FRANK SINATRA & ANTONIO CARLOS JOBIM Medley bossa nova 1967



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JOHN HUSTON

   Leio mais uma vez a bio de John Huston. É ótimo ler suas palavras. É como se um avô estivesse nos aconselhando.
   Huston é tão bom de ler porque ele me libera. Um homem culto que nunca deixou de ser um homem de carne e sangue. No tempo dele um homem podia ainda ser um homem. Não, não estou fazendo apologia do machismo! O que digo é que hoje somos obrigados a nos segurar, a pensar vinte vezes antes de ousar agir. Tudo é pesado, rotulado e levado ao tribunal do "bem". No tempo de Huston se confiava mais no impulso e na intuição.
  Claro que me causa nojo suas descrições de caçadas. Mas isso é suavizado pelo modo como ele descreve suas amizades, suas mulheres e seus filmes. John Huston viveu como quis. E viver para ele era ser um homem.
  Ele jogava, bebia, dava vexames e lia muito. Amava pintura, escultura e música. Cresceu e viveu com bichos, muito bichos e com amigos que eram jockeys, apostadores, caçadores, e também escritores e nobres irlandeses. Adorava o México, a Irlanda, a França e o interior dos EUA. Casou cinco vezes, teve filhos e fez mais filmes fracassados que bem sucedidos. E seus filmes problema são hoje fascinantes ( menos A Biblia e Carta ao Kremlin, são imperdoáveis ).  John Huston era o oposto completo do tipo de homem que hoje é vendido como "o homem de bem": calmo, compreensivo, delicado e suave. Ele era enérgico, cheio de opiniões, forte e quente, muito quente. Era grande. Um gigante.

Gigi - 08 It's A Bore



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Gigi - Leslie Caron - Maxim's chorus restored



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BOCACCIO- O REGRESSO- MINELLI- TARANTINO- EVERESTE- GIGI- COLE PORTER

   OS 8 ODIADOS de Tarantino com Kurt Russell, Samuel L. Jackson e Tim Roth.
Logo no começo do filme a personagem de Jennifer Jason Leigh leva um soco na cara e cospe sangue. Imagino que Quentin tenha dado boas risadas com isso. Eu odiei. Quem me conhece sabe que estou longe de ser um "politicamente correto". Penso inclusive que o movimento merece ser gozado. Mas não assim. Tarantino tem um talento técnico imenso. Ele viu muito cinema e viu direito, com atenção. Mas ele tem um sério problema: é um homem vazio. Nada tem para contar. Assim como Fincher, Nolan ou tantos outros, Quentin cresceu na frente de uma tela e conhece quase nada da vida lá fora. Não há nele nada de vivo, tudo é uma grande piada. Quando o roteiro ajuda, como em Pulp Fiction, essa bobagem vira uma festa de esperteza e de humor; mas quando o roteiro é fraco, nada há que Quentin possa acrescentar. Este filme é bobagem teen bem filmada. Nota 3.
   O REGRESSO de Iñarritu com Leo di Caprio e Tom Hardy.
Sinto muito Leo. Não vi o filme sobre Dalton Trumbo, mas torço por Bryan no Oscar. Iñarritu tem um talento imenso, mas é uma pessoa chata. Apesar que....Será que essas estripulias de imagem e de montagem não seriam talentos do equipamento hoje disponível...e não do diretor que os utiliza....Penso no que Ophuls, Hitchcok ou Powell não fariam com câmeras tão leves e cores digitalizadas à vontade... Bom, este filme é uma bosta. Um monte de esterco fedido e bem grudento. Fezes com legendas que dizem ser "ouro". Mas é bosta mesmo. Uma câmera bêbada filmando gente suja cometendo barbaridades. Só isso. Não há invenção, criação ou imaginação. O cinema alcança assim o ponto onde as artes plásticas estiveram por volta de 1995, quando um artista italiano expôs merda enlatada num museu. Nota ZERO.
   MARAVILHOSO BOCACCIO dos Irmãos Taviani
Mais recente filme dos irmãos italianos, ele nada tem em comum com o famoso filme de Pasolini. Aqui a austeridade manda. É um Bocaccio distanciado, frio, rígido. Plasticamente é um belo filme, emocionalmente ele nada transmite. O filme começa exibindo a Peste Negra a dizimar Firenze e então vemos o grupo de jovens que foge da cidade e no campo contam histórias para passar o tempo. Creio que os Taviani estão muito mais distantes do espírito medieval que Pasolini. Eles filmam como italianos de 1650. Nota 5.
   EVERESTE de Baltasar Kormakur com Josh Brolin, Emily Watson e Jake Gyllenhaal.
Em 1996 vários grupos de turistas tentam atingir o topo do Evereste. Mas os acidentes acontecem. Finalmente chegou ao cinema o livro de Jon Krakauer. E o filme dá o que promete: emoção. Sabemos desde o começo quem vai morrer, afinal é uma história real, mas mesmo assim o filme nos faz entrar na montanha. O vento e a neve nos seduzem. Nota 6.
   O PRIMEIRO ASSALTO DE TREM de Michael Crichton com Sean Connery,  Donald Sutherland e Lesley Anne Down.
Crichton é sim o escritor. Pra quem não sabe ele dirigiu alguns filmes nos anos 70. Este, de 1978, conta um elaborado plano para se roubar um trem cheio de ouro na Inglaterra de 1860. Cenários vitorianos me seduzem e ainda há Sean Connery esbanjando charme como um ladrão seguro e criativo. Lesley foi das mais lindas atrizes britânicas e Donald faz um ajudante meio nervoso. Dá pro gasto, mas não espere muito. Nota 5.
  AGORA SEREMOS FELIZES ( MEET ME IN SAINT LOUIS ) de Vincente Minelli
Digamos assim: este é o oposto radical de O REGRESSO. No filme de Iñarritu temos o absurdo da pornografia. O mundo como sangue e dor mostrado em lentes objetivas e com uma falta de imaginação completa. O real escapa em meio ao exagero do sensacional. Aqui temos o absurdo da delicadeza extrema. O mundo como canção onde tudo se diz e nada fica nas sombras. Tudo mostrado com lentes rosadas, onde o real escapa porque jamais foi procurado. O roteiro: em 1903 uma família de St. Louis vive sua vida comum. Namoricos, jantares, festas, pequenas dores. E é pouco mais que isso. Mas esse mais faz toda a diferença! A Metro usa um lindo Technicolor, Judy Garland canta lindas canções, os cenários são familiares e você fica querendo que a vida fosse aquilo e sabendo que não é. Mas....quem sabe um dia seja.... Well....foi o primeiro grande sucesso de Minelli e é considerado hoje um dos filmes mais alto astral já feitos. Você quer ter uma família assim. O tipo de cinema que fez os EUA ganharem o mundo. Nota 8.
   GIGI de Vincente Minelli com Leslie Caron, Louis Jourdan, Maurice Chevalier e Hermione Gingould.
Se St. Louis é o primeiro sucesso de Minelli, este é o último. GIGI ganhou penca de Oscars  e levou multidões aos cinemas num tempo em que adultos iam ao cinema. O roteiro é do gênio Alan Jay Lerner e fala de uma menina que é treinada para ser cortesã na Paris de 1900. Ao redor dela o que vemos são tias e avós que querem vende-la, em ambiente de extremo luxo. As canções são de Frederick Lowe e toda a parte visual, roupas e cenários, são da lenda Cecil Beaton. Sim, a equipe é quase a mesma que faria MY FAIR LADY cinco anos mais tarde. E as canções são maravilhosas e recitativas, como serão as do filme baseado em Shaw ( este se baseia em Colette ). Chevalier tem momentos sublimes e o filme nos dá uma sensação de alegria leve e chique que não têm preço. O filme termina e nós vamos à vida com renovado charme e boas emoções. Uma aula de savoir faire. GIGI é uma festa! Nota DEZZZZZZZZ!!!!!!!
   ALTA SOCIEDADE de Charles Walters com Bing Crosby, Grace Kelly, Frank Sinatra e Louis Armstrong.
Rever este filme mais uma vez é como encontrar numa loja aquele vinho que você bebeu em 1995 e nunca esqueceu. Uma linda lembrança que se revela verdadeira. O filme continua lindo. Nunca uma atriz foi mais bonita que Grace aqui. As canções de Cole Porter são sublimes e todo o elenco nos dá diversão. O roteiro é fofo, vazio, bobo até, mas os diálogos são espertos e a inteligência do espectador nunca é ofendida. Um souflé. Delicioso. Nota 8.

