resenho abaixo ( Michael Korda, Asas de Águia ).
 Primeiro: Um piloto alemão é atingido e salta de paraquedas. Cai em um campo de golfe. Recolhido por associados, ferido, é levado ao bar do clube, "para ser reanimado". Um dos sócios, ao ver o piloto no bar, exclama: "Meu Deus! Olhe esse sócio! Como deixaram ele entrar vestido assim?"
 Segundo: Em gloriosas manhãs de inverno, pessoas fazem piquenique. A postura inglesa, sempre fleugmática, foi a de encarar tudo como se nada estivesse acontecendo. Pois bem, todos olham para o céu e observam a batalha no céu. Sem som, pois a distância é muita, aviões se perseguem e deixam rastros brancos no azul. Explosões laranja, quedas e chamas...os sanduíches de pepino são servidos, o chá, e a vida continua...
  PS: Os alemães sentiram na pele essa fleuma pela primeira vez ao captar as previsões do tempo: "Aqui é a BBC falando...Tempo bom hoje com previsão de garoa e neblina por toda a tarde. 9 graus".
  Só na Inglaterra isso é chamado de tempo bom! Cancelem a missão!

13 Hours That Saved Britain (Battle of Britain Documentary) | Timeline



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COM ASAS DE ÁGUIA - MICHAEL KORDA

   Sir Hugh Dowding é o personagem principal deste livro. Foi ele quem, ainda nos anos de 36-37, teve a desacreditada ideia, de dar à Grã-Bretanha, um sistema de radar e de comunicação que fez com que em 1940, a Alemanha de Hitler e de Goring pudesse ser detida. Foi Dowding que inventou o sistema que vemos em qualquer filme de guerra atual: a sala com uma mesa onde vemos o avanço de tropas, navios ou aviões; um quadro na parede com batalhas em tempo real; linhas telefônicas ligadas a radares; liderança central e coordenação de todo um território minuto a minuto. Os nazistas vinham em ondas de aviões, mas os ingleses já sabiam de onde eles vinham e quantos eles eram. Para preservar pilotos e aviões, Dowding liberava apenas o necessário para cada missão. Os alemães nunca souberam assim, quantos eram os aviões ingleses no total. ( Eram muito mais do que eles pensavam ).
  Beppo Schmidt talvez seja o cara que fez a Alemanha perder. Era o informante alemão. E nesse papel ele foi um desastre. Informava que pistas abandonadas ainda eram usadas, confundia fábricas com centros de armas, campos desertos com áreas militares. Preguiçoso, bastaria ter lido um guia turístico para saber onde jogar suas bombas. Sim!!!! Korda diz que o guia Shell de turismo informava onde estavam as bases militares. Todas elas. Beppo jamais leu esses guias. Usava apenas seu binóculo em viagens de espionagem regadas à vinho e mulheres...
  Os alemães erraram e muito. Acreditavam que os ingleses, covardes, se renderiam ao primeiro tiro. Hitler não queria invadir a ilha, ele esperava uma rendição rápida e sem dor. Acabou tendo de lutar, e Goring, líder da aeronáutica, era uma figura patética. Hiper vaidoso, cercado por luxo, inflexível, mal visitava suas bases, trancada em seu palácio nos arredores de Paris. Os pilotos alemães foram jogados ao acaso em missões sempre mal planejadas e mal nutridas. Mas houve mais...
  Tivesse atacado com tudo logo após Dunquerque, Hitler poderia ter vencido; mas ele deu tempo à Dowding. Comemorando a posse da França, o tempo se esvaiu, e quando se voltou para a ilha ela já estava pronta. Spitfires e Hurricanes a postos, eles eram mais rápidos que os Stukas e os Bf 110 da Alemanha. Korda descreve as batalhas acontecidas entre agosto e outubro de 1940, dia a dia, perda a perda. Dá nome aos pilotos heróis, dos dois lados, fala dos voluntários do Canadá, da Nova Zelândia, da Polonia, os tchecos, os americanos. Nos sentimos no dia a dia desses jovens, sem poder dormir, partindo em até 4 missões por dia, com uma expectativa de vida de cinco missões. A adrenalina nos é passada pelo texto, nos sentimos no ar, em perigo, olho a olho. Os esquadrões de milionários, com suas echarpes de seda e seu glamour; os esquadrões de artistas; as mulheres nas bases sob bombas. É o tipo de livro que não se consegue parar de ler.
  Michael Korda, o autor, lutou na Hungria na revolução de 1956. Piloto, é filho de Vincent Korda e sobrinho de Alexander Korda, dois emigrantes húngaros que são nomes centrais no cinema inglês dos anos 30 e 40. Até Oscar eles ganharam. Michael escreve com elegância e nunca parece ufanista. Inclusive reconhece que Londres só foi bombardeada depois que Churchill mandou jogar bombas sobre o território alemão. Todo o acaso da guerra, e da vida, afloram no texto.
  Que delícia de se ler...

