Giuliano Carmignola, Claudio Abbado, Brandenburg Concertos (1 - 6)



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VINIL. A ARTE DE FAZER DISCOS. - MIKE EVANS.

   Saiu agora este bonito livro, pela Publifolha. Evans começa falando da invenção do som gravado, ainda em cilindro, depois a criação da bolacha de acetato. No começo, discos de 3 minutos apenas, a 75 rotações por minutos. E em 1948 a grande revolução com a criação do LP como o conhecemos. Toda essa parte é a mais interessante do livro. Fotos de discos históricos, dos primeiros a vender bem, das capas mais bonitas ou criativas.
  Interessante notar que até os anos de 1990, toda mudança tecnológica tinha por alvo favorecer a música erudita. Para se ouvir uma sinfonia em 1945, por exemplo, era preciso ouvir oito discos. Vinte minutos em oito discos. Uma ópera completa usava cerca de 25 discos. Quando o LP é inventado, pela CBS, é a música clássica que se beneficia a princípio. Todo o catálogo da CBS, e depois da Decca, da RCA, da Philips, são vertidos para LP e são esses os discos que mais vendem. Entre 1949-1959, de cada 100 novos discos lançados, 60 eram títulos eruditos. Eu observei em 1995 críticos reclamando que os novos títulos de eruditos começavam a cair, pois na popularização do CD, entre 1987-1993, eram lançados milhares de discos de música clássica por ano. O CD, como antes com o LP, era uma nova mídia perfeita para óperas e sinfonias.
  Com o download isso acabou. Esse meio, que faz com que as pessoas mal suportem 10 minutos de música ininterrupta, sepultou o disco clássico. Foi a primeira invenção a não favorecer a música de Bach, Brahms ou Berlioz.
  Evans lança bela tese sobre a vantagem do LP. Além da beleza da arte gráfica, dos encartes, há a deliciosa sensação de "ser dono da música". On Line, voce escuta um disco. No LP voce o compra, é seu e só seu. Fisicamente presente. Pra sempre.
  O resto do livro, que fala da história das grandes gravadoras ( Motown, Island, Factory, Chess, Verve, Blue Note...estranho ele pular a Virgin, Decca, Atlantic, Stax, Casablanca, Sub Pop ), as grandes capas, não é tão bom. Talvez porque são histórias que eu conheça muito bem...
  De qualquer modo é um belo livro e que se favorece muito da internet. Pois apesar de o LP ser bem melhor, na NET podemos ouvir todos os sons citados. Então, vamos à eles...

DEBBIE, STANLEY, GENE, DONALD E A GENTE

   A alegria não cabe mais em nosso mundo. O que nos consola é um tipo de histeria sorridente que nada tem a ver com a alegria. No cinema o máximo que podemos almejar é a comédia cínica ou a fantasia abstrata. Há pudor em ser alegre no mundo da arte. Ou pior, há maldade no mundo artístico.
  Debbie Reynolds encarnava a inocência. Stanley Donen a elegância. Gene Kelly a destreza e Donald O'Connor o humor. Todo se uniram para fazer CANTANDO NA CHUVA, o filme que todo amante da vida tem a obrigação de ver. É a prova dos nove de seu grau de sanidade.
  Debbie partiu. Ou melhor, nosso mundo não mais pode a aceitar. Ela e seu universo são tão distantes de nós que se tornaram incompatíveis.
  Debbie viveu os dois mais temidos pesadelos da alma feminina: Ela perdeu o marido para a melhor amiga e ao fim da vida viu sua filha morrer. Por piedade ela morreu. Justo.
  Meu mundo é este de agora, pós 1968, o mundo em que Deus é o desejo e todo desejo é poder. O desejo é Dionísio e as pessoas se esqueceram que Dionísio é um deus cruel, violento, egoísta. Ele exige sacrifícios em sua honra, sangue e vinho. O mundo de Debbie era o de Apolo, elegante, belo, ordenado ( mesmo que fosse apenas aparência, aparências são o mundo ). Ela sorria, cantava, chorava, sorria de novo e sabia dançar. Era a vizinha que todo mundo quer ter, a namoradinha da sexta série, a melhor amiga que vira esposa. Nunca foi sexy, ela era amável.
  Partiu.
  E o que nos resta, enquanto alguns ainda sabem, é cantar na chuva e ser um palhaço.

COMO SER UM CONSERVADOR - ROGER SCRUTON ( NÃO EXISTEM NA POLITICA BRASILEIRA ).

   Talvez um dia tenhamos tido verdadeiros conservadores. Mas eles devem ter se afastado da politica em 1889. O horrendo golpe republicano alienou do brasileiro sua alma conservadora e instituiu a história brasileira como um eterno recomeço, um jogar fora o passado. Começo que jamais termina.
   Dos livros de Roger Scruton este é o mais politico. Portanto não espere outro assunto a não ser as agruras do partido conservador e do trabalhista na Inglaterra. Claro que é um excelente livro e eu o recomendo para todos. O que ressalta no texto é a diferença imensa que há entre o conservadorismo real, inglês, e aquele que cá é chamado de direitismo. O direitismo, chamado por Scruton de liberalismo, prega o progresso, o consumo, a indústria e a economia como únicas verdades. Isso existe no Brasil, em que pese ser aqui conspurcado por uniões podres e cínicas com o estado.
  Conservadorismo, o verdadeiro, doutrina de Burke, de Alex de Tocqueville, prega o respeito ao passado. É uma democracia que leva em conta os mortos, os vivos e aqueles que ainda não nasceram. Tem no centro tudo o que nasce de baixo e não o que é imposto de cima. Seu vínculo é o amor entre familiares e vizinhos e não o dever para com o estado.
  As pessoas amam sua família, sua rua, seu bairro. E é esse amor que as une aos desconhecidos das cidades. Uma cidade é a união de famílias e não a união de indivíduos. Para esse amor ser respeitado, ruas, igrejas, monumentos, paisagens precisam e devem ser preservados, conservados. Uma cidade só é humana quando tem história, passado, e quando suas dádivas são guardadas como herança para o futuro. Lar, clube, time, igreja, escolas, praças. São esses os organismos de uma nação. Não se deve, jamais, impor a essas pessoas aquilo que lhes é melhor, o que se deve é garantir a liberdade de que elas continuem construindo sua história.
  Scruton escreve suas melhores e mais lindas páginas na defesa da beleza. Beleza é conforto, é bem estar, é dar sentido, é sentir-se aceito dentro do mundo. A arte moderna abomina essa ideia e Scruton explica como e quando aconteceu esse desprezo à beleza. A arte, deixou de ser um modo de se atingir a plenitude, e se tornou modo de destruir tudo.
  Vou resistir a tentação de comentar o fantástico capítulo final. Nele Scruton descreve a alegria. Para fazer justiça a algo tão bem escrito só se eu o reescrevesse. Leiam.
  Termino contando uma experiência minha...
  Em 1980 ainda andava de noite pela avenida Paulista com o coração em suspenso. Sombras nas esquinas e luzes embaçadas nas janelas dos casarões, os últimos, que contavam silenciosamente sua história para mim. Eu andava devagar, usufruindo de cada fachada, cada uma com seu emaranhado de linhas, cada linha cantando uma história.
  O pessoal do governo não conservou nada, e a indústria derrubou tudo. Segundo os seguidores de Le Corbusier e de Niemeyer, aqueles casarões não tinham valor nenhum. Eram bolos de noiva, lixo. O valor seria vidro e aço, linhas retas e muita luz. Hoje lamentamos sua extinção. Nunca voltarão.
  Uma casa é um lugar cheio de história. Tem coisas, tem cheiros, tem segredos.
  Nesse lugar a gente fuma, bebe, fala, dorme, lê. A gente tem coisas, a gente ama pessoas e por essa casa a gente trabalha e sonha. Essa a base do conservadorismo. Manter vivas as coisas. Preservar para o futuro o que melhor há do passado. E nessa ideia se encontra a beleza, o conforto e a história. Amar uma nação, a sua, é poder amar sua família.
  Muito "grosso modo" é isso.
  Mas é mais. Bem mais.

Status Quo - Paper Plane



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Status Quo - Down Down (Glastonbury 2009)



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A BOBAGEM DO TAL ROCK ADULTO E A VERDADE DO TALENTO...PENSANDO A MORTE DE GEORGE MICHAEL.

   O coração de George Michael havia parado de bater a muito tempo. Assim como Prince, seu tempo acabou por volta de 1995. A era dos Clinton, de Seattle, das camisas de flanela enterrou o POP chique, vaidoso, hedonista dos dois e de tantos outros. A versão branca da música de Stevie Wonder, Marvin Gaye e Al Green não tinha mais vez. E o tipo de música de Prince, o negro feliz, vaidoso, satisfeito, sexy, se tornou o RAP, mais agressivo, mais masculino, mais suburbano. O público de George passou a ouvir música eletrônica, o de Prince, RAP.
  Para piorar, George processou a Sony, num tempo em que gravadoras ainda mandavam em tudo. Fosse hoje ele não teria o menor problema, mas na época ele ficou isolado. Na geladeira. Quando voltou o mundo já mudara. Os anos 80 eram outro planeta. E as meninas, seu maior público, dançavam ao som de Ricky Martin, pois George já assumira sua condição gay. ( Ironia ).
  Ele não se tornou um novo Elton John porque não tinha o gênio de compositor que Elton tem. George era uma voz perfeita. Listen Without Prejudice é seu melhor disco e em Praying For The Time ele atinge o sublime. Ouvir essa canção nos recorda que a beleza é aquilo que mais precisamos. Praying é a faixa que abre o disco. Quando a orquestra começa a tocar nos sentimos em outro mundo. Isso é genial.
  A geração de George teve a pretensão de unir música popular adulta ao rock. Perceberam que mesmo Dylan era apenas um adolescente velho. Dylan podia ser genial, mas era um teen sempre. Pensaram em ser adultos copiando a postura de adultos. Bowie, Ferry, Robert Palmer, George, todos vestiram ternos, pegaram melodias Cole Porter- Gershwin- Berlin e pensaram que assim seu POP se tornaria adulto. O máximo que conseguiram era parecer adultos no lugar errado. Erraram de desejo e erraram o alvo, claro. Mas em meio a esse processo criaram um tipo de trilha sonora chique que nunca mais foi tentada por ninguém. ( OK, Amy sim... ). Sade, Paul Weller no Style Council, o Everything But The Girl, todos chegaram nesse hibridismo que jamais foi adulto, mas que era uma bela festa de adolescentes travestidos de Cary Grant.
  O estranho é perceber que Al Green fez tudo isso 15 anos antes. E sem imitar ninguém.
  Bowie saiu dessa e voltou a tentar ser um tipo de vampiro eletrônico. Vários deles se tornaram cantores de dvd. Ferry nunca saiu desse mundo. Vestiu bem e se sente em casa nele. E George sumiu. Alguns shows bonitos, tristes, intimistas. E o coração na voz. A voz...
  Termino falando que Rick Parfitt morreu aos 69 dia 23. Sua banda era o STATUS QUO e essa banda nunca mudou. Desde 1970 eles fizeram e refizeram o mesmo disco, um boogie de pub, rock analfabeto de adolescente feliz. Eu amei essa banda na minha adolescência e voltei a escutar, muito, de 2012 em diante. Penso que nada é mais distante do mundo de George que eles. A música deles é diversão, diversão e só diversão. Com algumas baladinhas muito lindas. On The Level é o melhor disco.
  Bom saber que a música POP pode ser tão variada.

O QUE SIGNIFICA O NATAL.

