UM ANO DE VIAGENS - FRANCES MAYES, ENTRE DEUSES, FLORES E MUITA COMIDA.

   É o terceiro livro de Frances que leio, e ela continua ótima. Não conheço ninguém melhor para se ler ANTES de uma viagem. Ela, com prosa elegante e nunca superficial, descreve paisagens com o dom do sabor e comida como aquarelista. Ela embaralha nossas sensações e faz de seus livros um tipo de menu sensível. Nada escrito com pressa, quando ela vê uma praia do Mediterrâneo, nos conta de deuses, de história, de casas e de gente que lá vive. É quase poesia.
  Este livro foi escrito muito após seus primeiros, e ela viaja de férias com seu marido poeta, Ed. Não é um ano de férias, na verdade são várias férias que aconteceram em anos diferentes. Frances, que vive metade do ano em San Francisco e a outra metade na Toscana, viaja para lugares onde sempre quis ir e nunca havia visitado. Ficamos sabendo de hotéis, camas, vinhos, ruelas, pessoas locais, igrejas, tradições, e muita, muita comida.
  A primeira viagem é para a Andaluzia e por 30 páginas, Mayes nos fala da paisagem árida, das igrejas que eram mesquitas. Ela se deslumbra com a beleza dos azulejos, o frescor das fontes, os touros. O clima aqui é quase místico. A cultura árabe é explicada, a beleza é aquela do oásis.
  Depois ela conhece Portugal. País que ela nunca pisara, sua primeira impressão é caótica. Mas ela logo se apaixona pelo modo de vida português. Lisboa a seduz, a comida a deixa viciada. A gentileza das pessoas, os mercados, e os arabescos das ruas. Viaja pelo interior português, e pensa em ficar para sempre no Minho. Flores, ovelhas, vinho, comida excelente, bom café, doces em toneladas. Portugal a surpreende. Uma mistura de celtas, romanos e árabes.
  Ela vai ainda ao sul da Itália, e se delicia com o humor caótico, o azul do mar, o melhor café do mundo. A presença dos deuses, do inefável em cada pedra, em cada flor.
  Vai à Inglaterra e à Escócia e lá sente o que significa CONFORTO. O campo britânico é a Terra da Paz. Tudo parece macio, calmo, pacífico, civilizado. O povo de lá, em séculos de cultura, conseguiu fazer da Terra um canteiro de rosas. Nenhum outro lugar do globo parece tão bucólico, sem perigo, sem riscos, sem aventura. No campo inglês, a vida é absoluto conforto e bem estar, sossego em suas salas com sofás floridos, vasos com rosas, almofadas com bosques e coleções de chaleiras. Jardins em círculos, rosas trepadeiras, lagos calmos e risonhos, tudo suave, delicado e parecendo sempre NATURAL. Lebres, raposas, esquilos, rouxinóis, ovelhas, e cães. Um inglês do campo se define em 3 palavras: rosas, bules de chá e cachorros.
  Ela vai á Grécia e se decepciona. Multidões barulhentas, sujas, nada pode ser visto com calma. Pressa, distância, nervosismo. Hordas de turistas. Gordos, suados, chateados, entediados.
  Mas ela vai à Creta no inverno e tem ali sua experiência mística. Os deuses do mar ainda vivem em Creta e tudo que as pessoas pensam encontrar na Grécia, na verdade mora na ilha de Creta. ( Depois escrevo mais ).
  Mântova e Capri, a mais linda ilha do mundo, os penhascos e as grutas...
  O azul e o branco do Mediterrâneo, vinho e azeitonas, sol e preguiça, queijos e frutas. O livro, imenso, é um gosto de vida. Um prazer solar. Mayes é demais de bom...

Sweet Charity - #Dance Scenes (The Aloof, The Heavyweight, The Big Finish)



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GÊNIOS DO CINEMA - GENE TIERNEY - FLYNN - BOGART - MACLAINE

   PATRULHA DA MADRUGADA de Edmund Golding com Errol Flynn, David Niven, Basil Rathbone e Donald Crisp.
Um dos melhores filmes de guerra já feitos. Na França de 1915, acompanhamos o dia a dia de uma base da RAF. Pilotos são mandados toda manhã para missões suicidas. Flynn, nunca melhor que aqui, comovente em seu estoicismo elegante, é o piloto que evita lamentações. Encara cada missão como um esporte e bebe como se fosse uma festa. Niven, excelente, é seu melhor amigo. O filme é pacifista e feito em 1938, encara a possibilidade de mais uma guerra. Este filme é nova versão de um filme anterior de Howard Hawks, feito em 1930. Sentimos ainda o foco que Hawks sempre dá a seus filmes, ou seja, a camaradagem entre homens que enfrentam uma missão dura. Nunca vi o original, mas imagino que seja mais lento e mais cheio de toques da vida comum. Golding foi um bom diretor e leva o filme para um tipo de drama que duvido que Hawks tenha tocado. É este um grande filme. As cenas de aviação são lindas, os aviões em malabarismos num céu sem fim e as manhãs em que eles decolam. Foi a última guerra em que os resquícios do cavalheirismo ainda existiam, creia, a cena com o alemão não é uma fantasia. Um belo filme sobre um valor esquecido: virilidade sem machismo.
   O PECADO DE CLUNY BROWN de Ernst Lubitsch com Charles Boyer e Jennifer Jones.
Este é uma obra-prima. O melhor filme de um dos grandes diretores do cinema. Lubitsch nasceu no império austro-húngaro e começou fazendo belos filmes chiques e maliciosos na Europa. Foi para Hollywood já famoso e poderoso e se tornou nos anos 30 um tipo de rei da Paramount. Mestre para diretores como Preminger e Billy Wilder, que o adorava. Morreu no fim dos anos 40 ainda antes dos 50 anos. Aqui ele tece uma sátira soberba ao sistema de classes inglês. O filme é maravilhoso. Os diálogos faíscam, os atores brilham, nosso prazer é completo. A história fala de um refugiado do nazismo que se aproveita da ingenuidade dos ingleses. Mas também fala de Cluny Brown, uma menina da classe trabalhadora, que sonha em ter uma vida melhor e ignora a divisão de classes. Seu pecado é ser da classe baixa, além de entender de encanamentos. O filme tem drama e humor e na verdade debaixo de todo riso ele é bem sério. Jennifer está adorável como sempre e Boyer dá uma aula de comédia elegante. Todo o filme é deslumbrante e serve como introdução a quem queria conhecer ao cinema de Lubitsch e também o cinema dos anos 30. Inesquecível. Já sinto desejo de o rever.
   A CONDESSA SE RENDE de Ernst Lubitsch com Betty Grable e Douglas Fairbanks.
Único fracasso de Lubitsch, é seu último filme. Ele estava doente quando o fez. Pura fantasia, conta a história de uma invasão a um reino da Itália. A condessa de Bergamo tenta convencer o invasor a partir e nisso é ajudada pelo fantasma de sua tatataravó. Há ainda um marido covarde. Não é ruim. Na verdade é leve, alegre, divertido. Uma atriz melhor melhoraria muito este filme.
  PASSAGEM PARA MARSELHA de Michael Curtiz com Humphrey Bogart, Claude Rains, Peter Lorre e Michele Morgan.
Mares em tempo de segunda guerra. Um navio francês recolhe náufragos. Ficamos sabendo sua história. São fugitivos da prisão. Irão se juntar à luta contra Hitler. O filme é completo. As cenas na prisão e a fuga no pântano são emocionantes. Fotografado por James Wong Howe, um mestre, ele tem riqueza visual. O elenco não podia ser melhor. É a turma de Casablanca metida em um navio. Uma aventura típica de Bogey, direta e muito bem feita. Ver Bogart na tela é sempre uma felicidade.
  ACONTECEU EM SHANGHAI de Josef Von Sternberg com Gene Tierney, Victor Mature, Walter Huston e Ona Munson.
Não dá pra ser pior. Este filme acabou de vez com a carreira de Sternberg. O descobridor de Dietrich, autor de cinco filmes originais e fantásticos nos anos 30, aqui, em 1941, encontra o desastre. É um filme mal feito, ridículo, feio, desagradável e hilário em seus diálogos inacreditáveis. Hoje virou cult, mas é bem ruim. Fala de um antro de jogo em Xangai. Centro de pecado, de sexo, de drogas. Tierney, inacreditavelmente linda, é uma inglesa rica que decai nesse centro de jogo. Vira prostituta. Huston é o pai. Ona é a cafetina, uma dona de bordel digna de carnaval. Mature faz um turco que seduz e usa mulheres...Nada faz o menor sentido. Creia, é pior do que voce imagina.
  CHARITY, MEU AMOR de Bob Fosse com Shirley MacLaine, Chita Rivera e Ricardo Montalban.
Bob Fosse já era famoso na Broadway quando fez este seu primeiro filme. Que foi um desastre de crítica e de bilheteria. Feito em 1968, Fosse só iria se redimir em 1972, com o super sucesso e os Oscars para Cabaret. A história é a de Noites de Cabiria. Bob Fosse sempre assumiu seu amor por Fellini, e presta a homenagem ao filme do italiano levando a saga da doce prostituta para a New York dos hippies. Em 1979 ele faria All That Jazz, o seu Oito e Meio. Shirley não é Giulieta Masina! A atriz de Cabiria não pode ser igualada. O desempenho da esposa de Fellini é o maior da história dos filmes. Ainda mais quando sabemos que Giulieta na vida real é uma mulher elegante e sofisticada. O oposto a Cabiria. Shirley é uma estrela e uma boa atriz, mas aqui seu desempenho vira caricatura e o filme afunda. Ela é uma prostituta que se apaixona pelos caras errados. Montalban é o ator famoso, e depois dele vem o desastre com um rapaz que parece de bom coração mas que tem preconceitos. O que de melhor há no filme, claro, são as canções de Cy Coleman. São todas belíssimas! E as cenas de dança, com a coreografia de Bob Fosse. O homem foi um gênio, o único até hoje a ter ganho no mesmo ano o Oscar, o Emmy e o Tony ( cinema, TV e teatro ). Além do Globo de Ouro ( tudo em 72, por Cabaret, Liza com Z e Pippin ). Todas as danças, leves, modernas, ousadas, sexy, são fantásticas e suas coreografias foram imitadas desde então. Repare na cena que posto acima. O modo como todo um modo de vida, uma moda, um comportamento é satirizado sem uma só palavra. E observe em como Fosse faz as mãos, os braços e até os dedos dançarem e falarem. É coisa de gênio!!!! O filme, cheio de falhas, tem de ser visto. E confesso que a cena final me fez derramar uma inesperada lágrima. Cabiria é uma personagem tão magnífica, que mesmo no filme errado, e com a atriz errada, ela acaba nos pegando. Veja este filme!

