THOMAS MANN E A SEGUNDA-GUERRA.

   Terrível os capítulos sobre a Segunda Guerra. Thomas Mann, exilado na Califórnia, escreve texto sobre texto, divulgando suas opiniões sobre a Alemanha. Para ele, a Alemanha não merece perdão. Ele sente nojo daquele povo que NADA FEZ para tirar Hitler do poder. E que agora, vencidos, dizem estar sendo vítimas da guerra...
   Os alemães não expiaram culpa, não se desculparam, apenas gemiam de dor pelas bombas jogadas pelos aliados. Tentaram adquirir a pena do mundo. Tiveram um papel lamentável e vergonhoso, do começo ao fim. De repente, em 1945, nenhum alemão era nazista. De repente todos foram mártires dos tais nazistas. Mas o que Mann perguntava era: ONDE ELES ESTAVAM EM 1940... Por que não houve resistência por parte do povo germânico ( enorme interrogação ).
   Poucos autores foram tão homenageados como Mann. Impressiona a quantidade de palestras, diplomas, festas, concertos em homenagem ao autor de A Montanha Mágica. E ele usou essa popularidade para abrir os olhos do mundo ao fato de que na Alemanha tudo sempre termina em tragédia e em dor.
   Ainda ontem, conversando com um professor, notei como as pessoas não têm consciência disso. De que minha, sua, nossas gerações ainda pagam o preço pelo horrível mal feito por um palhaço como Hitler. A hegemonia dos EUA, a irrelevância da Europa, a criação de Israel, a corrida armamentista, a descrença radical no homem como ser bom e honrado, a predominância da ciência sobre todo conhecimento, a não fixação na terra, o espírito nômade, tudo está presente em nosso tédio, nosso medo, nossa falta de fé. E tudo isso nasceu no romantismo alemão, no modo alemão de ver a vida e de se relacionar com a Europa. No transcendentalismo alemão nasce a aversão ao mundo, o desejo de destruição da realidade. O fim da história e a recriação do mundo a imagem desse ideal.
  E sobretudo, a vaidade presunçosa do alemão.
  Mann podia dizer tudo isso porque ele era assim. Ele era vaidoso, frio, e na juventude achava o alemão o povo supremo, guia do futuro do mundo. Mas ele mudou na Primeira Guerra. Passou a aceitar a Europa ( menos a França ). Thomas Mann fez um movimento espiritual que a nação alemã não fez. Sentiu na carne o que significava ser alemão.
  Esta biografia, longa, detalhista, escrita por Donald Prater, inglês, não esconde os muitos defeitos de Mann ( ele surge como um supremo antipático ). Foi duro ler este livro, como é duro ler Mann. Ele nos perturba. Toca os nervos.
  Devemos sempre lembrar que em 1940 o inferno esteve aqui. E que por um triz este planeta não foi transformado numa fábrica de arianos, numa máquina de correção militar, num homogênea civilização uniforme. Thomas Mann antecipou isso em 15 anos. Previu essa dor. E entendeu que a vitória tinha de vir. Meia dúzia de ingleses salvaram a civilização humanista. Mas a herança da dor matou esse legado lentamente. É nosso dever lembrar sempre.