Frank Sinatra and Ella Fitzgerald How High The Moon Medley



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SINATRA, O CHEFÃO- JAMES KAPLAN, UMA MARAVILHA.

   Esta é uma obra de amor. James Kaplan ama a música de Sinatra. Mas, felizmente, não ama o homem. Isso faz desta biografia, a mais completa que já li, uma obra quase perfeita. Kaplan conta tudo o que é verdade, e aquilo que poderia ser verdadeiro é contado como aberta possibilidade, ou não. Espero que jamais filmem este livro.
 O livro começa onde o outro termina. É 1954 e Sinatra, após a decadência, renasce. Ganha um merecido Oscar e muda de gravadora. Volta a vender discos e a ser o REI de Las Vegas. A partir daí, são mais 1.100 páginas em que nunca se enche linguiça. A vida de Frank é a história do século XX. Aqui está o mais chique e o mais lixo.
 Como é impossível tentar abreviar a vida de Frank, prefiro falar muito por alto dos assuntos aqui tratados.
 A máfia nos EUA. Frank foi amigo de vários mafiosos e por isso era odiado e temido por muitas pessoas. Várias vezes ele foi investigado, e nesse pedaço de sua vida temos gente como J.Edgar Hoover, Sam Giancana, Jilly Rizzo, Mickey Rudin e toda a Las Vegas em seu auge, cidade que seria destruída pelas grandes empresas que tomariam conta dela a partir dos anos 60.
 A politica. Sinatra foi amigo de Kennedy. Faziam bacanais juntos. Frank trabalhou duro por Kennedy. Mas após a vitória, o novo presidente começou a se afastar, acabando por trair Frank. Bobby Kennedy, Jackie, Marilyn Monroe, Nixon, a CIA, Fidel Castro e Krushov são os personagens aqui. Talvez seja a mais fascinante parte do livro. Depois Frank vira casaca. Reagan passa a ser seu amigo.
 Mulheres. Sinatra teve caso com mais de 3.000 mulheres. Casou-se 4 vezes. Foi pai de 3 filhos. Ava foi uma paixão eterna. E o livro conta a bio dela também. Em 1966 ele se casou com Mia Farrow, a filha hippie-chic de 21 anos de John Farrow, um diretor bem doido de Hollywood, e de Maureen O'Sullivan, a melhor Jane de Tarzan e uma atriz lindíssima. O casamento durou quase dois anos e acabou com Frank a dispensando enciumado por seu sucesso no cinema em O Bebê de Rosemary. Aqui vemos o mundo de Beatles, Polanski, India, Maharishi, Londres em 1967, minissaias e boates. Mia, que Kaplan descreve muito e sobre a qual se estende, aparece como um enigma. Uma menina mimada que amou um cara 30 anos mais velho, e que sofria cercada por velhos, ou uma doida que se divertia com tudo aquilo que pudesse provar. Depois Frank, já idoso, se casa com Barbara Marx, ex-esposa do irmão Marx menos talentoso, Zeppo. Uma aproveitadora. Aqui temos ainda Angie Dickinson, Shirley MacLaine, Jill St.John, e mais uma multidão de starlets e etc.
 Amigos. Os mafiosos. Frank Sinatra não conseguia ficar só. Não dormia, bebia, saía, gastava, fazia shows, jogava. Tudo isso sempre cercado por dez, doze, vinte amigos. Acordava e já convocava os hóspedes, sempre em turma. Ficamos sabendo do tranquilo Dean Martin, um dos poucos caras que ele respeitava. Sammy Davis Jr., Peter Lawford, Kirk Douglas, Yul Brynner e uma multidão de milionários, músicos, produtores de shows, atores... Sinatra era um dínamo e poucos conseguiam o acompanhar.
 Cinema. Os filmes ruins, muitos, os bons, poucos. Frank odiava ensaiar. Queria sempre filmar em uma tomada, sem ensaio. Ia embora quando irritado, não esperava. Poucos filmes ele fez a sério. Otto Preminger, John Frankenheimer, Minelli, Raquel Welch...
 E a música...
 Na verdade era onde Frank Sinatra se sentia feliz. Homem ansioso, apressado, estourado, muito mandão, cheio de vontades e de mimos, cercado de puxa sacos, no estúdio ou no palco ele virava outro. Era gentil. Kaplan fala dos grandes discos, gravados em 3 ou 4 dias ( !!!!!!!! ), dos shows para 500, 800 pessoas, dos especiais de tv. E dos fracassos, dos singles medíocres, dos LPs que não venderam, do fim. Uma constatação: o movimento hippie matou sem dó toda aquela geração. Se hoje há espaço para diretores de cinema de 70 anos, cantores de 75, atores de 80, em 1965, rapidamente, toda a geração que tinha mais de 35 anos começou a ser chamada de DECADENTE, GAGÁ, IRRELEVANTE. Isso foi terrível para todos, e muito revoltante para Sinatra. Ele odiava rock, não entendia nada daquilo e passou, aos 39 anos, a ser visto como passado. Os discos começaram a vender pouco, mas no palco ele ainda era rei. O mais bem pago.
 Um belo dom de Kaplan é que ele ama Sinatra e gosta de rock. Ele elogia Beatles, Stones e Kinks. Compreende que sua qualidade, que Frank não podia ver, estava na sinceridade, na coisa visceral, e não na técnica e gosto, que era onde Sinatra se destacava. O rock era confessional, sanguíneo, dionisíaco, e a arte de Sinatra sempre fora Apolo, a perfeição.
 O Brasil aparece, e sempre bem, nesta obra. Kaplan chama Tom Jobim de gênio. Diz que suas canções eram tão maravilhosas quanto as de Porter ou Gershwin. Elogia até sua voz, pessoal. Sinatra o adorava, Jobim conseguia o acalmar. E também se fala do Maracanã, o show em 1980, Frank já sem voz, hesitante, e o público, 175.000 pessoas, carinhosos e cantando junto. Frank nunca foi cantor para multidões. Seu show sempre foi olho no olho, intimista, próximo, mas naquele tempo ele precisava de dinheiro, e doente, chegou a fazer 8 shows por semana. ( Em seu auge ele fazia até 9 shows de uma hora...POR NOITE!!!! ).
 Há ainda a história de Frank na TV, veículo que ele sempre desprezou. E mais....muito mais...
 A vida de Frank Sinatra não foi boa. Foi tensa. Os EUA amavam Frank, mas ao contrário de Bing Crosby ou de Elvis, que eram os filhos que toda mãe queria, havia em Sinatra uma mistura de paixão e raiva, de amor e ressentimento que o atingia em cheio. Ele era A VOZ, ele era o melhor e o maior, mas ao mesmo tempo era um carcamano, um mafioso, um convencido, um filhinho da mamãe. Estava longe de ser "o americano típico". E ele lutava contra isso. E venceu.
 Com o tempo os Beatles baixaram a guarda, o mundo mudou de novo, e em 1997, um ano antes de morrer, recebeu em casa a visita de Bob Dylan e de Bruce Springsteen. Ao piano conversaram. E confessaram: Todo rock star sempre quis ser só uma coisa: Frank Sinatra.