 

COISA NOSSA.

   Nem a guerra do Paraguai nos uniu. Brasileiros jamais se uniram pelo amor. Seja amor á vitória, seja amor a uma causa. Mas o ódio nos une. Hoje estamos unidos em dois blocos, um sentindo ódio pelo outro. É uma forma inferior de união.
   Brasileiro desconhecem a palavra beleza. É como se olhar para uma coisa com prazer fosse proibido. Olhamos para uma mulher querendo sexo. Para um automóvel pensando em seu valor financeiro. Uma casa vale por seu tamanho ou seu status. Ruas são vias de comunicação e paisagens redutos de fuga. A beleza, que antes tinha residência na música, um milagre, a muito deixou nossos ouvidos.
  A natureza abomina a linha reta. Essa frase, linda, é de um nobre inglês do século XVIII. E realmente, na natureza inexiste a linha reta. Ela ama a curva, o arabesco, o labirinto, o desenrolar. Mas, óbvio, a França logo discordou e fez do homem o guardião da reta. Pensamento reto e arquitetura de Le Corbusier. Que deu em Niemeyer, o ditador do feio. Deu no que deu. Com muito custo nossos arquitetos aceitam o barroco português, não ousam confessar seu desprezo por Aleijadinho e pelas igrejas antigas. Mas destroem o que conseguem tocar, e transformam o país da curva, da praia, da bunda, em nação do concreto liso e reto, do vidro frio e da construção sem conforto.
  Por fim, esqueçam o Brasil. Tivemos nossa chance. É tarde. Nascemos para feder.

UMA DECLARAÇÃO DE AMOR À HAWKS - FULLER- PECK - MATTHAU- TOURNEUR

   A MULHER PROIBIDA de Frank Borzage com Joan Crawford, Margaret Sullivan, Melvyn Douglas, Robert Young e Fay Bainter.
O elenco não podia ser melhor, mas o filme é um drama dos anos 30 que exibe o pior da época. As coisas acontecem sem nada de crível nos sentimentos das pessoas. Um irmão, membro de uma família tradicional, se casa com uma dançarina. O outro irmão, casado, se apaixona por ela... As pessoas aqui amam e deixam de amar em questão de minutos. O roteiro é muito, muito ruim.
  MIRAGEM de Edward Dmyryck com Gregory Peck, Walter Matthau e Diane Baker.
Um verdadeiro pesadelo num filme que tem clima de doença. Um homem acha que trabalha a dois anos numa empresa de contabilidade. Mas começa a duvidar disso ao perceber que não se recorda de mais nada em sua vida. O filme acompanha sua busca pela memória. O tema é fascinante, mas o filme tem uma falha que quase o destrói: a coisa é tão complicada que quase desistimos de o entender. De qualquer modo, Matthau está excelente e acaba tudo sendo bem ok.
  O ESPORTE FAVORITO DOS HOMENS de Howard Hawks com Rock Hudson e Paula Prentiss.
O mundo que só existe na cabeça de Hawks está aqui! É um mundo onde as pessoas são todas elegantes e idiotas, adoravelmente idiotas. E essa elegância é a dos cavaleiros medievais, um código de honra e de comportamento onde a grosseria e a violência só nascem quando inevitável. Mais encantador de tudo, os filmes de Hawks interessam não pelo enredo, mas pelas pitadas de vida que são inseridas de minuto em minuto. Por exemplo, neste filme, um de seus filmes médios, vemos Paula Prentiss mergulhar, Rock Hudson tomar chuva, vemos ainda uma mocinha andar de moto, um homem com o zíper preso, um Martini sendo bebido...e por aí vai. Todas essas cenas, e muitas outras, que nada têm de engraçadas, de sensacionais ou de belas, são o segredo de Hawks. Ele filma a vida como ela pode ser e às vezes é; mas essas pitadas são colocadas dentro da fantasia de Hawks. Observe que em suas obras-primas, muitas, filmes como Rio Bravo, Levada da Breca, Hatari, todos têm enredo, ação, história, mas ao mesmo tempo o que nos pega é ver Wayne conduzir gado, Cary Grant gaguejar e uma turma de homens na África tomar café da manhã. Ninguém se parece com Hawks por causa disso: uma multidão de diretores filma ação ou comédia como ele, outra multidão filma a vida cotidiana como ele, mas nenhum outro mistura as duas coisas com o encanto que ele tem. Isso porque, vejo isso no livro de Peter Bogdanovich, Hawks realmente amava a vida e as pessoas. Era um gentleman viril, tipo de americano que fez a glória da América. Que prazer poder ver este filme e que maravilha eu ainda ter contato com a graça leve e educada deste universo.
  AS GARRAS DO LEÃO de Richard Attenborough com Simon Ward, Robert Shaw, Anne Bancroft.
Da série de bio da Folha este é o mais bacana. Nos anos 70, quando lançado, foi malhado, vejam só...Mas é um bom filme. Conta os primeiros 25 anos da vida de Winston Churchill. Sua relação fria com o pai, sua mãe festeira, e a ânsia que ele tinha por fama e por medalhas. Sua carreira futura seria uma vingança pelas injustiças sofridas pelo pai, que foi um político perseguido por seu próprio partido. Robert Shaw está sublime como o pai de Winston, um sifilítico, que morre isolado da vida pública. As cenas de ação são excelentes e o filme diverte e informa. Tem de ser visto!
  GOLPE DE MISERICÓRDIA de Raoul Walsh com Joel McCrea, Virginia Mayo e Dorothy Malone
Faz parte do volume 2 de um box de westerns. Este, do grande Walsh, o diretor que inventou nos anos 20 a linguagem do filme de ação, é um filmaço. Joel é um ladrão em fuga. Ele planeja seu último golpe, mas não confia nos comparsas. O cenário é ótimo, os atores perfeitos, as duas mulheres belíssimas e o roteiro tem ecos que iriam reverberar em Bonnie e Clyde. Um dos grandes faroestes já feitos e com um clima trágico maravilhoso.
  RENEGANDO O MEU SANGUE de Samuel Fuller com Rod Steiger
Fuller era venerado pelos europeus. Eu digo: menos. O filme pega o ponto de vista dos índios. É bom, duro e sério, mas às vezes cai no exagero. De qualquer modo, eis um faroeste diferente. Rod super interpreta.
  CHOQUE DE ÓDIOS de Jacques Tourneur com Joel McCrea e Vera Miles.
Joel é um durão que vira xerife numa cidade de mineiros. O filme conta sua luta contra eles. Um bom filme de um grande diretor. Tourneur dirigiu alguns dos melhores filmes noir, filmes de terror e faroestes. Seu estilo, sempre objetivo, era invisível. Mas dá pra notar que seu interesse era o destino. Seus heróis são sempre pessoas presas numa missão que não escolheram. Bom filme.
  O TESTAMENTO DE DEUS de Jacques Tourneur com Joel McCrea e Ellen Drew.
Este filme é vendido no box western, mas não é. Se passa no tempo dos westerns, é rural, mas não tem nada do faroeste. E é quase uma obra prima! Conta a vida cotidiana de uma cidadezinha nos tempos de 1880. Joel é um pastor e o filme observa a vida de toda a comunidade. Cenas que lembram Mark Twain, outras são puro John Ford. O final emociona e tudo caminha numa doce alegria temperada por algumas cenas amargas. Um filme original. Grata surpresa!!!!