THOMAS MANN

   Thomas Mann mudava de ideia. No começo foi um aristocrata. Defendia a Alemanha e detestava a França. Para ele, ser alemão era amar um poder central e abominar a democracia. Mann via na influência francesa o mal do vulgar, do comum, do banal. Ele desejava a aproximação da Alemanha e da Russia. Era contra a Europa.
   Depois Thomas reviu sua posição. Passou a aceitar o tempo da mudança e depois de 1918 começou lentamente a crer numa espécie de socialismo aristocrático. A Alemanha poderia ser europeia, desde que não fosse francesa. A Europa que ele aceitava era a eslava, aquela da Tchecoslováquia, da Hungria, e a Europa suíça e austríaca. Seu orgulho alemão ainda era exaltado.
   Veio o nazismo e Mann cai na real. A Alemanha se torna o mal. A nação que abomina a civilização. A vida de Thomas Mann, aos 60 anos, se agiganta, ele finalmente sai de sua concha, se arrisca.
   Se tivesse de definir Thomas Mann em uma palavra esta seria: vaidade. E se tivesse de usar uma segunda palavra seria egotismo. Ele não era mal, em sua vida nada há de destrutivo, mas sua visão ia apenas até o espelho. Ele era incapaz de perceber o outro. Cada ato de sua vida, que foi bem movimentada, tinha por foco apenas seu bem estar.
   Nasceu em berço de ouro. Sua mãe era brasileira de Paraty. Julia Mann viveu aqui até os 11 anos. Foi uma dondoca de sociedade na Alemanha, em Lubeck. Thomas foi um jovem vaidoso e nada infeliz. Escrevia. E era homossexual. Conscientemente gay. Mas amava rapazes a distância. Nunca viveu sua homossexualidade em carne, mas a vivia em sentimento e assim se dizia feliz.
   Casou e teve 6 filhos. Erika era uma atriz combativa, selvagem, lésbica. Vestia terno e se casou com o poeta gay Auden ( excelente poeta ), para poder ter a cidadania inglesa em 1935. Klaus era o filho favorito. Escritor, tentou ter o sucesso do pai. Viciado em morfina, homossexual promíscuo. Michael era violinista conhecido. Foi o único filho a brigar com o pai. Esses foram os filhos mais importantes.
  Heinrich, irmão de Thomas, se tornou escritor oposto ao estilo barroco de Thomas. Escrevia rápido, falava abertamente de sexo, era hetero, politico, algo vulgar. Os dois nunca brigaram de fato, mas foi uma relação difícil. Heinrich Mann é o autor de O Anjo Azul.
  Thomas Mann se tornou famoso logo com seu primeiro romance, Os Budenbrook. E desde então jamais teve dificuldades financeiras. Viveu sempre bem, com carros, empregados, viagens, férias. A Montanha Mágica virou sucesso europeu. Thomas cobrava caro por palestras, e os convites não paravam de chegar. Se quisesse ele ficaria rico só com suas aparições públicas. Sua vida teve muito do atual rock star. Excursões cercado de aplausos, fãs, puxa sacos, jornalistas, fotos.
  Todos os seus grandes livros lhe tomaram anos de trabalho. Entre eles escrevia contos, novelas, artigos; trabalhos curtos para nunca sair da mente do povo. Incrível é saber que esses livros gigantescos, difíceis, áridos, vendiam tão bem. Thomas Mann, no tempo de Hitler, era o alemão mais famoso do mundo. E logo começou a fustigar o mais vil líder do mundo. Se exilou na Suíça e depois na Califórnia. Mann amava a Alemanha, mas graças ao nazismo, seu desgosto com o país foi profundo. Hitler destruiu toda a herança cultural alemã e Thomas viu nesse ato o fim irrevogável da Europa. O humanismo teria sido profanado. O mundo a partir daí seria anti-humano, negação de tudo que pudesse lembrar o homem de antes de 1930.
   Thomas Mann não era fácil. Metódico, sempre vestido como um executivo, controlado, hipocondríaco, exigindo silêncio, querendo ser o centro do mundo, distraído, ávido por dinheiro, amante de adulação, se dando uma importância desmedida. Queria ser o Goethe dos novos tempos. E sabia que ninguém poderia ser mais oposto à Goethe que ele mesmo.
   