O FUTURO CHEGOU: O NOVO FILME DE IÑARRITU O INAUGURA.

   George Lucas falou que o cinema do futuro seria apenas sensação, sem emoção. Um gato sendo torturado seria filmado. A perseguição ao gato, não.
   Sensação é aquilo que um bicho sente: dor, medo, asco, desejo. Emoção é mais complicada, uma mistura de asco com curiosidade, de desejo e medo, de alegria com horror. Tudo isso em meio a inteligência, a espera, ao suspense.
   O novo filme de Iñarritu mostra que esse futuro chegou. São duas horas de sensações. E a sensação, em seu ponto extremo, se chama pornografia. O oposto radical do erotismo.
   A história é banal. Caçadores de peles são atacados por índios. Fogem, e na fuga ocorre uma traição. Vem a vingança.
   Não pense em western. O filme está longe do mundo de Hawks, Ford e mesmo de Clint e Peckimpah. Esteticamente ele bebe nos filmes russos. Mas é moderno e artístico, então o que temos são imagens que vomitam esteticismo. O diretor tem ereções com sua "esperteza". Toda imagem deveria trazer um aviso: "Cuidado! Gênio filmando"
   A câmera voa pelos cenários, flui, vai e volta. O filme não tem uma cena de câmera parada. E, se nos primeiros dez minutos, isso até impressiona, depois a gente nota que é um vicio, um maneirismo que não existe em função do FILME, mas sim em função do AUTOR. E vem, em consequência o pior....Começamos a ver tudo aquilo como um filme. O foco deixa de ser o personagem e passa a ser a técnica. O filme desaba.
   Leonardo di Caprio foi grande em vários filmes. Aqui ele tem seu papel mais simples. Ele urra, suspira e geme muito. O rosto, escondido por barba e movimentos de câmera, mal se vê. É uma atuação muito mais de atleta que de ator. Deve vencer o Oscar pelo que fez no passado.
   Há uma cena com um urso que detona as intenções de seu deslumbrado diretor. Sem nenhum suspense, o urso nos dá um susto e ataca. Então, de um modo pornográfico, vemos o urso torturando Leo. A cena, boçal, não tem a menor função narrativa. Seu único objetivo é provocar uma sensação. Asco. Isso não é arte. É o tal gato sendo torturado.
   O filme, bobíssimo, é o alongamento dessa cena ao infinito.

PONDÉ

   Houve um tempo em que eu lia e escrevia sobre Pondé. Mas me desinteressei. Tive uma sensação de que ele começava a se repetir e pior, parecia querer criar choque. O texto sobre o Natal, acho que em 2012, me deixou chateado e desisti.
  Agora vejo uma entrevista com ele e fico impressionado. O caminho que ele segue é muito parecido com o meu. Ele vê a absurda pretensão dos "puros", o perigo dos grupos e que, como filosofia, o cristianismo é muito mais sofisticado que qualquer outra corrente de pensamento. Pelo simples fato de que o cristão sério, verdadeiro, se entende como ser imperfeito, falho, e assim ele não pode se guiar por sua própria opinião. A vaidade se coloca como mal maior e o ego como a grande infelicidade. Esse, modo de viver que confesso ainda estar longe de alcançar, seria o caminho virtuoso.
  Me impressiona também o fato de Pondé perceber que ciência é também questão de fé. Você crê no big bang ou na evolução e assim joga todo o resto fora. A dúvida se desfaz. Crer em Darwin ou em Freud se torna um consolo. Idêntico a fé em Deus. Consolo e modo de não se inquietar. Com a diferença de que o cristianismo te dá um código de postura perante a vida, a dor e o próximo. A ciência não.
  E para minha grande satisfação Pondé cita Chesterton, o mais belo dos pensadores! Bem vindo de volta a meu coração homem!