BELO

   Um último toque sobre a questão da beleza na arte.
 Se a arte é a substituta da religião, por trazer para nós o sentido do sagrado, e se é sagrado aquilo que não pode ser profanado, ou seja, aquele objeto que é único, intocado, irrepetível; bem, então a música, oferecida com extrema facilidade, se torna, toda ela, mesmo a melhor, kitsch. Uma obra de Schonberg ou Bartok se faz kitsch por poder ser cortada, usada, acelerada, congelada, à vontade. E isso é uma forma de kitschização.
 Mas não de estupro, que é a dessacralização daquilo que foi um dia sagrado. Isso seria usar Mozart numa cena de carnificina ou Debussy num estupro coletivo. E sei que tudo isso já foi feito.
 A beleza plena, sagrada, tem um preço. E, apesar de adorar rock, sei que o rock é como, sempre foi, um eterno orgasmo. Em 3 minutos há a obrigação de se atingir um pico de beleza. E essa rapidez, que é um talento, pode se fazer kitsch. A sequência sem fim de músicas que dão pequenos gozos mas nunca um orgasmo.
 Postei Schonberg como provocação. Na grande música há todo um desenvolvimento que leva ao sagrado. A beleza transformadora é essa caminhada que exige tempo, calma e alguma sabedoria.
 Em alguns discos POP, penso em Kind Of Blue, penso em Exile On Main Street, há o tempo de desenvolvimento e uma beleza imperfeita que pode ser atingida. Mas no mundo de 2017, quem ainda ouve esses discos inteiros e em solidão...

Arnold Schoenberg: Verklärte Nacht



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BELEZA - ROGER SCRUTON

   Como vou começar a escrever sobre um livro tão imenso...Apenas 200 páginas, mas vasto, largo, direto e por isso cheio de ideias. Impossível lhe fazer justiça, então usarei a mais kitsch das artes como exemplo para o que quero dizer. O cinema. Vamos lá então...
  Em um mundo onde a experiência do sagrado entra em crise por causa da decadência das religiões, a arte passa a ter a incumbência, imensa, de dar aos homens esse contato com aquilo que seja mais importante: a beleza. Esse pensamento surge apenas na última linha do texto, e para chegar até aí, Scruton nos convence do porque da beleza ser um conceito tão importante.
  Ele não nos diz, de forma proposital, o que é a beleza; nos diz para que ela serve, por que ela existe e como ela funciona. Para Scruton, a busca pela beleza e o prazer com ela é um fato inerente ao homem. Toda cultura, em todos os tempos, produziu artefatos, arte, cerimonias, hábitos revestidos de beleza; e quando essa beleza atinge o grau de sacralidade, se alcança seu pleno poder.
  Nada há de místico nisso. Scruton evita tocar em conceitos como fé ou crença. Um objeto se torna sagrado quando " ele está neste mundo mas não é deste mundo". Trata-se de algo que é único e insubstituível.
  Temos essa experiência ao amar alguém. A pessoa amada, se torna sagrada, ou seja, uma pessoa que não pode ser substituída por outra. Ao mesmo tempo, tudo o que essa pessoa diz ou toca, passa a ter algo de único, de encantatório. Scruton tece então comentários sobre vicio e pornografia que são bastante esclarecedores. A beleza nunca vicia porque ela não dá, jamais, um prazer imediato. A beleza não pode ser comprada, não pode ser automatizada. Ela requer tempo, disposição, tato e seu retorno nunca é garantido. Já a pornografia é garantida. O prazer é imediato, automático e simples. Por isso ele pode se transformar em vicio, é uma satisfação, uma recompensa que se faz em um toque, com um objeto, simples e prático.
  Scruton, falando do corpo, diz que a pornografia nega o rosto, transforma corpos em coisas sem face. Há um ódio ao rosto na pornografia porque é no rosto que vive nossa faceta humana e sagrada. Não existem dois rostos iguais, olhos transmitem sentimentos, desejos, medos, tudo aquilo que a pornografia não aceita, ou seja, complexidades. Para a pornografia, um corpo é uma coisa que produz sexo. E sexo é o corpo.
  Sexo, no mundo pornô, é exatamente aquilo que Freud dizia, que o impulso sexual é um apetite como a fome e a sede, e como tal deve ser tratado. Triste falha! Sexo, no ponto de vista da beleza, é uma dádiva dada à quem merece. Muito mais que fome ou sede, ele requer uma pessoa escolhida, e só aquela que é escolhida. Visto desse modo, o sexo valoriza o ato, dá espiritualidade ao corpo e dignifica quem o usufrui. Torna-se o encontro de dois corpos, únicos e individualizados, que procuram um no outro encontrar sua sacralidade dando ao outro a sacralidade que ele tem.
  Eu disse que ia falar de cinema e acabei nada dizendo. Falo agora.
  Scruton tem amor por música e arquitetura. São suas artes favoritas. Mas ele fala de cinema numa certa hora. Ele diz que o cinema barateia a beleza, a faz ser kitsch e o kitsch é o maior mal do nosso tempo. Kitsch é a emoção que substitui a experiência. Ela empobrece o gosto e amortiza a vida. Explico.
  Digamos que sua casa tenha uma imagem de Jesus e outra de Maria. E voce leve no pescoço um terço. E ainda tenha uma tatuagem de São Jorge no peito. Tudo isso é kitsch. O kitsch é o movimento que se apossa de uma imagem sagrada e a transforma em coisa banal. Por exemplo, vivemos, para nossa grande dor, a vulgarização do funeral, do casamento e do aniversário. Ao serem usados símbolos barateados, ao se repetirem por convenção atos e palavras sem compreensão do que elas significam, se transformou em puro kitsch, aparência sem substãncia, aquilo que era aparência da presença do sagrado.
  O homem precisa desse objeto. E hoje o procura num carro especial, num vestido exclusivo, numa casa isolada. Nada encontra nisso, apenas mais kitsch.
  No cinema, Scruton, para minha grande alegria, cita Ingmar Bergman como um diretor que realmente sabia produzir beleza. Para Scruton, filmes como A Fonte da Donzela e O Sétimo Selo atingem o alvo em cada fotograma. Todos os objetos em cena, cada xícara, animal, janela ou vestimenta, têm um motivo para estar presente, cada cena tem um porque dentro do todo e cada fotograma pode ser enquadrado, os filmes são segundos e minutos de beleza que se sucedem. Como maior exemplo ele cita Morangos Silvestres, o filme que serve para percebermos a diferença entre imaginação e fantasia.
  Imaginação é criar o novo dentro da realidade. Nessa imaginação tudo tem regras próprias e funciona de acordo com a imaginação do criador, o artista. Já na fantasia o que se faz é falsear a realidade, pretender ser real sendo fantasia. É uma verdade que parece morta, porque ela é uma realidade mentirosa. Há milhares de exemplos de filmes assim, desde policiais toscos até pretensas obras sérias que são pura fantasia.
  Outro fato que Scruton destaca, é que na verdadeira obra de arte, sabemos todo o tempo que o que vemos é uma imaginação, uma criação de uma mente, e não a vida real. Estamos diante de um filme, que nos emociona profundamente, mas é sempre um filme, e por isso é belo. Já a falsa obra de arte ela nos confunde e tenta produzir tanta emoção quanto possível. Torna-se um tipo de hipnose onde esquecemos estar diante de uma obra artificial, e tontos, apenas sentimos aquilo que desejam que sintamos.
  Há um preço pela beleza. Quando ouvimos uma obra de Wagner, vemos um filme de Bergman, ou lemos Tolstoi, o autor nos pede várias coisas. Atenção, tempo, calma, disposição, alguma cultura, detalhismo. No kitsch tudo é dado de graça. Voce terá risos, choro, filosofia, pensamentos bonitos, tragédias terríveis, tudo à custo de quase nada e sem o menor esforço. Rápido, destruidor, dilacerador, e , claro, sem nada que dure e permaneça. Ou pior, dando ao expectador a impressão de ter visto algo de belo, quando na verdade o que ele viu foi algo de sensacional. Como rastro, fica o vicio. Nesse regime de emoções baratas, a pessoa passa a exigir isso da vida, ou seja, satisfação imediata. E esse tipo de satisfação somente os vícios podem dar.
  Scruton fala ainda da beleza da natureza, como ela funciona em nós, da beleza dos pequenos objetos que nos cercam, da beleza de uma rua discreta ( ele é inglês, ele ama a beleza discreta ). Não preciso dizer que é um livro belo.é digno de seu tema.
 