   A base de uma civilização saudável é o costume. A raiz está no amor, amor que cria a família e que daí se espalha formando a vizinhança. O amor ao seu lugar é o que constitui a identidade. Uma nação é o conjunto de pessoas que se protegem por compartilharem a mesma raiz: a família. A verdadeira democracia garante o respeito a essa base. Familia, bairro, praça, igreja, clube, time, festas populares. Por maior que seja a cidade, ela é habitável quando constituída por essa células. O estranho é que há uma intelectualidade que detesta toda essa rede amorosa. Chama-a de hipócrita, falsa, doente, cínica. Na verdade esse intelectual vê sua face em tudo aquilo que olha.
   Ditaduras começam por atacar alguns desses costumes. Mudam escolas, mudam ruas, mudam nomes de lugares, mudam festas, proíbem encontros, amizades, religiões. Mantém apenas a família porque precisam de filhos. Mas se pudessem fariam fábricas de crianças. O ideal de toda ditadura é a indústria. Um mundo industrial.
   Por isso o natal é sagrado. De todas as festas do ocidente é a mais vital. Ela festeja a família e o nascimento. Ela festeja o milagre. E essa festa é atacada, e já faz algum tempo, em duas frentes: na comercialização, que retira toda a interioridade da noite de natal; e na simples negação, que tem orgulho em dizer que o natal não existe. ( Para esses estou aqui a falar do nada. O que prova apenas a burrice desses seres vaidosos ).
  Toda civilização precisa preservar seu legado. Respeitar os que morreram fazendo viver aquilo que ele nos deixaram, e garantir aos que não nasceram a herança que vem desde sempre. Quando essa corrente se rompe a civilização perece.
   Tenha um bom natal. Olhe uma estrela e pense no tempo transcorrido, nas gerações e mais gerações que o comemoraram. Respeite-as. Ame. Conserve seu mundo.

O GATO ZEN - KWONG KUEN SHAN

   Kwong nasceu em Hong Kong e mora na Inglaterra. Li um ano atrás O Gato Filósofo, um bonito livro da editora Estação Liberdade. Kwong não é escritora, é pintora. Ela faz lindos desenhos sobre gatos e escolhe frases de Confúcio, Lao Tsé, de grande nomes chineses e os combina. O livro se torna assim um delicioso passeio por beleza e sabedoria.
  Kwong confessa ter tido gatofobia por anos e que faz apenas 6 anos e superou esse medo. Hoje ela tem 3 gatos e os usa como modelos. Os desenhos, elegantes, leves, sempre bonitos, nos acalmam, nos deixam em suspensão.
  Vejo no Tube que a edição francesa é muito mais caprichada. A brasileira tem papel bom, boa impressão, mas é econômica, formato pequeno. Isso barateia o livro, é nossa realidade.
  Bela lembrança para amigos que amam gatos.

[Nouveau concept !] Le premier livre-tableau : Les Chats du Tao



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LIVROS COMO PRESENTES DE NATAL.

   Tempos atrás dei para um amigo as 700 páginas de Anna Karenina. Ele jamais leu. Ou seja, acabei por dar um presente inútil. Era meu livro favorito, a intenção foi boa, mas errei.
   Se voce for dar livro como presente de natal, nunca dê um livro que signifique trabalho para ser lido. Seu amigo pode simplesmente não ter tempo ou o desejo de ler aquele livro "genial". Ele pode amar livros, mas não aquele livro.
   É por isso que existem livros como LIMÃO SICILIANO de Charlô Wharteley e Stella Espírito Santo ou O HOMEM CASUAL de Fernando de Barros. Livros bonitos e fáceis de ler são presentes sem chance de erro. No mínimo servem para enfeitar a mesa de centro da sala.
   Esses dois, já velhinhos, eu cito porque acabei de os ler. São ok. O livro do limão tem doces muito bons e alguns drinks saborosos. O de Fernando, editor da Playboy nos anos 90, homem que foi produtor de cinema e teatro, português de nascimento, é um manual do vestir sem ostentar. Legal.
   Volto a dizer, livros são ótimos presentes. Mas escolha os bonitos.

CONQUISTADORES - ROGER CROWLEY

   Este livro foi best seller nos EUA, Inglaterra e Portugal, mas não por aqui. Talvez porque ele demonstre a importância da descoberta do Brasil para a Europa de 1500: nula. Cabral fazia a rota genial que os lusos haviam descoberto. A sacada havia sido que para se passar pelo Cabo das Tormentas era mais fácil navegar para oeste, abrir o ângulo e depois descer para leste com a força da corrente marinha. Cabral abriu esse ângulo ainda mais e veio dar no Brasil. Gostou dos gentis índios, mas percebeu que esses índios eram pobres demais. Nada tinham que pudesse ser cobiçado. Então ficaram pouco tempo e continuaram rumo à Africa. O livro gasta cinco linhas com nosso país tupi. E só.
 O autor trata Portugal como o país que inventou a noção de Império Global. Ingleses, séculos depois, apenas os imitaram. O que fez com que um país tão miserável ( Veneza, França, Espanha eram muito mais ricos ) conseguisse esse feito, maior em coragem que a conquista da Lua em 1969, é para Crowley um mistério. Sem terra, pequeno, acossado pelos espanhóis, Portugal teve a ideia: aumentar o território se jogando ao mar. Em caravelas, barcos pequenos, porém velozes. E assim surgiu a linhagem de grandes marujos, homens que venceram o vazio do oceano.
 O pensamento luso era o de exploração. ( E isso foi a miséria do país, do nosso e do deles ). Eles jamais pensavam em colonizar. O desejo era o de ficar rico depressa. Os tupis e guaranis na verdade nada tinham para ser trocado ou roubado. O português não queria explorar minas, caças ou construir fazendas; ele queria a coisa pronta. E a costa africana tinha escravos, tecidos, canela e pimenta, era só pegar. Na India a coisa era ainda melhor. Tinham joias. Os lusos eram piratas. Se usarmos essa palavra entenderemos melhor sua ação. Mas eram piratas apoiados por uma nação e por um rei que acreditava ser herói do catolicismo. Portugal seria o país matador de muçulmanos. E mataram. Milhares.
 Crowley deplora a crueldade dos europeus. Portugal vence todas as batalhas com facilidade. A proporção de mortes é de 50 pra um. A Europa tem armas melhores. Os árabes têm armas ridículas. Mas Crowley jamais chama os lusos de vilões. Isso porque ele sabe que no Marrocos, na Grécia, em Bizâncio, os árabes também mataram, torturaram, humilharam. A guerra é um mal. Mas ela existe e nesse mundo todos são o que são. Guerreiros.
 Impressiona o amor de Portugal pela batalha. Eles lutam para pilhar, para roubar, e alegremente se jogam sem titubear. A falta de ordem é grande. Marujos desviam ganhos, é cada um por si. Eis a grande diferença de Portugal para aquilo que os ingleses fariam: os ingleses punem o roubo e a corrupção com mão de ferro. Marinheiros ingleses não podem pegar nada. Os lusos fingem não perceber. Todos roubam e todos se corrompem. O que um navio inglês captura é da coroa. Cada marujo recebe seu salário. Já em Portugal cada marujo mete a mão naquilo que é capturado. O que sobrar é da coroa.
 O mundo que os portugueses encontram nas costas da India é o mundo do comércio. Barcos chineses, árabes, turcos, etíopes comerciam livremente. Há toda uma etiqueta de negócios. Os portugueses chegam dando tiros, não têm a menor paciência em negociar e logo toda a costa do mar vermelho e do oceano Índico mergulha em terror.
 Não poderia durar muito. Essas viagens de dois anos, algumas duram três, eram caras, e são venezianos e genoveses que as financiam. As pessoas ficam ricas, Portugal não. Os olhos do mundo começam a mirar a rota portuguesa, espiões italianos roubam mapas, e o segredo é descoberto. Portugal perde o monopólio. Quando vier o terremoto, já no século XVIII, a decadência do reino já virou mania.
 Crowley escreve bem. Tem o gosto da aventura e a seriedade de um historiador.

PETS....HUSTON....WOODY ALLEN...MARGOT ROBBIE...JUDY GARLAND

   JOHN CARTER de Andrew Stanton
Como diretor de desenhos animados, Stanton é ótimo. Mas aqui lhe deram um roteiro muito ruim. Conheço o personagem John Carter desde criança. Ele foi criado por Edgard Rice Burroughs, o autor do Tarzan. Carter é um terrestre que vai lutar em Marte. Aqui essa premissa, que poderia dar numa boa besteira, é jogada fora. O que vemos é um filme com visual feio, personagens ocos e ação sem sal. Esquece.
   ESQUADRÃO SUICIDA de David Ayers
O elenco é ótimo e se sai bem. Dentre eles, Margot Robbie se mostra uma presença luminosa! Sua personagem, das trevas, é louca, violenta ao extremos e muito sexy. O filme é um pouco violento demais, mas é tão aloucado que acaba funcionando. Os heróis são bandidos terríveis, Will Smith entre eles, que são usados pelo governo para lutar contra o Coringa. Pode ver que vale.
   VIZINHOS 2 de Nicholas Stoller com Seth Rogen, Zac Efron, Rose Byrne e Chloe Moretz.
Uma fraternidade de meninas aluga uma casa. Os vizinhos tentam sabotar suas festas. E é só isso. Uma comédia de pouca graça, mas que a gente vê meio que na boa...Na verdade é tão inofensivo que nem chega a irritar.
   PETS, A VIDA SECRETA DOS BICHOS de Chris Moyer
Roteiro bom. Tem alguns desenhos que têm roteiro muito melhor que 99% dos filmes feitos hoje. Inclusive alguns têm implicações bastante sérias. Este tem roteiro hábil, mas nada tem de sério. A história é boa porque sempre que pensamos adivinhar o que virá em seguida, ele dá uma volta inesperada e muda de direção. Fala sobre pets, a vida social desses pets. E de um cachorro que se perde na rua e encontra uma gangue de bichos revolucionários. É engraçado, é inteligente, é simpático, é bom.
   CIDADE DAS ILUSÕES de John Huston com Stacy Keach, Jeff Bridges e Candy Clark.
Uma quase reportagem sobre o fracasso. Tema favorito de Huston, observe que mesmo em Freud ele escolhe falar dos fracassos do médico alemão. São boxers numa pequena cidade da California. Boxeadores que fracassam, que bebem, que amam mulheres horrendas. O filme é de uma beleza triste. Mas não deprime. O tema musical é lindo. Os atores brilham intensamente.
   BONITA E AUDACIOSA de Lloyd Bacon com Jean Simmons e Robert Mitchum.
Que filme bobo!!!! Simmons é uma rica menina que resolve dar dinheiro ao povo de uma cidade caipira. Mitchum, bem sonolento aqui, é um médico que sabe o porque da menina querer dar dinheiro. So what...
   AS GARÇONETES DE HARVEY de George Sidney com Judy Garland.
Não, não é um grande musical. Se passa no mundo do western. Judy é parte de uma rede de restaurantes que se instala numa cidade de cowboys. Então tá...
  CENAS EM UM SHOPPING de Paul Mazursky com Woody Allen e Bette Midler.
Woody e Bette moram em L.A. São ricos e saudáveis. Imagino que a aposta do filme é que a gente deva rir com Woody dizendo que LA é melhor que NY. E vendo ele passear em shopping de bermudas e rabo de cavalo. Ou seja, sendo um cara do tipo que ele mais odeia. Ok, isso não funciona. O diálogo é raso, os personagens previsíveis e o filme acaba parecendo apenas um passeio à tarde com um casal chato.

O CARA QUE MUDOU O MUNDO

   O homem que mais mudou o mundo morreu há 50 anos. Era um caipira dos USA e não um rato da Sorbonne. Walt Disney criou a maneira como vemos a natureza e os animais. Seus desenhos e seus filmes de TV ( feitos nos anos 50 e 60 ), fizeram com que humanizássemos os bichos e os bosques. E isso mudou o planeta.
  Disney nos liberou para que cachorros fizessem parte da família, cavalos tivessem direitos e a vida selvagem parecesse gentil. Se nada disso é verdade não importa. Disney inventou verdades novas.
  Mas há mais. Foi ele o criador do parque temático, do filme de família, da mídia como ponto de venda, do evento multi mídia. A forma como vemos uma família ideal, filhos ideais, escolas ideais, natal ideal...tudo se tornou um tipo de Graal de Disney, e mesmo que voce não acredite na família sorridente, saiba que em sua mente essa imagem faz um apelo para voce. Basta ver que até casais gays querem viver dentro desse sonho familiar.
  Bichos antes de Walt eram apenas bichos não pensantes e não falantes. Havia quem os amasse. Mas eram ratos, não eram Mickey. E a família era a família paternalista e não a família engraçadinha e democrática irônica de Disney.
  Posso ainda dizer que Walt engloba a perfeição o sonho americano. Mas isso até Gates ou Rockefeller englobam.
  Esse caipira criou um rato e mudou tudo.
  Somos todos meio ratos.

