SOLIPSISMO

   Lembro de assistir nos anos 80 um filme de Woody Allen. Em certo momento, ele entrava em pânico ao imaginar que no mundo inteiro apenas ele existia. Que tudo a seu redor era imaginação. Que o mundo que ele conhecia, todas as ideias, toda a arte e todas as pessoas, eram frutos de sua imaginação. Que tudo que existia era ele.
   Sim, essa indagação filosófica é séria e é bastante intrincada. Se na indagação de Woody Allen percebemos apenas um tipo de narcisismo gigante, em MATRIX, de 1998, começamos a notar que a coisa pode ser mais profunda. O solipsismo  se transforma em sonho dirigido, o mundo todo seria apenas uma ilusão, mas não uma ilusão nossa, e sim uma ilusão deles.
   Eu acho que tinha 12 anos de idade quando, voltando da escola, tive uma ideia: que meus olhos viam apenas aquilo que eles já estavam prontos para ver. Que a vida era como um filme, e que tudo aquilo que não fizesse parte do filme: os técnicos de estúdio, os camarins, a rua lá fora...Não podia ser visto por meus olhos. Eu criava o filme, mas esse filme tinha um limite físico: a capacidade física de meus órgãos sensoriais.
  Não confunda esse sentimento, esse pensamento, com a caverna de Platão. Na caverna vemos as sombras do mundo ideal. O mundo da verdade. No mundo do solipsismo, NADA PODE PROVAR QUE A CAVERNA NÃO SEJA UMA CRIAÇÃO MINHA E QUE AS SOMBRAS SEJAM SONHOS MEUS. Nessa corrente de pensamento, voce não existe. Eu criei sua existência. E se voce me lê agora, não tem como saber que eu exista. Eu posso ser um sonho seu. O mundo digital dá uma enorme margem a essa filosofia. Voce não tem como saber se eu sou real. Se sou homem ou mulher. Posso mentir à vontade. Mas, no solipsismo, o próprio texto que voce lê é de voce mesmo.
  O mundo assim seria um espelho. Voce e voce.
  Digo sinceramente que esse modo de pensar me assustou um dia. Mas hoje não mais. Porque sei que o mundo existe fora de mim. Não posso, talvez, prova-lo pela lógica, mas o intuo. E apesar de ainda às vezes duvidar de que a Guerra dos Cem Anos ou Ésquilo não sejam reais, de que o passado seja uma ficção, de que o mundo tenha começado comigo, sei que não criei Prometeu Acorrentado. E nunca teria a criatividade para inventar alguém como voce.
  Mas a gente pode ir adiante. E então entramos na parte mais profunda do solipsismo...
  Nossa mente é como um filtro, e isso tem sido cada vez mais provado pela ciência. Só penetra dentro de nossa mente aquilo que ela já fora programada para aceitar. É como se houvessem buracos na mente, todos quadrados, e só os quadrados fossem aceitos por ela. Tudo que fosse redondo, triangular...seria ignorado. Passaria ao largo da mente.
   Esse é um tipo de solipsismo bastante aceitável por ser bastante lógico. A lógica de não se poder aceitar e participar do universo ilógico.
  Pressentimos a presença desse outro mundo, o universo que nossa mente não capta, e nesse momento nos assustamos. Essa estranha percepção pode se chamar intuição ou inspiração, ou ainda êxtase. Essa sensação dá raiz a coisas como religião, poesia, arte. Todas são linguagens que lutam para expressar aquilo que fica fora da lingua, da mente, do mundo como o podemos perceber de forma sólida e temporal.
  Há que se dizer que nada que não seja extenso e temporal pode ser imaginado ou visto por nossa mente. Se o universo é infinito, ele não é infinito apenas em tempo e em extensão; ele é infinito em forma e em possibilidades. É isso que a física começa a entender. O ilógico deve existir dentro do infinito. Ou que se aceite a finitude do tempo e do espaço.
  Voltemos ao solipsismo mais chão.
  Quando senti essa possibilidade, a da solidão absoluta, eu estava na verdade sentindo a solidão de existir no mundo. 12 anos é uma boa idade para esse primeiro choque. O cordão umbilical se partindo em sua forma espiritual. Mas nunca nada é apenas uma coisa, e então há nesse sentimento infantil, infantil no sentido de simples, direto, honesto; a raiz de um problema eterno: como vivenciar a vida do outro e do universo. Como se ligar a outra vida.
  Se Descartes quer entender e provar sua existência; ao solipsismo a inquietação é a de provar a existência de vida fora do eu. Descartes nunca me disse nada porque minha questão sempre foi o outro. Estou saturado de eu e pobre de voce. E penso que essa será cada vez mais a questão de todos: Voce existe...Onde está voce....como sentir o que voce sente e pensa...Prove-me que voce é real... ( Não é engraçado que essas são as questões que jogamos para Deus!!! ).
  Uma amiga se inquieta com esses pensamentos. Fica perturbada. Não há por que, amiga. A busca da verdade do outro é uma busca muito mais fértil que a busca masturbatória do eu. Procurar na vida e no mundo a prova de que voce não está só.
   Não conheço mais bela jornada.