A DIFICULDADE DE SER - JEAN COCTEAU, ESSE VAIDOSO.

   Jean Cocteau fez dois dos filmes mais belos que já vi: A Bela e a Fera, que é uma aula de clima onírico e de pontuação de drama; e Orfeu, um dos melhores retratos do sonho em filme. Todos os dois brilhantemente fotografados. Mas Cocteau foi mais que isso! Ele foi designer, foi pintor, poeta, coreógrafo. Esteve no centro do furacão, fez obras com Stravinsky, com Satie, Picasso, Nijinski. Foi amigo de todo mundo. Picasso o adorava e não o suportava. Pois bem...
  Mas eis este livrinho e para o bem e para o mal, ele é francês, muito muito francês. Cocteau se olha, se escuta, se pensa, se exilia de si mesmo para estar mais perto de sua sombra. O livro todo é Cocteau e só Cocteau. Eu detesto esse tipo de escrita masturbatória, cega, auto centrada, sofrida, estéril, pouco viril. Cocteau se apaixona pela sintaxe, se deixa seduzir pela própria voz. Fala para si mesmo e no fim do livro confessa: Fez o livrinho para que ao ser lido, por mim, ele, Cocteau, ressuscitasse. Compor um livro tão cheio de Cocteau, que ao ser lido seria como encarnar Cocteau. Ele diz clara e textualmente: Quem o ler será habitado por mim.
  Essa frase é bela e ecoa nela o clima dos filmes de Jean Cocteau. Mas seria melhor se ela tivesse funcionado. Mas não. O livro é apenas um choramingar sem fim. O melhor é quando ele fala de alguém interessante, por exemplo, as linhas em que ele recorda Proust. Essas respiram, são vivas. Quando ele volta a ver apenas seu rosto, o livro cai. Se fecha e asfixia.
  Proust foi ainda mais fechado que Cocteau, mas a escrita de Proust é espírita, somos tomados por seu mundo e ao ler nos transformamos em Marcel Proust. Cocteau quer o mesmo dom: não o possui. E assim, não nos possui.
  O molde é o de Montaigne, se examinar e contar tudo. Mas Montaigne surge em seu vício vaidoso como um sábio, Cocteau é apenas um vaidoso pretensioso. Sei que estou sendo cruel com um talento imenso como é Jean Cocteau, mas acontece que ele representa aquilo que mais odeio na literatura, a vaidade, a auto exposição sem freio, a ausência absoluta de invenção.
  Talvez aos 14 anos eu amasse este livro. Mas não.

TORNATORE- JASON STATHAM- JOHN HUSTON- DIANE LANE- MALICK- MICHAEL CAINE

   RAÍZES DO CÉU de John Huston com Trevor Howard, Errol Flynn e Juliette Gréco.
De 1957, este é um dos fracassos de público e de crítica de Huston. Mas...que coisa! É um filme muito bom! Ele se passa na África francesa, e mostra um inglês, Howard, excelente, tentando defender os elefantes da matança. Ou seja, o caçador Huston faz um filme ecológico. Isso porque, como mostra o ótimo filme de Clint Eastwood, quando filmou The African Queen, em 1951, Huston teve um arrependimento. Viu que elefantes são sagrados e não podem ser mortos. Neste filme, feito sete anos mais tarde ao seu grande sucesso, African Queen, vemos como ainda era visto como insano aquele que pensasse em defender bichos. O inglês é tratado pelos outros colonos como um louco, um tipo de desequilibrado que prefere animais à humanos. Na época, 30.000 elefantes eram alegremente mortos por ano, isso sem contar os filhotes abandonados à sorte! Huston se preocupou com isso, e este filme, incompreendido então, sofreu por parecer em 1957, bobo. Sem assunto relevante... Os únicos que ajudam o lutador ecológico são uma prostituta, feita pela musa dos existencialista, Juliette Gréco, e um bêbado, feito por Errol Flynn. O filme é poderoso, bonito, e muito atual.
   SECRETARIAT de Randall Wallace com Diane Lane e John Malkovich.
Baseado numa história real, o filme conta a saga de uma mulher que consegue transformar seu cavalo no maior corredor de todos os tempos. O único desde muito, a ganhar a tríplice coroa americana. Eis um filme muito legal, aquele tipo de filme "empolgante" que só o cinema americano sabe fazer. Notei isso enquanto via o filme, o modo como ele vai num crescendo, até o êxtase final. Voce já viu filmes nesse esquema, e quando funcionam são sempre bons de se ver. Voce sabe que o cavalo vai vencer e mesmo assim fica em suspense e emocionado. Malkovich está maravilhoso fazendo um treinador elegante e excêntrico. E Diane nasceu para fazer esse tipo de papel. Ótima diversão!
   O NOVO MUNDO de Terrence Malick com Colin Farrell, Christopher Plummer e Christian Bale.
É uma bela experiência. Na primeira parte Malick nos faz ver o que era os EUA em 1600 com um realismo soberbo. Medo, violência e crueldade. Fome, muita fome. Depois há a história do envolvimento de um índia com dois homens. O filme é longo e lento, e vale à pena. Não espere a filosofia metafísica de Malick, este é para ser visto e fruído.
   FUNERAL EM BERLIN de Guy Hamilton com Michael Caine.
A fama internacional de Caine nasceu com este personagem, o detetive Harry Palmer, um tipo de 007 sem glamour. Palmer tem pouco dinheiro, é feio e suas missões são realistas, ou seja, pouca ação e muita complicação. O filme não é bom. Mas o clima de guerra fria é delicioso. Fico pensando em como esse mundo já me parece antigo. Caine está excelente.
  ASSASSINO A PREÇO FIXO 2 de Dennis Gansel com Jason Statham, Jessica Alba.
Eu adoro os filmes de Statham. São bem editados, nada pretensiosos e ele é um ator muito simpático. Mas este aqui é tão mal escrito que chega a insultar.
  LEMBRANÇAS DE UM AMOR ETERNO de Giuseppe Tornatore com Olga Kurylenko e Jeremy Irons.
Que filme ruim!!!!!!!!!!!!! Como em seu filme anterior, Tornatore fala das aparências, da verdade que pode ser ilusória e da mentira que se sustenta como realidade. Uma moça perde seu namorado e ele deixa tudo organizado para parecer ainda estar vivo. Dio mio! Olga se revela boa atriz e Irons continua fazendo filmes ruins. Tornatore nunca me enganou.
   O RESGATE DO BANDOLEIRO de Budd Boetticher com Randolph Scott e Richard Boone.
Budd era assim: dois cenários e cinco atores e ele te dá em 18 dias um bom filme. O filme B, como este, é o equivalente ao que hoje é a série de TV. Uma equipe de direção e produção fazendo bons roteiros de uma forma decente e direta, objetiva. Neste western de 1958, temos Scott preso por bandidos. O filme inteiro é sua tentativa de se sair bem. Muito suspense, alguma violência em um filme que não é uma obra-prima, mas é uma bela diversão. Tem comentários de Scorsese e de Peter Bogdanovich que botam o filme lá no alto.