CONSELHO PARA OS JOVENS

   Eu leio filósofos conservadores. Atuais, Leio porque eles escrevem bem e principalmente porque escrevem aquilo que eu creio. Neles vejo a confirmação do que sei. Mas percebo e reconheço que um filósofo é em 2016 algo tão inútil quanto um intelectual que se masturba diante de um espelho. É desperdício de energia. É esteticamente feio. E é risível. Scruton é venerável por ser um grande escritor. E por não ser apenas um filósofo...
   Nada mais triste que a lamentável figura de um professor que conheço. Pobre e revolucionário, acuado, ele só tem um "talento": dar aula de filosofia em escola do ensino médio. Impossível para ele ser vendedor, mecânico, engraxate ou advogado. Ele só fala sobre suas crenças politicas, só sabe dar aula e só pensa nisso. Não há outro assunto. Nada mais.
  Ele está morto. Apesar de jovem, todos sabem que aos 90 anos ele estará fazendo e dizendo exatamente aquilo que pensa e diz agora. Sua alma e sua cabeça morreram. Ele é um zumbi.
  Goethe era grande poeta. Mas era mais que isso. Era grande homem. Sua grandeza se definia pelo fato de que ele poderia ser pintor, químico, músico ou médico. O mesmo pode ser dito de Heminguay que lutava boxe, caçava e toureava. Ou Huxley com seus interesses por viagens, religião, drogas e pintura. Mesmo um homem que só pensava em música como Beethoven, tem a grandeza de um gigante porque sabemos que ele tinha talento para ter sido general ou um Papa. Scruton se interessa por vários assuntos longe da escrita. E quando escreve fala que devemos nos interessar por tudo.
  Esse pobre professor só pensa em um assunto: sua produção de espermas filosóficos.
  No ano de 2016 desconfie sempre de pessoas unilaterais. E de artistas que só pensam em arte. O desafio de nosso tempo, o Graal das grandes mentes se encontra na ciência. Só a ciência produz maravilhamento. A Capela Sistina de hoje não é coisa da igreja e nem da pintura. É da ciência.
  Ao artista, pois ainda há quem o seja com vocação sincera, cabe unir campos. Pintura misturada à química, literatura com teorias do acaso ou do tempo concomitante. Música que beba na física, dança que dialogue com a biologia. Filosofia matemática.
  Arte que seja arte "pura", distante da ciência será sempre saudosismo. Nostalgia de um tempo em que os grandes eram artistas. Hoje não são. Como não são politicos ou generais. Os grandes são cientistas.

AZEITONAS - MORT ROSENBLUM

   Por volta de 1999 a editora Rocco lançou uma série de livros sobre boa vida. Comprei na época 15 dessa coleção de 21. Os de Peter Mayle são deliciosos, mas nenhum é ruim. Este encontrei agora, num sebo. Rosenblum compra uma casa na Provence e topa com oliveiras no quintal. Passa a se interessar e escreve este livro.
   Ele começa delicioso, mas depois vira livro denúncia e perde força. A civilização do Mediterrâneo é descrita com beleza e verdade. O amor dos antigos pela árvore, sua presença em obras de arte, poesia, na Biblia. O calor do azeite, o valor comercial, o milagre que é uma árvore que resiste ao fogo, a inundações, pragas, que vive 500, 1000 anos. Mas depois ele viaja pelo mundo do azeite: Itália, Espanha, Tunisia, Palestina, Turquia e Grécia ( ele ignora Portugal, afinal, Portugal é Atlântico ). A Espanha é de longe o maior produtor de azeite do mundo. E a Itália é o grande vilão. O país compra azeite do mundo todo, mistura tudo e bota no rótulo made in Italy. Os melhores azeites seriam os franceses e os israelenses-palestinos, mas ambos são difíceis de achar.
  Há também a defesa da dieta mediterrânea, a dieta que salva o coração. Azeite, vinho e pão. Alho, cebolas e peixe. Mas Rosenblum deixa uma dúvida: os tais mediterrâneos viveriam muito por causa do sol, da vida mais lenta, do tempo, do ar. Como em NY ou Tokyo não se pode mudar o ambiente, passa a se acreditar na dieta dos povos mais solares...

COMO COZINHAR UM LOBO - MFK FISHER

   É o segundo livro de Fisher que leio. Este foi escrito durante a segunda guerra. O lobo é a fome que rondava a América. Porque mesmo sem conflito em seu território, o país sofria com a falta de comida. Todo o poder americano ia para o esforço de guerra, e assim faltava tudo, de manteiga à gas, de trigo à carne.
   Com seu estilo brilhante, ela ensina a fazer boa comida com pouco, muito pouco dinheiro. Devo admitir que nada do que ela ensina parece muito bom. É comida de guerra e hoje vale mais como curiosidade histórica. Mas uma coisa, ainda viva, se percebe no texto, coisa da qual Fisher fala com raiva em 1942 e que repercute ainda em 2016: O puritanismo americano que se revela inclusive no modo de comer.
   Comida não pode ser sensualidade no modo puritano de pensar, e assim o ato de comer é modo limpo, prático e rápido de se matar a fome. Sempre que um jantar se revela algo mais que isso, é logo chamado de estrangeirismo, europeísmo ou ostentação pecaminosa.
   Americanos comem pão branco que não cheira e não tem gosto, bebem café preto ralo ou chá, e almoçam milho, ervilha, batata e carne, tudo feito do modo mais simples e em grande quantidade. Inexiste o prazer do molho que leva horas para ser apurado, se desconhece o azeite, o vinho, o cozido que é temperado dias antes, os miúdos, as frutas em doces mirabolantes. A cozinha americana em sua raiz é austera, rígida, sem cheiro, sem consistência e muito cinzenta.
  Hoje muita coisa mudou. Mas nos programas de TV continuamos a ver que 90% do que eles comem é composto de coisas fritas em gordura e doces grosseiros. Azeite continua a ser esquecido, vinho só em celebração, vegetais mais nobres só como ostentação.
  Assim como acontece com seu modo de retratar o sexo ( varia entre coisa doentia ou festa de teenagers ), a comida aparece como mais uma função física do que um prazer da alma.
  No Brasil urbano é quase a mesma coisa. Carne frita, arroz e feijão devorados para matar a fome. Mas revelamos nossa latinidade católica em nossas batidas de frutas, nos doces lusitanos, no tempo para fazer uma feijoada decente. O Brasil do churrasco é o novo Brasil. O velho é aquele da feijoada com caipirinha.

O ANO DA LEBRE - ARTO PAASILINNA

  A editora Bertrand Brasil está lançando alguns livros da moderna literatura finlandesa. Este  O ANO DA LEBRE, lançado originalmente em 1975, é o mais popular livro do país, tendo sido traduzido em 40 línguas e vendido mais de 7 milhões de exemplares. É o livro que todo finlandês conhece.
  Um jornalista de 35 anos atropela uma lebre. Ele cuida dela. E a partir daí sua vida se torna outra. Vatanen, o nome do jornalista, se torna livre. Abandona o emprego, larga a esposa, sai de Helsinque e passa a vagar pelo país, ele e a lebre. Consegue pequenos trabalhos, caça um urso, conhece uma mulher, se mete em brigas, foge, apaga incêndios, anda e corre.
  O estilo é estranho. As frases são curtas, extremamente simples. Não tenho como saber se isso é característico ao idioma finlandês, mas é um estilo seco, duro, objetivo. Não espere do autor algo de simbólico, de místico ou poético em seu romance. O que se conta é aquilo que é contado. A história fala de um homem e seu bicho. Da procura pela solidão. E da liberdade como movimento. Apenas isso, nada mais.
  É um livro estranho. Bem estranho.

[Opening Credits] Fat City (1972)



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CIDADE DOS DESILUDIDOS ( FAT CITY ), UM DOS GRANDES FILMES DE JOHN HUSTON.

   Chesterton diz que no inferno o pior sofrimento é a falta de esperança. Huston foi o diretor daqueles que a perderam. Dentre sua imensa variedade de temas, o ponto em comum é esse, ele fala dos desesperançados. Do Falcão Maltês até Os Mortos, esse seu interesse central.
   Este filme, de 1972, começa com uma das mais belas canções de Kris Kristofferson. "Ajude-me a atravessar a Noite", um country tão bonito que Bryan Ferry o regravou em 1974. Enquanto a música ecoa, vemos cenas de Stockton, gente pobre nas ruas, cenário de terceiro mundo. Numa academia, um cara, Stacy Keach, boxeia. Ele se aproxima de um garoto, Jeff Bridges, eles lutam, e o veterano dá ao novato a ideia de se tornar lutador. Até o fim do filme os dois não se verão mais.
  O novato passa a treinar, luta algumas lutas fuleiras, perde, ganha, perde mais. O veterano tenta voltar e é surrado. Além disso ele bebe muito, ganha trocados colhendo cebolas, e mora com uma mulher, Susan Tyrrell. Nunca vi na história do cinema um casal mais lamentável. Ela é chorona, bêbada, feia de dar medo, de uma mediocridade que beira a caricatura. Não sei se Susan Tyrrell tem uma interpretação genial, ou se é tão ruim que se torna sublime. É aterrorizante.
  Huston diz em sua biografia que ele queria Marlon Brando ou Paul Newman para o papel que foi para Keach, ator da moda na época. Huston detestou o trabalho com Keach. Injusto. Ele está ok. Se a gente ficar pensando no que Newman e Brando poderiam ter feito com um papel tão rico...bem, aí seremos injustos com Stacy Keach. Quanto a Jeff Bridges, engraçado pensar que dali a pouco mais de 30 anos ele seria "O Dude". Seu personagem pode ter sido "O Dude" aos 19 anos.
  O filme é hipnotizante. Ele anda com a segurança de um diretor gigante que dessa vez está a fim de filmar. ( 50% dos filmes de John Huston foram feitos só pra pagar dívidas ). E há a cena final:
  Os dois boxeadores se encontram na rua. Vão à um bar. E lá dentro temos uma das mais perfeitas e reveladoras cenas do cinema. Um tipo de cena que só poderia ter sido feita nos anos 70, o auge do pessimismo em filmes. Essa cena eleva o filme, até então ótimo, para o patamar do genial.
  Veja,
  PS: Os coadjuvantes, gente como o dono da academia, o garoto negro lutador...são dignos do melhor neo-realismo italiano. De Sica os adoraria!

A FISIOLOGIA DO GOSTO - BRILLAT-SAVARIN, A BÍBLIA

   Em 1825 Brillat-Savarin, politico, bon vivant, homem de letras, lança este seu único e despretensioso livro. Nele, ele fala de comida, da fome, da gordura, de jantares, de química, de história. Conta memórias centradas no prazer de comer, no afeto a amigos, na evolução de hábitos. Foi meu amigo Fabio Pagotto quem me indicou este livro, uma edição bonita da Companhia, de 1995. Belo livro. É o inicio da moderna gastronomia, no sentido de aqui se iniciar o livro não como simples "livro de receitas", mas como obra sobre o ato de se alimentar.
 O estilo é o do século XVIII. Savarin era leitor de Voltaire e de Bossuet, e mesmo sendo o livro de 1825, seu estilo é aquele dos 1700. É brilhante, leve, muito refinado, bastante malicioso, e extremamente civilizado. Leio a primeira linha e imediatamente sinto a música da época mais civilizada do mundo. É como ouvir Mozart ou Vivaldi, estamos longe da barafunda romântica. Nada de confissões, são linhas de gosto. Muito bom gosto.
 Se comia muito naquele tempo. E se bebia mais. Os jantares têm perú, cabrito, peixes, ostras, saladas, frangos, perdizes, javalis, tudo servido inteiro, às centenas. São refeições de cinco horas, cada um bebendo de 4 à 6 garrafas de vinho, sobremesas de frutas, compotas, bolos, geleias. Café e chocolate, açúcar, licor. O autor fala de como o café surgiu, da chegada do chocolate à Europa, da febre por açúcar, dos novos licores. É um mundo de abundância e de pouco cuidado com a saúde, um mundo de prazer irregrado.
 Uma leitura deliciosa.