RETRATOS DA INFÂNCIA, NA IMIGRAÇÃO JAPONESA DO BRASIL.

   Sai agora esse livro, bonito, sobre a vida das crianças japonesas em seu cotidiano brasileiro. Fotos, muitas, lindas! Há uma em que a mãe, no porto, vê o navio perdido na névoa, que é de uma sublime beleza. Fico um tempão olhando e viajando com essa imagem. Mas tem mais, muito mais: Crianças e seus brinquedos, escolas, e trabalho, muito trabalho, pois elas trabalhavam como adultos a partir dos 10 anos de idade. Destaco duas histórias:
  Morando em fazendas, nos cafundós do nada, muitas crianças morriam sem tempo de chegar ao médico. Fico sabendo de um doutor que percorria, de carro, apenas ele e seu motorista, 112 escolas em 112 cidades, para atender os alunos. Que belo filme não daria a bio desse japonês!!!! Mas...sabemos que esse tipo de filme não interessa aos "gênios" do cinema brazuca. Então deixa pra lá.
  Mamagoto, um jogo japonês que era jogado nas escolas da colônia. Percebo que na minha escola se jogava muito isso! É mais um costume nipônico que pensei ser coisa de meu país.
  Impressiona uma foto da orla de São Vicente, os hotéis parecendo coisa de Cannes...Hoje vemos no lugar os espigões tortos e sem estilo. A cidade teria sido salva se as construções "europeias" tivessem sido preservadas...Mas não.
  O livro tem muito mais fotos que texto, é todo pautado pelo acervo do museu da Liberdade, na rua São Joaquim.
  Indico a quem se interessa por história, por fotografia e claro, pelo Japão.

A LIÇÃO DO MESTRE - HENRY JAMES. A ESCOLHA IMPOSSÍVEL.

   A Lição do Mestre sai na série exclusiva da Cultura. Uma novela de 100 páginas, em que o mestre James, narra a história de Paul Overt, um jovem escritor recém publicado. Numa festa ele conhece seu ídolo, o veterano escritor St George, além de sua esposa, e uma amiga do casal, a bela e entusiasmada Marian. Paul se apaixona por Marian, mas seguindo conselho de St George, ele se isola por dois anos para escrever seu grande livro...O resto não digo.
   Escrito em 1888, James joga a questão mais relevante na arte da época: É possível viver e ao mesmo tempo fazer arte de verdade? Questão que hoje nos é inimaginável, esse tipo de sacerdócio da arte, foi a filosofia central da vida de Pater e dele atingiu Mallarmé, Proust, Pessoa, Wharton, Pound, Eliot e tantos outros. O grande artista jamais deveria se casar, e caso se casasse, nunca deveria ter filhos. Sua vida era a arte e a arte era uma vida mais real que a vida cotidiana. Henry James esposou essa ideia e nunca se casou. Todos esses artistas, em nosso tempo hiper sexualizado, têm a suspeita de homossexualidade ou de taras variadas, pois nosso mundo não quer aceitar a ideia de uma vida sem sexo nenhum. Esquecemos que um compromisso gay ou uma série de paixões são também uma traição ao sacerdócio da arte.
   Henry James foi o maior escritor da época auge do romance. Tempo em que sem cinema, rádio ou telefone, era o livro a única e grande diversão dentro de casa. ( Havia teatro e ópera fora de casa e jogos precisavam de um grupo de amigos ). Por isso entre 1750-1880 tanto se publicava e tanto se adulava a figura do escritor ( No mundo civilizado, claro ).  Hoje, tempo em que livro é apenas um item entre tantos outros, Henry James ainda impressiona e muito. Ele consegue mostrar o ponto de vista divergente de cada personagem, consegue provar a relatividade da verdade, e faz com que apenas tenhamos uma leve intuição sobre qual o sentido do que acaba de ocorrer. O mundo de James é um universo onde nunca iremos saber tudo o que é falado, por que as coisas são como são e onde entra a vontade de cada um. Eu não conheço nenhum escritor tão complexo e tão delicioso. Complexidade prazerosa, pois ele escreve como um pianista pensativo.
  Eu realmente amo esse mestre.