Midnight Special-LaBelle "Lady Marmalade"



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lipps inc funky town 1979 HD 16:9



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Chic - Good Times (Tilt 1979)



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NÓS ERRAMOS E PEÇO PERDÃO ( OUTRA VEZ )

  Imagine um cara que em 1977 está ouvindo Lynyrd Skynyrd. E também Led Zeppelin, The Who e Eagles. Então ele vê na TV um negro de um metro e noventa descendo uma escada. Esse negro está maquiado, tem um leque e se move como uma bicha. Que reação esse cara vai ter...Pior de tudo: esse gay canta as alegrias do amor físico. ALEGRIA.
  Cena dois. Uma garota é, em 1976, louca por Peter Frampton, Paul MacCartney...então ela vê uma mulher, desajeitada, rebolando como uma prostituta das mais baratas. Ela pede mais sexo, more more more, e pela primeira vez essa menina do rock vê uma puta barata na TV.
  Mais uma cena. Dois irmãos do Brasil, que ouvem Stones, Rod e Purple, acham cômico uma música besta que fala de macho man. Mas ao ver o clip num domingo de noite se sentem estranhos...tem uns caras rebolando, um bigodudo vestido de couro preto, um índio meio pelado...que é isso!
  Pela primeira vez na história do POP ( se a gente ignorar o jazz, pois o jazz nunca foi POP ), a música do bordel se tornou mainstream. Sim, porque o que mais nos incomodava na disco era o fato de seu amadorismo e seu sexo barato, muito barato. E feliz. No rock sexo é sempre dor, ansiedade ou desafio. Na disco ele era uma noite no puteiro. E esse local tinha além de suas meninas desajeitadas, bichas, muitas bichas alegres e sem vergonha.
  Como reagiu o mainstream, eu incluído...COM ÓDIO! Um ódio que voce, que tem hoje 30 anos, não pode nem imaginar... tanto ódio que os fãs chegaram a juntar 3 toneladas de discos de disco e os destruir dentro de um estádio de beisebol. Mas esse ódio era do que...
  Alegria, latinos, negros, gays, todos felizes e se exibindo...isso não pode!!!! E a acusação foi aquela de sempre, ISSO NÃO É MÚSICA! Claro, não se podia assumir o preconceito de raça e de sexo...
  É música sim! Os caras cantavam e tocavam muito bem e os arranjos, alguns, são coisa de gênio. Longos arranjos de violinos, de baixo e de percussão. Lindo!
  Madonna e Prince, espertamente, pegaram tudo da disco, deram um banho de loja e o deixaram aceitável para muitos dos ex raivosos. Mas nos anos 80 já havia algo de neurótico na coisa, a AIDS, a repetição de algo que fora espontâneo, alguma coisa parecia fake em 1986. Hoje, 2017, Beyoncé e que tais continuam a repetir a festa. Mas quanto mais o luxo aumenta menos feliz ele parece.
  Em 1976 os loucos tomaram os negócios. Raivosos e idealistas tomaram via PUNK. Deslumbrados e festeiros via DISCO. Foram quatro anos fantásticos! ( Hoje os loucos tomam as rédeas em casa, e isso não causa nada de novo ).
  E eu, em 1978, ouvindo Kiss, Aerosmith, perdi a festa...
  ( Mentira! Eu ouvia disco e ia à Banana Power escondido... ).

Sylvester - You Make Me Feel (Mighty Real) - 1978 (By Lázaro)



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Andrea True Connection - More,more,more (Musikladen Live Performance) Or...



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O PRAZER DE PENSAR - THEODORE DALRYMPLE. UM PRAZER EM FORMA DE LIVRO.

   Meu primeiro livro deste autor. Na verdade seu nome é Anthony Daniels e nasceu em 1949, Londres. É médico psiquiatra. Trabalhou e trabalha em clínicas. Mas esse nem de longe é o assunto do livro.
   Dalrymple, que esteve aqui no Brasil e foi atração do Roda Viva, proseia solto tendo por fio condutor sua biblioteca. Ele se assume como acumulador. Tem milhares de livros, comprados pelo mundo afora ( ele viaja muito, com preferência pela Africa e América do Sul ). Livros muito raros, livros de sebos, livros rabiscados, assinados, sujos. Ele dá a mais bela explicação do porque um livro ser insubstituível. Kindles e outras ferramentas são apenas isso, ferramentas. Máquinas que executam um trabalho. Ele também descreve o porque do prazer estar ausente no ato de se encontrar um livro raro na internet. O prazer da busca, da averiguação, da caça e do encontro. O prazer de se encontrar um livro tão desejado quando já quase se desistia. ( Tive essa experiência 3 vezes e estranhamente sempre no mesmo sebo. Fiquei anos procurando esses livros e os encontrei entre pilhas de livros ruins, em momentos diferentes, nesse sebo que não existe mais ).
  Dalrymple fala então em cada curto capítulo de um tema. Por exemplo, ele fala de um livro sobre enforcamentos ( seus livros são assim, temas os mais inusitados ). E descobre que a Inglaterra tinha um amor infinito por crimes hediondos. E que a decadência do país começa quando os crimes perdem sua atração por se tornarem vulgares. Inexiste mais o grande crime, o grande bandido, a grande história macabra. E a velha Inglaterra amava isso. Como amava venenos, forcas, cemitérios e maldições. Tudo isso se foi. A Inglaterra, mais que a França, segundo ele, perdeu completamente seu caráter.
  Há mais nesta fascinante conversa. Ele fala da pior, a mais cruel guerra da história, a do Paraguai. Ele esteve em Assuncion. Foi a guerra em que 75% da população masculina de um país foi morta. Em 4 anos. Diz que a culpa foi toda do ditador paraguaio, o homem que queria ser o Napoleão do sul. Então vem um tema maravilhoso. Dalrymple discorre sobre os ditadores daqui e da África dos anos 70. Puro horror. E dá o diagnóstico, simples e brilhante, dos intelectuais que apoiavam esses ditadores. Ressentimento é a palavra básica.
  Doenças tropicais, cemitérios, outros colecionadores de livros, o por que dos jovens não irem a sebos, o fim da cultura do livro, Dalrymple vai lembrando de volumes que caçou, que encontrou, que leu. Livros sobre a asma, sobre vacinas, sobre gado, sobre livros. Fala de canetas, de cabelo, de tintura. E  tem boas sacadas, ou não. Pois o principal neste livro é sua falta de pedantismo, de ambição. Aliás, ele fala sobre pedantismo também!
  Para quem ama livros, ama autógrafos, sebos, coleções, é obrigatório!

OS ANOS 70 FORAM UMA BOSTA.

