NO AEROPORTO

   Amamos aquilo que tememos...é um chavão e às vezes é uma verdade ( só às vezes ). Tenho receio de pegar estrada, mas quando estou nela fico doido de alegria. Estou numa agora, perdido de novo, tentando chegar no aeroporto, que fica fora da cidade. Passam campos limpos e sem fim, bichos em currais, algumas ruínas, pontes e riachos. O carro vai a 150 km por hora e eu me deixo ir com a paisagem. Nossa alma precisa de espaço.
  No aeroporto há uma alegria ansiosa. Sinto a energia do lugar assim como senti os eflúvios virulentos do IML. As pessoas aqui estão vivas, em movimento, e me dá uma vontade imensa de embarcar. Mas não para Paris ou Londres. Sinto vontade de ir ao Tahiti. De ir à Bali. Ao Congo. Lugares que podem fazer diferença em sua vida. Lugares de viajantes.
  Esperamos minha mãe que volta de Portugal. Ela acabou de perder seu filho, meu único irmão. Ele se foi porque sua alma, presa a um corpo doente, precisava voar. Ele quebrou a casca e saiu pelo ar afora. Livre afinal.
  Pessoas esperam com a gente. Uma muçulmana tem um cartaz onde se lê: I Love You Kamal. Ela usa um véu amarelo. Há outro cartaz onde se pode ler: Welcome Pravid! Um menino indiano que vem morar um tempo no Brasil. Chega um monte de gente vinda da Irlanda via Ethiópia. Uma mistura de caras com prancha de surf e negros cor de petróleo. E lindas meninas. Um grupo de hare krishnas cantam com tambores e sinos. Esperam mais um indiano.
  Minha mãe pegou o avião sozinha. Ela é forte. No voo uma menina de olhos e rosto lindos como um sonho, sentou-se ao lado dela. E veio a amparando por todo o caminho. Ela é brasileira e namora um luso. Vai lá duas vezes por ano. Ficam juntos 3 meses, e 9 separados. Minha mãe fala de seu luto. E a menina a consola, ajuda, segura sua mão.
  É noite e voltamos pelas estradas escuras. Meus primos e ela conversam. Eu sei que vamos todos sobreviver. Eu sei que a dor nunca será esquecida. Ela vai repercutir lembrando o valor da vida e da morte.
  Luzes ao longe em janelas espaçadas. A vida nasce todo minuto. Porque a gente morre a toda hora.