ARETHA

   Ninguém precisa chover no molhado e dizer que ela foi a melhor. Numa geração que tinha Diana Ross, Tina Turner, Gladys Knight, Roberta Flack e Janis, ela foi rainha. Sua voz tinha fogo. E ela cantava fácil, sem forçar. E nunca se exibia. A primeira vez que a escutei pensei logo na força de uma revolução. Ela trouxe o gospel das igrejas negras para as rádios brancas do sul dos EUA. O mundo conheceu o êxtase.
  Mas não há muito o que dizer sobre ela. Todos vocês a conhecem e sabem o que ela fez. Volte à igreja Aretha e cante agora para o maior dos pastores.

Jackson Browne "Sing My Songs to Me / For Everyman"



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A HORA DE CRESCER SEMPRE CHEGA...FOR EVERYMAN, UM DISCO DE JACKSON BROWNE.

   A hora de crescer sempre chega, sonhos terminam quando temos de acordar e a união pode se mostrar uma prisão. Jackson Browne começa sua carreira em 1967 como compositor de NY, urbano. Dá uma canção para Nico que a grava. Depois o reencontramos em 1971, californiano, dentro da vaga de compositores e cantores do estado do sol e das estradas sem fim. O tema de todos esses caras é o ficar adulto. Jackson talvez seja o melhor deles. ( Joni Mitchell, Randy Newman, James Taylor, Carly Simon, Paul Simon, Eagles, Carole King, Poco...todos beberam em The Band e Van Morrison ).
   Este é seu segundo disco, de 1973, e tem, como todo disco da turma, grandes músicos e grande produção. Aqui o destaque é a guitarra de David Lindley, um dos gigantes do instrumento, dono de um toque cigano, rock e blue. A voz de Jackson é cool, sua emoção está sempre sob controle, mas nunca reprimida. O timbre é jovem, voz de homem saudável, voz de californiano. Mas seus temas são todos dolorosos. Ele fala de solidão. De perder coisas. De acordar. E de ver a morte. Pense no som que um casal de ex doidos viciados escutariam para tentar se curar. Pense que eles estão acampados em Yellowstone. Pense que os dois escutam um disco de manhã, enquanto tomam café. É este o disco.
  Jackson é uma figura central na história do Pop dos anos 70 e 80. Ativista, relaxou sua produção, gravou pouco e se apresenta menos ainda. Continua sendo um homem bonito. Continua sendo o "americano alfa". Este disco é lindo.

RIMAS DA VIDA E DA MORTE - AMÓS OZ

   Amós Oz faz aqui um curto relato em tamanho, mas longo em duração. Um escritor vai ser homenageado, e para quebrar a banalidade da coisa, ele imagina a vida de cada pessoa que encontra. Desse modo, a leitora de um trecho do seu livro passa a ser uma tímida fã; o crítico que tece elogios é um chato; um jovem poeta se faz um adolescente suicida, a garçonete de um café se revela uma perturbada...e vai por aí. O livro é de um realismo duro, e o prazer passa longe de sua leitura. Mas ao mesmo tempo ele revela insights profundos, mostra de forma muito simples e muito convincente a riqueza que há na vida isolada, miserável, banal e única de cada pessoa. Todos são marcados pela dor, pelo medo e pela solidão. Cada personagem está á beira do choro todo o tempo.
  Entre eles, a geografia e a cultura de Israel faz presença unificadora. Todos e tudo estão fincados no passado e no agora do país. Eles são a nação, eles são o lugar.