O FIM DO MUNDO

   Tenho amigos de boa cultura que talvez não saibam disto. O que prova como a história tem sido jogada na lata de lixo. E se você não conhece aquilo que aconteceu, sinto muito, você vai repetir o mesmo erro pra sempre.
  Houve um momento, em 1962, em que o mundo poderia realmente ter acabado. A coisa foi tão séria que naquele dia, alertado pela Casa Branca, Frank Sinatra lotou seu avião de comida, pegou os filhos e se preparou para ficar voando, em círculos, pelo deserto, enquanto NY e Washington eram destruídas. E no resto do mundo, aturdidos, as pessoas, sem conseguir entender direito aquilo, se preparavam para a Terceira Guerra Mundial, que seria a última.
  Kruschov, primeiro ministro soviético, instalara misseis nucleares em Cuba. Apontados para a Europa e para os USA. John Kennedy mandar a marinha bloquear a ilha do Caribe. O impasse. Ou os russos tiravam os misseis, ou a ilha ficaria isolada do mundo. Krushov mandou a marinha russa para a ilha. Eles chegariam em 3 dias. A guerra tinha data para começar. A guerra nuclear.
  Se um comandante russo ou americano apertasse um simples gatilho de metralhadora tudo poderia se precipitar. Não era como hoje. Não era o terrorismo que nos dilacera lentamente. Seria um fim rápido. Uma guerra de poucas semanas. E se ela tivesse ocorrido eu e você não estaríamos aqui. Não só URSS e USA tinham bombas de sobra para acabar om tudo. China, França, Inglaterra e a India já as tinham.
   No fim Krushov tirou os misseis. E os USA relaxaram o bloqueio. Foi após esse alivio, alivio meia boca, que explodiu o hedonismo dos anos 65-68. A galera se pôs a viver a vida loucamente. Antes que tudo explodisse.
   Foram anos absurdos. Trágicos e patéticos. ( Falo de 60-63 ). Se aqui a gente tinha Jânio se embebedando e largando o emprego; nos EUA havia Kennedy, para Gore Vidal e Paulo Francis, o PIOR presidente da América até Bush filho.
   Tudo isto que conto está no livro sobre Sinatra. E Sinatra, amigo de Kennedy, está no centro do mundo. Nunca houve, até hoje, um cantor tão poderoso. Com tanta liberdade e tráfego em meio ao alto poder. Sinatra ajudou Kennedy a vencer. Sinatra sempre foi um democrata sincero. Amava Roosevelt, Truman e confiou na família Kennedy. Odiava os republicanos. Odiava Nixon. Mas Sinatra foi porcamente traído.
   O livro nos ajuda a entender a podridão que o Brasil parece descobrir só agora.
   Joe Kennedy, pai de John, fez fortuna vendendo bebida quando bebida era ilegal. Ganhou também com contrabando e cinema. Era um homem duro, rude e muito temido. Ficou tão rico que conseguiu ser considerado um tipo de aristocrata. Vejam só! Seu sonho era fazer de John presidente. John Kennedy era culto, educado, bonito, carismático e louco por sexo. Escreveu dois livros, foi herói de guerra e casou com Jacqueline Bouvier, essa sim, uma verdadeira aristocrata americana. A chifrava com atrizes, putas, cantoras, primas, empregadas, o que pudesse tocar. Ela sabia e sentia vergonha.
  Sinatra se apaixonou por John Kennedy. O americano-irlandês tinha aquilo que Frank não tinha: educação, berço, estilo seguro. Sinatra arrumava mulheres para John. O levava a festas. Hospedava. E nas eleições presidenciais convenceu seus contatos suspeitos a darem uma força.
  Os contatos de Sinatra roubaram a eleição. É duro dizer, mas Nixon foi roubado. Kennedy venceu por menos de 1% dos votos. E a Máfia, pressionando, batendo, fazendo boca de urna violenta, ajudou nessa vitória. Mas...e aí vem um dos mais belos dramas de Sinatra, após vencer Kennedy vira as costas à Frank. Não fica bem para um presidente ser amigo de um amigo de mafiosos. Frank fica doido de rejeição.
  Bela história não...tem muito mais! O livro é obrigatório.

David Bowie - Repetition



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David Bowie Fantastic Voyage



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LODGER- DAVID BOWIE. A VIAGEM. MOVE ON.

   Foi no fim de 1979. Comprei Lodger como um dos meus presentes de Natal. Foi meu terceiro disco de Bowie. Em 1974 eu havia ganho Diamond Dogs. Adorei. E em 2016 continuo a adorar. Depois, em 1978, comprei Station To Station. E notei que Bowie era "um chato". O disco em nada lembrava Diamond Dogs. Era esquisito. As faixas eram longas demais. Com pouca guitarra. E ainda tinha duas baladas triiiistes... Golden Years eu adorei. O resto não. Em 2016 eu gosto muito desse disco perdido e cheio de cocaína. Mas Lodger...
  Lembro muito da primeira escutada. Numa velha vitrola, a cara junto ao disco. A capa me pareceu muito feia. E o som...Que bosta era aquela!!! Instrumentos embaralhados, amassados. Barulhinhos irritantes que estragavam a música. Músicas que pareciam mal acabadas, simples rascunhos, e que terminavam antes da hora. Pareciam curtas demais, e ao mesmo tempo chatas, irritantes, toscas.
  Me deu pena de Bowie. E do meu dinheiro. ( A relação com a música era mais visceral também porque ela custava dinheiro ). Considerei aquilo um fiasco. E uma doença. Chamei de "disco doentio". Asco.
  O tempo passou. E só o descobri em 1984. Quando minha fase "modernete" veio. Ouvindo Marc Almond, Gary Numan, Cocteau Twins, comecei a entender que Lodger era o pai daquilo tudo. ( E depois ao comprar LOW vi que ele era o pai de Lodger ). Flashs sintéticos. Polaroides de estados emocionais. Bombas prestes a explodir. E tudo o que nele me irritava passou a exercer fascínio. Instrumentos diretos, afiados, sons diretos e puros, intuições musicais. E a voz de Bowie, afinadíssimo, pairando indiferente sobre aquilo tudo. Da sublime Fantastic Voyage, passando pelas estupendas Move On, Boys Keep Swinging ou Repetition, tudo é surpresa. ( E um cara como eu era em 1979, ouvinte de Fleetwood Mac e Rod Stewart jamais entenderia aquilo ).
  Muitos fãs de Bowie que conheço acham Lodger o melhor Bowie. Eu não. A carreira de David é tão magnífica que apesar de sua subliminidade, Lodger fica abaixo de Low, de Hunky Dory e de Dogs.
  Posso afinal voltar a falar do gênio com mais frieza. Ele partiu mas seus discos ficam. E Lodger, que acabei de reescutar, é o testemunho de uma viagem sem fim. Mais uma estação David.
  Move On.