   Quem me lê sabe que eu tenho um banzo pelos anos 70. Foi a época de meus 12, 13 anos e de bons discos. Mas foi uma bosta de tempo também!
  A gente acha que estes anos, 2016, 2017, são um tempo de violência e de extremismo. Mas os anos 70, creia, foram bem piores. A diferença é que não havia tanta comunicação pra exibir o sangue na nossa cara.
  Nem vou falar do Vietnã. Nem do Camboja. Vou falar que quase todos os países africanos tinham ditadores que matavam por prazer e que se auto denominavam "Imperadores Divinos" ou "Guias do Futuro". Havia uma guerra entre fronteiras, guerrilhas comunistas, grupos de extermínio.
  O pior de tudo é que os anos 70 foram os anos em que a figura do intelectual como líder politico atingiu seu auge. Qualquer garoto de óculos Lennon era levado a sério. Isso mesmo nos EUA e na GB. Hoje eles existem ainda, mas fedem à passado. Naqueles tempos pareciam ser o futuro. As pessoas ainda não tinham enxergado que esses caras são apenas pessoas frustradas por sua desimportância.
  Aqui na Sulamérica, ditadores de direita posavam como machos alfa e eram eliminados por outros mais machos que eles. Pior era que a única alternativa eram machos alfa de barba e boina. O que era a mesma bosta. Fidel ainda era levado a sério. Assim como Mao e Tito.
  Todo país europeu tinha seu grupinho terrorista. Todos eram comunistas e queriam expulsar os EUA da Europa. Eles matavam inocentes pelo bem futuro. Os anos 70 foram auge da criminosa filosofia que diz: Os fins justificam os meios.
  Nos anos 70 tinha terrorismo até no Canadá!
  Sim, tudo era compensado por comédias bacanas, carros grandões e gênios do esporte. Mas foram anos violentos. Muito violentos. E felizmente não existiam câmeras pra preservar todo esse horror pra sempre.

ROVERANDOM - J.R.R. TOLKIEN

   Em férias na praia, com sua esposa e seus três filhos, Tolkien inventa para Michael, seu filho do meio, a história de um cachorro que é transformado em brinquedo por um feiticeiro vingativo. Tolkien cria essa história como consolo ao filho, que havia perdido seu cachorro de brinquedo. Era um cachorrinho de chumbo, pesado, pequeno, amado pelo menino que o carregava nas mãos para todo canto. Procuraram na praia por dois dias, mas o brinquedo nunca foi encontrado.
  Depois de narrar a história-consolo para o filho, Tolkien a escreveu mas nunca a publicou. Morto em 1973, a aventura do cachorro Rover vira livro em 1982. É um livro infantil, não procure nenhum simbolismo, nenhuma mensagem, é apenas uma história bem contada. E que alívio, que prazer poder ler linhas tão bem escritas!
  Rover é um cão de verdade que vira brinquedo. E esse brinquedo é perdido na praia. Um outro mago faz com que ele vá para a Lua e lá ele vive aventuras com o Homem da Lua e o Cachorro da Lua. Depois Rover vive um tempo no mar, como cachorro marinho e ao fim retorna a seu dono original, que não é o filho de Tolkien, mas sim o menino anterior à sua condição inanimada.
  A história se desenvolve em meio a cenários simples e maravilhosos, personagens que vão de dragões lunares à sereias e gaivotas que podem voar pelo espaço. É bonito, é fácil de ler e é divertido. Um inesquecível presente para uma criança de 10 anos, um ótimo conto para um adulto que ainda dê valor às coisas da imaginação.

Ray Davies(Kinks) Waterloo Sunset Glastonbury 2010



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UMA CÂMERA PARADA E UM CARA DE PALETÓ

   Desde 1968 os londrinos seguem a letra desta canção. Podem não mais lutarem na rua, mas continuam morrendo de tédio e fazendo bandas ( ou sendo DJs ) por não ter opção. Pois no mundo seguro do primeiro mundo, onde se marcha na onda do consumo e gastar dinheiro é tão vital como respirar, Street Fighting Man perdeu a atualidade porque não mais se luta, mas continua um lembrete válido, sinal de nossa prisão.
   Eu nunca havia visto o clip original, e acho que voce também não. Uma câmera no tripé, parada, e Mick Jagger com um paletó largo indo e vindo no meio da escuridão. Não é o Mick dos trejeitos. É o cantor ainda lindamente sem jeito. E ele marcha, anda, volta a marchar, dá um chute, gira como o relógio do tempo, como autômato do século XVIII, não dança e não finge cantar. Aos 24 anos ( !!!!!! ) ele alardeia sua relevância central no momento mais perigoso do século mais fatal.
   Ingleses gostam de dizer que Waterloo Sunset é o hino não-oficial de Londres. Musicalmente ela é mais presente neste século. Centenas de bandas imitam essa sonoridade. E Ray Davies, sempre um conservador, faz uma elegia à velha cidade de Vitória e de Disraeli. Mas Street Fighting Man é o hino do subterrâneo, a memória daquilo que deu errado.
   Esse clip, postado abaixo, é um assombro.

OS CINCO PONTOS DO MODERNISMO EM ELIOT

   1- A SOLIDÃO DO HOMEM. Separado do que e por que...
  2- A INEXPLICÁVEL ESTRANHEZA DO NASCIMENTO E DA MORTE. Estranheza pressupõe algo de mais natural. O que seria esse natural...
  3- A IMENSIDÃO DO UNIVERSO. Se é imenso e silencioso é insignificante. O vazio do universo serve apenas para cenário de novelas tipo HG Wells.
  4- O HOMEM E O TEMPO. O tempo só tem significado se houver alguma missão ou trabalho a ser realizado. Se a vida é absurda e portanto sem objetivo, então o tempo não tem relação ou importância nenhuma.
  5- A ENORMIDADE DA IGNORANCIA HUMANA. Falta de saber em relação a que. Se o homem nada sabe é de se supor que exista algo a ser sabido. O que seria isso ninguém diz. Se cobramos esse saber é porque alguém deve saber, deter esse conhecimento. Onde e quando...
  Na verdade essas proposições são apenas sintomas e não perguntas ou dúvidas reais.

O USO DA POESIA E O USO DA CRÍTICA - T.S. ELIOT

   Este livro nos apresenta um série de palestras feitas por Eliot em Harvard, entre 1932-1933. Dryden é o primeiro poeta-crítico de quem ele fala. O que Eliot procura é investigar as definições e as utilidades antes dadas ao que seja poesia. No fim, a conclusão é de que não pode haver homogeneidade no que seja escrever ou ler poesia, mas se pode retirar alguns mitos, e é aí que mora o melhor do texto.
  O poeta é influenciado pelo meio e pela memória, e talvez toda criação nasça da lembrança, da reelaboração de memórias soltas. Mas, para lermos e para entender poesia é preciso NÃO procurar encontrar o sentido o que se lê e não ler com o mapa da vida do poeta em mãos. Ler poesia é se jogar para dentro do texto e só levar em conta aquilo que está escrito, nada mais.
  Uma das mais brilhantes teses é a que diz que POESIA NADA TEM A VER COM MISTICISMO OU RELIGIÃO. Claro, há poesia mística, mas a poesia não é uma substituta da experiência religiosa. Eliot diz que com a morte da igreja, sua crise, as pessoas tentam ter vivências religiosas FORA da religião.
  Racine escrevia, como Shakespeare, para a diversão de boas e decentes pessoas. Hoje isso seria considerado banal. O poeta é visto como um tipo de guru ou de xamã, o que é um absurdo. Poetas, a maioria, escreve poesia conscientemente, como trabalho lento, e não como êxtases divinos.
  Interessante observar que em 2016 cobramos experiências religiosas, sem religião, de shows de rock, psicólogos formais, filmes simbolistas, e até de encontros esportivos.
 

A VALISE DO PROFESSOR - HIROMI KAWAKAMI

   Japoneses comem coisas assustadoras. E bebem demais. Este livro, de uma das escritoras mais premiadas do Japão atual, fala de um bar em Tokyo. Lá, uma moça e um velho professor conversam. E comem. E bebem.
  Nunca marcam um encontro, mas sempre se encontram nesse balcão, por acaso, acaso que não é acaso. Ela tem 38 anos e é uma solitária bem resolvida. Ele tem 70, e é formal, rígido, professoral ao extremo.
  Hiromi escreve ao modo nipônico típico: curto, direto, seco. E estranhamente singelo. ( Primeira vez que uso essa palavra. Singelo é uma mistura de beleza simples com delicadeza não afetada ).
  Os dois viajam, caminham, se hospedam em hotel e voltam ao bar.
  E tudo termina como tem de terminar.
  Leia.