DRACULA # ALAN BATES # ISABELLE ADJAN I# KEN RUSSELL # PAOLO SORRENTINO # MICHAEL CAINE #

   A JUVENTUDE de Paolo Sorrentino com Michael Caine, Harvey Keitel, Rachel Weisz, Jane Fonda, Paul Dano.
Sorrentino terá de conviver com A Grande Beleza para sempre. A gente não quer, mas compara. Este filme é muito bom, mas não tem nunca o alcance da obra-prima anterior. Talvez por ser em inglês e tratar de gente não italiana. Caine, que está brilhante como sempre e humano como quase nunca, é um velho maestro aposentado. Passa férias num hotel de luxo na Suíça. Lá estão seu amigo, um diretor de cinema, sua filha, recém separada, e um jovem ator em crise. O que se discute é a velhice, o tempo e o legado da vida. As imagens são sempre belíssimas, o tempo vai e volta, a memória nunca para de se mover, e as cenas vão do cômico ao trágico e horror. Há uma homenagem linda à Maradona ( sim, creia ), algumas falas brilhantes ( e outras muito piegas ), e um final que é perfeito. Mas mesmo assim sentimos que falta alguma coisa...Talvez seja a comparação ao outro filme...ou talvez a gente não perdoe as 3 ou 4 falas muito ruins...( será o inglês... ). De qualquer modo é um belo filme e Caine raramente esteve tão perfeito.
   AS IRMÃS BRONTE de André Téchiné com Isabelle Adjani, Marie-France Pisier, Isabelle Huppert.
Que tema poderia ser melhor que as irmãs Bronte!!! Filmado na região em que elas viveram, uma imensa planície cheia de vento, frio e verde; o filme consegue ser completamente vazio e sem emoção. Emily Bronte fala como uma feminista cliché, Anne tem o mal humor típico de Huppert e Charlotte parece uma fazendeira da Vogue. O problema básico é ser um filme francês. As Bronte são olhadas de fora, como excêntricas figuras inglesas. O roteiro se distancia e seca toda emoção. Elas se tornam bonecas de cera. As falas viram teses. O filme, sucesso de bilheteria em 1979, nada tem de Bronte. Quer ser tão real que se torna morto. Defeito típico do cinema da França: quando quer ser documental se transforma em tese de laboratório. Quando quer ser fantasia consegue ser real. Os piores filmes do cinema são de lá. Alguns, muitos, dos melhores também. O cinema da França é grande quando quer ser criação livre, é péssimo quando deseja retratar a vida "como ela é".
   GOTHIC de Ken Russell com Gabriel Byrne, Natasha Richardson e Julian Sands.
Ken Russell, o diretor do mal gosto e do gosto ruim, se debruça sobre a noite em que Mary Shelley criou Frankenstein. Então o que temos são: Lord Byron, Shelley, Mary Shelley, Polidori e a amante ocasional de Byron, Claire. Russell junta todos num palácio suíço e sem qualquer medida de gosto ou de equilíbrio, povoa o filme com ópio, sexo, sangue, blasfêmia, péssima música e atuações exageradas. Eu não entendi nada do roteiro, mas penso que não é para se entender nada. É só pra se sentir. E eu senti nojo. O filme é assustador. Começa como uma bobagem tola dos anos 80, com uma trilha sonora mediocre de sintetizador que invade toda credibilidade do filme. Mas depois ele insiste tanto no exagero e na histeria que começamos a nos sentir incomodados. E Russell consegue mais uma vez fazer um filme feio, desagradável, aquilo que ele quis fazer. Esqueça Shelley. Ele não era esse viciado em ópio efeminado e alucinado pelo horror. Ele era bem mais frio. E Byron não era esse diabete dos anos 80, sádico e cheio de frases bobas. O filme me fez pensar uma coisa: em 1820 os românticos eram únicos. Hoje muitos são como eles. Mas sem a novidade. Apenas cópias de seres de dois séculos atrás.
   ESSE MUNDO É DOS LOUCOS ( LE ROI DE COEUR ) de Philippe de Broca com Alan Bates, Genevieve Bujold, Michel Serrault, Jean-Claude Brialy, Micheline Presle.
Uma das melhores trilhas sonoras de todos os tempos, de Georges Delerue. Vi o filme em 1979. Na TV, Adorei. O achei livre. Revi em 2010 e detestei. Achei bobo. Vi mais uma vez agora. É bobo e livre. Mágico. Muito mágico. E ingênuo. Ele tem a ingenuidade de quando foi feito, 1966. E a magia de quando foi feito, 1966. A história: na primeira guerra mundial, uma cidadezinha da França é abandonada pelos alemães. Um soldado escocês é mandado para lá a fim de desativar uma bomba que foi deixada. Enquanto isso os loucos da cidade saem do hospício e elegem o soldado o Rei de Copas. Vemos os loucos assumirem a cidade, cada um tomando para si um papel. O padre, o cabelereiro, a prostituta, o prefeito. O soldado, um ótimo Alan Bates, resiste a essa farsa, mas se apaixona e entra no jogo. Até chegarem os dois exércitos...O filme atinge o alvo. No começo achamos os loucos apenas uma irritante troupe de atores mambembes, depois somos seduzidos por sua fantasia. Quando ele voltam os hospício nos sentimos traídos. Broca teve dez anos de grandes filmes. Este é um deles. Diferente, leve e muito profundo.
   O VAMPIRO DA NOITE de Terence Fisher com Peter Cushing e Christopher Lee.
O primeiro filme da Hammer sobre Drácula. Cheio de clima, a história é centrada em Van Helsing. Ele é o personagem principal. Lee foi o melhor Dracula do cinema. O filme não assusta mais, mas diverte.
 