BEATLES, ELVIS E SINATRA

   Impressiona muito essa biografia de Sinatra recém lançada pela Companhia das Letras. James Kaplan, o autor, além de dar detalhes, deliciosos, sobre o cantor, fala de tudo o que rolava na América de então. E isso faz do livro, 1.200 páginas que são puro deleite, um tipo de filme super produção com o melhor elenco possível.
   Estou na metade, então ainda escreverei mais sobre a obra. O que desejo falar aqui é sobre Lennon e o rock. Quando Elvis surgiu, em 1956, Sinatra tinha 41 anos e estava no auge. Era o artista mais poderoso do mundo. E se irritou profundamente com o rock. E o motivo principal foi a fala. Elvis trouxe ao centro do mundo, pela primeira vez, a voz dos caipiras. Não era a voz de NY, o padrão de Manhattan. Era a voz inculta dos 95%. Sinatra, que lutou bravamente na infância para apagar seu sotaque suburbano-carcamano, se surpreendeu com aquela voz "selvagem e bárbara".
   É aí que entra John Lennon. Kaplan cita uma entrevista do inglês, onde ele diz que em 1956 ele e seus amigos levaram meses para entender o que Elvis falava. O sotaque "americano" era tão forte que parecia outra língua. Os ingleses, que pensavam que o "americano" era aquilo que o cinema e a música popular falavam, não entendiam nada. Mas adoraram. A letra pouco importava. O que era legal era o som.
   Sinatra era artista da Capitol e a dona da Capitol era a EMI. A empresa inglesa ficava doida com o fato de americanos venderem tanto na América e ingleses não venderem nos USA. Em 1955 um tal de George Martin, funcionário da EMI, foi aos USA assistir uma gravação de Sinatra e banda. Ficou doido com o apuro técnico. Voltou a Londres e nos anos seguintes lançou dúzias de novos Sinatras versão UK. Nenhum vendeu na terra americana. Mas em 1963 ele finalmente acertou...
   Uma coisa que nos esquecemos e que foi central na beatlemania era o fato de que Lennon e Paul tinham um sotaque "entendível". As pessoas conseguiam compreender o que eles falavam. Martin foi esperto e deu a eles a harmonia sonora que o rock não tinha.
   O mundo mudou e Sinatra gravaria Beatles no futuro. O rock mudaria e se sofisticaria. Muito graças aos caras de Liverpool.
   PS: como toque final um adendo: a TV dos anos 50 nos EUA....a NBC já transmitia a cores. Alguns shows usavam até cinco câmeras. Transmissões ao vivo das ruas. Mio Dio!!! Como o BR era atrasado!!!!!

HATEFUL EIGHT, UM ERRO DE TARANTINO.

    Tarantino sabe dirigir. Sabe enquadrar, cortar, dá ritmo às cenas. Mas seu estilo, sempre vazio, começa a cansar. Ele sempre nada teve a dizer. Seu mundo é o cinema e só o cinema. Tenho a impressão que ele não teve infância. Nem juventude. Seus filmes revelam uma absoluta falta de assunto. Ele não lê. Parece não viajar. Vê filmes. Muitos. E filma filmes sobre filmes.
    Não, não mudei de ideia. Continuo achando Pulp Fiction genial. Assim como Kill Bill ou Jackie Brown. E sempre disse que eram vazios. Tarantino dirige tão bem que consegue nos hipnotizar filmando papo furado. Mas agora, neste filme, a coisa vai longe demais. Veja bem, o filme é bom de se olhar. É teatro, no sentido de que temos pouca ação, quase nula, e muito diálogo. O diretor tem swing e os atores se esforçam. Mas quando o filme acaba nos sentimos enganados. O que foi aquilo! Nada de história, tudo bobo, humor forçado tosco, para que esse filme...
    Quentin Tarantino é um talentoso diretor de mais de 50 anos que continua fazendo filmes que parecem feitos por um genial talentoso garoto de 18. Isso pode ser ótimo. Se ele tiver um roteiro na mão. Uma história. Mas aqui o que ele tem é apenas uma coleção de maneirismos de faroeste italiano. ( Marquis Warren e Mannix são nomes de um diretor de cinema C e de uma série de TV dos anos 60 ).
   O filme, que não é ruim, é apenas tolo. Uma pena, porque nesse mundo de filmes histéricos ou metidos a besta, um diretor relax como Quentin é sempre bem vindo. Mas aqui ele brincou demais.

Frank Sinatra - "Got You Under My Skin" (Concert Collection)



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MAQUIAVEL, GIORDANO BRUNO E ARIOSTO

   Começo este doido ano dentro do renascimento italiano. Dizem que nossa cultura nasceu aqui. Acredito que ela foi adrenalinizada aqui. Tomou novo impulso. Mas ela existia desde 500 ac. ( E neste século ela está sendo sufocada. Mas não vai morrer. Acho... )
   Maquiavel foi irônico. Vivendo em uma sociedade ambiciosa ao extremo, cruel, e participando desse poder, como ministro, conselheiro, formulou em O Príncipe uma espécie de manual do poder absoluto. A maioria, até hoje, pensa que o texto é aquilo que se lê. Não entendem que Maquiavel aumenta e explicita a ambição e assim a critica. A escrita, de uma clareza transparente, se lê com vivo prazer. Ficamos inebriados com o discurso. Aprendemos a escrever melhor, aprendemos a pensar melhor.
   Bruno foi queimado pela inquisição. Não entendemos hoje qual a gravidade. Afinal, ele era crente, nunca foi contra Deus ou Jesus Cristo. Mas ele cometeu uma ousadia indesculpável para aquele tempo: disse que o céu era infinito e que nele mundos sem fim tinham lugar. Ler Bruno é ler uma mente deslumbrada pela descoberta do "ilimitado". Bruno olha o universo e percebe a maravilha. Ele não se assusta, se apaixona. Podemos dizer que Bruno morreu por amor ao cosmos.
   Ariosto escreve uma fantasia de cavalaria sem tirar os pés do chão. Não é realismo ainda, mas aqui, entre cavaleiros, damas, florestas e lutas, nada acontece por magia. Os personagens são gente e agem como gente. Mais que tudo, Ariosto mantém a rima, o metro e a clareza por milhares e milhares de versos. Dá pra cantar.
  Tudo é belo na renascença. Pessoas cercadas de beleza vivendo uma vida nada bela. Deixaram a maior das heranças. Não sei se a merecemos.

