BEBER GENTE

   Me permito aqui uma brincadeira. Que pode ter um fundo de verdade. Digo que bebidas, aquela que é sua favorita, podem definir uma pessoa, ou pelo menos dar uma pista daquilo que ela é. Por exemplo:
  Whisky é bebida de homem. E de mulheres de atitude. Quando digo homem falo do chavão mesmo. O cara que usa paletó, que dirige um Mitsubishi ou um Volvo. Não se fica bêbado com whisky, se fica alto. Com gelo é a bebida mais clássica do bar, e isso revela um cara meio conservador. Era a bebida dos nossos avôs. Ou deveria ter sido. Todo homem gosta de se pensar um bom bebedor, e se for de Whisky ainda melhor. Não é a bebida  da feminista, mas da mulher que escolhe seu homem. Claro que, como toda bebida, as misturas mudam tudo. Se voce colocar energético vira coisa de teen, e se misturar com refrigerante é apenas uma tapeação : uma personalidade camuflada. Quem bebe whisky se afirma. É arrogante. Mesmo não sabendo que aquilo vem da turfa escocesa. É a mais nobre das bebidas. O que não quer dizer que seja o mais nobre dos bebedores. Mas todo bebedor de whisky gostaria de o ser. Aposto um Cutty Sark.
 Conhaque é cognac e não o Dreher ou o Domecq da vida. O Napoleon, por exemplo. É a bebida do pretensioso. Do cara realmente rico. Combina com solidão de biblioteca e charuto grosso. Pouquíssima gente bebe conhaque. Além de caro tem um gosto difícil de acostumar. E se precisa usar aquelas taças gigantes... Revela uma pessoa poderosa. Bebedor antigo. Isento de se tornar um bebum. Homens silenciosos, que pensam antes de falar.
 Vodka se bebe muito, muito gelada. Só Steinhager se gela igual. Voce sente o frio nas mãos, a garrafa, sempre elegante, solta vapor frio. Mas dentro da garganta o que voce sente é lava, fogo que escorrega e queima as entranhas. Clara como água, a vodka se sacrifica pelas outra bebidas, se dá, se mistura. É a mais democrática, aceita laranja, abacaxi, Coca e até sorvete. Bebida por pessoas com unhas vermelhas e pele sedosa, a vodka é, com o sakê, a mais feminina das bebidas. Homens que adoram vodka são os mais entendidos na arte da sedução.
 Gim. A mais mentirosa das bebidas, ela parece uma coisa e é outra. Ninguém consegue definir seu sabor: amargo, neutro, doce...ruim...Também se mistura com tudo, mas o soco sempre vem quando menos se espera. É agressivo e tem a história dos bares mais baratos de 1800. Desce redondo com tônica, embebeda como veneno. Bebida de homens que gostam de ficar alegres e de levantar brindes. Ou ficar imutáveis como um assassino de aluguel. Não é bebida inteligente.
 Rum. Era coisa de pirata, hoje usa guarda chuvinhas de papel rosa. O rum é a pinga do Caribe, tem de ser bebida ao sol. É o oposto da vodka, é quente, dourado, opaco e doce. Se mistura, mas mantém sua personalidade. É bebida de gente falante, gente sorridente, mocinhas queimadas de sol, na verdade é bebida de quem não gosta muito da coisa.
  Sakê. Me recuso a falar de sakê. Esse álcool de arroz é tão sem personalidade que só pode ser irmão de um copo de água. Mulheres que querem beber e não se comprometer costumam pedir sakê. Não me pergunte porquê. Ele é o oposto do gim.
  Vinho. O vinho é tudo. É o cara e a mulher que formam uma família. É festa de batizado, casamento e esquecimento do enterro. O verdadeiro amante do vinho sabe que ele é sol engarrafado. Em nosso tempo bobo ele virou esnobismo de entendido. Mas o vinho, a personalidade vinho, ainda preserva seu calor, sua alegria, sua maravilhosa humanidade.
  Bourbon. O bebedor de bourbon usa barba. E fuma cigarros. Ele é um cara com saudades. Ele ama blues, ama carros e ama estradas. É uma bebida viril. Adora peitos grandes. Perigosa e ingênua, a personalidade bourbon é amiga. O perigo vem de sua impulsividade absoluta. Será que esse cara sabe que é cachaça de caipira...
  Cerveja. Essa é a amiga confidente, a vizinha, o amigão, o cara na escola que todo mundo conhece, mas por quem ninguém se apaixona. Estão lutando pra fazer dele "um vinho". Nunca! Ele é um moleque que olha as mulheres e se apaixona todo dia. A mulher que dá vexame e não perde a pose. É uma pessoa útil: tenta tirar a sede e nunca consegue. É barato, é povão, é o primeiro a chegar na festa.
  Paro por aqui que isto tá me dando sede.
  Se gostaram, escrevo um dia sobre café, chá, coca, suco de laranja etc.
  Saúde, skol e cheers.

WHY J.J. CALE.