HG WELLS.....CAGE THE ELEPHANT....CARROS

   Todos os carros no estacionamento são pretos, brancos ou cinzas. Não sei para onde foram as cores. Parece haver uma certa timidez colorida. É como se tivesse sido imposto a todos que um carro colorido é um alvo. Os carros devem ser anônimos nas ruas. Não atrair ladrão. Não se destacar para a foto da multa. Sei lá....
 Cage The Elephant é um monte de riffs do CHIC com swing branco. O cantor se joga como Iggy Pop sem raiva e Mick Jagger sem sexo. Divertidinho. O povo que assiste é todo sorrisinhos. Rock virou coisa de gente contente. Ou deprimida. Nunca perigosa.
 HG Wells escreveu A MÁQUINA DO TEMPO que eu reli agora. Sua previsão era a de que todos nós íamos virar Eloys ou Morlocks. A classe média, protegida e preguiçosa, acabaria amolecendo e virando o gado dos operários, que por viverem em condições animalescas, se tornariam monstros comedores de carne humana.
 Ele não tinha como adivinhar que os operários se tornariam classe média. Todos viraram gado. Os Morlocks do futuro podem vir do Oriente. Seremos docilmente dominados.
 Cage The Elephant é trilha sonora de Eloys.
 

trombone com vara: A SERPENTE DE ESTRELAS de JEAN GIONO. ZORBA, VENTO...

trombone com vara: A SERPENTE DE ESTRELAS de JEAN GIONO. ZORBA, VENTO...:    Era fim de tarde. Era março, 1993. Mesa a calçada, cervejas sobre a mesa, todos os amigos já haviam partido. Ficamos eu e Fabio. Ele bêb...

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PRA ONDE FORAM TODOS ESSES CARAS...

   Uma das coisas mais bobas que a gente pode ver hoje é o povo em um show de rock. Falo dos grandes shows, tipo festival ou arena. É uma multidão de pessoas limpinhas, bonitinhas, tirando fotos e gravando o seu prazer e a sua sorte por estar lá. Tudo fica parecendo tão posado como o show em si. Até a viagem de droga parece posada.
   No futebol a coisa ficou ainda pior.
   A gente ia ao campo pra ver o jogo, claro. Mas principalmente pra ver a torcida. Quem entrou no Morumbi com 120000 pessoas e uma floresta de bandeiras, faixas, confete e tambores sabe do que falo. Mesmo o jogo mais ridículo, e eram muitos, virava festa. O ingresso custava o preço de uma Coca e um hot dog. A loucura era free.
  Escrevo isso após dar mais uma lida no Febre de Bola, do Nick Hornby. E posto um dos jogos ícone dele: Leeds e Arsenal em Wembley. Mesmo no frio Wembley a gente sente a energia. E os jogadores, todos com rostos de loucos ou de caminhoneiros, dão o sangue para estar ali. A violência corre solta e eu não a defendo. Mas há algo de visceral nesse jogo selvagem e bretão, jogo que hoje só podemos ver na várzea. E pra onde foram esses garotos desdentados na arquibancada, os mesmos que formavam bandas de rock sujas, jogavam bilhar nos pubs e trabalhavam nas minas de carvão...
  O futebol hoje é melhor jogado. Mas ao mesmo tempo ele tem uma limpeza, pretensão à classe alta, terminologia classe média, que fez dele um tipo de show da Broadway, exatamente o que aconteceu ao mesmo tempo com o show de rock. 
  Nick Hornby fala muito dos Buzzcocks, e eles, a banda, tinha dentes horrorosos e caras feias. Vejo num video que o ponta esquerda é banguela ( do Derby County, campeão êm 1972 ).  Hornby fala que fãs de rugby ouviam Mozart. Os de futebol ouviam soul music e pegavam em seios de meninas.
  Bem...hoje nem todos ouvimos Mozart. E não pegamos mais em seios de meninas. Mas todos nós somos torcedores de rugby. Isso sim é verdade.