DIGNIDADE EM VIDA

   Ele fecha os olhos e suspira. E sabe que sua morte foi a última parte de sua arte. Não escolheu sua partida, mas escolheu o modo como partir. Raros artistas no rock partiram de um modo tão digno. Não conseguimos lembrar de um escândalo. De uma briga. Bowie não teve um momento de vergonha. Não o vimos no palco, alquebrado, tentando cantar. Nunca houve um hotel quebrado. E ele não morreu drogado, bêbado ou abandonado. Se afastou. Saiu de cena. Lançou dois discos. E depois partiu. E conseguiu não ser esquecido.
   Desde 1983 ele não tem um disco de sucesso. E desde 1987 nem um single memorável. Desde os anos 90 sem excursões grandes. E mesmo assim seu mito se manteve. Apoiado na genialidade de sete curtos anos, ele construiu um mundo de fãs e de artistas que lhe seguiram. O perfeito exemplo do artista que vendeu muito menos do que sua fama sugere. A explicação é simples: ele não era apenas um compositor ou um cantor. Bowie era uma filosofia. Sua fama era espalhada pelos seus seguidores. Gente que nunca comprava seus discos era exposta à voz de quem o idolatrava. E mais que tudo, ouviam discos de pessoas que amavam Bowie. A fama era uma teia. Net antes da NET existir.
   A filosofia de Bowie era aquela que desde os anos 80 virou lei : fama é construção. Nada tem a ver com talento. Ser uma estrela é se comportar como uma. Nada tem a ver com sorte ou dom. Rock é show de teatro. Nada de verdade ou de real. Ele foi o primeiro a ter o despudor de falar isso. Depois, nada mais foi a mesma coisa. Para o bem ou para o mal.
  Kurt, Jimi, Jim e Janis eram ingênuos. Acreditaram na fantasia e morreram seguindo o roteiro do rock star. Bowie, assim como Lou, sempre soube que morrer pelo rock era morrer pelo circo. Ele não embarcou nessa. ( O que não o impediu de escapar por um triz....mas conseguiu sobreviver ).
  Morre. E como dizia Shakespeare: "Todos nascemos devendo uma morte à Deus". Morre como quis. Sem alarde. Sem show. Sem contagem regressiva. Acena um lenço da janela de sua nave. Se vai com Lou rumo ao Sattelite of Love.
  PS: Converso com meu amigo Fabio e notamos que o Brasil está muito pouco Bowie. Tomar partido, fazer parte de grupos, dar chilique....Tudo contra a filosofia de David.
  

O PIOR POST DA MINHA VIDA...BOWIE PARTIU...AQUILO QUE QUERIA NUNCA TER DE ESCREVER...

   Te dará um incômodo chato se eu te disser que meus olhos estão vermelhos e inchados...que eu ando chorando por um cara que nunca me conheceu e a quem eu nunca vi de perto...Mas esse é o milagre da arte meu amigo, a gente ama alguém por nos ter dado muito, mesmo que sem querer ou saber.
   Não há nada a dizer sobre o artista Bowie. Todo o rock feito depois dele é outro. Nunca mais foi ingênuo. O teatro entrou na coisa com ele e nunca mais saiu. Se você desconfia da sinceridade de um rock star você deve isso a David.
   Mas todo mundo sabe disso. E eu não quero cair no banal. Eu lembro das mortes de Lou, de Miles, de Kevin, de Lennon...e esta está sendo a pior. A morte, essa maldita, ela nos leva a todos, mas eu não consigo a aceitar. Pobre planeta...cada vez mais vazio.
   Prefiro falar de uma tarde em 1974. Em que um menino de 11 anos viu um clip de um inglês chamado Bowie. Na Globo, anunciado por Nelson Motta no programa Sábado Som. Fazia sol e meu irmão de 8 anos estava comigo. Ele cantou The Jean Gennie e minha vida mudou.
   Ali estava um cara muito diferente. Não era um hippie cabeludo de jeans falando de amor. Não era um cara tentando me assustar falando de vampiros e de morcegos. Nem mesmo um cantor ao piano fazendo gracinhas e falando de amor. Não. Era um cara com roupa estranha, rosto maquiado e fotogênico, cabelo laranja, e cantando como se aquele blues fosse apenas "uma besteira". Não havia suor. Nem lagrimas. Ele não parecia sofrer e nem se esforçar. Sem eu notar ele me ensinava que a vida era uma PERFORMANCE.
  Isso eu carrego pra sempre. E penso nos caras da minha geração que se perderam exatamente por isso. Nós, sempre com  a ideia da performance, passando sempre a impressão de que estamos fingindo, brincando, sendo um pouco fake.
  Agora ele se foi. E estranhamente noto que o mundo tem voltado a negar a performance. Nas redes sociais todos querem ser DE VERDADE....Veementes, duros, sérios...e acabam sendo tão fúteis em sua pretensão...
  Foi isso que Bowie me mostrou. Que um cara sobre um palco ou um palanque não merece ser levado mais a sério que um cara na plateia. O publico é o star.
  Descanse em paz David. E ...espere por mim....