SEXO SEM CULPA

   Culpa é ruim. Claro que é. Uma amiga me conta não ter culpa no sexo. Ser bem resolvida. Sexo pra ela é sempre bom. Bem bom. Eu só ouço e falo um sim. Mas penso no tesão maravilhoso que me dá quando penso estar penetrando na zona do pecado. A culpa às vezes pode vir junto, ou não, mas comer do fruto proibido dá uma sensualidade húmida, escura, rubra, inesquecível.
  Essa praticidade sexual é que tem feito com que por um lado cada vez mais os jovens se desinteressem por sexo. E por outro com que se procure o tesão em coisas bobas como sexo com vegetais, sexo em lugares muito perigosos ou sexo com sufocamento. O simples tesão que havia no sexo com uma mulher casada, hoje representa apenas mais um casinho saudável. Mesmo o sexo gay está perdendo seu caráter de transgressão, assim como aquele entre namorados menores de idade perdeu a muito. Faz-se sexo grupal, troca-se de casal, transa-se com um desconhecido, e nada disso parece mais que um casinho gostoso.
  Talvez pela fé no pecado a gente tenha super valorizado o sexo. Talvez ele seja apenas uma função corporal. Talvez o casinho gostoso seja o máximo que ele possa ser. Desse modo, sem o véu do pecado, do perigo, a pimenta da transgressão, o sexo seja sagrado e pleno apenas quando misturado ao encontro de amor, à paixão plena, ao absoluto.
  Então, quem sabe, essa geração que vê no sexo apenas corpo em movimento à procura do gozo, esteja muito mais próxima de um dia entender que sexo só é importante com amor. E assim, livre de fantasias pecaminosas dê a cada coisa sei valor devido.
  Mas essa minha amiga, quarentona, geração "curto o corpo numa boa", paga o pato por pensar ser amor e sexo a mesma coisa. Esvaziou o sexo de suas amarras e tentou fazer do amor apenas e nada mais que "cafuné bom", "transa que fica", "cheiro gostoso".
  Nem lá nem cá. Talvez a molecada de hoje venha a saber a verdade.

MURO DO CHORO

   Observo numa aula o modo como os estudos de literatura e de história, seja brasileira ou portuguesa, aqui no Brasil, se voltam para o momento da ditadura. É como se fossemos obrigados a revisitar todo o tempo aqueles anos de chumbo. Desse modo, toda a produção literária que não fala do tempo de Salazar ou dos generais, fica relegado ao segundo plano, como se mal existisse.
  Se a intenção é fazer com que os jovens não caiam mais nesse erro, se é evitar a repetição da história, o tiro sai pela culatra. Os jovens mal prestam atenção nisso. O canto da sereia do dogmatismo tem várias partituras, a história pode se repetir com outro perfil e outra cor.
  Mas se a intenção, outra, for a de colocar o oposto às ditaduras no altar dos heróis, eis um erro ainda pior. Pois o que se exalta nessas aulas nunca é a liberdade, o que se exalta é a dor e a falta de sentido. A maldade do arbítrio.
  Isso está fazendo com que história e estudos literários se tornem aulas tristes, ranhetas, ressentidas e muito, muito chatas. Um tipo de muro das lamentações, um choro sem fim e sem solução. Sem catarse.
  Por isso a irrelevância em que elas estão caindo.

FIDEL SE FOI

   A mente esquerdista é romântica. E como tal, ela se recusa a encarar o mundo real. A revolução cubana foi pintada como a vitória do pequeno contra o grande. Fidel então era um tipo de Robin Hood latino. As mentes esquerdistas o congelaram nesse momento de glória. E fecharam os olhos para tudo o que veio depois. Mais uma vez negaram a realidade.
  Fidel foi congelado e congelou a sua ilha. Cuba se tornou um museu vivo. E uma ruína triste. Países capitalistas, vizinhos, como Costa Rica e Jamaica foram adiante, Cuba como uma virgem se manteve pura. Os comunistas, sempre puritanos, se enamoraram pela ilha. Ela se tornou o xodó. E Fidel, matando gays, dissidentes, vendo gente fugir em balsas e cercado por puxa sacos, sendo um ricaço entre pobres cubanos, se tornou um totem.
  O mundo mudou e o capitalismo, sempre adaptável, vivo, plástico, mudou com ele. Fidel não. Ditador por mais de 50 anos, se manteve uma rocha. Cuba ficou à parte de tudo. Perdeu relevância, virou piada.
  O destino do comunismo virou piada. O movimento, antes vanguarda, hoje é mofo. Velhos e novos comunas, múmias saudosistas, suspiram pelo fim do capitalismo. Se recusam a ver que o capitalismo é inerente ao homem. O comunismo é artificial, forçado, fadado ao fiasco sempre.
  Fidel morreu. O rei se foi e deixou o irmão no troninho.


 

Pepê Lopes no programa do Serginho Groisman



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ESPIRITUALIDADE E TRANSCENDÊNCIA - CARL GUSTAV JUNG

   Brigitte Dorst organiza esta coletânea de textos onde Jung fala sobre o tema da alma. O inconsciente visto como parte atemporal e não-eu da mente. Para quem, como eu, conhece Jung, é um tema repisado. Para os novatos, aconselho muito este volume que saiu agora.
 Jung fala bastante do Zen budismo. E, como penso quase entender o que seja Zen, me abstenho de falar. Pois o Zen é uma sabedoria sem palavras e um ato sem movimento. Ou voce sabe ou não. Inexiste um modo de compartilhar. Sua verdade é tão íntima que não pode sair de dentro daquele que a abrigou.
 O inconsciente junguiano também pode ser descrito assim. Eu o sinto em mim, mas dificilmente conseguirei te transmitir em verbo o que isso é. Melhor esperar que ele se manifeste em voce. Ou não.
 Uma das grandes dificuldades do método de Jung, e que o coloca em desvantagem aparente diante de Freud, é que o suíço não nos dá garantia sobre nada. Tudo é suposição. Ele afirma o que as coisas não são, jamais o que são. E eu adoro essa sua aparente modéstia.
 Uma das poucas afirmações é que toda doença mental é um problema religioso. O doente é alguém que procura sentido na vida, e esse sentido só surge após o reencontro com algum tipo de transcendência, o reencontro com o inconsciente, uma aceitação daquilo que se é. O psicótico é um homem que mergulhou no inconsciente e lá se perdeu. O neurótico vive com o medo de mergulhar. O gênio é aquele que entra e consegue sair. Este pode ler o que todos nós somos.
 Para mim, nada de novo, apenas um belo rememorar. Para voce talvez uma revelação.

The 39 Steps (1935) - Modern Trailer



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OSCAR WILDE....LEE MARVIN...BERLIOZ...HITCHCOCK...FRY

   À QUEIMA ROUPA de John Boorman com Lee Marvin e Angie Dickinson.
Este filme, um original, começa bastante confuso. Isso porque Boorman mistura passado e presente, embaralha. Mas após 10 minutos as coisas começam a clarear. As pessoas falam que o filme tem influências da Nouvelle Vague, mas não, ele é puro Melville. Marvin, mais durão que nunca, é um bandido que foi traído. Procura vingança. Visual arrojado, trilha sonora invulgar, anguloso e estranhamente sexy. Tarantino ama esse filme. E faz tempo que Quentin não faz um filme tão bom quanto este. Obrigatório.
   SINFONIA FANTÁSTICA de Christian-Jaque com Barrault, Berry, St.Cyr e Blier.
Biografia de Berlioz. O filme é chavão, cliché, mas a gente ainda o assiste com prazer. Berlioz sofre pacas e fica famoso já velho. Mesmo assim, não é feliz. Barrault foi o maior ator do teatro francês. O Olivier de lá. Jaque foi o diretor mais odiado pela Nouvelle Vague. Ele era correto. Profissional.
   RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM de Joseph Strick
A adaptação do romance de Joyce até que funciona. Li o livro uns 20 anos atrás e detestei. O filme mostra toda a ira do jovem contra sua educação religiosa. Os padres são ruins pacas! Há um belo clima irlandês no filme e apesar de sua pobreza é um filme ok.
   OS 39 DEGRAUS de Hitchcock com Robert Donat e Madeleine Carroll.
Ao conhecer uma menina que é fã de Hitch, resolvo assistir mais uma vez este filme da fase inglesa do mestre. Devo já ter visto cinco vezes, e continua sendo um prazer. Trata do tema central de Hitch: culpa. Fuga. Injustiça. Clássico.
   OSCAR WILDE de Brian Gilbert com Stephen Fry e Jude Law.
Fry é Wilde. Nunca em um bio vi um ator tão adequado a um papel. Mas o filme, longe de ser ruim, não está à sua altura. Law é também perfeito como Bosie, o tolo amante mimado de Wilde. O clima de época é maravilhoso.
  TARKOVSKI
  O SACRIFÍCIO. No aniversário de um patriarca acontece a notícia do holocausto nuclear. É o mais assustador filme do russo. O cenário desaba em dor e em cenas quase incompreensíveis. Ele passa muito perto neste filme do absoluto fracasso, mas o filme acaba sendo salvo por algumas cenas inesquecíveis.
  NOSTALGIA. Este não. Ele passa do ponto, e aqui, em seu último filme, Tarkovski erra. O filme é chato, chato se recompensa. Não há como suportar cenas tão longas e tão sem por que. Falta a poesia que tudo redimia.
 

MÚSICA NA NOITE - ALDOUS HUXLEY

   Huxley define inteligência como curiosidade. E diz que nada é mais bonito que o adulto-criança, adulto que é aquele que mantém a curiosidade infantil enquanto os outros já se enclausuraram no casulo da meia idade. O adulto -infantil é outra coisa, é o adulto choramingão, querendo sempre voltar ao colo da mãe.
   Pensamentos espertos como esse abundam neste livro. Ele é uma coletânea de comentários, crônicas, críticas, publicadas em 1931. Um ano antes do Admirável Mundo Novo. Vários dos textos são antecipatórios, Huxley acerta em todos. O mundo que ele via nos anos 30 é o nosso. Claro que hoje bem mais exacerbado.
  Os assuntos vão de música à moda, de propaganda à pintura. Da impossibilidade de se falar sobre música à vulgaridade de escritores como Poe, Balzac, Dickens e Zola. Ele fala também sobre o sexo livre na URSS, lugar onde o sexo é livre mas a alma é proibida, o que faz do ato nada mais que uma insatisfatória experiência biológica.
  Huxley, um cético então, desfaz a crença em toda Utopia, demonstra que a igualdade econômica levaria à desigualdade, pois é do homem ter talento ou não, saber formar alianças ou não, e assim a igualdade logo seria destruída. Sua exposição sobre a educação é brilhante! Os homens antigos achavam que a educação era uma coisa sublime, e assim, olhavam os eruditos como mágicos poderosos. Quando tiveram acesso à escola perceberam que não havia nada demais na tal "cultura". Que escola não garantia dinheiro, poder ou sabedoria, e passaram a zombar dos eruditos, dos intelectuais, dos professores. Por isso a moda, em 1931, de se fingir burro, a vergonha de ser intelectual. ( Moda que só cresceu em 80 anos ).
  Em outro texto ele fala que toda experiência que foi desfrutada por poucos se torna em extinção quando desfrutada por muitos. Como exemplo, o turismo. Se as pessoas de Calcutá podem ir à Madrid e se as pessoas de Madrid vão à Calcutá, logo nada haverá de novo para se ver lá e cá. A não ser um monte de ruínas feitas por pessoas mortas a muito tempo.
  Os textos são todos nesse tom. Huxley vê o óbvio que poucos percebem.
  Outro: Para a filosofia atual, a do Fordismo, nada é pior que um homem que se sente feliz em seu quarto. ( Pascal dizia que o homem feliz seria aquele que poderia ser feliz em seu quarto, sozinho ). Esse homem, solitário, sem desejos, quieto, será considerado pelos fordistas, um paspalho. Ou, um perigo. O homem ideal do fordismo é agitado, andarilho, insatisfeito, cheio de amigos, festeiro, histérico e bastante incompleto, ou seja, um consumidor.
  Ler Aldous Huxley é tomar contato com um grande e belo cérebro.

el espejo andrei tarkovski



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Olivier & Simmons Nunnery Scene



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FLUSH...VIRGINIA WOOLF...NOVA E BELA EDIÇÃO DA ED. AUTÊNTICA.