Leeds United vs Arsenal FA-Cup final 1971-72



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FEDERICO FELLINI - FAZER UM FILME

   O melhor do livro é a homenagem que Fellini faz a Totó, o genial cômico italiano. Por mais que se elogie Totó, ela é ainda maior.
 Não é um bom livro. A longa introdução de Italo Calvino é muito melhor. Calvino fala de suas memórias com o cinema dos anos 30 e consegue explicar porque o cinema americano desse tempo é tão mítico. O modo como ele descreve as estrelas e seu poder sobre nós é sublime.
 Mas Fellini tem outro tipo de abordagem. Ele escreve sobre seu ego, seus sentimentos e nunca sobre seus filmes ou sua vida. E assim, acaba por nos cansar. Uma pena. E felizmente ele reconhece que não consegue falar sobre os filmes porque ele só se recorda do que sentia enquanto os fazia, e não da história das filmagens em si.
 Já esquecia que além de Totó, Fellini conta sua experiência com LSD, frustrante, e seu respeito por Jung, um psicólogo que libera a união e não prega a divisão entre alma e corpo, sonho e realidade, desejo e medo.
 Lemos todo o filme e nada ficamos sabendo sobre o homem Fellini.
 O cara que fez 4 dos melhores filmes da história se esconde.

MEL GIBSON...MARTIN SCORSESE...KIRK DOUGLAS...MILESTONE

   ATÉ O ÚLTIMO HOMEM de Mel Gibson com Andrew Garfield, Vince Vaughan
E aqui temos Andrew Garfield de volta ao Japão, de volta a questões cristãs, sofrendo pacas outra vez. Parece que ele fez um tipo de treino aqui para depois fazer o filme do Scorsese. Mas, falando a real, ele está excelente nos dois. São papéis difíceis, que poderiam cair facilmente no exagero ou então na frieza blasé. Ele acerta o ponto. Agora falando do filme. Ele é excelente. A violência, de que tanto se falou, nunca é abjeta. Antes, é bela. O fogo, o sangue, a terra seca, tudo é esteticamente tratado. E têm uma função, um porque: existem para mostrar a miséria da carne, o vazio que há em tudo que é matéria, apenas matéria. Felizmente há no fim no filme os depoimentos das pessoas reais, dos que lá estiveram. Pois o que Desmond Doss fez foi um milagre. Um desses milagres que só quem não quer perceber não vê. Sua ação foi mais incrível que aquelas de qualquer personagem Marvel ou DC. Porque ele não tinha superpoderes e nem era um mutante. Era alguém como eu e voce, e fez aquilo que eu ou voce não faríamos. Gibson não erra. O filme tem o ritmo exato e as cenas familiares são excelentes. De ruim, e é uma pena, a trilha sonora melosa, invasiva, forçada. Ela dá ao filme uma melosidade que ele não tem. Penso que se feito em tempos menos lobistas teria ganho seu Oscar.
  SILÊNCIO de Martin Scorsese com Andrew Garfield, Adam Driver e Liam Neeson.
É uma obra de arte feita por uma pessoa adulta. E como tal deve ser julgada. Não é um filme belo. Ele é árduo, duro, difícil e nos deixa muitas vezes sem saber o que pensar. Afinal, Scorsese defende os jesuítas ou não...Martin é adulto. As questões não são simples. São complexas. O filme, magistral, é inesquecível. ( Mais comentários abaixo ).
  MANCHESTER A BEIRA MAR de Kenneth Lonergan com Casey Affleck
Falo deste filme abaixo. E explico porque ele é tão fraco. Tanto que o vi faz uma semana e já não recordo do que trata.
  ENVOLTO NAS SOMBRAS de Henry Hathaway com Lucille Ball, Clifton Webb e William Bendix
Armações. Um filme noir sobre uma trama de um marido que deseja matar sua esposa. É uma rede de mentiras que nos envolve. O filme tem ritmo, quase todo noturno e soturno. Fascina o modo como as coisas vão se encadeando, o tipo de personalidade má dos personagens, as ruas suspeitas e os escritórios sujos. É quase uma obra prima de um diretor que filmou muito e acertava quase sempre.
  O TEMPO NÃO APAGA de Lewis Milestone com Barbara Stanwyck e Kirk Douglas.
É o primeiro filme de Kirk Douglas. Feito em 1947, ele faz um homem fraco, mimado, que se casa com uma mulher rica, ambiciosa, e depois procura domina-la e não consegue. É um bom filme. Drama novelesco sobre a maldade. Milestone fez uma obra prima, Nada de Novo no Front.

SILÊNCIO...O MAIS DURO FILME DE MARTIN SCORSESE.