VIDA SEXO E MORTE

   Estou lendo um livro de Amos Oz, e nele um dos personagens diz que o contrário-complementar de vida não é morte, mas sim sexo. Isso porque o oposto de uma coisa é aquilo que existe com ela, uma não pode existir sem a outra. Não há luz sem antes haver escuridão e a luz destrói a escuridão ao mesmo tempo. Onde há luz a escuridão não há, mas onde há escuridão, a luz também não existe. Simples isso. Mas vamos à vida e morte.
  A vida quando nasce, eis o pensamento comum, traz em si a morte, seu oposto. Onde haveria vida não haveria morte. Ou se está vivo, ou se está morto. O personagem diz que não é assim. Como?
 Por bilhões de anos a vida existiu sem que a morte existisse. Os primeiros organismo vivos, os unicelulares, não morriam. Eles se dividiam em reprodução assexuada. Cada um se tornava vários e esses vários eram os mesmos que os uns. E mesmo esse um original, misturado a seus descendentes, não morria. Pode haver um vírus original que ainda vive por aí. Não há como saber, pois ele é igual a seus descendentes. Isso prova que a morte não surge no universo junto com a vida. Ao contrário da luz, que só pode existir em oposição ao escuro, ou da alegria, que só pode ser percebida em meio a tristeza; a morte passa a existir muito depois da criação da vida.
   A morte começa a existir apenas nos organismos sexuados, sejam vegetais ou animais. É com a reprodução sexual que nasce o envelhecimento dos organismos e a inevitável morte. Portanto o oposto à vida é sexo e não morte.
  Por intuição, todo poeta sabe disso. Que ao entrar na vida sexual começamos a morrer. Mas o mais impressionante é a intuição da Bíblia, onde a morte nasce com a expulsão do Paraíso, que é consequência da consciência da diferença entre os sexos. Adão perde a imortalidade ao conhecer, e o conhecimento traz o tempo que traz a morte.
  Eis um tema digno de uma vida.

BECK HANSEN-STEELY DAN-RAEL-O QUE É NOVO?

   Para os que me acompanham fora do Brasil, Rael é um novíssimo cantor e compositor daqui. Supostamente ele faz música para jovens. Supostamente, música jovem. Ok.
   Ouço hoje Odelay!, do Beck Hansen. O disco tem já 22 anos! E sim, está encapsulado em seu tempo. É um disco de 1996. Voce ouve e lembra na hora de Beastie Boys, Sonic Youth e os Dust Brothers. Voce lembra de uma América estranhamente pessimista e ao mesmo tempo cheia de energia. O disco é genial, mas será ainda instigante? Vejo 3 alunos de 16 anos escutando o disco pela primeira vez. Não se apaixonam pelo cara. Mas acham "legal". A questão é: Para eles, anestesiados por um milhão de músicas nos ouvidos por dia, alguma coisa pode ser mais que "legal"?
   Não se discute aqui se Beck foi hiper valorizado em seu tempo, claro que não foi, ele pode ter sido até sub valorizado, pois não tinha glamour, o glamour que os Pumpkins tinham e depois os Radioheads tinham. O que discuto é se nesse Kosmos de sons sem fim, ainda se pode sair do anestesiamento e se apaixonar por um som por mais de um mês. É como um "Donjuanismo" sonoro: Voce ouve e ama tanta coisa que perde o dom de amar.
   Posto o som dos Them de onde saiu o riff sublime de devil haircut.
   O Steely Dan nem devia estar neste post. Mas é que ouvi todos os discos dos caras. É atemporal. E por isso, em 2076 ainda será amado. Ou pelo menos será "muito legal".