   Escrito nos anos 30, este é o livro que mais vendeu de Woolf. Foi escrito como diversão, ela tentava descansar após a laboriosa escrita de Ao Farol.
  Se vendeu bem, a crítica ignorou. Passou a ser um livro pouco considerado. Mas, a partir dos anos de 1990, com a onda de "estudos literários animais", ele recebe a atenção que merece. Sim, Flush é um cocker-spaniel. E é o personagem principal deste biografia canina. Flush existiu de fato. Foi o cão de Elizabeth Barret Browning, a famosa poeta inglesa do século XIX. O cachorro foi imortalizado em dois poemas escritos por Elizabeth, e pela vasta correspondência, onde ela o cita várias vezes. Virginia pega essas cartas e escreve a vida de Flush e da poeta. Tudo sob o ponto de vista do cachorro.
  O livro não é jamais choroso. Ao contrário da maioria do que lemos em livros sobre bichos, Flush não é um sofredor. É um aturdido. Nasce no campo, depois vive na casa rica e esnobe da poeta, na Londres de 1850, e ao fim, se muda para a Itália, Florença, onde ele conhece a liberdade do sol e das ruas. No fim do livro ele morre, e creia, nada há de melodramático nisso. Flush simplesmente, velho e cansado, fecha seus olhos, e vira uma outra coisa, não mais um cão.
  Ilustrado, com capa dura, cheio de comentários, é uma linda edição, digna de ser dado como presente de fim de ano. Mas atenção! Não é para crianças! É para adultos que amam bichos. Pois as aventuras do cachorro estão muito mais ligadas aos sentidos e aos sentimentos, a relação entre ele e a poeta,e depois entre ele e o marido da poeta ( o brilhante poeta Robert Browning ), que as aventuras do tipo "Disney". ( Que são também ótimas, mas passam longe daqui ).
  É um belo livro. Não o melhor sobre cachorros, mas um belo livro.

Leonard Cohen - I'm Your Man



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Leonard Cohen - Dance Me to the End of Love



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82 É UMA BOA IDADE PARA MORRER ( LEONARD COHEN )

   Rilke disse que nós humanos não podemos ver anjos porque a visão de tanta beleza seria para nós completamente insuportável. Anjos terríveis.
  A música de Leo tinha essa coisa horrível. Era fria, distante, trágica e perversa. E ao mesmo tempo era linda, porque sabíamos que quem cantava, cantava para seus anjos.
  Leo agora vê seus anjos judaicos. Suzanne lhe abre as portas dos céus e Leo pode fazer suas perguntas mais uma vez. Talvez agora alguém as responda. Mas penso que não mais importa.
  A vida inteira Leonard Cohen amou a morte. Não como um suicida, que a odeia tanto que se afoga em seu horror. Ele a amou como se ama uma mulher. Com fascínio, medo, respeito e desejo. Ele pensava sempre no lado de lá.
  A morte, essa prostituta, levou Lou Reed e sádica, raptou Bowie de nós. Agora, entre véus, seduzida, pega Leo pela mão e o leva em valsa.
  Nenhuma morte me parece tão justa.

REVOLUÇÕES...

   Nenhuma invenção é mais trágica que essa coisa francesa chamada de FERVOR REVOLUCIONÁRIO. Junte um bando de pessoas querendo reformar o mundo, o resultado será sempre injusto e violento.
   Foram os franceses que patentearam essa febre por reformas. Foi a REVOLUÇÃO FRANCESA, a grande farsa, que trouxe ao mundo a moda da revolução. Mas antes esse fervor já existia. Queimar hereges, matar protestantes, massacrar judeus, tudo isso era feito da mesma água.
  Depois da revolução francesa tivemos as COMUNAS DE PARIS, a REVOLUÇÃO RUSSA,  a CHINESA,  o NAZISMO, o FRNAQUISMO e mais um milhão de movimentos grupais revolucionários. Todos trouxeram sangue, atraso, repressão e injustiça. E todos tiveram de criar a terrível imagem do BODE EXPIATÓRIO. Pois NENHUMA revolução cresce no amor. Quando falamos de revolução falamos sempre de ÓDIO.
  Por isso adoro o estilo INGLÊS  de ser. Seus movimentos sociais preservam sempre o BOM SENSO. E não à toa, foram eles que resistiram a Napoleão, Hitler, Stalin e tantos outros. Nunca devemos nos esquecer que é em Londres que Karl Marx se refugia. Assim como Freud. Os judeus. Aliás, nunca se queimou uma bruxa na Inglaterra. Na alma do inglês existe o amor a discrição, a preservação de um costume. Eles nunca aceitam que se derrube uma parede. Preferem pinta-la.
  Pergunte a um indiano sua opinião sobre a colonização inglesa e eu lhe garanto que será menos amarga que a opinião de um africano sobre a colonização francesa, belga ou alemã.
  Por isso eles tinham de sair do EURO.

TARKOVSKI ....VALLÉE...RUSSELL CROWE...ROD STEIGER...NAOMI WATTS

   WATERLOO de Sergei Bondarchuk com Rod Steiger, Christopher Plummer eJack Hawkins.
Todas as falas de Napoleão são de rir. Toscas. Mas a batalha em si é soberba. O filme usou o exército vermelho como figuração nessa produção e o que vemos são milhares de soldados, gente de verdade, naquilo que teria sido a batalha que acabou com o doido general francês. Felizmente essa batalha dura mais que a metade do filme, o que quase o salva. A guerra, como vista em 1814, é uma festa de cores, movimento e gestos em grupo. Mas, claro, ao final o que vemos é sangue, dor e uma fealdade total. O filme é bastante tolo, o Napoleão de Steiger fala como um ator ruim ( Steiger foi um grande ator ).
  A CANÇÃO DO POR DO SOL de Terence Davies
Este é o novo filme desse importante diretor da Inglaterra que não é muito conhecido fora da ilha. Mas, que pena, é uma obra banal. Narra a vida de uma família rural no começo do século XX.
  PAIS E FILHAS de Gabrielle Muccino com Russell Crowe, Amanda Seyfried, Diana Kruger.
Incrivelmente ruim. Chega a parecer brincadeira! Tem o nível das piores novelas mexicanas. Crowe, mais choroso que nunca, é um pai com problemas que tenta manter a guarda de sua filha. Já adolescente, ela cria problemas... Os atores se perdem em cenas inconvincentes, mal escritas, bobas...Um desastre.
  OS SEGREDOS DE CHURCHILL  de Charles Sturridge com Michael Gambon e Romola Garai.
Mais um filme novo sobre gente doente...Sim, vemos Churchill sofrendo de Parkinson. E sua relação com a enfermeira que cuida dele. E é só isso.
  DEMOLIÇÃO de Jean-Marc Vallée com Jake Gyllenhaal e Naomi Watts.
Num acidente de carro um cara bem sucedido perde sua esposa. Ele nada sente, fica apático e passa então a demolir sua vida. Tem atitudes estranhas no trabalho e faz demolição de casas como hobby. Então conhece uma mulher e percebe que jamais amara sua esposa. Mais um filme de Vallée, esse canadense que começou a ser notado com o maravilhoso filme de 2005 Crazy.Este é um bom filme, longe de ser emocionante, mas ok.
  FILMES DE ANDREI TARKOVSKI
Assisti 4 filmes desse original diretor russo. Falecido ainda jovem, em 1986, O ROLO COMPRESSOR E O VIOLINISTA é seu primeiro filme, feito ainda na faculdade de cinema, em 1960. O filme, simples, puro, encantador, fala do relacionamento de um menino de 7 anos e um operário que trabalha no rolo compressor. Lembra os belos filmes de Ozu. A INFÂNCIA DE IVAN, de 1961, seria seu primeiro filme pra valer. Acompanha a vida de um órfão, que cheio de ódio, se torna espião na segunda guerra. Não pense num filme convencional. Tarkovski filma apenas a base onde os soldados estão, um mundo de lama, ruínas, escuridão, árvores, e cenas inesquecíveis. As cenas junto ao poço, o encontro com o velho, a cena final, são momentos que afirmam a beleza desse cinema único. Escrevi sobre STALKER abaixo. Voce carrega o filme dentro de voce depois que ele termina. É para ser revisto. Muito. O ESPELHO, feito em 1974, é talvez o mais difícil. Se Solaris foi o 2001 de Tarkovski, O Espelho é seu Amarcord. Mas é um Amarcord quase incompreensível. Tarkovski recorda cenas de sua infância, mas faz com que elas pareçam um sonho, pesadelo, terror e beleza. Jamais vi cenas tão lindas de ventanias, mudanças de clima, cabanas...De certo modo não é um filme, é um poema em colagem...rasgado.

SONHO

   Minha mãe pendurava roupa e longe um radinho de pilhas transmitia o som de um jogo de futebol. Uma lesma saiu do gramado e cruzou o quintal deixando um rastro de gosma sobre o cimento. Meu pai sopra o alpiste dos canários.
   Um cobra verde está enrolada num vaso de antúrios e espreita a porta da cozinha. Olho  a tela da TV onde um duende transforma um homem em asno. Ele olha seu rosto na lagoa e chora. Toco a tela e a deixo suja de açúcar.
   O vento faz todo o capim dançar e as nuvens assistem minha pipa que luta para escapar. Meu primo faz cola no porão sujo de casa. Água com farinha numa lata. Escrevo linhas nas paredes. A fogueira na noite gelada ergue folhas de seda.
   Voce vai gostar de mim pra sempre. Pergunto. Pra sempre. Ela responde.
   Quando menino a gente olha. Sem tentar ou pensar em entender a gente apenas olha. Essa a pureza. O Eden. As luzes dos postes que voam ao lado do taxi que voa.
   Uma cobra está acuada na rua onde vivo. E eu a solto no mato, livre, viva.
   Ela vem aqui e nós dois passeamos pela rua. Ela quer ver tudo e vai na frente, eu a sigo. Estamos soltos nas esquinas, nas pedras do calçamento, nas casas que olham. Vozes, e cães, e gente, e árvores.
   A vida existe para que a gente crie alma.
   A gente cresce para poder voltar.
  No sol absoluto do meio dia eu e meu irmão vigiamos o matagal. Não deixamos ninguém perturbar a cobra que dorme. Sim, eu fui um tonto e hoje disfarço. Minha inteligência é inútil como é um sonho.
  Se a carne fosse verdade ela não sonhava.