   Cada vez menos gente sabe história, então conto aqui o contexto do filme: No século XVII, com medo do protestantismo, Roma dava força total aos jesuítas. Os jesuítas foram uma criação do século XVI que visava converter almas. Guerreiros de Deus, sua missão era levar a fé para o máximo de pessoas pagãs. Assim, eles se espalharam pelo mundo. Futuramente, o próprio catolicismo os tornaria proscritos. Portugal, país ocidental que primeiro tocou o Japão, tomou para sí a missão de catequizar os japoneses. No fundo dessa questão havia o desejo de provar aos protestantes que a igreja de Roma era a verdadeira. Para os marxistas, que tudo gostam de simplificar, tudo era mera questão de mercado. Mas não era só isso. Na verdade o cristianismo começava a duvidar de si-mesmo. Converter era um modo de reafirmar-se. Mas, e o filme mostra isso também, ao ter contato com outras culturas, o jesuíta entrava em questionamento. E, se forte, saía com uma nova certeza.
  Scorsese consegue mostrar tudo isso. E sem nunca parecer didático. O filme, feito sem orgulho, sem espetáculo, humilde, simples e extremamente triste, é difícil de assistir. As cenas de sofrimento são insuportáveis; as torturas absurdas e revoltantes, a dor se espalha por todo lado. Mas Scorsese é honesto. Ele mostra, exibe, fala, e nunca se exibe. O filme é isento de "arte". É uma obra de fé.
  Generoso, o filme pode ser visto como refutação de Deus. Passamos quase 3 horas com o desespero da dúvida. Deus não fala, tudo é dor e silêncio. Mas há o final...O belo e exato final. O fim do filme tudo clareia. Não o contarei. Que assista quem puder.
  O tema do filme é, percebemos então, a humildade. Todo mal vem do orgulho e da vaidade. E um homem só percebe isso quando é humilhado. Scorsese dá uma esperança a nós, seres vazios do século XXI. Na figura do japonês tolo, aquele que peca sem parar e se confessa após cada erro, vejo a nossa época. Somos todos aquele traidor. Todos tentamos manter o que podemos dos dois mundos: o mundo da alma e o mundo da carne. Não somos de todo maus. Apenas confusos e covardes. Ou, é isso que o filme diz, filhos favoritos.
  Para não revelar o final do filme falarei que Bergman tem um filme chamado O Silêncio. Nesse filme um padre se mata por não poder ouvir Deus. Bergman, que foi um homem de fé que acreditava não a possuir, fez um filme que o trai. Ele não tem final. Fica em suspenso. Já Scorsese repete esse desespero. Mas vai além e lhe dá uma nota final. O americano aceita sua crença ancestral. Bergman, sempre adolescente genial, não pode fazer isso. Bergman, que eu adoro, morreu ainda adolescente. Scorsese atinge a velhice. Reconcilia-se.
  Para mim, sangue luso que passou 40 anos brigado com meu passado, o filme mostra além de tudo, mais um dos brilhantes desastres portugueses. Por insistir em catequizar, os lusos perdem o Japão para a Holanda, que desejam apenas vender e comprar. Portugal, um dos mais complicados dos países, não pode e não quer apenas vender. Ele precisa batizar, salvar, mudar a alma do Japão. E, como o filme mostra, os lusos não percebem que um japonês não é um europeu. Ele vê o mundo de outra forma.
  Essa a grande chave do filme. E é a imagem que fica, que me ficou entre lágrimas. Um japonês não consegue ver o mundo sem o molde budista-taoísta. Para ele Deus é a natureza e as estações. Um tipo de nada anímico. Pois para nós, mesmo nós, materialistas herdeiros do ocidente, tudo sempre é tocado por um Deus único e humanizado, que se sacrifica e morre, e ressuscita e pode falar conosco. Essas imagens conduzem a cultura. Inclusive da ciência. Da história. Dos nossos sentimentos. O renascer é a condição de todo herói. E de cada homem vivo.
  Nós sabemos disso. Tudo nos é familiar. E talvez, Scorsese diz isso, sejamos parte da Verdade. O Silêncio da natureza é a voz de Deus.
  Perto deste filme, falho e chato, lindo e inesquecível, todos os filmes do Oscar são obras de crianças.
 

MANCHESTER A BEIRA MAR - KENNETH LONNERGAN.