   Fiz aniversário ontem. Ainda não sou um velho, mas estou na meia idade. Isso é incrível porque, ao contrário do que pensava, envelhecer não dói, e mais incrível ainda, não me deixa triste. Talvez porque toda minha curiosidade pela vida se mantenha intacta.
 Quando a gente envelhece deixa de escutar certo tipo de música. Ao contrário das outras artes, livros e filmes que prefiro ler e ver continuam sendo os de sempre, a música feita para jovenzinhos deixa de me atrair. Tente entender, não falo de música feita hoje, falo do espírito com que ela é feita. Assim como não consigo ouvir um novo mocinho falando da pureza do primeiro amor, ou do futuro do mundo; também não consigo mais escutar Duran Duran ou os primeiros Beatles sem me sentir fora de lugar.
  Quero dizer que o tipo de rock que agora me atrai, além das velhas trips nostálgicas de sempre, é um certo tipo de som que cheira a experiência, uma voz que pareça já ter visto muita coisa, um certo cansaço, mas sem nenhuma preguiça. JJ Cale é exatamente isso.
  Veja um disco como este Okieh, de 1974. Tudo aqui é calma, tranquilidade, mas nunca a tranquilidade zen ou superior; é antes a visão e o som de alguém que está sentado sobre experiências que foram já refinadas. É como se Cale tivesse filtrado seu som e sua vida, e nos desse o necessário, apenas aquilo que realmente vale a pena.
  Seus vocais são assim: econômicos. Ele é rouco, sussurra, canta o que pode, mas sem esforço nenhum. Então digo que ele canta como quer. Canta apenas o mínimo dentro do menor esforço possível. Um grau abaixo e seria o silêncio, um grau acima e teríamos energia demais. A guitarra, única, esse som foi criado por ele, vai no mesmo caminho: todo solo termina deixando um desejo: queremos mais, e mais não vem. Por isso é o som do meio do caminho.
 Não sei se Okieh é seu melhor disco. Ele tem mais de sete melhores discos. É um dos grandes. E é de uma falta de ambição completa. JJ aprendeu que se deve fazer o que se pode e não o que se quer.
 JJ Cale se chamava John Cale e usou o JJ pra não ser confundido com o galês do Velvet. Começou numa banda de psicodelia e em 1970 lançou seu primeiro disco: Naturally. Clapton gravou no mesmo ano After Midnight, e fez de Cale um cult. Até morrer Cale gravou um disco a cada dois anos, às vezes a cada três. Todos parecidos, todos bons, alguns geniais. O conheci em 1985, com Grasshopper, que é de 82. Talvez seja seu the best.
 Se voce achar JJ muito comum, ou muito simples, esquenta não. Ouve outra vez daqui a dez anos. Sua opinião vai mudar.

J.J. Cale "Ten Easy Lessons"



leia e escreva já!

ISAIAH BERLIN FALA SOBRE EU E SOBRE VOCÊ.

   Berlin é um dos mais respeitados intelectuais do século XX e deveria ser mais lido no XXI. Aqui ele fala da mais assombrosa mudança mental que o ser humano viveu: aquela que ocorreu entre os séculos XVIII e XIX. Vamos tentar explicar a meu modo...
   Para ele, o mundo ocidental sofre três grandes mudanças em seu modo de pensar e de ver a vida. A primeira aconteceu logo ao fim da vida de Aristóteles. Até então, todo o pensamento era visto como algo a ser feito em grupo. Não se analisava o homem como um ser individual, mas sim como um ser dentro de um grupo social. Filósofos como Platão falam da coletividade, do todo, nunca do indivíduo. Mas, de repente, em meros 20 anos, surgem filósofos que analisam o homem como universo separado, como indivíduo, como ser a separado um do outro.
  A segunda grande mudança vem na Renascença, quando o natural se separa do moral. A moral, a ética, o bem, deixa de ser um valor natural e passa a ser questão de escolha, de trabalho, de educação e esforço.
 O terceiro, nossa mudança, pois dura até hoje, 2017, é aquela que se inicia com o romantismo.
 A virtude, o bem e a verdade, sempre foram, por 5000 anos, vistos como o final da vida humana na Terra. A verdade existia como algo dado, bastava ao homem conseguir descobrir onde ela se encontrava. A religião, a ciência e a arte eram modos de se encontrar no mundo, no cosmos, essa verdade. E também a beleza, a ética, o sentido de tudo. A vida real estava então FORA DO HOMEM. Pois bem, Berlin explica, e eu me abstenho de transcrever aqui, o movimento mental e espiritual, o porque dos românticos terem criado uma nova verdade, aquela que diz que TODA VERDADE VIVE DENTRO DE CADA UM. Consequência imediata, se a verdade não está lá fora, então ela é relativa, cada um tem uma verdade particular, única, que independe do todo. Caminhando mais um pouco, vemos que o mundo lá fora perde valor, se torna sem verdade por si mesmo, sem sentido, apenas um tipo de cenário louco.
  O romântico criou a ideia de que para uma vida valer a pena é preciso criar sua verdade, e ao mesmo tempo criar sua vida, ou seja, só o CRIADOR vive. O artista é o objetivo de todos, o SER superior é um artista. Veja, não um pintor ou um poeta, mas sim alguém que cria um modo de viver e de ser ÚNICO. Viver deixa de ser sobreviver ou cuidar ou lutar; se torna inventar.
  O artista cria a partir do nada, cria dentro de si, o artista é LIVRE. Ele pensa, faz e acredita naquilo que sua liberdade quer. O homem se torna um ser que quer ser livre, livre para poder criar a si mesmo. E para ser livre, seu caminho se faz, logicamente, o do autodomínio. A dor, a idade, as emoções nos lembram que não somos livres. Então, passamos a vida negando a dor, negando o tempo, negando as emoções. Criamos uma liberdade que aprisiona, porque somos carcereiros do que a coloca em perigo. Vigilantes do nosso ser natural. Passamos a controlar a natureza, inimiga natural da liberdade.
  Se antes a verdade estava lá fora, onde viveria Deus, a verdade, o sentido; agora Deus, a verdade e o sentido passa a ser uma questão de inventar e não mais de descobrir.
  OS VALORES DEIXAM DE SER DESCOBERTAS. PASSAM A SER INVENÇÃO.
  Hoje vivemos a guerra entre esses dois mundos: razão X liberdade.
  A razão não é liberdade, a liberdade despreza a lógica. Pois a lógica é um valor que é o que é, independente do que eu queira ou deseje crer. Por isso a razão não pensa em termos e liberdade, ela pensa em termos de causas e consequências. A razão é sempre um bem comum, geral, não individual. Ela vive fora do querer ou do ser humanos. Ela está no universo. Pela razão pode se viver me paz, e só por ela, exatamente porque ela nega a individualidade e pensa em termos gerais.
  A liberdade abomina a razão porque ela lhe lembra do fim das coisas, dos limites do corpo e das obrigações para com os outros e o mundo. É a liberdade, o desejo por querer ser livre, que leva às guerras, às injustiças, à destruição. Esse impulso, romântico, leva a destruição de tudo o que signifique limite, dever, senso comum.
  Nada é mais odioso ao artista que o senso comum, ser mais um em meio ao todo.
  Nessa atividade criativa, nessa incessante ação original, ousada, construtiva, não há mais espaço para o ócio e para o vazio. Viver é criar, viver é fazer e deixar uma marca. Nada mais odioso que o fazer nada, pensar a toa, viver sem deixar nada em sua passagem. Esse o mundo criado pela geração de Beethoven, Wagner, Goethe e Heine, a vida como luta incessante CONTRA A VIDA REAL, A VIDA LIMITADA.
  O lema iluminista, anterior ao romantismo portanto, é: SABER PRIMEIRO, DEPOIS FAZER. O lema romântico, nosso lema até hoje, é: FAZER É SABER, ou seja, aprendemos fazendo, e assim, não nos preparamos para viver. Se antes ser um Homem era saber e pensar, agora ser Homem é fazer e agir. Fazer em impulso, não se omitir, tentar, mesmo que esse tentar seja um vexame, um desastre ou uma tragédia.
  O passo último seria criar um outro mundo, um mundo onde TUDO fosse uma criação livre, sem a natureza, sem o "de fora", sem nenhuma força que não possa ser domada e sem NADA DE EXTERIOR. Do Marxismo às teorias de Freud, em todas vem a crença de que o Homem cria aquilo que ele é, de que a verdade se encontra dentro dele e só dentro dele, de que o Homem é o senhor da vida e único responsável por seu destino. Mesmo que histórico ou inconsciente, tudo é humano, tudo é do homem.
  Observa a guerra religiosa e hoje. Ela seria incompreensível para um europeu de 1700.
  Antes, um homem sabia que sua fé era a verdadeira por ser a fé de todos aqueles que viveram antes dele. Ele lamentava o islamita ou o judeu por serem enganados por uma fé falsa. Hoje há uma sutil e mortal diferença. Quem defende sua fé a defende por ser sua, por estar dentro de si, por ser mesquinhamente seu pertence, um objeto. Antes a fé era sagrada por ser de todos, comum, o maior valor DE TODOS. Hoje ela é ostentada como mais uma criação individual de um grupo de almas especiais e criativas. Um valor de classe, e não um valor de todos.
  Termino dizendo que quando um cara como Hawkins, diz que a humanidade está pronta para deixar a Terra, vejo nessa frase perigosa todo o epílogo dessa história romântica. O ato final do egocentrismo criador, o passo rumo à ilusão de uma liberdade que não existe, o sonho de um mundo sem natureza.