  

BRINQUEDOS

   Algumas pessoas, intelectualizadas, gostam de dizer que brinquedos são ferramentas que nos fazem na infância aprender a lidar com a realidade. Eu prefiro pensar que brinquedos são atores que usamos para aprender a amar. Eles são meios que despertam nossa estética, são focos de nossa atenção, concentração e imaginação. Amamos sua cor, seu peso, sua sinuosidade. Viajamos em suas possibilidades e agarramos sua realidade. Na minha vida poucos amores foram tão fortes como os que senti por meus brinquedos. Abrir o pacote em que eles vinham embalados nada ficava a dever ao ato de despir uma mulher.
  Um elmo de cavaleiro medieval, branco, com uma cruz vermelha. O escudo e a espada acompanhavam, nas mesmas cores. Uma cidade toda feita em madeira, cidade do faroeste, as portas de vaivém do saloon, a casa do sheriff. Ainda sinto o cheiro da madeira.
  Uma locomotiva movida a pilha, que corria e fazia barulho de trem, piscava luzes coloridas.
  Um Fusca vermelho, de bombeiro, que batia nas paredes e voltava, escandaloso.
  Um enorme cachorro marrom de pelúcia, tão grande que eu me sentava nele, como se fosse um cavalo. Desse eu ainda sinto sua presença. Eu olhava sua cabeça, esperando ver sua piscada.
  A noite em que ganhei um Fusca vermelho, dessa vez um desses carrinhos em que se pode montar e andar com pedais. Ele tinha buzina, faróis que acendiam, volante. O plástico duro, frio. Eu olhava apaixonado a luz amarela dos faróis.
  Minha bicicleta, vermelha também, uma Berlineta Caloi, onde aprendi rapidamente a correr sem o apoio das rodinhas de segurança.
   Meus bonecos, pelos quais me apaixonei completamente, um elefante de borracha com chapéu de circo, meu Cebolinha, um cachorro cor de vinho com grandes orelhas caídas, um gato azul, dengoso, com eles eu montava histórias sobre a manhã.
   Tive um Autorama que logo queimou, tive um Forte Apache, uma Corrida Mágica.
   No fim da infância vieram os carrinhos Matchbox, o primeiro um carro de corrida laranja que eu não cansava de olhar.
   Fiz casas com blocos de madeira, o cheiro que eu sempre adorava, construí coisas inúteis com os Pinos Mágicos, pequenos blocos de plástico barato, mal feitos, que me deixavam doido de ansiedade.
   Atirei com pistolas que soltavam flechas com ventosas. Botei fogo em carrinhos de lata. Voei com aviões da segunda-guerra. Colei álbuns de figurinha com cola feita em casa, grossa e com cheiro tão bom que eu queria comer.
  Nos meus cenários, o porão, o quarto, o quintal, o campo aberto e sem muros, brinquei amando e amei brincando. Um exército completo com meus soldados americanos, até bazuca havia. Os tanques dispostos no chão de tacos de madeira, meus joelhos esfolados. Deus meu! Eu não parava de brincar! Com as revistas de minha mãe, com cabos de vassoura, com pedras no chão, na cama, na escola, sozinho ou com meu irmão.
  E depois na faculdade, fazendo peças de brinquedo, gravando videos à toa, inventando coisas pra amar.
  Talvez aqui exista uma bela frase: o amor, a gente inventa pra brincar...