   Italianos que emigraram para o Brasil eram mais italianos que os que ficavam na Itália. O mesmo acontecia com japas, alemães e poloneses. E seus descendentes, muitos deles, mantém ainda hoje tradições que na Europa e Asia se foram faz tempo. Este filme é profundamente irlandês. Todos são irlandeses, Boston é uma cidade irlandesa e irlandeses americanos têm orgulho de suas raízes. Por isso o filme me lembrou muito Ken Loach. Com uma diferença cruel: Loach tem uma fé. Este filme, filho típico do momento atual do cinema americano, não. Loach crê na amizade e na comunidade. Comunista antigo, ele não crê em nada de invisível, mas transferiu sua religião para Marx. Marx ao estilo anos 50, humanista, sonhador, assumidamente utópico. Por isso o respeito muito.
  Tire de um irlandês sua fé em Deus e na família e voce terá um boneco vazio. Ou um gênio construtor de arte. Casey Affleck é um boneco vazio. O filme é um roteiro vazio. Não há uma gota de verdade nele. Lonnergan afetadamente pensa estar nos mostrando "vida como ela é". Só parecerá vida real para aqueles que nunca viveram. O personagem central, deprimido, tem uma vida de roteiro. O filme caminha dentro de um óbvio frio dramático cool distanciado. E o ator, sem nada para fazer, anda pelos sets em sono eterno.
  O final do filme é emocionante. Mas é uma emoção barata, digna de programas que dão casas para os pobres. Eu sou humano, me emocionei, mas minha inteligência se revoltou. O filme é barato no pior sentido. O roteiro é barato. O ator é barato. As situações são baratas. As cenas, nunca indo até o fundo, são covardes. Não só Loach, Mike Leigh faria maravilhas em certas cenas. Eles não a cortariam. Deixariam o drama acontecer. Aqui cortam tudo. São vinhetas a procura de vida.
  O cinema hoje é isso: filmes de ação e filmes de desação. Não há meio termo. Quase não há. Quando há, o público, desacostumado a filmes sem rótulo, não os assiste. Filmes Marvel têm seu público. Filmes como este, têm seu público. Filmes que unem os dois mundos, ou que tentam fazer a tal "arte" sem parecer mortos e frios, não encontram público nenhum. Acabam por ser considerados muito POP pelo público da rua Augusta, e muito pobres pelos frequentadores de shopping. ( Penso no ótimo filme com Jeff Bridges como exemplo ).
  E é isso.

EDMUND BURKE, REDESCOBRINDO UM GÊNIO - RUSSELL KIRK

   Uma verdadeira democracia é aquela que une as vontades, sonhos e costumes, daqueles que vivem numa nação, mas também daqueles que viverão e viveram lá. Toda revolução tenta apagar o passado, destruir os costumes, refundar um país; e todo o futuro, nessas revoluções, é planejado não na experiência e sempre em ideias abstratas. A Europa é o resultado do trabalho, dos sonhos e das lutas de pessoas reais, e a história é a adaptação, através de erros e acertos, de pessoas com pessoas. Não há uma evolução histórica rumo ao melhor, o que há é um constante ir e vir, tentar e tentar de novo, avançar e recuar, acertar e desistir. Pensar a politica em termos filosóficos e abstratos é flertar sempre com o desastre, pois cada homem e cada evento não pode ser reduzido a uma tese ou a uma fórmula pré fixada. O reparo de injustiças se dá pelo respeito à lei, pela evolução lenta e segura, pelos hábitos consagrados.
  Esses são alguns dos pensamentos de Edmund Burke, advogado, pensador e politico irlandês do século XVIII. Contemporâneo de Rousseau e de Voltaire, ele os nega em quase tudo. Burke diz que foi o cristianismo que criou a Europa e que é ele que mantém a Europa unida, descrê da teoria de Rousseau,( que diz que o homem natural é bom, a sociedade é que o corrompe ), e prega a negociação, o ajuste, o escutar a experiência passada como única forma de evolução.
  Burke nasceu na Irlanda mas toda sua carreira foi feita em Londres. A vida pessoal dele não foi interessante. Casou, teve um filho, viveu confortavelmente porém com crises financeiras, morreu nem um pouco mais rico do que nasceu. Russell Kirk, o maior conservador americano, ele próprio um tipo de Kirk do século XX, se detém em suas ideias, seus feitos. Burke é considerado hoje um dos maiores oradores da história inglesa, o fundador dos modernos partidos trabalhista e conservador ( ele uniu credos desses dois partidos ), e dono da visão que salvou a Europa da loucura do jacobinismo.
  A primeira luta de Burke, no parlamento, foi na questão da independência americana. Ele via o novo país como um possível aliado da Inglaterra. Queria lhes dar um status de "território livre". Mas o rei, George III partiu para o confronto. Foi a primeira das várias derrotas de Burke.
  Em seguida houve a questão da Irlanda. Burke queria emancipar os católicos, permitir que fossem eleitores e candidatos. Perdeu de novo. E ele, que era protestante, passou a ser visto como um tipo de papista-jesuíta.
  Depois procurou botar na prisão o governador inglês da India. Demonstrou a corrupção que lá havia. Mas perdeu o julgamento.
  Por fim, sua grande luta final foi contra a Revolução Francesa. Burke foi o homem que previu a ascensão do terror e depois da ditadura. Previu até o bonapartismo. Poucos o escutaram e a Inglaterra só percebeu o perigo no último instante. Burke morre no fim de seu século achando que os revolucionários chegariam à Inglaterra. Nunca chegaram. Graças a ele.
  Burke notou que na Inglaterra nunca houve uma revolução. Que a tal "revolução" gloriosa, de 1688, foi na verdade um movimento que evitou uma revolução. Em 1688 se criou o parlamento para se evitar um massacre. No século do iluminismo, o seu, Burke logo percebeu que o filósofo via a politica como coisa abstrata, como elementos de um jogo matemático, onde as pessoas eram apenas um detalhe e não algo a ser considerado.
  Burke notava que a Inglaterra e os nascentes EUA tinham em comum a aversão a revoluções. Isso porque ambos tinham um enorme amor pelo seu passado, pelos costumes e hábitos populares. Ao criar o conservadorismo, Burke criou a teoria de que o que "é bom deve ser preservado, o que é ruim, melhorado". ( Russell Kirk diz que os EUA nunca se desintegraram no individualismo porque a religião os une sempre. )
  Burke perdeu em suas causas, mas ao perder foi criando toda uma herança de seguidores que fariam justiça a seu nome. Foi ele quem deu as bases para os partidos modernos ( Burke conseguiu, e isso foi uma vitória em vida, fazer vencer a ideia, então nova, de que o partido deveria ter mais força que o homem eleito. ) E foi Edmund Burke também quem criou, com Tocqueville, as linhas gerais do que seria o conservadorismo e o liberalismo. ( O liberal pensa em termos de novo e obsoleto. O conservador em termos de valor e de tradição que venceu o tempo ).
  " O homem, enquanto indivíduo, é limitado pelo tempo. Por mais genial que ele seja, sua curta vida o impede de conhecer muito e de conhecer bem. Portanto devemos ter em vista a experiência da história, o depósito de conhecimento de todos os que vieram antes. A crença, o costume, o bem que se mantém por séculos é melhor e mais certo que a teoria de um simples filósofo."
  Para Burke era a religião um dos conhecimentos mais perenes. E instituições como a família jamais poderiam ser destruídas, pois sua destruição seria o fim da civilização. Burke notou ainda que os "novos filósofos" usariam a sedução da "liberdade total" para seduzir os jovens, liberdade ilusória, pois a única liberdade possível é aquela que institui a lei para a preservar. O pensamento de Burke é o do "mal menor", ou seja, usar a lei para garantir a liberdade, e usar a liberdade para vencer a tirania. A liberdade dentro dos limites da bondade, dos costumes, "daquilo que sempre foi e que precisa continuar sendo".
  Um livro, longo, com montes de artigos acessórios de pensadores atuais, excelente.
  Escrevo agora um PS: Nascido no Brasil, um país onde tudo é preto ou branco, cresci com nojo da palavra conservador. Para mim, conservador era um velho com mal humor e prisão de ventre. Pois aqui, após a ditadura militar, TUDO o que não fosse esquerda seria muito velho e muito ruim. Tolo preconceito...Eu, que sempre amei o que já é conhecido, consagrado, o que venceu o tempo, sempre tive um temperamento conservador, desconfiado de novidades, modas, reformas apressadas, revoluções eufóricas.
  Demorou, mas achei minha turma.
 