CHARLIE CHAN, FILMES DE SAMURAI

   CHARLIE CHAN E A MALDIÇÃO DA RAINHA DRAGÃO de Clive Donner com Peter Ustinov, Lee Grant, Michelle Pfeiffer, Roddy McDowell e Richard Hatch.
Oh God! Em 1980 fizeram esta comédia com o venerável Chan feito por um sonolento Ustinov. Ainda pegaram a novata Michelle para fazer uma noiva burrinha. O filme é uma tentativa de criar um novo inspetor Clouseau ( que seria Hatch, o neto de Chan ). Correrias e gritos que nunca são engraçadas. O filme é um fracasso completo.
   A ÚLTIMA ESPADA de Yojiro Takida
Um recente épico samurai. Que, apesar de bonito, nunca consegue emocionar.
   JURAMENTO DE OBEDIÊNCIA de Tadashi Imai
Ganhador do festival de Berlin em 1963, este filme cruel exibe o sistema japonês de obediência. Conta a história, através de várias gerações, de uma família que sempre deve obedecer um senhor. Vemos homossexualismo, estupro e muito sangue. O filme é um pesadelo e tem uma ira absoluta.
Forte, muito forte.
   LOBO SAMURAI 2 de Hideo Gosha
Continua a saga. Este é menos louco que o primeiro. É um convencional filme de samurai em que o Lobo está um pouco mais tranquilo.
   CRÔNICAS DOS SHINSENGUMI de Kenji Misumi
Fala de um samurai de honra que se decepciona com seu líder. Um belo filme com aqueles atores japoneses tão desconhecidos no ocidente e tão maravilhosamente bons.
   GUERRA DE ESPIÕES de Masahiro Shinoda
Este conta a era em que o Japão era uma teia de espiões. O tempo dos Tokugaua, século XV. Bastante confuso, com um clima sombrio bastante invulgar.

EDMUND DE WAAL, JUDEUS, CHARLATANS E RICHARDSON...