OLIMPÍADAS DE 2016. NADA DE NOVO NO PAÍS DO FUTURO.

   Brasileiro não gosta de esporte. Ele gosta de torcer. Não apreciamos o esporte, e por isso, não suportamos atletismo. No atletismo todos são colegas e não rivais. Brasileiro acha que tal coleguismo é lorota. Ou falta de garra. Atletas viajam juntos e treinam juntos. Muitos são amigos. O que eles querem é SER O MELHOR e isso é diferente de VENCER O OPONENTE. Uma ética educativa que o brasileiro não entende.
   Nunca houve tocha olímpica tão esculachada. Ela se tornou COADJUVANTE de sua própria festa. O estádio olímpico, retrato de nossa incompreensão ao atletismo, foi jogado lá pro engenhão e o palco maior virou o Maracanã. Esculacho foi pouco. As cadeiras nunca ficaram cheias. Deu tristeza ver Mo Farah correndo apenas para seus colegas. E mesmo Bolt não teve o público que merecia. Foi uma despedida protocolar.
   Phelps foi o cara da festa, mas as piscinas também estava a meia boca. Se a gente tirar os parentes e amigos dos atletas não tinha quase ninguém. E hoje, claro, o basquete dos EUA jogou para casa meia boca. Ingresso caro não é desculpa. A classe média lotaria tudo. O fato é que a gente não tá nem aí pra basquete ou corrida.
  Os americanos ganham porque se divertem em disputar. Phelps se divertiu pacas! Mas é diversão puritana, bem entendido, familiar. A equipe americana tem cara e alma de excursão escolar.
  Foi uma olimpíada triste. Ok, meio triste. Afinal, foi a olimpíada das despedidas. Phelps e Bolt, bye bye, Mo Farah e Gatlin, bye bye. E ninguém novo surgiu. Nenhum fenômeno. Daí uma certa melancolia de fim de era. E as arquibancadas vazias só não incomodam quem se acostumou ao campeonato brasileiro de futebol.
  A coisa mais emocionante que vi foi a disputa épica entre Andy Murray e Del Potro. O melhor brasileiro foi o cara da canoa. Que será tratado como o "brasileiro do povo cheio de garra e força ninguém pode com nós". Ok.
  Adorei o hipismo. E na maratona notei que toda cidade brasileira é igual. O Rio é como SP. É sim! O mesmo mal gosto. A mesma uniformidade em prédios com área gourmet. O que o Rio tem de lindo foi feito por Deus, não pelo brasileiro. O brasileiro apenas tenta estragar aquilo que a criação fez.
  O Brasil ganhou dos meninos da Alemanha. Na verdade empatou. A goleada tá zerada. Ok.
  PS: Volto à vida normal. Foi uma olimpíada sem graça. Só Atlanta foi pior.

O ANO MAIS REVOLUCIONÁRIO DA MÚSICA - ANDREW GRANT JACKSON...LSD, BLACK MUSIC E SURREALISMO

   Esse cara escreve bem pra caramba! Ele consegue contar a história do ano de 1965 inteira abrangendo politica, guerra, revolução negra, sexo, as primeiras passeatas gays, cinema, e muita droga de uma forma leve e ao mesmo tempo completa. Cada capítulo abrange um momento e alguns são emocionantes. Andrew faz ainda uma comparação entre as drogas de 65 e as de 2015.
  Eu acho que o grande ano é 1972, mas o que dizer de um ano que nos deu a seguinte sequência de números 1 da Billboard: my girl, day tripper, help me rhonda, satisfaction, like a rolling stone, eve of destruction, in the midnight hour, i feel good, help, yesterday, get off of my cloud, sound of silence, respect, we can work it out e these boots are made for walking...
  As histórias são fantásticas! A turma de Ken Kesey, Timothy Leary, descrições de viagens de ácido, revoltas negras violentas, a ironia de Dylan, Martin Luther King, o desastre da guerra, como se fazia um disco na época, o pop negro, Warhol, a moda...
  Não vou ficar contando trechos do livro, ele é tão bom que teria que o reescrever. Mas não resisto a dizer que 1965 ecoa em seus sucessos e seus fracassos até hoje. Somos reflexo daquele tempo. Inclusive no modo como nos relacionamos com a internet. Warhol fotografava e filmava tudo obsessivamente, criava 15 minutos de fama para todo anônimo, exatamente como fazemos hoje.
  Leia, leia, leia.