trombone com vara: PINHEIROS

trombone com vara: PINHEIROS:    Pinheiros sempre foi sujo. E todas as minhas lembranças antigas são em chuva ou garoa. O frio cortante do fim de tarde em que meu pai tr...

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ZOOTOPIA....JERRY LEWIS....DANNY KAYE....WIDMARK...HESTON....

   MIDWAY de Jack Smight com Charlton Heston, Henry Fonda, Toshiro Mifune, Glenn Ford, Cliff Robertson, Pat Morita, Robert Mitchum, Robert Wagner, Erik Estrada, James Coburn.
Nos anos 70 superprodução era assim: filme com muito astro. De todos esses grandes nomes, só Heston e Fonda têm bons papéis. Coburn mal se vê e Mitchum tem apenas uma cena...O filme, longo e chato, fala da batalha que virou a guerra do Pacífico. As cenas de aviões são boas. O resto é um apanhado de clichés.
   O BAGUNCEIRO ARRUMADINHO de Frank Tashlin com Jerry Lewis, Glenda Farrell.
Jerry fez 91 anos esta semana. Vi este filme dúzias de vezes quando era criança. Passava direto na Sessão da Tarde entre 1975-1982. Jerry é um faz tudo numa clínica psiquiátrica. O filme envelheceu. Comédias só não envelhecem quando são geniais. Este não é. Mas tem bons momentos. Tashlin era um diretor amado pelos franceses. Ele começou como animador dos desenhos da Warner.
  O INSPETOR GERAL de Henry Koster com Danny Kaye.
A peça de Gogol vira filme americano. E não é ruim. Kaye é um vagabundo que é confundido com um fiscal da Coroa numa vila russa dos anos 1800. O texto de Gogol mal é aproveitado, o que se usa é seu tema geral. Agradável.
  BEIJO DA MORTE de Henry Hathaway com Victor Mature, Richard Widmark e Brian Donlevy.
Widmark virou estrela neste seu primeiro filme. Ele faz um assassino, com um sorriso inesquecível. Mature é um ladrão que para sair da prisão passa a dedurar seus comparsas. Dentre eles Widmark. Hathaway fez uma tonelada de filmes numa longa carreira. Vários de seus filmes são excelentes e ele sempre foi um diretor classe A. Este filme, escuro, pessimista, é excelente! Tem de ser visto e juro que não envelheceu um só dia. Até mesmo Mature está bem.
  ZOOTOPIA
Nem chega perto de ser ruim. Mas há algo de decadente neste desenho. Ele é estranhamente comum...parece um filme com atores, não ousa, não decola...É ok...mas me parece sem motivo, sem porque...