   Nem tudo está perdido! Alvíssaras! Edmund de Waal, o mais chique dos escritores vivos, lança livro novo! Sai pela Intrínseca PORCELANA. Edição bonita, vou comprar, vou ler e vou comentar.
  Lindas essas famílias judias tradicionais passeando pelas ruas. Elas me lembram a firmeza de fé e de caráter que foi o comum um dia. Depois fomos obrigados a ser "criativos", "livres", "originais".
  Em Wembley, na final da Cup, tocam Charlatans no intervalo.
  Sai em banca de jornal Pamela, de Samuel Richardson, um clássico famoso por ser chato. De 1740, ele inaugura, segundo meu professor favorito, o romance no ocidente. São 500 páginas sobre a tentativa de sedução de uma governanta por um sir. O romance é para mulheres. Todo romance foi para mulheres. Eram elas que tinham tempo para ler. As ricas.
  Mulheres da elite são todas parecidas. Os cabeleireiros e as maquiagens fazem com que todas tenham a mesma cara. Um rosto escovado, claro, fino, com o cabelinho flutuando ao redor. Num café, ruim e caro, uma delas diz: "Só loser olha para trás. O que passou tem de ser eliminado. Eu só olho pra frente."
  Mas não se assanhe. Mulheres da Vila Madalena são mais iguais ainda.
  Sebald tem livro editado agora. Ele diz que, ao contrário da Inglaterra e da França, onde todos os costumes e toda história foi mantida, a Alemanha é um país sem passado. O nazismo fez com que a velha Alemanha, o país de antes de 1936, desaparecesse.
  Não se editam mais livros de poesia. Mal sinal.

Van Morrison - Up on Cyprus Avenue



leia e escreva já!

O IDIOTA - DOSTOIÉVSKI

   Conheço escritores e críticos literários que dizem que Dostoievski escreve mal. Que é o pior escritor dentre aqueles que são gigantes. Entenda, eles falam do modo como ele escreve, não falam de seus livros. Ao contrário de Flaubert ( de quem não gosto ), o russo é descuidado. Ele muitas vezes escolhe mal as palavras, repete termos, deixa a coisa se expandir, corta pouco ou corta mal, se embaralha. Para alguém que ama o texto exato, preciso, perfeito, essa característica incomoda. Dostoievski não tem amor pela palavra, ele ama a mensagem. E ainda há mais um defeito...
   Por ser tão solto, descuidado, impetuoso, seu texto tem personagens sem grande lógica. Eles são profundos, mas inconstantes até o nível do inverossímil. Esse defeito, que pode não ser um defeito, irá incomodar aqueles que acham a vida real previsível. Para os que pensam ser a vida uma tempestade sem lógica e sem rumo, esse defeito pode agradar. Para eles não é um defeito, é uma psicologia nova.
  Bem, estou aqui para dar uma opinião e eu penso que sua psicologia é a psicologia de Dostoievski e isso me incomoda. Eu sei que todo autor escreve a partir de sua cabeça, e que é humanamente impossível não construir alguma coisa que não seja seu espelho. Mas o melhor artista consegue disfarçar isso. O grande escritor consegue criar personagens contrários ao que ele é e parecer crível fazendo isso. O grande artista olha o mundo fora de si e percebe um pouco o que esse mundo é. Ele deixa o Eu de lado e luta para alcançar o OUTRO. Aquele e aquilo que está fora.
  Muito da literatura, desde Montaigne, o grande ego, se aplica em dissecar sua própria alma. Escritores que olham o umbigo, o quarto, a fé, sempre DE SI MESMO, DE DENTRO PARA DENTRO. Hoje 90% dos autores não conseguem escrever nada que não seja espelho. Falam de seu passado, de gente que conhece, de bairros onde viveu. Não imaginam, não criam, não inventam. Apenas examinam.
  Dostoievski sabe criar. Mas é sempre auto referente. Todos os personagens são Dostoievski. Ou são amigos próximos de Dostoievski. E as situações são dramas vividos por Dostoievski. E quando ele cria uma surpresa, que pena, ela sempre parece artificial. Ele é imensamente melhor que autores como Gide, Sartre ou Lawrence, todos tão auto-referentes como ele é. Mas eu o culpo pela pior literatura que existe. A literatura que confunde criatividade com confissão.
  Para mim ler Dostoievski é duro. Fiz isso por amizade. É duro porque ele escreve como eu escrevo. ( Falo de estilo natural. É óbvio que sou ruim ). Ele escreve aos borbotões, em um tipo de febre sentimental, sem muito cuidado, sem muita delicadeza. E eu adoro autores que fazem aquilo que eu jamais conseguiria nem mesmo tentar fazer. Os escritores que corrigem, que pensam muito antes de escrever, que planificam, que sabem usar a frase perfeita, que criam a situação imaginativa e ao mesmo tempo convincente, que ficam páginas e páginas descrevendo um rosto, um sentimento, um pensamento. Os autores lógicos, falsamente frios, mestres em frases e parágrafos. Tudo aquilo que Dostoievski não é. O desinteresse pelo mundo de fora é tão grande em Dostoievski, que ele mal descreve uma sala, uma rua ou uma roupa. E quando o faz, faz com pressa.
  Bem, voce agora deve estar pensando: " Que idiota! Esse cara odeia um gênio universal! " Mas saiba que eu gostei do livro. É divertido. E, isso deve ser um defeito meu, engraçado. Não consegui levar um só personagem a sério. Todos me pareceram personagens de farsa teatral. Aliás, imaginei todo o romance como uma peça de teatro. Burlesco. Quase um Gogol. Um carnaval dramático.
  Tolstoi e Dostoievski são o Fla Flu das letras russas. Tudo o que disse sobre Fiodor não se aplica a Liev. Inclusive no fato de que Tolstoi é horrivelmente sem humor, mesmo involuntário. Cada frase de Tolstoi parece esculpida em mármore. Lhe falta o descuido de Fiodor.
  Por fim saúdo o quanto é maravilhoso poder ler um grande romance da era de ouro do romance. Entre 1750-1930 tivemos uma avalanche de grandes, vastos, belos, eternos romances. Cheios de personagens, de criação, de delicadezas, de vida. E Dostoievski tem vida, muita vida. E disso não podemos reclamar.
 