A PARTIDA# BILL MURRAY# CHARIOTS# WHITE SNOW# DRACULA

   A PARTIDA de Yojiro Takita com Masahiro Motoki e Ryoko Hyrosue.
Ele toca cello mas a orquestra onde trabalha fecha e assim ele retorna a sua cidade natal. Lá ele arruma um emprego: maquiador de cadáver. Mas é o Japão e lá essa profissão tem uma importância ritual e estética que não existe aqui. O filme com esse tema poderia ser pesado ou tenso, é antes de tudo leve e relaxado. Mérito da direção mas também de um roteiro perfeito. O círculo se fecha e este filme anda ao redor da morte como vida. A simbologia da pedra nunca foi tão bem explicada. É um filme delicado. O cinema japonês tem um caráter, este filme o exibe. Um dos grandes do século.
   TIRANDO O ATRASO de Dan Mazer com Zac Efron, Robert De Niro e Zoey Deutch.
Começa muito ruim. Depois melhora e a lembrança acaba sendo ok. De Niro é um viúvo que sai com o neto em viagem. Esse neto, super careta, vai se soltar e muda sua vida ao final da trip. O roteiro é óbvio, Zac mostra a bunda o quanto pode, mas De Niro salva o filme. Seu personagem é tão vivo que dá energia ao filme. Ah sim...no mundo de hoje ser livre é se drogar e fazer sexo. Ok. Nota 6.
   BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR de Rupert Sanders com Kristen Stewart, Charlize Theron e Chris Hemsworth.
Bem melhor do que parece. Num clima dark, Branca é a força vital, a natureza e a madrasta é a destruição daquilo que seja vivo, natural, do sol. Isso é desenvolvido com ação e sem nada de pedante ou didático. Cinema americano puro. O cinema que em seu melhor diz muito sem ostentar nada. Envolvente e bonito. Nota 7.
   ROCK EM CABUL de Barry Levinson com Bill Murray, Kate Hudson, Bruce Willis, Zooey Deschanel.
Um lixo. E o mais triste é que desta vez Bill Murray acordou. Mas o roteiro é tão ruim que nada poderia o salvar. Ele é um empresário de rock fracassado que agenda show em Cabul. Lá fica sem sua cantora e se envolve com cantora islâmica que canta Cat Stevens. Willis é um mercenário e Kate Hudson uma prostituta. Ambos estão constrangidos. Levinson foi um diretor bem bom. Vinte anos atrás.
   MOMENTUM de Stephen com Olga Kurylenko e Morgan Freeman
O ponto mais baixo.
   CARRUAGENS DE FOGO de Hugh Hudson
Em 1981 eu assisti ao Oscar. Foi a grande zebra da década. Uma das maiores da história. Naquele tempo ninguém entendeu porque um filme tão bobo vencera o filme de Warren Beatty, Reds. Fácil saber: Beatty era odiado por seus pares, Reds era um filme de esquerda e filmes ingleses sempre agradavam os velhinhos da academia. O filme é chato e o pior de tudo é sua trilha sonora. Foi o começo das horrendas trilhas com synth, moda nos anos 80. Reds é um filme cheio de defeitos, mas medíocre ele nunca é.
   DRÁCULA, O PRINCIPE DAS TREVAS de Terence Fisher com Christopher Lee
Produção Hammer. Dois casais se hospedam em castelo. Lá estão as cinzas de Dracula e ele volta a beber seu sangue...Apenas ok para quem adora castelos e vampiros.

A TAÇA DE OURO- HENRY JAMES. PSICOLOGIA ESCRITA.