THE WHO LIVE AT LEEDS...O ABSOLUTO DESASTRE!

   Eu sei que voce ama este disco. Sei que é um clássico. E concordo que o WHO é uma das 5 melhores bandas da história...Mas poxa vida! Keith Moon estraga todas as músicas deste disco! Ele acelera e desacelera, nunca mantém a batida. Ele castiga os pratos sem parar um segundo. Faz barulho. Seu compromisso é com o show, não com a batida.
  Tenho um amigo de 70 anos que viveu 20 em Londres. Viu 3 shows maravilhosos do WHO. E nos 3 Keith Moon fez trapalhadas. Ele conta que o público estava sempre tão louco quanto Moon e que por isso adoravam. Mas que hoje ele não seria tolerado.
  Keith Moon teve a sorte de contar com o melhor baixista ao seu lado. Entwistle melhora as músicas ao vivo. Segura o beat. E há Roger, um dos raros cantores do rock que nunca desafina ao vivo. NUNCA. E Pete, que ao contrário de Keith, percebe seus erros, que são muitos, e imediatamente, e de forma genial, os concerta transformando-os em ritmo.
  A imperfeição do WHO é tão charmosa quanto a dos Stones. Mas os erros dos Stones nunca são rítmicos. Charlie é um relógio. O tempo está sempre acertado. Quem erra é Mick e Richards, e seus erros não irritam nunca, porque a batida permanece. Eles podem errar à vontade. Charlie aprendeu isso no jazz: baixo e batera não podem se perder. Nunca. São o alicerce da obra.
  Moon erra. Todo o tempo. E nas raras vezes em que se acerta, logo é tomado pela fúria, e volta ao erro.
  Um grande baterista em potencia. Que perdeu a disciplina. Mitch Mitchell era melhor. Ginger Baker também. ( Para falar apenas dos "estrelos" de seu tempo ).

VITIMAS

   Um livro de Dalrymple em que ele explica o sentimentalismo do mundo de hoje. O fato de que pensamos com os sentimentos, o que não é pensar. Julgamos tudo por aquilo que sentimos. O ato de pensar com a razão, com a lógica, se perdeu. Analisamos com o coração. E só com o coração.
  Nesse mundo sentimental, tudo é inocência. Temos pena. Muita pena. Rousseau e os românticos trouxeram a ideia de que todo homem é por natureza inocente, bom e pacífico, e que a sociedade o corrompe. Daí a ideia geral de que a vítima é o nobre do mundo da bondade.
  Hoje todos são vítimas e ninguém tem culpa nenhuma sobre coisa alguma. A condição de vítima se tornou mérito.
  Dalrymple cita Sylvia Plath. Uma poeta ok, mas que se tornou mito por ser mulher, suicida, vítima do patriarcado, da repressão à mulher.
  Não li o livro todo ainda. Mas Dalrymple fala do óbvio que poucos percebem. De que a arte hoje se ocupa quase todo o tempo de vítimas falando sobre vítimas. E que mesmo a arte do passado é vista hoje sob a ótica do vitimismo. Desse modo, Mozart, que nada tinha de vítima, vira hoje um mártir do sofrimento. John Keats, um poeta feliz, é visto como um pobre sofredor que morreu cedo.
  Penso em gente como Jim Morrison, Cobain, Ian Curtis, James Dean, Marilyn, o que eles seriam se tivessem sobrevivido. Muito, muito de sua fama vem da sua condição de "vítima". Do que: da tal sociedade.
  Os montes de escritores cujo maior mérito é serem apenas filhos de um país pobre ou parecerem infelizes. Autores vítimas, assuntos sobre vítimas, leitores que se pensam vítimas. Todos inocentes.
  O cristianismo ( atenção: Dalrymple não é religioso ), fala em culpa, exatamente o oposto. Nascemos todos culpados e devemos fazer obras que nos livrem da culpa. O pensamento vitimista é seu oposto: nascemos puros e devemos nos preservar do mal que vem sempre de fora. Esse modo de pensar conduz, inevitavelmente, à indiferença. Olhamos o mal como algo distante de nós, algo que é "da sociedade", e o máximo que podemos fazer é ficar longe, não nos sujar.
  Nesse "não se sujar" surge a raiz da coisa: somos todos babys limpinhos, vivemos em um mundo que conhece um conforto jamais sonhado. E com todo filho mimado, culpamos sempre "a vida" por tudo de errado que fazemos, vemos, ou deixamos de fazer. Somos inocentes. E se infelizes, somos vítimas.
 A responsabilidade inexiste.
 E cultuaremos cada vez mais quem nos lembrar daquilo que somos: frágeis, infelizes, vítimas.