FINISHING TOUCHES - ELIZABETH HILLIARD

   Descobri um sebo cheio de ótimos livros de arte. E baratos. Compro alguns, dentre eles esta bela edição de 1992, inglesa, sobre decoração. Quem me conhece sabe que meu mundo se faz pelos olhos. Cinema, fotografia, pintura, arquitetura, tudo que é do olho me interessa. E decoração. Tenho alguns belos livros sobre o assunto e este é um dos mais bonitos e dos mais originais.
  ELE É ORIGINAL POR NÃO SER ORIGINAL.
  Em todos os livros e revistas que vejo, edições de 2000, 2010, de 2016, a grande onda é ser toscano, marroquino, despojado, provençal, minimalista ou orientalista. Todos esses estilos são bonitos, elegantes, fascinantes até. Mas este livro tem o velho e puro estilo inglês. Que é a negação de todos esses estilos citados. Tento o descrever...
  Pouca luz, tudo é penumbra. No chão, pesados tapetes com arabescos ou sólido chão de madeira pintada. As paredes têm uma profusão generosa de quadros, fotos, espelhos, afrescos, papel, tapeçaria. Cortinas escurecem a luz e pesam nas janelas. Há abajures imensos, mesinhas, sofás gigantescos, imensos, fofos, cheios de almofadas de seda, de lã, de damasco. Estantes entulhadas de livros velhos, bolorentos e enfeites: cavalos de louça, soldados de chumbo, flores em vasos, fotos e espelhinhos, ursos, peixes e barcos.
  Portas de madeira lascada, verdes, azuis, laranjas, e poltronas de pano pintado, de veludo escuro, com panos, poltronas pra beber conhaque, pra fumar charuto. E longas mesas de mogno, as paredes frias, sombras e a luz do inverno filtrada na vidraça turva, amarela, antiga. Casas de avós, com cozinhas tímidas, e sólidas, cozinhas com louça onde se pode ver um mar, uma ilha, um sol. Pias de pedra, torneiras entupidas, estanho e cobre, bronze. E nos quartos a cama alta, fofa, anti-coluna vertebral, guarda roupa torto, imenso, esconderijo de mundos perdidos.
   Casa que tem cantos, tem lugares secretos, caminhos de ratinhos ariscos, brinquedos largados, recuperados, teias de aranha, ruídos, cheiros, mistérios.
   Nunca vi casas tão apaixonantes.

JJ Cale [Old Friend]



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TSUGUMI - BANANA YOSHIMOTO

   Ela é da minha geração e é uma das grandes escritas do Japão de hoje. Seu nome verdadeiro é Mahoko, adotou Banana porque ela adora as flores de bananeira. E no Japão banana se chama banana. É uma das muitas palavras de influência portuguesa.
  Eu amei este livro! Conta a simples história de uma garota de 18 anos que passa férias em Izu, uma praia japonesa. Lá, ela convive com sua prima, Tsugumi, uma garota que fala o que pensa, é agressiva e tem uma doença que pode a matar a qualquer momento.
  O enredo é apenas esse. O mar, manhãs, um namoro, a volta do pai ausente, amizade feminina, cães. Mas tudo é contado de um modo tão simples, tão sincero, tão bonito, que a gente se encanta e se apaixona. Tsugumi é já uma das minhas paixões ficcionais. Uma personagem má, cínica, doentia e sedutora ao extremo. Dona de uma inocência celestial. Linda.
  Cada capítulo traz uma pequena aventura das amigas, e cada aventura é uma mistura de excentricidade e vida comum, banal. Habitamos aquela cidade, a pousada, e também a casa em Tokyo, onde se passa uma parte do romance. Yoshimoto escreve claro, solar como o verão que ela descreve tão bem.
  Leia este livro. Leia neste verão.
  E quantos livros voce já leu em que ao final a autora te agradece por tê-lo lido...Só no Japão mesmo.

Nine (2009) Penelope Cruz - A Call From The Vatican (Full Scene HD)



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NINE - CLOONEY - TIM BURTON - KEVIN SPACEY

   JOGO DO DINHEIRO de Jodie Foster com George Clooney e Julia Roberts.
Quando Clooney faz filmes conscientes, típicos da esquerda americana, ele vira um chato. Aqui ele denuncia a tv. O filme é tão divertido quanto o noticiário de segunda-feira.
   O LAR DAS CRIANÇAS PECULIARES de Tim Burton com Eva Green e Terence Stamp.
Burton está sem estilo. Ok. O filme é comum. Tem um problema sério: os personagens são sem sal. A batalha final, num parque, é legal. Fala de um garoto desajustado que encontra uma fenda temporal.
  VIREI UM GATO de Barry Sonnenfeld com Kevin Spacey, Christopher Walken e Jennifer Garner
Sonnenfeld já foi um diretor bem bom. Perdeu toda a mão de uns anos pra cá. Esta é uma comédia muito sem graça. Spacey é um milionário sem coração que vira um gato pra aprender a ter bom coração. Pois é...
   NINE de Rob Marshall com Daniel Day Lewis, Penelope Cruz, Marion Cotillard, Judi Dench, Kate Hudson e Nicole Kidman.
Se voce esquecer Oito e Meio talvez dê pra gostar deste filme. A fotografia é belíssima, os cenários lindos e Penelope Cruz está no momento mais sexy de toda sua carreira. Ela rouba o filme com facilidade. Mas...como esquecer Marcello Mastroianni...Day Lewis faz com que a gente sinta saudades de Marcello! Oito e Meio é mais bonito, mais sexy, mais profundo e muito, muito, muito mais vivo. Este não é um filme ruim. Não é mesmo! Mas Fellini...

...E AO FIM...

   E no fim da vida o ciclo se fecha. Ele encontra o amor da sua vida e ela lhe traz um sentido de espiritualidade que ele nunca conheceu. E seus discos, os do novo século, talvez sejam os melhores.
  Laurie Anderson era de uma New York que ele nunca conhecera. A cidade de Robert Wilson, do pessoal que se ajudava, que se cuidava, que conversava e produzia muito. Wilson, o melhor diretor de teatro da cidade, encomenda trabalhos para ele, e Lou, vejam só, que sempre adorou trabalhar sob encomenda, se vê musicando Poe, Lulu de Wedekind. Agora, por Laurie, ele é mais calmo, menos autoritário, menos impaciente. Ele aprende a escutar.
  Cada disco dela é um recado para ele e cada disco dele é uma declaração de amor para ela. O ciclo se completa. Após Shelley, Sylvia, Rachel...Laurie. Finalmente alguém tão genial como ele. Quase.
  O livro acaba desse jeito. Após sua morte, em 2013, Laurie faz cerimônias de 7 semanas, o tempo que a alma demora para partir daqui. John Cale, o amigo mais odiado, o mais roubado por Lou, comparece. Reconciliação.
  Eu não quero ser Lou. Sua vida foi um pesadelo. Ele era destrutivo, impossível de conviver, sabotador e desleal, muito desleal.
  Mas, com Dylan e Neil Young, atingiu o cume. E lá do alto, que bom, teve seus dez anos de paz.