STALKER, FILME DE ANDREI TARKOVSKI

   Stalker é um filme muito, muito chato. E ao mesmo tempo, e o tempo todo, é um filme muito, muito bom. Porque ele cria seu próprio tempo, e nos obriga a entrar nesse tempo, que é outro, diferente do nosso. E ao fim de suas duas horas e meia, que parecem mais de oito, sentimos que valeu à pena, valeu muito à pena.
   Os primeiros dez minutos são os piores. O filme começa num tipo de bar. Um Stalker, que é um guia, vai levar um escritor e um professor para a ZONA. A ZONA é um lugar que surgiu na Terra, um lugar que é agora proibido. O escritor não acredita em nada e quer ir até a zona para tentar reaver sua inspiração. O professor pouco fala. A zona realiza os desejos de quem adentra seu espaço. Isso é o que dizem...
  Passam por uma fábrica abandonada, uma mina e um trilho de trem. O primeiro ponto alto do filme surge aí: a viagem pelo trilho de trem. É uma longa sequência com trilha sonora belíssima ( ao estilo Brian Eno....o filme é de 1979 ). Bela e simples. O filme tem produção pequena e Tarkovski sempre escolhe ângulos de camera originais. Ele monta quadros, corta pouco, esquecemos da sua presença.
  Chegam à entrada da zona. Apenas um bosque banal com alguns postes caídos. O filme, que era feito num tipo de sépia escura se torna colorido. Verde. Muito verde. O Stalker os guia. Não podem voltar. Não podem levar armas. O mais belo momento do filme: água. Cruzam água, adormecem na água, peixes, lixo, pedras. Penso que o filme é uma entrada no inconsciente, Jung, pode ser... Um deles pensa em se matar. Medo. Prosseguem.....  Passam por esgoto, e enfim chegam ao túnel. Outro momento lindo: o escritor anda sozinho no túnel. Silêncio. Chegam enfim à SALA. Um belo espaço com areia. Um cão negro surge do nada. Testemunha os três que entram em conflito. O professor trouxe uma bomba, quer destruir a ZONA. O Stalker é surrado.
  Estão de volta ao bar. Trouxeram o cão preto. Em casa o Stalker sofre. Eles não acreditam mais. Ninguém acredita mais. As pessoas são más. E ele só quer que elas acreditem.
  Esse Stalker, ficamos sabendo no começo do filme, tem uma filha MUTANTE. Ela não tem pernas. E vem a última cena do filme: a filha, sozinha, com o rosto sobre a mesa, sonolenta, faz com que alguns copos caiam no chão, com a força de sua mente.
  Fim.
  Acho que não preciso dizer mais nada...mas digo: Jung, religião e ecologia. Escolha o que este filme é. Para mim ele é os três.

ROGER SCRUTON, FILÓSOFO - O BELO E A CONSOLAÇÃO



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AS VANTAGENS DO PESSIMISMO BY ROGER SCRUTON, TEXTO UM

   Eu poderia escrever um monte de páginas sobre este livro. Ele é ótimo. Scruton, grande encontro em minha vida, fala aquilo que eu queria poder dizer. Tudo. Mas não quero ser chato. Peço que leiam esse livro. Ele não é caro, está nas livrarias e é curto. Mas, se voce for fã de Foucault, Derrida ou da escola de Frankfurt, fuja! Scruton mostra o quanto vocês são lunáticos. E é claro, como bom morador da Lua, voce jamais sequer pensará no fato de poder estar errado.
  A base do pensamento de Scruton é o bom senso. E bom senso para ele é " aquilo que o povo crê e aquilo que o povo faz". Nem mais nem menos. Todo mal viria de "cima", ou seja, os planos criados por um EU que se acha muito acima do NÓS. Toda a civilização é feita por tentativa e erro, e essa tentativa e esse erro são feitos pelo povo, na intuição, no improviso. O que é bom, permanece. O erro do intelectual é sempre desconsiderar aquilo que o povo quer, ama, aquilo a que está acostumado. A proposta do intelectual é sempre a de destruir e construir O NOVO partindo do nada. Esse o otimismo e a utopia: crer no poder do EU em imaginar o futuro.
 As análises que Scruton faz da arquitetura da cidade, mostrando seu lado bom, humano, e seu lado ruim, abstrato, é brilhante. Assim como o modo como ele destrói os textos de intelectuais franceses. Scruton não tem medo de dizer a verdade: eles não dizem coisa com coisa. Usam palavras difíceis para esconder o absoluto vazio de suas propostas.
 Scruton é portanto um inglês do velho estilo. Ele acredita que a liberdade é viver dentro de limites claros e respeitosos. Dentro desse espaço, criado de comum acordo, somos livres para fazer a liberdade, ou seja, ser o que somos. A liberdade como a ideia de ausência de limites inviabiliza a sociedade e traz em seu rabo a criação do controle da liberdade. Liberdade imposta de cima para baixo. Para Scruton, toda civilização é criada de baixo para cima.
 A mais interessante das analises é a do Islamismo. Scruton diz aquilo que me parece obvio, mas que poucos aceitam ver: a questão é religiosa e não politica. O terrorismo destrói porque eles não podem aceitar a ideia de uma sociedade em que todos vivem juntos em respeito aos seus desejos e suas crenças. Muçulmanos vivendo ao lado de judeus e cristãos lhes é um pecado insuportável. O mundo da cidade, da comunidade urbana é seu inimigo.
 Há muito, muito mais nesse livro. A leitura ilumina.
 Ótimo conhecer uma mente como esta.

AS VANTAGENS DO PESSIMISMO - ROGER SCRUTON

   Tive aulas sobre Rousseau na USP. E por ser uma professora de exatas, tive a chance de não ser colocado sob o endeusamento da teoria do "bom selvagem". Segundo Rousseau, todo homem é por natureza bom e pacífico, a sociedade, vil, é que o corrompe. Scruton, esperto, diz não saber se o homem Rousseau era um otimista. Parece que não. Mas essa teoria deu estatuto à uma ideia que não morreu em dois séculos, a ideia de que todos são bons, a sociedade é que nos faz ruins. Esse, para Scruton, é o otimismo nocivo, aquele que deu vez ao nazismo, ao fascismo e ao comunismo.
  Sob esse pensamento, simplório, pode-se concluir que se a tal sociedade faz tanto mal ao bom homem, que se destrua então a sociedade. O fim da sociedade daria vez à bondade na Terra. Eis a UTOPIA. A crença de que neste mundo se pode ter a perfeição. Seja via seleção genética, ódio ao estrangeiro, ódio aos que possuem bens, ódio aos infiéis. Toda utopia tem em seu oposto um foco de ressentimento, um culpado a ser exterminado. E esse crime é alegremente aceito, pois decapitações, campos de concentração ou fuzilamentos são cometidos em nome do bem maior: a Utopia.
  Não se pode criticar a Utopia. Ela é perfeita, pois vive no mundo das ideias. Um socialista te dirá que a URSS não era socialista, que Cuba foi maculada pelos EUA ou que a Coreia do Norte é um segredo. Sua crença sempre estará salva pois ela não existe. E na verdade nunca poderá existir. É da natureza da utopia ser sempre um sonho. É a cenoura na frente do cavalo. O capitalismo é facilmente criticável por nunca ter sido utopia de ninguém, ele nasce já como prática, e por ser real, é falho, sujo e corrupto. O capitalismo é uma realidade.
  Na raiz de toda utopia há essa crença de Rousseau. O homem bom, camarada, companheiro. E, na vida real, é claro que esse homem não existe. Quem observa uma criança brincando sabe que há nela um egoísmo nato, um desejo em se destacar, em ser mais amado, mais percebido, mais protegido. O mesmo vale ao selvagem aborígene. Não há sociedade primitiva que não faça guerra, não mate, não lute por mais terra. Mais caça e mais mulheres. Somos assim. A utopia ODEIA nossa natureza.
  Scruton diz que na verdade é a sociedade que melhora o homem. A manutenção do costume, da lei, do interesse comum, do bom senso, faz do homem um ser melhor. Pois na sociedade há a prevalência do NÓS e não do EU. A sociedade só funciona na relação do eu com voce. Cada um em sua função, em seu papel, não sendo igual, pois a igualdade só existe como Utopia, mas tendo seu devido RESPEITO.
  A análise de Scruton sobre os fundamentalistas árabes é certeira. O que eles mais odeiam nos EUA é o fato de que lá judeus e islamitas vivem lado a lado. Isso vai contra toda sua utopia. É inaceitável. Um escândalo.
  Admirável livro de um grande pensador.
  Voce pode estar pensando: mas Scruton defende o cristianismo, essa grande utopia.
  Sim, Deus pode ser uma utopia, mas essa utopia aceita a imperfeição da vida, vê os defeitos do homem como indivíduo, prega uma prática diária. É uma utopia do aqui e agora, uma utopia que existe para quem crê, existe no mundo real. Os cristãos não esperam a construção de um outro mundo, isso seria heresia, eles aceitam este pobre mundo doente, e dentro dele tentam fazer o bem. Ao contrário dos utópicos, os meios são tudo que importa. O dia a dia é o objetivo.
  Um obrigatório autor.

O MESMO MAR - AMÓS OZ

   O estilo, a forma em que este livro é escrito é muito boa. Oz escreve capítulos minúsculos, às vezes cinco ou seis linhas, dando a cada um seu ritmo próprio. Assim, temos capítulos que parecem poemas, outros são diálogos, alguns piadas, e uns poucos mais tradicionais. Mesmo assim, o livro jamais parece confuso, é fácil de acompanhar. Oz demonstra então um poder pleno como escritor. Eis aqui um cara que sabe escrever. Pois é... e mesmo assim não se trata de um grande livro. Temo que não seja sequer um bom livro.
  Oz escreve bem como ninguém, mas o tema, aquilo que ele tem a dizer se mostra irrelevante. Essa falha é comum nos livros de já algum tempo, autores ótimos, talentosos, escrevendo livros pouco interessantes. Oz fala de um pai viúvo, um filho que anda pelo Tibet, a namorada do filho, um roteiro de cinema, Tel Aviv, a mãe que morreu de câncer, uma prostituta portuguesa, um produtor de filmes picareta. E no meio dessa fauna, que poderia ser rica e viva, o que se nota é apenas estilo, estilo e mais estilo. Os personagens não existem, não têm rosto, vida, vontade, nada. Parecem sempre falsos.
  Se Oz fez isso de propósito, ele foi bem sucedido. Conseguiu o que quis, mas às custas do leitor. Ele atingiu o objetivo, mas entregou um livro vazio.
  Amós Oz escreve bem pacas. Pena o livro não.