LIVROS JUVENIS, LIVROS INFANTIS

   Encontro um tesouro em um sebo. ( Característica tão masculina essa! A de procurar tesouros escondidos ). Vários livros da coleção "CLÁSSICOS DA LITERARTUA JUVENIL". Foram publicados pela Abril entre 1971-1973. Capa dura, ilustrados em preto e branco, os textos são recontados-simplificados por gente como Monteiro Lobato, Cecília Meirelles, Clarice Lispector e Miécio Tati. Eram vendidos em banca e em 1971 meu pai comprou os quatro primeiros pra mim. Depois ele desistiu. Eram A ILHA DO TESOURO, O CONDE DE MONTE CRISTO, OS TRÊS MOSQUETEIROS e TOM SAWYER. Foram os primeiros livros que li. Com imensa dificuldade e sem compreender muita coisa. Sentia um prazer surreal em segurar um volume nas mãos.
  Depois, em 1972, ganhei mais alguns. CARLOS MAGNO E SEUS CAVALEIROS, AS MULHERZINHAS e RAPTADO. No sebo pego BELEZA NEGRA de Anna Sewell, um dos primeiros livros a defender a causa animal, um best seller do século XIX. Muito doido comprar em pleno século XXI um livro de uma coleção de minha infância.
  A Abril dos anos 70 teve um papel central na divulgação da cultura em toda uma geração. Coleções de filosofia, literatura, discos clássicos, discos infantis. O que ela faz hoje com suas pobres coleções é um reflexo tardio de um tempo que se foi.
OU VAI OU RACHA de Frank Tashlin com Jerry Lewis, Dean Martin e Anita Ekberg.
Ruy Castro diz que para os teens da geração dele, o fim da dupla Lewis e Martin foi tão dura como seria o fim da dupla Lennon e MacCartney para a geração seguinte. Este é o último filme dos dois juntos. É difícil gostar desse Jerry Lewis infantil e tão debilóide. Seu humor é ingênuo, bobo e as tintas gays hoje parecem super bandeirosas. ( Não, Jerry não é gay ). Mas, graças ao talento de Tashlin, este filme é até que ok. Dean é o malandro que trapaceia no jogo e ganha um carro. Jerry é o idiota que ganha o mesmo carro honestamente. Os dois vão pra Hollywood juntos.
ERRADO PRA CACHORRO de Frank Tashlin com Jerry Lewis e Jill St.John.
Aqui está o Jerry solo. Mais adulto, mas ainda bobo. Este filme passava todo mês na Sessão da Tarde entre 1975-1985. Só agora ele sai em dvd. Tashlin foi um dos caras da Warner que fazia os desenhos do Pernalonga. Depois virou diretor de filmes legais como este. Tolo, caipira, infantil, mas ainda bem assistível. Não sei o que dizer sobre Jerry. Seu ego é tão grande que quase o esmaga.
OS RUSSOS ESTÃO CHEGANDO!OS RUSSOS ESTÃO CHEGANDO! de Norman Jewison com Alan Arkin, Eva Marie Saint, Carl Reiner, Brian Keith.
Claro que foi feito nos tempos da guerra fria. Um submarino russo encalha numa ilha nas costas dos EUA. Um grupo de marujos vai a terra para conseguir um novo motor. A população da ilha reage com medo e ataca. É uma comédia e Arkin está ótimo como o líder russo. Em 1966 os russos são tratados como gente boa e os americanos como doidos. Jewison teria uma bela carreira em filmes típicos da esquerda americana. Legal este filme.
THE ROOKIE de Clint Eastwood com Clint e Charlie Sheen.
Há quem diga ser o pior filme de Clint. Talvez seja.
CHARLIE CHAN AT THE OLYMPICS de H. Bruce Humberstone com Warner Oland.
Consigo 3 dvds de Charlie Chan. Foi uma série para cinema dos anos 30. Chan desvenda os crimes com muita calma e bom humor. Um tipo de Holmes bonachão. Este é chocante por ter sido feito em 1936 e falar das Olimpíadas de Berlin. Vemos um oficial das SS ajudar Chan na elucidação do caso!!! Assisti ainda Charlie Chan na Opera e Charlie Chan em Londres. Os dois são melhores que esse em Berlin. O londrino tem um delicioso clima de fog. Boa diversão para noites frias.
O ENIGMA DE OUTRO MUNDO de John Carpenter com Kurt Russell.
É a refilmagem explícita de um clássico de Howard Hawks. E talvez seja melhor que o filme anterior. Numa estação polar, um ET que plasma características de outros seres invade e mata todos que o encontram. É um filme barato, sem pudor, e bem bom. A crítica odiou em 1983. Hoje é um cult esperto.
CIDADE TENEBROSA de Andre de Toth com Sterling Hayden
Puro prazer! Hayden é um cop desalinhado que procura um ladrão barato. O filme é genial. Todo filmado na rua, tem um clima moderno, ágil, leve e crú. Está uma década adiante de seu tempo. Nos extras temos comentários de um crítico e do escritor James Ellroy. Uma maravilha de comentários dignos do filme. Procure assistir, é um prazer inesquecível. No elenco, além do mítico Hayden, temos Timothy Carey, um dos mais loucos atores da história e ainda Charles Bronson e Gene Nelson. Show.
O SÁDICO SELVAGEM de Don Siegel com Elli Wallach.
Um caso de tráfico de drogas em um gostoso filme policial. O clima é urgente e tudo flui magnificamente. Bacana ver Don Siegel filmando as ruas de San Francisco 13 anos antes de Dirty Harry. O cara tinha o dom! Veja!