   Incrível como Henry James não descreve ambientes. Pouco sabemos de roupas, paredes, jardins ou condições climáticas. Seus livros, cada vez mais, são descrições de mentes falando com mentes e de mentes conversando consigo mesmas. Como Proust, James investiga o funcionamento da mente, dos sentimentos, da razão, da percepção. Ele esmiúça cada pequeno movimento mental, todo sentimento que nasce e que se vai. Quem ler superficialmente dirá que não há ação. Na verdade a ação nunca cessa, as personagens se movem dentro de sua alma, fluem, voam, param, se amortecem e explodem. Dentro de si.
  Henry James planta surpresas e deixa que nós as encontremos. Enquanto os personagens pensam e sentem, as coisa vão mudando de figura ao redor. Ocupados com esse diálogo incessante, eles acabam por deixar de lado a tal "realidade". Eis um retrato da vida.
  Um italiano que vive na Inglaterra, bem adaptado, sem sotaque, se casa com uma inglesa rica. Ao mesmo tempo sua ex namorada, pobre, se casa com seu pai. Como uma observadora, temos uma mulher mais velha, confidente de todos eles. Os temas de James estão presentes: o estrangeiro, a mulher como ser que move a vida, o homem como joguete do destino. Henry James nunca se casou, ele percebe a mulher como ser forte, aquele que faz as coisas, que decide.
  O livro tem 600 páginas e períodos de várias páginas. Não há como desenvolver uma psicologia tão vasta em frases curtas e truncadas. O estilo aqui é sinfônico. Cada pensamento desenvolvido até o fim. Como tema musical. Como harmonia que vem e se esvai. E retorna depois.
  Proust levaria esse estilo ainda mais longe unindo a sintaxe poética ao estilo.
  Ler Henry James é ler um espírito.

NARRATIVAS

   Observe um casal fazendo sexo. Tire do ato TODA conotação "criada" pelo homem. ( Vamos chamar esse "criado" de tudo aquilo que não vemos nesse ato, ou tudo aquilo que não é explícito nos gestos ). Então, desse ato sexual, vamos abstrair tudo o que lemos, cremos, imaginamos, pensamos. Veremos apenas dois corpos, suando, gemendo, beijando, se esfregando. O ato estará totalmente isento de interioridade.
  Falo isso ao ler texto de Frye. O que diz que todas as narrativas escritas pela ficção estão em seu nascimento já narradas na Bíblia. Os contos bíblicos são a matriz de toda narrativa imaginada. Mas vamos adiante...
  Nossa mente criativa seria então um depósito ou um contêiner de contos, de lendas, de verdades ou não ( aqui não falo de religião, falo de invenção ). Desse modo, tudo o que pensamos e fazemos vem dentro desse "embrulho" imaginativo. Volto ao ato sexual.
  Se voce é ateu, nesse ato, mesmo voce tão materialista, estará pensando esse ato "fantasiosamente". Poderá estar pensando no amor, num filme visto, numa performance pornô, na liberdade do sexo, numa narrativa boêmia...ou até em dois animais transando. Mas o ato mecânico, o aqui e agora do sexo, isso dificilmente lhe será suportável, querido ou dado.
  Vivemos dentro de uma grande narrativa que nos guia e nos envolve. Tudo o que vivemos, pensamos, sentimos tem uma linha narrativa que foi narrada anteriormente.
  Saio de Frye e recuo até Vico e digo que a vida é apenas essa narrativa já narrada em outras vidas. Ao mesmo tempo essa narração é tão tênue, tão limitada que Vico diz que haveria outra verdade que nos é negada ou inalcançável. Uma vida fora e além da narrativa. Livre.
  Toda a arte moderna lutou para escapar. Mas sempre acabou sendo a velha luta do bem e do mal, do amor e da dor, da solidão perante o cosmos, da culpa, da traição e da vingança. Bíblica. E os maiores, Joyce, Faulkner, Mann, Kafka, Dostoievski, Nabokov, Proust, James, são os que melhor usaram essas narrativas em profundidade.
  Penso que ter a consciência dessa narrativa é uma forma de ser livre.