X-MEN CS LEWIS ANTHONY HOPKINS MILES DAVIS DEPP JULIE CHRISTIE ROEG

   DON'T LOOK NOW ( INVERNO DE SANGUE EM VENEZA ) de Nicolas Roeg com Donald Sutherland e Julie Christie.
Terceira vez que vejo esse filme e quanto mais o revejo mais eu gosto. A revista Time Out o elegeu em 2012 o melhor filme inglês da história. Nos extras, fartos, temos Danny Boyle nos explicando porque ele é tão bom e confessando quanta coisa ele roubou desse filme. Os primeiros 10 minutos são uma obra-prima: numa montagem primorosa, vemos um pai adivinhar a morte de sua filha. Tudo está interligado nessa sequência que condensa tudo o que virá a seguir. Água, o elemento da alma compõe todo o filme. O casal, já dentro do luto, vai à Veneza. O que vemos lá é a luta entre a razão e a intuição. A esposa se entrega à intuição, o marido resiste e morre por isso. Julie Christie está sublime. Nunca ninguém sorriu na história do cinema como ela sorria. Donald dá uma interpretação que beira a possessão. Seu medo se torna nosso medo. O filme dá sempre a sensação de que algo muito grave está já acontecendo. Isso porque Roeg une tudo, cada imagem e cada objeto é uma pista do que virá a seguir e ao mesmo tempo; a memória do que aconteceu. Poucos filmes, segundo Boyle, são ´tão "cinema", no sentido de que poucos captam tão bem o que seja o tempo. Recebido como apenas mais um filme em sua época, ele tem hoje o status de viga mestra de um futuro. Um muito grande filme. E, acima de tudo, um prazer.
  ALICE ATRAVÉS DO ESPELHO de James Bobin com Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Sacha Baron Cohen, Anne Hathaway.
Menos ruim que o Alice de Tim Burton ( Tim é apenas o produtor aqui ), este filme tem da obra de Lewis Carrol apenas os personagens. O livro maravilhoso de Carrol em nada se parece com isto. O roteiro trata de uma Alice feminista que tenta voltar no tempo para ajudar o Chapeleiro a recuperar sua alegria. Tem ação e belas imagens. É bobo.
  MILES AHEAD, A VIDA DE MILES DAVIS de Don Cheadle com Ewan McGregor.
Se ainda não viu, veja! Talvez seja a melhor bio de jazz já feita. Isso porque Don Cheadle nunca sente pena de Miles e nem tenta mostrar a vida do gênio. O que o filme conta é um período de cerca de duas semanas, no fim dos anos 70, quando Miles, recluso desde 1974, volta aos palcos e aos discos. ( Nos anos 70 ficar mais de dois anos sem gravar ou tocar era muito estranho ). O filme, brilhante, tem energia, ação, beleza e clima de jazz-funk, exatamente o som que Miles fazia na época. O cara era um ego imenso, era frio, era malandro e era violento. O filme nada esconde. Não faz dele um "gênio sofrido" e nem um "cafetão malandro". Ele é Miles, único. Don dá um show. Fisicamente ele nada tem a ver com Davis, mas a gente aceita. O cara merece. Ewan está muito legal também. Adorei o filme. E no fim tem um show com Herbie Hancock que é de matar.
  TERRA DAS SOMBRAS de Richard Attenborough com Anthony Hopkins e Debra Winger.
Se voce for fã de C.S. Lewis talvez goste. Se não for...Lançado em 1993, lembro que críticos brasileiros diziam que o filme seria ignorado aqui. Isso porque em 93 ninguém no país tupi lia Lewis. Ele era bem desconhecido. Hoje, em 2016, felizmente, as livrarias têm livros de Lewis em estoque e seu nome é conhecido até nesta esquina do mapa mundi. O filme mostra ele em Oxford, por volta de 1952, tempo em que ele conhece sua esposa, a americana Joy. Lewis foi o tipo de professor britânico que hoje não mais existe, ou seja, seu mundo era feito de chá, conversas, aulas, cachimbo e nada, nada de sexo. Ele se casa aos 50 e tantos anos, virgem, e logo sua esposa começa a decair, com um câncer muito doloroso. Attenborough filma como sempre: solene e frio. É seu estilo. Lewis não era uma pessoa fria, a coisa destoa. Hopkins está soberbo. Em um olhar ele mostra toda a complexidade do autor. Winger sempre foi uma atriz maravilhosa. Pena o roteiro ser tão...comum. Não é um filme ruim, apenas penso que o tema merecia muito, muito mais. Belas imagens de Oxford compensam todo erro.
  LOVE AFFAIR de Glenn Gordon Caron com Warren Beatty, Annette Bening e Kate Hepburn.
Warren é um atleta aposentado, famoso e mulherengo, Bening uma mulher casada, infeliz. Se conhecem num voo, se apaixonam... Esse filme é refilmagem de um excelente filme de 1957, com Cary Grant e Deborah Kerr. Este é bonito. Até que não é ruim, a gente vê com algum prazer. Annette tá bonita como nunca e Warren é sempre ok. E tem o último papel de Kate, a maior de todas, que eletriza a tela. Vemos de forma explícita, Warren e Annette intimidados pela grande dama. Vale ver. Com alguém ao lado.
  X-MEN APOCALIPSE de Bryan Singer com James MacAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence.
Se Mad Max foi o melhor de 2015, este é o melhor filme deste ano! Vamos deixar de ser idiotas! O cinema de ação é o melhor cinema que se faz agora. Só saudosistas radicais ou esnobes preconceituosos não reconhecerão nesta obra poderosa, a força do melhor cinema que pode ser feito. Ele tem ação que emociona e mensagens importantes  e sérias todo o tempo. A gente pode falar de Ford, Kurosawa, Huston, Hawks e até de Lang vendo este filme. Uma de suas sequências, aquela onde um dos heróis interrompe o tempo e salva vidas, é de uma genialidade, graça e leveza dignas do melhor Keaton. E não só isso. A complexidade das cenas de ação poderia fazer disto um tédio sem fim, mas Singer já provou a tempos ser um maestro, conseguir fazer de explosões, socos e correrias uma coisa harmoniosa, direcionada. É um grande diretor! Assisti este dvd a dois dias e já sinto vontade de rever. Esqueça seus dramas sérios sobre vidinhas medíocres, aqui voce tem o espetáculo, a grandiosidade, a coisa verdadeira, o cinema. E com muito, muito cérebro.

A TORRE NEGRA E OUTRAS HISTÓRIAS - C.S. LEWIS

   Entre os papéis deixados por Lewis, um deles é esta novela. A TORRE NEGRA foi encontrada incompleta. Tem apenas 60 páginas, faltam algumas folhas e a história parece não chegar nem perto do final.
 O tema é bastante interessante. Fala de um clube de amigos que se reúne para discutir filosofia. Num dos encontros, um deles lhes apresenta uma máquina do tempo. Mas, ao contrário de Wells, esta máquina não leva uma pessoa à outro tempo. Lewis fala que um corpo não pode ir à outro tempo porque "num outro tempo os átomos que nos formam já são árvores, ar ou areia". Lewis sabe que o universo não aumenta sua matéria, a transforma, e portanto não há como acrescentar matéria de outro tempo à um universo estável.
 A máquina, um tipo de cinema, dá a chance de se olhar outro tempo. E é isso que eles fazem. Observam uma Torre Negra onde quase nada acontece. E eis que então acontecem terrores, sacrifícios...
 Não sei se voce vai ler este livro. Por via das dúvidas, e por não querer ser bobo, me calo. A coisa é uma surpresa. Li o livro à luz de velas, numa noite de tempestade sem energia elétrica. Fiquei impressionado.
 Este lançamento tem ainda alguns contos de Lewis. Todos são bons. Falam de pontos de vista diferentes, da relatividade daquilo que vemos, de mundos outros que na verdade são o mundo real. Para Lewis, o mundo que vemos nunca é o mundo real. Há uma luta que se desenrola ao nosso lado, uma luta que não podemos ver, mas que podemos sentir.
 Existem escritores que nos dão personagens. Gente pelas quais sentimos ódio ou amor sincero. E existem aqueles que contam histórias. Ações. Lewis é desse tipo. O século XX precisou de mais autores como ele. O século XXI vê, felizmente, a revalorização da boa história.

Roberto Carlos - Olha



leia e escreva já!

MEU PRIMEIRO DISCO

   Fazia um calor africano. As cigarras cantavam alto e o capim seco estava imóvel. Fui pra casa almoçar, era uma da tarde e eu tinha 7 anos de idade. Em casa havia um certo rebuliço. Meu tio João tinha acabado de sair e deixara para nós uma coisa chamada LP. Na minha cabeça cheia de pipas e de lagoas, eu imaginei um violão. Estranho isso, mas foi o que pensei, e assim fiquei decepcionado quando vi que era um disco. Enquanto minha mãe terminava o almoço eu e meu irmão ficamos na sala ouvindo o tal disco. E isso se repetiria por semanas e semanas. Minha mãe descobrira que uma forma ótima de fazer com que eu e meu irmão sossegássemos era deixar o LP rolar.
  Gosto de pensar e falar que minha mente musical foi impregnada na infância com canções como Help, Lady Jane, These Boots Are Made for Walking, A Whiter Shade of Pale, I'm a Believer e To Sir With Love. Mas devo dizer que meu primeiro disco, totalmente decorado aos 7 anos, foi Em Ritmo de Aventura. Eu cantava as letras junto com o disco. Aprendi, mesmo às vezes não entendendo direito do que ele falava. A guitarra arranhada, a flauta doce, o órgão agudo, e principalmente o excelente contrabaixo rítmico se enfurnaram na minha cabeça. " O Cara que Tinha a Minha Cara" era minha favorita. 'Quando voce se separou de Mim" é a melhor. E ao escutar ele outra vez, hoje, mais de 40 anos depois, posso destacar sua ingênua beleza. E sua breguice encantadora.
  O disco foi feito para um país que ainda guardava nas botas a terra do mundo rural. A cidade era uma novidade, como era o carro, a TV, o rock e a língua inglesa. Era o fim do mundo do rádio, do francês e da lotação. As letras nesse contexto, são "singelas". Encanta hoje o modo galante, delicado como a mulher é tratada nas letras. Ela é uma princesa, ele é um príncipe. As rimas são pobres, os temas são todos sobre o amor, o cantor sofre muito, a menina é indiferente, ele espera, ela partiu. Mas isso tudo é dito com delicadeza, uma chuva de suavidade fofa, um zero de cinismo. Ele acredita no amor, realmente acredita. Mais que tudo: ele crê NELA.
  A mulher comanda o sentimento. O homem obedece.
  Musicalmente há muito daquilo que nos anos 70 viraria "o Brega". Amado Batista, Waldick Soriano, Altemar Dutra, todos usaram a guitarra rítmica e o órgão agudo que abunda aqui. Mas neste disco, de 1967, há algo que no brega não há, um contrabaixo dançante e arranjos de metais e de cordas que são econômicos, exatos, pensados. Sim, é um disco brega como brega é Tom Jones ou Neil Diamond; a realeza do brega, aquilo que o brega tenta ser e nunca pode ser por ser mera diluição. E digamos a verdade, não há uma frase neste disco que eu não tenha vivido com paixão. Nossas emoções quando purificadas são todas bregas. Amo e não sou amado. Quero e não posso ter.
  "Olha" é filha direta de As Tears Goes By dos Stones. Lá está o cravo, os violinos, a doçura de inverno e o nobre servindo sua dama. É ainda linda. Assim como linda é a pulsação de "Quando voce se Separou de Mim". O disco se ouve com prazer. Absurdo pensar nos top 10 discos do Brasil e não colocar um RC.
  E tem a voz. RC jogou fora seu dom quando quis ser Julio Iglesias. Ou ousou pensar ser o Sinatra do Brasil. Grande orquestra, grandes canções, era isso que ele queria. Não deu certo. Em 1967 sua voz convence, ela é clara, sincera, perfeita, exata. O controle é absoluto. Ele nunca exagera, nunca fica frio, nunca explode. É a voz do amor "made in Brasil", um pouco acanhado, muito adocicado, cheio de promessas, encantador. E cristalino.
  É um bonito disco.

INTO THE DARK, THE HIDDEN WORLD OF FILM NOIR, 1941-1950. - MARK A. VIEIRA

   Um livro sobre cinema, principalmente sobre o filme noir, precisa ter boas fotos. Este tem algumas das melhores fotos. E numa impressão perfeita. O preto e branco brilha e exala todo seu mistério sombrio.
  Para o autor, o filme noir começa em 1941 com Cidadão Kane e acaba em 1950, com Sunset Boulevard ( O Crepúsculo dos Deuses ). Claro que não concordo. Para mim em 1938 já existiam filmes noir e depois de 1950, até 1955, foram feitos mais filmes desse tipo. Mas tudo isso pode se discutir.
  O certo é que nunca houve um movimento proposital, um estilo cinema noir. O livro traz críticas dos filmes feitas na época, além de entrevistas e comentários de donos de cinema colhidos entre 1941-1950. Nesse tempo, o que conhecemos como filme noir era chamado de "drama policial" ou até "melodrama violento". Os críticos consideravam os filmes apelativos, violentos demais, imorais, e nada, nada críveis. Eram considerados exagerados. Falsos.
  O termo foi inventado pelos críticos franceses que se maravilharam com aqueles filmes urbanos, tão americanos, cheios de carros, armas, homens amargos e mulheres muito ruins. John Huston, Robert Wise, Anthony Mann, Robert Siodmak, Otto Preminger, Fritz Lang, Billy Wilder, esses são alguns dos caras que lapidaram esse estilo. Out Of The Past de Jacques Tourneur talvez seja hoje visto como o ápice do estilo, mas The Killers, D.O.A, e Gun Crazy também podem almejar essa honra.
  Um amante sério, verdadeiro, de cinema, sempre terá o filme noir como seu estilo mais central. Dá pra entender um amante de filmes que tenha um certo pé atrás com musicais, faroeste ou cinema mudo; mas o noir é imperdoável. Não se apaixonar por aqueles diálogos, as imagens, as surpresas, é como amar jazz e ignorar Miles, ou amar rock e deixar The Who de lado.
  Grande livro. Grande presente.