LONGINO

   Ninguém sabe se Longino realmente existiu. O que se sabe é que o autor desses textos viveu no século I. E que seus escritos são incrivelmente modernos. Longino comenta autores do passado e explica o que seria o belo e o sublime. Schiller, por exemplo, falou das mesmas coisas 16 séculos mais tarde. E Schiller parece hoje muito mais velho.
  Não falarei aqui sobre suas opiniões a cerca de Hesíodo ou de Homero. Destaco esta sua ideia:
  Para ele, o que Não importa na vida " é tudo aquilo que ao abrirmos mão recebemos elogios ou o despeito dos mais fracos"; por exemplo, se um homem rico abre mão de sua fortuna em prol de uma vida simples, será esse homem chamado de nobre, de alma livre, de desapegado. O mesmo se um homem desprezar a fama, a liderança, o sexo ou o vinho. Mas JAMAIS será elogiado um homem que desprezar a justiça, o amor, a amizade sincera ou a honra. É esse tipo de valor, que não pode ser perdido, jogado fora ou desvalorizado por pessoas de valor, que dão sentido à vida.
  Em outro assunto, bem diferente desse, Longino fala que a beleza é um valor do corpo. Que o belo, valor importante, é um assunto do corpo, dos sentidos, da pele, do gosto, e que é ao corpo que ele fala. Mas o sublime, bem mais forte, é um valor da alma, porque o sublime não é belo ou útil, não é agradável ou confiável, antes, ele nos aterroriza, nos seduz e nos faz "deixar este mundo, perder o eu e ascender ao cosmos".
  A beleza reafirma e nos deixa em conforto neste mundo. O sublime nos arranca do aqui e agora e nos conduz a um outro universo. O homem, um ser com uma mente infinita, é ele mesmo, ele pleno, quando em contato com o sublime.
  Por fim, quero dizer que Longino antecipa a crítica moderna em 2000 anos, ao dizer que um autor não olha a vida e se inspira. Diz que todo autor tem em vista outro autor. Que um escritor conhece a vida pela lente de outro escritor. E que escrever é escrever para esse autor-rival-guia.
  Grandes autores escrevem para grandes autores. Pensam todo o tempo naquilo que Platão ou Ésquilo pensariam sobre sua obra. Isso é Harold Bloom no ano 80 DC. Incrível.

NOTAS SOBRE UMA BIOGRAFIA FICCIONAL

   Wittgenstein diz que se fosse escrever sobre si, teria de descrever todo o seu corpo. Separar as partes que ele controla daquelas que ele não tem controle. Veria então que o controle não se dá sobre seu corpo e veria então que o sujeito não existe. É uma ficção.
   Partindo disso, Bruce Duffy, escritor de apenas 2 livros, lançou a mais de 20 anos, esta biografia ficcional sobre o filósofo da Austria. Ele nos confunde. Nunca sabemos o que Duffy inventou e o que aconteceu de fato. Ele diz seguir a vida de Witt, mas ao mesmo tempo ele cria aquilo que poderia ou que deve ter sido. De qualquer modo, é um livro que olha a vida, talvez, como Witt a olharia. Como dúvida, como coisa inalcançável.
   Wittgenstein morreu em 1951. E no último ano diz ter sido feliz. E que sua vida foi maravilhosa. Ele jogou a dúvida dentro da lógica e fez assim com que ela nunca mais fosse a mesma. A linguagem era seu ponto de apoio. Um fato: Por que a lingua pode falar frases totalmente lógicas, e mesmo assim absurdas, ou falsas... O rei da França gosta de falar. É uma frase lógica, correta. Mas absurda, pois não há rei na França. A questão é, a lingua pode ser usada para afirmar com lógica coisas absurdas e aparentemente reais. Como isso se dá e por que a lingua se presta a isso...
  Ele sabia que só podemos entender uma coisa se nos colocarmos fora dessa coisa. Por isso jamais entenderemos a vida. E nunca conhecemos nosso eu. Olhamos para nós mesmos, mas olhamos com nós mesmos e de dentro de nós mesmos. Logicamente que nossa visão será falsa. E o outro, preso dentro de seu eu nada pode ver do nosso eu.
  Witt gostava de desenhos Disney, musicais, faroestes, toda a bobagem da baixa cultura. E ao mesmo tempo sabia que após a guerra, as duas, a alta cultura se perdera. Nunca mais as pessoas conseguiriam amar a música como sua família a amava. Witt percebeu que a concentração das pessoas se perdera no ruído da guerra, no medo do fim. Ele também viu que a bomba atômica era uma forma de paz.
  Conheceu os EUA no fim da vida e gostou do que viu. Na verdade ele odiava Cambridge. Amava as pessoas simples, a fala básica, fazer coisas com as mãos. Ou não. A marca de Witt era negar hoje tudo que fora dito ontem. O pensamento era coisa em mudança. Sempre.
  Sua religiosidade o fez perder muitos seguidores. Ele via Deus como um ser irracional. Tão irracional como nós somos. Por isso a razão não pode o entender. A lingua não pode o descrever. Em nós há uma coisa que é eterna. Mas não é o eu, pois ele não existe, é construído artificialmente. Com a linguagem, seus tijolos.
  Duro, Difícil. Belo.