The Velvet Underground - Sister Ray ( live at the Boston Tea Party )



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I'll be your Mirror NICO 1966 Warhol video



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Patti Smith - We're Gonna Have A Real Good Time Together - 1976 - Stockholm



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LOU REED TRANSFORMER - VICTOR BOCKRIS

   A primeira vez em que ouvi falar de Lou Reed foi na revista POP, da Abril, em 1975. Uma matéria de 4 páginas coloridas. Na primeira foto a gente via Lou tocando guitarra. De cara já estranhei. O cara tinha cabelo curto, a expressão era de um tipo de bandido antipático e usava roupa preta. Em 75 ninguém no rock usava preto. O texto falava de seu sucesso e do Velvet. A banda de Lou, Andy e Cale já era mito então. O som deles era descrito como barulhento, sujo, anticomercial. No mundo de então, sem internet e MTV, tudo o que podíamos fazer era criar com a imaginação. Então imaginei que o som do Velvet fosse um tipo de Led Zeppelin ainda mais alto e pesado. Só os escutei cinco anos mais tarde, no fim de 1980.
  Comprei White Light no Museu do Disco, uma memorável noite no shopping Iguatemi. Pus na vitrola às 23 horas daquele sábado. Após cinco anos de imaginação o que veio não se parecia com nada do que eu havia escutado. Ou imaginado. Não era Heavy, nem Hard, nem Prog, nem Jazz, nem nada. Mas eu não estou aqui para falar desse disco, o mais amado, e sim para falar desta biografia. Foi Brian Eno quem criou a frase de que o Velvet vendeu pouco, mas cada disco vendido era uma nova banda criada. De Roxy Music à Patti Smith, de Buzzcocks à Talking Heads, todos beberam na fonte e nenhum deles se parece com o Velvet. A banda foi um milagre. O maior do rock.
  Lou foi eletrocutado por ordens dos pais. Ricos judeus de NY, eles queriam curar o filho da viadagem. O amavam a seu modo, e foram vítimas da psiquiatria da época. A mente de Lou foi afetada ( ele tinha 17 anos ). Se tornou alienado de si mesmo para sempre.
  Foi um universitário rebelde, briguento, boca suja. Muito desagradável. Ninguém se sentia à vontade perto dele. E mesmo assim namorou a menina mais linda de Syracuse. Por anos. Seu interesse em sexo era mínimo, o que ele queria era sair de casa e ser poeta. Caiu na vida. Se viciou em anfetaminas, em speed injetável e até a década de 90 esteve sempre chapado.
  Lou foi trabalhar numa gravadora porcaria e lá compunha pop lixo. Então formou uma banda mais de garagem. E se enturmou com Andy Warhol. Lou Reed sempre soube o que queria e sempre se uniu a quem podia o ajudar. Para depois descartar a pessoa sem remorso algum. Andy quis formar uma banda para musicar seus videos. Montou o Velvet dando à Lou a liderança. Vieram Mo Tucker, uma baterista que ninguém sabia de que sexo era, Sterling Morrison, um grande guitarrista, e John Cale, um músico erudito que desejava fazer no Velvet sinfonias do caos. Enquanto eles estiveram juntos foi histórico. De 1965 à 1967, sozinhos, eles mudaram para sempre a música do ocidente. Criaram do nada aquilo que entendemos por punk, indie, alternativo, bizarro, underground, sadomasoquismo chic, cool, dark, soturno, rockn roll. Mas Lou Reed sempre foi um merda, e estragou tudo.
  Chutou Andy. Por ciúmes de seu carisma. Chutou Nico, porque queria cantar sozinho. E, que merda Lou!!!!, chutou John Cale, e destruiu assim o verdadeiro Velvet Underground. O VU sem Cale é como Stones sem Keith ou Beatles sem John. Virou a banda de um cara só, Lou, e o terceiro disco, por melhor que seja, não é VU, é solo de Lou. A aventura sonora criada pelos quatro ( todos compunham tudo no estúdio, Lou assinava ), partiu. Nunca mais.
  Duas curiosidades: White Light foi gravado sem engenheiro de som. Os engenheiros da Verve não suportavam ouvir a gravação e iam pra rua, deixando tudo ligado sem comando, e voltavam após 3 horas. O disco realmente se gravou sozinho.
  White Light, nas palavras de Lou, é um disco sobre astrologia. Ele é de peixes e cada faixa representa a luta entre peixes e virgem. Assim, a faixa um é peixes, a dois é a resposta de virgem e a luta se derrama pelo resto do disco.
  Em 1970, quando a banda acaba com o banal Loaded, tentativa de fazerem do VU um novo Beatles; Lou deprimido vai morar com os pais. Depois de um ano e meio isolado e esquecido, volta graças a ajuda de Richard Robinson, influente crítico de rock e escritor que produz seu primeiro solo: Lou Reed. Um fracasso absoluto.
  Mas vinham novas da Inglaterra. Toda uma nova geração não-hippie adorava Lou. E ele foi apresentado a seu maior fã, David Bowie. E nasce TRANSFORMER. Produzido por Bowie e Mick Ronson, com o piano lindo de Ronson, a guitarra nasal de Ronson e os bcking vocals e violinos de....Ronson. Lou Reed se torna uma estrela em 1972. Mas...
  Claro que ele tinha de brigar com Bowie. Com Robinson. Com todos os críticos de rock. Ah...Lou...essa sua língua....Lou adorava odiar...chamava Dylan de chorão, Zappa de hippie medíocre, Alice Cooper de palhaço, e Bowie de invejoso...Ah Lou...
  Grava Berlin, o disco em que ele apostou tudo. E o disco fracassa. Os críticos são impiedosos. Quanta bobagem se escreveu na época! E Lou Reed desiste. O livro diz que ele NUNCA MAIS gravou nada com 100% de comprometimento. A ferida de Berlin ficou até o fim da vida. Uma frase de Lou define tudo: " Em 1965 eu realmente acreditei que a inteligência iria um dia mandar no rock...Não deu certo. Eu me iludi."
  Vieram dois discos ao vivo, Coney Island Baby, seu casamento com um travesti, Sally Can't Dance, Metal Machine Music ( sua melhor piada ), e o punk.
  Lou frequentava o CBGS. E lá, em janeiro de 1976, ele foi entrevistado por dois garotos de 16 anos. Eles lançaram o número um da revista PUNK com Lou na capa e pronto: Lou era o pai do punk, Lou era o cara. Os punks podiam atacar tudo, mas Lou e o Velvet não. ( Não vamos esquecer que John Cale produziu os primeiros discos de Patti Smith, Stooges, Modern Lovers ).
  E como sempre Lou estragou tudo. Hiper viciado em tudo, tudo, tudo, ( menos drogas de hippies: maconha e LSD ), seus discos eram lentos, chatos, mal gravados. Ele não soube ou não quis se aproveitar desse bom momento punk. Perdeu mais um barco.
  A história de Lou Reed é a história de um triunfo que reverbera sem fim, e de alguns poucos sucessos que ameaçam reviver o triunfo do começo. A impressão é que ele sempre teve medo do sucesso, medo de precisar segurar uma missão. E ao mesmo tempo tinha a vaidade de um Mick Jagger, queria ser amado, seguido, idolatrado. Nessa briga interna ele gastou quase toda sua energia. O pouco que restava ia para os discos e os shows.
  Mas ninguém nunca vai esquecer o VU. Fazem já longos 36 anos que os ouvi pela primeira vez. Nenhum dos meus amigos gostou. Só eu e meu irmão. Mas hoje, em 2016, meio século depois do auge da banda, eles continuam soando corajosos, esquisitos, darks, o símbolo de tudo o que é independente, sem compromissos...genial.
  Em toda a história do rock NADA se compara ao VU. E se John, Sterling, Nico, Mo eram parte vital da coisa, Lou era dono das letras, das ideias, da primeira fagulha.
  Não aceito a morte de Lou. Sua partida para mim foi mais dolorosa que a de Bowie. Esqueço que ele morreu. Não quero acreditar. Porque o rock fica vazio, bobo, estúpido sem ele.
  Lou Reed era um grande merda. Vaidoso, mentiroso, egocêntrico, injusto, violento, mau...mas todos nós o amamos. E isso é genial.

A THOUSAND DOGS - RAYMOND MERRITT and MILES BARTH

   Na feira de livros aproveitei e comprei este belo volume da Taschen. Temos aqui fotos de cachorros que vão de 1860 até 2010. Todos os grandes fotógrafos têm ao menos uma foto presente, mas devo dizer que nada é mais pungente que as maravilhosas fotos de cães na guerra. Fotos de cachorros em trincheiras na Primeira Guerra, fotos de cães entre escombros na Segunda, fotos de cães em paraquedas no Vietnã. O rosto dos soldados, sujos, em relação com seus cachorros, sempre tranquilos, é das coisas mais bonitas que vi em fotografia. São imagens que revelam a profundidade total do drama humano na Terra.
  O livro, de 600 páginas, tem também frases sobre cães, de escritores, pintores, atores, filósofos e de anônimos. Uma das mais fortes diz que o homem está completamente só no universo, distante de tudo e de todos os seres, e que o único OUTRO que tenta contato é o cachorro.
  Viajar nesse livro de cabo a rabo dá uma sensação de beleza infinita.
  Um lindo presente.
  Compre!