O LIVRO DAS VIRTUDES - WILLIAM J. BENNETT

   Ganhei este livro, usado, como foi combinado, de uma amiga querida. No Natal a gente combinou de se dar um livro lido, usado, querido. Ela, que o leu em 1995, me dá um volume que fala da virtude, essa palavra tão esquecida. Mais que isso, palavra odiada. Pois adolescentes odeiam obrigações, e nosso mundo teen odeia a palavra que lembra vagamente algum tipo de comando, de ordem.
  Cada parte do livro é uma virtude, e para exemplificar essa virtude, o autor reúne contos, lendas, falas que expõem o que a virtude significa. Desse modo, ler o livro é mais que aprender sobre a lealdade, a bondade ou a fé; é tomar doses pequenas de alguns dos mais belos textos já escritos.
  O que mais me impressiona, por não os conhecer, são os discursos de alguns líderes americanos. Thomas Jefferson escreve de forma maravilhosa, e sua visão da democracia e do que a América deveria ser, é insuperável. Martin Luther King e o famoso "eu tenho um sonho" ainda emociona. E Lincoln falando sobre a guerra civil inspira respeito e coragem. É um tipo de liderança, calcada na certeza da missão e na crença do certo e do justo, que não temos mais. Pois somos feitos no mar caótico da dúvida e não há como ter certeza de nada e em nada.
  O livro tem ainda, ao final, belos textos chineses sobre o Tao, e parábolas bíblicas sobre o dever e a submissão.
  Eis um livro bom para se ter no quarto. Deve ser lido aos poucos, sem ordem, aberto ao acaso, como amigo ou como chá e café.

O HOMEM DO OUTRO MUNDO

   Ele morou na Barra Funda. Numa pensão. Pegava bonde para ir ao cinema. Na sessão das 6, em salas da São João, Ipiranga, via os filmes de John Wayne, Gary Cooper, Rock Hudson e Gregory Peck. Trabalhava num bar. Cultivava um bigode e jamais saía de casa sem um paletó.
  Antes disso ele morara em Santo Amaro. No tempo em que o bairro era feito por quarteirões de casas classe média e outras áreas de fábricas. Acordava às 4 e de carroça entregava pão e leite nas casas. Fazia quase sempre neblina e o cavalo trotava preguiçoso no calçamento de pedra. Ele tinha uma carta de condutor de animais. O leite, em garrafa de vidro, ficava na frente da casa, com os filões de pão embrulhados em papel claro.
  Depois se mudara para cá, já casado, onde moraria com a irmã. Era uma casa entre morros de capim e mamona, a vista ia longe, quilômetros de distância. A oeste o Pico do Jaraguá e a sul as estradas para o Paraná e interior. O trabalho era distante, no Brooklyn.
  Esse mundo morreu a muito tempo. Morreu nos anos 70, com as dinamites, as empresas de demolição, as avenidas largas e o metrô. Meu pai não reconheceria a cidade se estivesse vivo e pudesse andar por aí. Tenho certeza que odiaria aquilo que Pinheiros virou, mas talvez gostasse do Brooklyn e da Barra Funda de agora. Mais que a cidade, homens como meu pai não existem mais. Ou estão em vias de sumir. Homens com papel definido a cumprir, homens provedores, homens pai. Conheço dois ou três amigos que ainda seguem bravamente esse roteiro. Mas eles são questionados e se questionam todo o tempo. Pois nosso tempo tem a ilusão de que se pode viver sem um roteiro. Ignora que não ter um roteiro é um tipo de roteiro ( que já ficou velho aliás ).
  Ao sair do cinema meu pai tinha a certeza de ser um cara legal. O Gary Cooper da avenida Ipiranga. E como ele, um monte de Garys Coopers voltavam para suas pensões com essa certeza. É um outro modo de ver o mundo. E por isso, era outro o mundo.
 

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trombone com vara: O TIGRE DA TASMÂNIA:    Quando tempos atrás andei lendo relatos sobre descobridores, os homens que desbravaram mares e continentes lá pelos séculos XVI ou XVII,...

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