A GUERRA DE WITTGENSTEIN - BRUCE DUFFY

   Enormes zeppelins cruzam o mar do norte a noite. Voam tão alto que os pilotos usam oxigênio. Frio. Como baleias voadoras, suas sombras surgem em cidades inglesas. E então eles vomitam bombas. É 1916. É a primeira vez que uma cidade é bombardeada dos ares.
   Os alemães quebraram regras. O Kaiser quebrou códigos. 1939 seria a continuação de 1914. Nas trincheiras os austríacos lutavam contra os russos. O inferno completo. As palavras são fracas para descrever o horror absoluto. Não apenas a crueldade das bombas e dos tiros. A sujeira da lama, da bosta, dos ratos, das pulgas. O medo, a covardia, soldados que se exploram, os amotinados.
  Pedaços de gente que insistem em não morrer. Atolados, com fome, com frio, com dor, com desespero.
  Não era fácil ser Wittgenstein. Nasceu numa das mais ricas famílias da Europa. Em Viena. O pai teve vários filhos e filhas. Os dois mais velhos se suicidaram. Todos tinham talento musical. Nenhum dos herdeiros queria ser um empreendedor. O pai era vaidoso, exibido, forte, autoritário. E culto. Amava a música. Entrava em êxtase. Ludwig Wittgenstein nasceu com a crença de ser diferente. E isso o isolou do mundo. Estudou em casa, sempre tenso, veemente, agressivo, duro. E muito, muito rico. Estudou em Cambridge com Bertrand Russel e GH Moore. Os dois cobras da lógica em 1910. Lá, Ludi logo começa a se mostrar brilhante, confuso, cáustico, produtivo. E combativo. Ele desafia seus mestres, homens famosos, estrelas da filosofia europeia de então. Mas Ludi quer mais. Ou, menos.
  Mora no norte da Noruega. Totalmente só. Constrói coisas com as mãos: cabanas, banheiro, barracas, móveis. Fica 3 anos por lá.
  É sargento na Primeira Guerra. Está nas trincheiras. Sofre. Mata. Vê morrer milhares.
  Abre mão da herança. Vira professor de crianças no lugar mais pobre da Austria falida. Se dá mal. Briga com os pais ignorantes. Perde 5 anos por lá.
  Volta a Cambridge, consegue o doutorado e vira professor de filosofia na universidade. Agora já com sua homossexualidade assumida ( para si mesmo, ele foi assexuado até depois dos 30 anos ). Sofre por não ser pai, sofre por ser judeu, sofre por não confiar nas palavras, sofre por sua família esquisita, sofre por crer em Deus. Briga com seus antigos mestres, chama-os de ultrapassados, conquista seguidores em Cambridge, mas nunca é feliz.
  Sim, é um belo personagem. Mas Duffy fala muito mais de Bertrand Russel e de Moore. Sua intenção é exibir Wittgenstein por contraste. Mas Russel é tão odiável!
  Para quem não sabe, Bertrand Russel foi o filósofo mais famoso do mundo entre 1900-1960, e mesmo quando Sartre vira estrela, ele continua sendo um nome mundial, uma estrela da mídia. No começo ele foi o Papa da Lógica, o ateu furioso, o homem que ia unir a razão da filosofia à razão da matemática. Mas, com Wittgenstein seu tempo como pensador passou e então Bertrand Russel, gênio da comunicação, passa a ser o Rei do pacifismo, da educação ultra liberal, do Paz e Amor, do sexo livre. Russel viveu 99 anos, filho de condes, morreu só em 1972, e nos anos 60 ainda participava de passeatas hippies. Mas, com tudo isso, ele era um chato. Vaidoso, conquistador de mocinhas tolas, obcecado com a aparência, materialista extremado, ele era um personagem muito menos interessante que o austríaco. E o livro, de suas 650 páginas, gasta mais da metade com ele.
  Quanto a Moore, um pacato filósofo lógico, também famoso, pacato pai de família, tímido, são gastas tantas páginas quanto com Ludi. Pena.
  Wittgenstein nos deixou cerca de 300 páginas escritas por si mesmo. Muito pouco. Uma pena. Ele percebeu que a linguagem guarda o segredo da alma. Percebeu que a razão é uma criação artificial de filósofos iluministas. Que o homem não é racional. Que a linguagem não é racional. Que Deus não é razão.
  A lingua não fala e não consegue falar daquilo que é mais importante´: ética, Deus, infinito, tempo, misticismo. Por isso o jogo. Palavras são peças de um jogo. Jogamos com regras fixas e assim procuramos nomear e comunicar tudo. E acabamos por não comunicar nada. Por isso ele se isolava. Por isso escreveu pouco. Ele sabia que as palavras nada podiam dizer. Que a verdade é silêncio. 
  Um exemplo simples: Eu tenho dor de dentes.
  Primeiro: eu na verdade não tenho a dor. Segundo: posso estar mentindo. Terceiro: minha experiência de dor, aquilo que chamo de dor, pode ser absolutamente diferente da sua. Quarto: o que dói pode não ser o dente. Pode ser o nervo do dente, a gengiva, a coroa, ou até mesmo uma dor mental. Quinto: toda essa frase nada diz, é portanto, não lógica.
  Como então expressar essa dor...se nem mesmo a dor é minha, ela se dá.
  Talvez: A dor que parece ser em meus dentes surgiu em mim.
  Depois de conhecer Wittgenstein voce nunca mais lerá como sempre esteve lendo.