UM MUNDO MORTO E ENTERRADO BEM FUNDO: LENDO "AS PALAVRAS NÃO SÃO DESTE MUNDO" DE HUGO VON HOFMANNSTHAL

     Existem livros escritos em certas épocas que não parecem tão mortos quanto os livros escritos na Vienna de 1900. Lendo Chaucer por exemplo, autor medieval, sinto uma coisa viva, vibrante, quase completamente contemporânea. A literatura do século XVIII em grande parte está dando pulos de saúde. Mas os autores da cultura Austríaca de antes da guerra parecem existir em um mundo perdido, tão distante de nós quanto o barroco. É um mundo de beleza, é um mundo que deve ser conhecido, mas ele é frio, sem movimento, e fala de coisas que nos são muito estrangeiras. É como ler algo escrito por um plutoniano.
    Hugo Von Hofmannsthal foi um gênio. Poeta, dramaturgo, contista, ele é o centro aristocrático dessa cultura. Viveu entre os anos finais do século dezenove e os anos 20 do século XX. Neste livrinho lançado agora pela Ayiné, bela capa, podemos ler a correspondência entre o poeta aos 20 anos e um amigo de mesma idade. O amigo é marujo aprendiz e viaja pelo mundo todo. O poeta se prepara para ser soldado. Apesar de serem ambos da elite, é isso que se espera deles, a vida militar. O amigo é pessoa triste, perdido, inconformado. O poeta já revela a pose olímpica de um literato de então. Há nele muito do espírito de Rilke e de Wiittgeinstein. É a cultura do distanciar-se da vida e da não confiança em relação às palavras.
   O poeta diz que as palavras são coisas fora da vida. Que a vida são impressões recebidas pela alma, e as palavras são apenas uma coisa paralela, irreal, criação artificial do homem. O poeta tenta unir alma e palavra, ação impossível, mas se tenta mesmo sabendo ser um fracasso contínuo.
   É bonito perceber como os dois mudam em 3 anos de cartas. E em como a troca de carinho entre eles é até chocante para nós. Somos muito mais frios. Nossa cultura caminha para a indiferença desde sempre.
   Ser um gentleman é o grande objetivo dos dois, há um amor pelas língua inglesa. Gentleman é para eles: ter cultura e bons modos, não se exaltar sobre nada, sofrer a dor sem se deixar abater. Os dois amigos seriam hoje tratados como bipolar.
   Leia este livro curto e simples. É um belo passeio por duas almas adolescentes.

UMA COMPARAÇÃO ENTRE DOIS MUNDOS.

   Leio em seguida a Ilíada este livro de 1440. É um choque absoluto. E serve, muito, para expor o que mudou entre esses dois mundos tão opostos.
   A Imitação de Cristo foi, no começo do livro impresso, um best seller. Todo cristão deveria o conhecer de cor, e toda Europa era então cristã. Poderíamos dizer inclusive que o século XV foi o último século do cristianismo como união europeia. Em seguida viria Lutero.
   Thomas de Kempis nasceu perto de Colônia, na Alemanha. Foi padre agostiniano e morreu aos 91 anos. Seu mosteiro ficava na Holanda e lá ele era responsável por receber os noviços. Seu livro, sucesso desde sempre, ensina a seguir os passos de Cristo. Pode ser resumido em 3 preceitos:
1- Devemos viver dentro de nós mesmos, pois é lá que Deus fala conosco.
2- Devemos estar prontos para a dor, pois viver é sofrer.
3- Devemos negar a vaidade. A humildade é o que nos leva ao caminho.
   Na Ilíada existe dor. Ao contrário do que pensam os anticristãos, a vida na Grécia era tomada pelo medo. Os deuses vigiavam o mundo e esses deuses eram imprevisíveis. É estranho ver que nenhum deles tem uma ética. São deuses imprevisíveis e temperamentais. Tudo o que o homem pode fazer para os agradar é homenageá-los com sacrifícios e templos. Cada dia e cada manifestação da natureza pode ser um presságio. O homem da Ilíada vive assustado e em guerra.
  No cristianismo há uma negação de tudo isso. O cristão conhece a Lei de Deus. São regras claras e se não forem seguidas, voce é livre para as negar, as consequências não virão aqui e agora, elas cairão sobre o homem no futuro. Agradar a Deus é negar o mundo da natureza, é viver dentro de si, isolado do mundo. Não se assuste com esse "negar o mundo". Pode haver caridade, mas o centro dessa fé é a busca por Deus dentro de si mesmo. E Ele se encontra na negação da vida e na negação do eu. Eis a grande mudança: na Grécia e no mundo antigo, o herói é aquele que tem um ego imenso. São vaidosos, arrogantes, violentos, se impõe pela força. Aqui, a partir de Jesus, o herói nega seu próprio valor. Ele é apenas mais um, o último dos últimos. Não tem força física, não tem vaidade, na verdade a odeia, não se vê como nada mais que um pecador, um trapo, um ser feito para padecer. É um tipo de herói não heroico, um herói inconsciente, um herói que se manifesta em bondade e altruísmo por graça de Deus e jamais por mérito próprio.
   Esse cristianismo se perdeu. Mas foi hegemônico por 1000 anos ( de 500dc à 1.500 mais ou menos ). Com a ciência o homem sai de dentro de si e passa a valorizar o olhar sobre as coisas. Conhecer deixa de ser entrar para seu centro e passa a ser ir ao mundo e o explorar. Esse o credo dos últimos 500 anos.
   Um belo livro este.
  

