A GUERRA DE WITTGENSTEIN - BRUCE DUFFY

   Enormes zeppelins cruzam o mar do norte a noite. Voam tão alto que os pilotos usam oxigênio. Frio. Como baleias voadoras, suas sombras surgem em cidades inglesas. E então eles vomitam bombas. É 1916. É a primeira vez que uma cidade é bombardeada dos ares.
   Os alemães quebraram regras. O Kaiser quebrou códigos. 1939 seria a continuação de 1914. Nas trincheiras os austríacos lutavam contra os russos. O inferno completo. As palavras são fracas para descrever o horror absoluto. Não apenas a crueldade das bombas e dos tiros. A sujeira da lama, da bosta, dos ratos, das pulgas. O medo, a covardia, soldados que se exploram, os amotinados.
  Pedaços de gente que insistem em não morrer. Atolados, com fome, com frio, com dor, com desespero.
  Não era fácil ser Wittgenstein. Nasceu numa das mais ricas famílias da Europa. Em Viena. O pai teve vários filhos e filhas. Os dois mais velhos se suicidaram. Todos tinham talento musical. Nenhum dos herdeiros queria ser um empreendedor. O pai era vaidoso, exibido, forte, autoritário. E culto. Amava a música. Entrava em êxtase. Ludwig Wittgenstein nasceu com a crença de ser diferente. E isso o isolou do mundo. Estudou em casa, sempre tenso, veemente, agressivo, duro. E muito, muito rico. Estudou em Cambridge com Bertrand Russel e GH Moore. Os dois cobras da lógica em 1910. Lá, Ludi logo começa a se mostrar brilhante, confuso, cáustico, produtivo. E combativo. Ele desafia seus mestres, homens famosos, estrelas da filosofia europeia de então. Mas Ludi quer mais. Ou, menos.
  Mora no norte da Noruega. Totalmente só. Constrói coisas com as mãos: cabanas, banheiro, barracas, móveis. Fica 3 anos por lá.
  É sargento na Primeira Guerra. Está nas trincheiras. Sofre. Mata. Vê morrer milhares.
  Abre mão da herança. Vira professor de crianças no lugar mais pobre da Austria falida. Se dá mal. Briga com os pais ignorantes. Perde 5 anos por lá.
  Volta a Cambridge, consegue o doutorado e vira professor de filosofia na universidade. Agora já com sua homossexualidade assumida ( para si mesmo, ele foi assexuado até depois dos 30 anos ). Sofre por não ser pai, sofre por ser judeu, sofre por não confiar nas palavras, sofre por sua família esquisita, sofre por crer em Deus. Briga com seus antigos mestres, chama-os de ultrapassados, conquista seguidores em Cambridge, mas nunca é feliz.
  Sim, é um belo personagem. Mas Duffy fala muito mais de Bertrand Russel e de Moore. Sua intenção é exibir Wittgenstein por contraste. Mas Russel é tão odiável!
  Para quem não sabe, Bertrand Russel foi o filósofo mais famoso do mundo entre 1900-1960, e mesmo quando Sartre vira estrela, ele continua sendo um nome mundial, uma estrela da mídia. No começo ele foi o Papa da Lógica, o ateu furioso, o homem que ia unir a razão da filosofia à razão da matemática. Mas, com Wittgenstein seu tempo como pensador passou e então Bertrand Russel, gênio da comunicação, passa a ser o Rei do pacifismo, da educação ultra liberal, do Paz e Amor, do sexo livre. Russel viveu 99 anos, filho de condes, morreu só em 1972, e nos anos 60 ainda participava de passeatas hippies. Mas, com tudo isso, ele era um chato. Vaidoso, conquistador de mocinhas tolas, obcecado com a aparência, materialista extremado, ele era um personagem muito menos interessante que o austríaco. E o livro, de suas 650 páginas, gasta mais da metade com ele.
  Quanto a Moore, um pacato filósofo lógico, também famoso, pacato pai de família, tímido, são gastas tantas páginas quanto com Ludi. Pena.
  Wittgenstein nos deixou cerca de 300 páginas escritas por si mesmo. Muito pouco. Uma pena. Ele percebeu que a linguagem guarda o segredo da alma. Percebeu que a razão é uma criação artificial de filósofos iluministas. Que o homem não é racional. Que a linguagem não é racional. Que Deus não é razão.
  A lingua não fala e não consegue falar daquilo que é mais importante´: ética, Deus, infinito, tempo, misticismo. Por isso o jogo. Palavras são peças de um jogo. Jogamos com regras fixas e assim procuramos nomear e comunicar tudo. E acabamos por não comunicar nada. Por isso ele se isolava. Por isso escreveu pouco. Ele sabia que as palavras nada podiam dizer. Que a verdade é silêncio. 
  Um exemplo simples: Eu tenho dor de dentes.
  Primeiro: eu na verdade não tenho a dor. Segundo: posso estar mentindo. Terceiro: minha experiência de dor, aquilo que chamo de dor, pode ser absolutamente diferente da sua. Quarto: o que dói pode não ser o dente. Pode ser o nervo do dente, a gengiva, a coroa, ou até mesmo uma dor mental. Quinto: toda essa frase nada diz, é portanto, não lógica.
  Como então expressar essa dor...se nem mesmo a dor é minha, ela se dá.
  Talvez: A dor que parece ser em meus dentes surgiu em mim.
  Depois de conhecer Wittgenstein voce nunca mais lerá como sempre esteve lendo.