 

CRIANÇAS

   Um guru diz que a felicidade relativa, aquela que podemos ter, pode ser alcançada quando executamos o trabalho para o qual fomos feitos. Toda a infelicidade vem de se viver dentro de um trabalho errado, inapropriado. O guru diz que nosso verdadeiro trabalho é indicado por aquilo que queríamos fazer quando crianças.
   Acho tudo isso uma bobagem. Primeiro porque crianças mentem muito e costumam mentir inclusive para si mesmas. Se voce acha chocante eu dizer isso, substitua mentir por criar. Elas criam verdades porque ainda não foram colocadas dentro do box estreito da realidade "verdadeira". Elas ainda sabem que a mentira pode ser uma grande verdade. Mas...
  Eu queria ser cientista. Isso lembro muito bem. Mas para mim, com 7 anos, ser cientista era misturar líquidos e criar monstros. Então posso hoje afastar a palavra mentirosa: cientista, e dizer que o que eu queria era misturar líquidos e criar coisas. Um tipo de alquimista. É o que faço aqui em forma de palavras.
  Mantenho a opinião de que o guru falou bobagem. E ao mesmo tempo, digo que como todo homem que fala a língua da autoajuda, há alguma verdade na bobagem dita.
  O problema é que as pessoas tendem a levar ao pé da letra aquilo que é dito e então pensarão, perigosamente, que desejar ser bombeiro aos 7 anos é querer ser um bombeiro; quando na verdade é querer mexer com fogo, ter uma vida perigosa. Ou ser útil para todos os outros.
  Gurus falam simples demais. É bom cavar debaixo do banal.

trombone com vara: A GNOSE....POESIA, EXISTÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA

trombone com vara: A GNOSE....POESIA, EXISTÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA: Voce escravo do tempo. Que segue as horas em seu incessante antes e depois. Seguidor de dogmas e reduzindo tudo a explicações simples e sim...

leia e escreva já!
   O CICLO DO PAVOR de Mario Bava
Bava hoje tem o status de ser cult. Bobagem. Ele é apenas um diretor ruim. O povo cult tem um desejo imenso de descobrir novos nomes e nos anos 80 encontraram este italiano, autor de filmes de horror gore. Se voce tiver muito bom humor dá até pra rir, mas é um filme ruim. Fala de um cara que chega numa cidade maldita.
  LOBO SAMURAI de Hideo Gosha
Feito em 1966, este maneiroso filme de samurai já apresenta influências do western italiano. Música alta e gritante, ângulos de câmera ousados, violência gráfica. Um samurai solitário e pobre chega a cidade e resolve a vida de uma moça cega. Engraçado que foi Kurosawa, com Yojimbo, quem criou o  molde de Leone e Clint, e aqui a influência volta ao Japão. Este é um filme barato, mas divertido.
  DERSU UZALA de Kurosawa
Em 1974, em crise moral, esquecido no Japão, o mestre foi à URSS filmar esta história simples e ecológica sobre um velho mongol que ajuda soldados russos na Sibéria. É um filme belíssimo e franciscano. Percebemos Kurosawa em seu momento de renascimento. Dersu é como uma vela na noite escura.
  CIÚME À ITALIANA  de Ettore Scola com Marcello Mastroianni, Monica Vitti e Giancarlo Giannini.
Era 1976, e eu assisti este filme com meu irmão na TV Sharp nova. Engraçado como tem coisas tão distantes que a gente não esquece. Eu e ele nos apaixonamos pelo filme, por Marcello e por Monica. Lembro de ficar imitando Oreste, o tipo de Mastroianni aqui. Nunca mais o revi. E agora penso ser difícil o rever, pois é um filme feito em 1970, no auge da Itália comunista, de Gramsci. E, sim, o filme é sujo, filmado em meio a pobreza, entre operários, Marcello faz um comunista típico. Mas o filme é tão bom que sobrevive. Marcello ama Monica que conhece Giancarlo e trai Marcello. Os atores brilham de um modo comovente. Oreste é patético, burro, sensível, tonto, correto, humano. É talvez a maior atuação de Marcello, esse ator, esse italiano, talvez o maior dos atores em qualquer língua. Mas Giancarlo é sublime. Seu pizzaiolo, malandro ingênuo, nos conquista. É o melhor filme de Scola.
   PROFISSÃO: LADRÃO de Michael Mann com James Caan e Tuesday Weld.
O primeiro filme de Mann é seu melhor. Caan faz um ladrão de joias que aceita um último trabalho. Todo noturno, feito em 1981, este filme antecipa o cinema policial da década inteira e ao mesmo tempo resume os anos 70. É quase uma obra-prima. Fatalista, simples, seco, bonito, com um Caan brilhante. ( Ele foi uma estrela tão Grande quanto Pacino, De Niro e Jack ).
  CAÇADOR DE MORTE de Walter Hill com Ryan O'Neal e Isabelle Adjani.
Continuo vendo o box policial e encontro este filme de 1978. Ryan faz um calado motorista de aluguel. Bruce Dern é o policial que tenta o pegar no flagra. Ryan aceita um grande assalto e os dois jogam o gato e rato. Hill tem uma imensa influência do cinema japonês. Suas personagens são samurais em roupas ocidentais. É um bom filme. O roteiro tem furos, mas a gente relaxa e se diverte.
   O HOMEM QUE BURLOU A MÁFIA de Don Siegel com Walter Matthau e Felicia Farr.
Numa cidade pequena acontece um roubo a banco. E sem saber, o dinheiro que eles roubam é da máfia. Agora eles devem escapar da policia e dos mafiosos. Matthau é o ladrão. Siegel é o cara que fez Dirty Harry. O filme é um dos bons policiais dos anos 70. A trilha sonora de Dave Grusin é brilhante. Aquele funk sincopado com piano elétrico da época. Tempo das grandes trilhas sonoras. O filme é divertido pacas.
   OS AMIGOS DE EDDIE COYLE de Peter Yates com Robert Mitchum e Peter Boyle.
Peter Yates é o inglês que fez com Steve McQueen o genial Bullit. Este é um policial soturno. Nos extras eles dizem que este filme lembra Grisbi, a obra prima de Jacques Becker sobre um gangster velho e cansado. Não. Este é muito mais trágico. Mitchum é um ladrão assustado. Ele está cercado por delatores e ladrões fracassados. O filme é lento, pesado, duro. Mitchum faz a perfeição esse homem em fim de linha. Um quase morto. veja.