David Bowie - Starman (1972) HD 0815007



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MICHELANGELO, UMA VIDA ÉPICA - MARTIN GAYFORD

   Torturas. Mais torturas. Guerras. Espanha contra Roma. Roma contra Firenze. Milano contra França. Firenze contra todos. Traições. O duque trai o Papa que trai o rei que trai o cardeal que trai o rei que é traído pelo Papa. Assassinatos. Pai envenenado pela esposa que é esfaqueada´pelo amante que é queimado pelo namorado. Sexo. Muito sexo. Homens velhos amam meninos. E nesse caldo de sangue, doenças, fedor, gozo, medo e fúria vive o gênio.
   Michelangelo não ligava para efeitos de luz. Nem para a natureza, a paisagem. Não pintava retratos. Ele só se interessava por homens nus. Religioso, quase puritano, ele via Deus na beleza. O corpo humano como a mais alta criação divina. E o corpo masculino como o reino da força, da nobreza, do caráter e da transcendência.
   Poeta. Michelangelo além de escultor, pintor e arquiteto foi poeta. Dos bons. E em seu trabalho se percebe que seu mundo não teve mulheres. Apenas Vittoria Colonna. Uma paixão intelectual. Ele amava com intensidade a jovens rapazes bonitos. Mas há a possibilidade de que tudo fosse platônico. Isso porque o gênio era além de católico temeroso, um platônico convicto. Para ele tudo aqui é imperfeição. Lembretes de um universo perfeito e divino que vive além.
  Ele era terrível. Amava a solidão, dado a fúrias, irredutível, perfeccionista, desconfiado, chorão radical, paranoico, descumpridor de custos e de prazos, mas jamais mentiroso. Tempo terrível esse em que ele viveu. De corpos dilacerados em praça pública. Religiosos belicosos, luxuriosos, ambiciosos. Tempo de bancos, de acordos secretos, de vaidade ao extremo.
  Nenhum artista foi tão rico, tão famoso, tão adulado, tão preocupado. Puritano que amava a nudez, amoroso e violento, dava fortunas a amigos e ao mesmo tempo, trilionário, vivia como pobre em mansão vazia de luxo. Esse foi Michelangelo, fascinante ser humano que Gayford descreve muito bem.
  Meu livro do verão.

La Pietà - Michelangelo Buonarroti



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MICHELANGELO by MARTIN GAYFORD

   Essa biografia de Michelangelo, lançada recentemente pela Cosac, tem um problema terrível! Ela nos causa uma horrível obsessão. Portanto, fujam dela! Como café, a beleza ou o banho frio, ela vicia. E muito!
   Eu não consigo parar de ler. Estou na metade e tenho de fazer força para lembrar de outras atividades. Escrevo isto na esperança de me libertar. ( Mas já sinto saudades do livro...)
  A escrita de Gayford é leve, agradável, e consegue ao mesmo tempo nunca parecer fútil ou superficial. Ele não doura, mas também seduz. Dá a justa medida do biografado. Não cai em erros que vemos em tantas bios: a de endeusar o homem o transformando num tipo de profeta inefável. ( Freud por Peter Gay é o exemplo pior. ) Michelangelo criou arte genial, mas nem sempre. Era um homem insuportável, mas nem tanto.
  Grosseiro, agressivo, pão duro, cheio de culpa. E ao mesmo tempo arrogante, vulnerável e generoso. Gayford não faz dele um mártir. Nunca. Faz dele um cara como eu e como você. Apenas com uma diferença, ele tinha um talento que ninguém nunca mais teve. E a teimosia de lutar para o expressar.
  Viveu muito. Numa época em que mesmo os ricos morriam aos 40 anos, ele viveu 90. E produziu até o fim. Nascido em família empobrecida, se via como um nobre caído ( não era ). Seu talento precoce o levou ao convívio com os poderosos. E lá virou uma celebridade.
  Firenze e Roma. O que mais seduz e vicia é o elenco do livro. Além de Michelangelo temos os Medici, vários Papas, Maquiavel, Bramante, Botticelli, Pico dela Mirandola, Ficino, e seu rival, Leonardo. Mais ainda: os Borgia, Rafael, Lippi, Julio...Foi o explendor máximo da alma humana, a hora da virada, da mudança, da descoberta, da confiança plena. ( Segundo Yeats o mundo vira a cada 500 anos. 1500 foi o mais recente auge. 2000 o ponto baixo. 2500 o próximo auge. )
  Um fato é que deverei mudar meu conceito sobre Beethoven. Foi Michelangelo o primeiro artista a não se submeter. Se Beethoven foi o primeiro a trabalhar para si mesmo, fazer só o que queria fazer, Michelangelo, apesar de trabalhar sob encomenda, fazia o acordado como queria e quando queria. Se quisesse.
  Em vida foi o homem mais famoso do mundo. E depois de morto nunca teve um só momento de ostracismo. Nossa cultura sempre foi, e até a invasão do Islã, sempre será guiada por sua concepção do que deve ser o corpo humano perfeito. Ele inventou aquilo que entendemos como "belo talhe". E mais ainda, deu aparência física a nossa ideia de heroísmo e de santidade. Criou sozinho os sonhos que nos encantam até hoje.
  Este livro é obrigatório. Se você quer diversão ele tem. História ele tem. E arte, muita arte.

A IRA BRASILEIRA ( 2015 FOI UM SACO )

Quando a gente assiste um filme do Mazzaropi, ou do Oscarito, Zé Trindade, percebemos como o Brasil de 1955 era pobre. As casas nada tinham. Um fogão, um rádio e é só. Coisas que os americanos tinham a uma década, TV, aspirador de pó, batedeira de bolo, lava roupas, aqui era coisa de milionário. O telefone era símbolo de poder! Veja só.
Como nada na vida é uma coisa só, essa pobreza fazia do brasileiro um povo muito fácil de agradar. A vespa da insatisfação consumista não picara ninguém. A ambição era um bife e uma Teresa para namorar. Claro que se sofria por isso! Se sofria por uma caxumba também. Mas eu falo de humor, e esse ainda era a marca do brasileiro típico. Bobo. Mas um bobo alegre.
A coisa começou a mudar durante a década de 70 e se perdeu de vez nos anos 80. Em 1970 a ambição era o fusca e o violão, mas em 1980 já era a casa na praia, o sítio, a viagem à Paris, a nova TV, mais um carro e um monte de roupas novas. O brasileiro ainda se via como um ser abençoado e alegre, mas esse humor, que fora um dia ingênuo, era agora cínico.
Chegamos ao tempo atual e em 2015 foi escancarado o novo fato: o Brasil é muito, muito mal humorado. A gente não consegue mais rir da desgraça. A gente censura quem ousa rir dela. Sim, eu sei, existem motivos: fomos enganados. Acreditamos que seríamos ricos, que o Jeca ia virar Jack, que emprestaríamos dinheiro pros gringos. E notamos agora que somos os mesmos de sempre: endividados, confusos, mal geridos e vendedores de matérias primas. Então estamos irados.
Sem o humor e o riso fácil perdemos aquilo que nos redimia. Ficamos sendo um povo chato. Muito chato. Nós sempre nos demos mal. Nada há de novo. Mas agora somos aqueles otários que se pensaram especiais e viram que tudo era um conto do vigário. Não somos mais os que contam a piada, somos o objeto do riso.
Eu estive lá e sei que o "mito" do brasileiro sorridente foi verdade. Era fácil conversar com um estranho na rua. Muitos risos nos bares. Homens de bigodinho com um sorrisinho na cara. Programas de humor às dúzias na TV e no rádio. O humor era bobo, caipira, inofensivo. E por isso ainda era feliz.
Nosso humor hoje é agressivo, ofensivo, violento até.
Entramos no século XXI como consumistas consumados. Queremos tudo e queremos já. Mas nunca passamos pela cidadania do século XX. Toda a onda de educação, direitos, sindicalismo democrático, informação dos anos 1950-1970 nos foi negada. Como roceiros mazzaropianos, caímos no meio de um shopping em liquidação. E sem entender nada, achamos que tudo era só isso.
E agora, irados, estamos de bolsos furados.
Meus amigos trabalham mais que nunca. Os despreocupados dos anos 90 hoje são ansiosos.
O Brasil virou um pé no saco!