LINHA M - PATTI SMITH

   O livro tem fotos espalhadas pelos capítulos curtos. Fotos em preto e branco, bem comuns. Isso logo me lembrou os livros do Sebald. E Patti em certa altura fala do Sebald. Ela lê o alemão genial. Assim como lê ou leu Bronte, Paul Bowles, Nabokov, Genet, Camus, Plath, Harukami... e toma café. Baldes de café em cafeterias mundo afora.
  O livro fala de café. De bancos ao canto em cafeterias. De café bem tirado. Quente. Patti pensa. Ela está com 66 anos e bem só. Fred Sonic morreu faz 20 anos. Os filhos cresceram. Ela vive com gatos e livros. Ela escreve sobre Fred, sobre os livros que ama. E café.
  Viaja ao México. Vai pra Europa. Faz palestras. No Japão visita túmulos. Vai ao de Kurosawa e de Ozu. Limpa túmulos. Patti sente os espíritos. Mas não consegue sentir Fred, seu morto.
  Ela é doida por séries policiais na TV. Killing. CSI. E Dr. Who. Não se fala de música neste livro. Se fala do dia a dia, banal e irreal, de uma senhora que envelhece.
  Tanta coisa em comum entre eu e ela... o café, Kurosawa, Ozu, Sebald, os livros ( ok....50% dos livros ), a mania de tirar fotos de coisas que ninguém liga. E esse amor aos que partiram, aos ausentes, aos distantes.
  Ela diz que vivemos cercados de intrusos e que amamos aqueles que são os não presentes...
  É um livro de tardes de chuva.

UM DIA F &**%$## NA VIDA DE TONY ROXY.

   Sei lá porque o cara sentou ao meu lado no banco e perguntou se eu havia assistido MATRIX. O primeiro é um filme absoluto e os outros um lixo. Então a gente falou de que no espaço não existe alto e baixo ou ir para a esquerda ou para cima. E que se a gente acha que esses conceitos são universais é porque existe uma matrix que conforma nosso cérebro ou mente ou o que for.
 Conto pra ele o papo da escrita em linha. Por causa da gente ler em linha reta a gente acha que todo pensamento é uma linha, linear. Mas não. O pensamento nosso é conformado numa linha para poder ser lido pela nossa mente racional e lógica. Mas pensar é circular. Explosivo.
 Vou pra casa e boto uma pulseira que muito raramente uso. Volto à escola e de noite um garoto chinês vem falar comigo. Pergunto se a menina que ele namora é japonesa. Ele diz que não. Mas que ela parece japa de tanto ler mangá. Então a gente fala do Japão e ele me pergunta se conheço Akira. E daí ele pergunta se já assisti MATRIX. É, ele pergunta.
 Então a gente conversa de física. Ele quer ser físico nuclear. Falamos do tempo como conceito abstrato, das distâncias ilusórias. Ele fala que Jesus Cristo pode ter sido uma ilusão colocada em nossa mente. Ou o contrário, que o milagre pode ter sido obstruído de nossa mente. Nunca saberemos ou talvez a gente já saiba.
  Um homem deixa a chave de sua moto cair na grade de um bueiro. Então ele pergunta se um de nós tem um gancho, uma corrente, um imã...Lembro que o fecho da minha pulseira é um imã. Pego a chave dele e noto que o comprimento da pulseira é exatamente o mesmo da profundidade onde a chave caiu.
  Volto pra casa e minha ex escreve que a vida é uma luta. Cabe a nós perceber a linguagem.
  Tá.

NOBEL

   Todo mundo sabe que eu gosto do Bob. Adoro a sensação de aventura que ele dá. Mas odiei o Nobel ser dado para ele. Porque ele é um músico, ele compõe música e sua poesia, em livro, não funciona se não for cantada. Bob concorre com Leonard Cohen, Lou Reed, Patti Smith, Neil Young, os grandes letristas do rock. É no mínimo esquisito colocar Bob ao lado de Philip Roth ou de Amos Oz. Não é questão dele ser melhor ou pior, é questão dele ser de outro universo.
  O Nobel se vulgariza. Fica POP. E se é assim, então que vença logo Caetano. E que a gente coloque Cole Porter ao lado dos grandes escritores que mereciam ter ganho e nunca venceram.

JUDE LAW JUDI DENCH HELEN MIRREN JOHN WAYNE ROGER MOORE EWAN MCGREGOR COLIN FIRTH NICOLE KIDMAN

   O MESTRE DOS GÊNIOS de Michael Grandage com Colin Firth, Jude Law, Nicole Kidman, Laura Linney e Guy Pearce.
Baseado no livro que conta a história de Max Perkins, o editor da Scribner and Sons que lançou Fitzgerald, Heminguay, Caldwell entre muitos outros. Seu favorito era Thomas Wolfe e é ele que o filme retrata. Primeiro devemos dizer que um editor nos EUA nada tem a ver com um editor daqui. Ele pega um texto e o adapta, muda título, corta, modifica. Claro que com a ajuda do autor, que pode ou não aceitar as sugestões. Perkins cortava. Colin Firth é um muito grande ator. Que está sendo requisitado demais para fazer tipos reprimidos. Esse papel ele tira de letra. Jude Law está brilhante. Ele faz Thomas Wolfe sem jamais cair no artificial. O que seria fácil, já que Wolfe parecia uma caricatura viva. Ele falava sem parar e seus livros chegavam a ter 5000 páginas!!! Perkins cortava e cortava e então os editava com um tamanho decente. O filme é a história dessa relação de amizade e de dependência. Se o filme cai às vezes na chatice é graças a personalidade de Wolfe, um chato completo. Guy Pearce faz um Fitzgerald delicado e muito real, e é um alivio a hora em que surge Heminguay. Em 3 minutos somos cativados por uma personalidade que parece vitalista, forte e adulta. Engraçado....vemos um filme sobre Wolfe e saímos dele querendo reler Heminguay... Eu li Thomas Wolfe uns 20 anos atrás. E lembro que pensei: Eis um gênio! E também: Eis um tolo! O filme fala de gente criativa num estilo quadrado, esse um problema comum do cinema atual. Mas é um filme que deve ser visto. E é obrigatório para quem ama livros. Nicole Kidman faz o papel da esposa de Wolfe. Fácil pra ela: a esposa de Wolfe se parece com Nicole Kidman.
   007 CONTRA O FOGUETE DA MORTE de Lewis Gilbert com Roger Moore e Lois Chiles.
Um dos mais debochados 007. É aquele que tem cenas no Rio, no carnaval de 1978. Um bandidão rouba ônibus espacial para destruir a Terra e começar uma nova raça. Roger Moore era impagável. Ele leva tudo na brincadeira, um cara inteligente que sabe todo o tempo que aquilo tudo é uma gostosa bobagem. E nos faz participar do brinquedo. Não é um dos bons 007, é um dos mais sem sal, mas Roger quase salva o filme. Quase.
   SEXO, DROGAS E JINGLE BELLS de Jonathan Levin com Joseph Gordon-Levitt, Seth Rogen e Anthony Mackie.
Reencontro de amigos na véspera do Natal. Um fica doidão demais, outro é o bonzinho que reencontra amor perdido e o outro é um ricaço que se humaniza. Comédia que não faz rir apesar de apelar a tudo o que seria "engraçado". O humor acontece quando a coisa nos pega de surpresa, riso está ligado a inesperado. Aqui tudo é esperado.
   ÚLTIMOS DIAS NO DESERTO de Rodrigo Garcia com Ewan McGregor, Ciaran Hinds
Sim, Ewan faz Jesus Cristo em seus dias de solidão no deserto, momento em que Ele se lança ao sacrifício. É um dos piores filmes do ano e tem uma das piores atuações da história do cinema. O pobre Ewan parece o tempo todo um britânico bem louco vagando pelo deserto à procura de uma rave. O texto é pobre, as imagens são banais e a mensagem é nula. Tenta ser Terrance Malick e é apenas mais um filme lento sobre nada com coisa nenhuma.
   O GRANDE AMOR DE NOSSAS VIDAS de David Swift com Hayley Mills, Maureen O ´Hara e Brian Keith.
Um filme Disney de 1961. E é uma delicia de filme fofo. Hayley faz dois papéis, duas irmãs que nunca se viram. As duas se encontram num camping de verão, se odeiam, se tornam amigas e descobrem serem irmãs. Uma foi criada pelo pai, a outra pela mãe, e agora farão de tudo para unir os pais novamente. Esse argumento, que tem tudo para ser um desastre, dá maravilhosamente certo. Dá certo porque os atores são adoráveis, e principalmente porque em 61 ainda se podia crer num filme deste tipo. É filme família, daqueles que nos deixam de bem com a vida.
   DESBRAVANDO O OESTE de Andrew V. McLaglen com Kirk Douglas, Robert Mitchum, Sally Field, Richard Widmark.
Algumas pessoas gostam de dizer que McLaglen só fez tantos filmes por ser filho de um ator muito querido. Vendo este lixo se dá razão a esses caras. Uma mixórdia sem sentido onde todos os personagens agem sem um motivo e a ação sempre aparece fake e frouxa. Se voce quiser saber o que é uma direção ruim veja este filme. O elenco, que não poderia ser melhor, apenas está lá, a cabeça longe daquela bagunça toda.
   A LONGA VIAGEM DE VOLTA de John Ford com John Wayne, Thomas Mitchell, Ian Hunter
Escrevi abaixo sobre Ford e este filme. Talvez seja seu melhor. Ele pega 3 contos de Eugene O'Neill, todos sobre o mar, e os une em uma história de amizade, dor e luta pela vida. Difícil falar de algo tão sublime. Gregg Toland fez a fotografia e é uma das mais inspiradas de todo o cinema. Conto um fato: Orson Welles foi convidado pela RKO para fazer um filme. Orson já era famoso aos 24 anos, no rádio e no teatro, chamado de gênio da mídia. Ele foi para Hollywood então, sem nenhuma experiência em filmes. Se trancou numa sala e assistiu 'A Longa Viagem de Volta", e só ele, várias vezes. Saiu da sala e disse: " Pronto, já sei tudo o que se deve saber sobre cinema". Esperto, Orson chamou Gregg Toland para fotografar Kane e o resto é lenda. Este filme tem as sombras, as angulações e o clima de Kane, mas ao mesmo tempo é completamente diferente, é melhor. Uma obra-prima irretocável, sem nem um segundo de tédio ou de bobagem.
   GAROTAS DO CALENDÁRIO de Nigel Cole com Helen Mirren e Julie Walters
Um filme bem inglês, ou seja, pequeno, simples, engraçadinho e meio bobinho. E nada ruim. E com grandes atores. Adoro Helen, e aqui ela se diverte fazendo uma senhora meio maluquinha que tem a ideia de fazer um calendário para dar dinheiro ao hospital da cidade. Um calendário de senhoras nuas. Nada glamorosas. ( Apesar dela ser muito glamorosa ). O filme não é grande coisa porque a história é curta e o filme se alonga. Mas é ok.
   SRA. HENDERSON APRESENTA de Stephen Frears com Judi Dench, Bob Hoskins e Kelly Reilly, Christopher Guest.
Um bom filme sobre uma história real, do tipo que Frears adora. Nos anos 30 uma entediada milionária, sem ter o que fazer, compra um teatro. Contrata um gerente e resolve fazer um show de nús. Na época não se podia mostrar mulheres nuas nos palcos ingleses, só se fossem como estátuas, e é o que ela faz. Convence um ministro e vai adiante. O filme mostra isso e mais a segunda-guerra, pois o local é bombardeado, a relação difícil entre ela e o gerente e as meninas nuas e seus problemas. Judi está ótima, vulnerável e fútil e Hoskins tem mais um papel nervosinho e agitado. Christopher Guest quase rouba o filme como o ministro que é sempre enrolado por Miss Henderson. Veja.