The Iliad - what is it really about?



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LENDO A ILÍADA ( FINALMENTE )

   Compro em um sebo uma versão do livro de Homero. Capa dura, com ilustrações, tradução de Carlos Alberto Nunes, edição de 1962. Felizmente a tradução é em versos e devo dizer, é belíssima!
  Poetas já falaram que foi Homero o maior dentre eles. Por ter sido o primeiro, ele está ao lado da fonte de onde brota o impulso de cantar. Agora, conseguindo o ler, quase concordo com isso. A leitura flui como rio e sinto um prazer imenso enquanto leio as descrições de batalhas, presságios, cenários, dúvidas. Tudo surge com ares de sonho, de algo que sempre esteve ali. Para nós, cultos do ocidente, ler Homero é como escavar uma raiz.
  Os guerreiros guerreiam, os deuses tramam, matam-se bois, invocam-se deuses, mais guerra, muitas mortes, descrições de vísceras. Mundo onde se come carne, se raptam mulheres, se guerreia e se sacrifica bois aos deuses. Mundo onde o humano e o divino estão completamente unidos. Os deuses estão conosco todo o tempo, e tudo o que fazemos e sentimos é por eles ditado. Deuses que são como nós, as mesmas falhas, as mesmas paixões. Única diferença: deuses não morrem.
  Dizem que a Ilíada era tudo que um grego precisava saber para viver. Eles decoravam o poema e o usavam para se guiar na vida. Penso eu que 2.600 anos mais tarde, a Ilíada nos ensina a morrer. Há algo naquela profusão de mortes que faz dela um ato mais que natural; uma parte certa e nobre da vida.
  E você se pega dentro do canto, pois ela era cantada, você se pega súbito contemporâneo de Heitor, de Ajax, de Glauco. Um tipo de hipnose se faz. Palavras longas passam a ser faladas com facilidade, nomes gregos são conhecidos como vizinho, sua mente encontra um tipo de ritmo, a Ilíada se torna terapia. Eis nossa raiz, guerra-deuses-morte-sacrifício. Eles vivem em ação, atos que estão concatenados a outros atos. A vida dessa Grécia, antes de Platão, antes da filosofia, é uma vida que flui sem parar, flui em ação não segmentada, flui em fluxo contínuo.
  Há algo de tolo de minha parte em falar de Homero. Infelizmente Homero é hoje tema apenas de filólogos, linguistas, antropólogos...Sou tolo por falar da obra apenas como leitor, apenas como alguém que tira prazer da leitura. Pois me surpreendo ao conseguir ler sem esforço, naturalmente, musicalmente.
  Não sei o que mudou em mim. Antes nada entendia e logo desistia. Mas agora...será mérito da boa tradução?