Fun Boy Three - Our Lips Are Sealed



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The Pajama Game - Steam Heat



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FRED ASTAIRE- TOM CRUISE- GEORGE CUKOR- DORIS DAY- PETER CUSHING

   DUAS SEMANAS DE PRAZER ( HOLIDAY INN ) de Mark Sandrich com Bing Crosby, Fred Astaire e Marjorie Reynolds.
Um triângulo amoroso entre um cantor, um dançarino e uma novata. O cantor larga a vida na cidade e monta uma pousada no campo. Essa pousada vira um hotel-show. E o amigo vai se apresentar lá e disputar sua garota. O filme é uma delicia. Todas as canções são de Irving Berlin e cada uma fala de um feriado. Fred Astaire está ótimo como um dançarino meio safo. Tem três números espetaculares. Mas o filme se sustenta graças a direção do mestre Sandrich, diretor dos melhores filmes da dupla Astaire-Rogers e que morreria nesse mesmo ano. Bing Crosby transpira calma. Um paizão. Poucos anos depois este filme seria refeito com pequenas mudanças...e com resultado bem mais pálido. Nota 8.
   ROMANCE INACABADO de Stuart Heisler com Bing Crosby e Fred Astaire.
Usando as mesmas canções de Irving Berlin, os produtores refazem Holiday Inn. As mudanças são poucas: o ambiente é todo de cidade e Bing é um cara que vive mudando de endereço. Fred disputa uma mulher com ele... Há o Puttin on The Ritz de Fred, e isso sempre nos faz sorrir de satisfação. Mas é um filme de segunda. Nota 5.
   UM PIJAMA PARA DOIS ( THE PAJAMA GAME ) de Stanley Donen com Doris Day, John Raitt e Carol Haney.
Um sucesso na Broadway, este musical trata de um tema incomum: uma greve. O ambiente é todo de fábrica e de gente "comum". O filme foi um fracasso em 1959. Já se sentia o fim do mundo dos musicais. É um filme estranho...as músicas são excelentes, algumas danças são boas ( duas são ótimas ), mas ele não funciona. Simplesmente desistimos dele. A coreografia é de Bob Fosse, o gênio, e em duas cenas percebemos o futuro monstro que ele seria. Os corpos voam, as mãos falam, é o modo único de Bob Fosse fazer dança. Mas o filme...Donen, um dos meus diretores favoritos, dirige sem paixão. Pena...Nota 3.
   A MALDIÇÃO DE FRANKENSTEIN de Terence Fisher com Peter Cushing e Christopher Lee.
O primeiro filme da Hammer. Uma produtora inglesa, barata, que em 1957 resolveu fazer filmes de terror de bom nível. Pegou o ciclo dos anos 30 da Universal e os refilmou de outro jeito. Mais explícitos e coloridos. Este foi o primeiro e como vendeu bem, abriu o caminho para o filão que duraria quase vinte anos. Os atores estão maravilhosos e confesso que senti um certo incômodo vendo o filme. É doentio. Nota 5.
   MISSÃO IMPOSSÍVEL de Christopher McQuarrie com Tom Cruise, Jeremy Renner, Simon Pegg e Rebecca Ferguson.
Apesar da história ser completamente inverossímil, é um filme de ação muito bom. Todas as cenas têm o ponto certo, nunca parecem longas, nunca são velozes demais. Você consegue ver gente em meio ao fogo e às explosões. Tom nasceu para esse filme, está perfeito. O vilão é terrível no ponto exato e a heroína é bonita e convence. Tipo de diversão que vale cada centavo gasto. Nota 7.
   O CAVALO CAMPEÃO de Anthony Pelissier com John Mills, John Howard Davies e Valerie Hobson
Um filme muuuuuito estranho. Numa família de classe média, o pai gasta muito dinheiro no jogo, a mãe é consumista ao extremo e o único filho desmorona vendo o desastre que se aproxima. Mas eles têm um jardineiro que lhe apresenta o jockey club e o menino aposta e começa a ganhar... Poucos filmes demonstram com mais distanciamento o desastre de uma criança. Pais que dão ao filho toda a tensão do lar. O filme é esquisito, árido, simples e muito duro. Hoje é considerado uma pequena jóia do cinema inglês.
   NASCE UMA ESTRELA de George Cukor com James Mason e Judy Garland.
Um filme maldito. Cukor fez um filme de 4 horas. A Warner cortou para duas e meia. E, apesar das indicações ao Oscar, foi um fracasso. Aqui temos ele refeito em 3 horas e pouco. Visualmente é um primor. O colorido brilha em tons de azul e preto, ângulos de câmera ousados e movimentos súbitos. Mas a história é difícil de acompanhar. Talvez por sabermos toda a história do ator bêbado que descobre cantora genial e a lança ao estrelato. O filme é pesado, triste, mórbido até. Judy perdeu o Oscar para Grace Kelly e jamais se recuperou. James Mason está bem, mas nunca emociona. Um grande erro. Dos poucos de Cukor.
   PAPAI PERNILONGO de Jean Negulesco com Fred Astaire e Leslie Caron.
Sempre que Astaire se afasta do tipo continental, o cara da cidade, meio safo, esperto e vaporoso, o filme parece se ressentir disso. Aqui nada convence. Ele é um ricaço que adota uma francesa pobre de 18 anos....Aff...Ela não pode saber e depois de anos ele se aproxima dela sem que ela saiba que ele é o benfeitor que pagou tudo para ela. Sim, é uma bobagem xaroposa. Fuja!