O AGENTE DA UNCLE- GUY RITCHIE ACERTA MAIS UMA

   Este filme funciona muito bem porque retrata de um modo não caricato, de um modo confiante, o mais cool dos períodos históricos, aquele entre 1959-1965. O tempo da guerra fria e do medo da bomba, mas também o tempo de Dior, St.Laurent, BB e do cool jazz.
   O AGENTE DA UNCLE foi uma série inglesa que meu pai adorava. Lembro muito vagamente da TV ligada à noite, eu brincando no tapete e os adultos assistindo aquela coisa barulhenta e que eu já percebia ser muito cool e muito sexy ( eu juro que aos 6 anos eu sentia as vibrações daquele momento especial ). A série fez enorme sucesso e depois virou cult. Robert Vaughn e seu personagem Napoleon Solo se tornaram nomes tão icônicos daquele tempo como James Bond ou Inspetor Clouseau. E havia ainda David McCallun no papel de Ilya, o russo do bem ( mais ou menos do bem ).
  As pessoas compram a ideia de que a TV está agora em seu auge. A TV SEMPRE vende a ideia de estar em seu auge. Ela se vende, isso é normal. No tempo de UNCLE havia Missão Impossível e Star Trek, A Feiticeira e Hawaii 5.0...nada mal. Besteira também dizer que o cinema pega hoje atores da TV. Em 1964 Clint Eastwood era um ator de TV e só da TV. Well....
  Guy Ritchie é um bom diretor. Ele tem senso visual, ritmo, e aqui ele consegue ir mais devagar, quase no ritmo de 1964. O filme não é só ação, aliás seus melhores momentos são todos em diálogos. E surpreendentemente os jovens atores se saem muito bem. São bonitos sem parecer bonecos e sabem ser elegantes sem parecer meninos usando as roupas dos pais. O filme tem ainda uma boa trilha sonora que usa despudoradamente os climas que John Barry, Lalo Schiffrin e Qincy Jones punham nas cenas de então. Mas o melhor é mesmo o visual, a doce beleza moderna das roupas, a alegria suave dos objetos, a ousadia otimista dos cenários. Vemos de novo a Roma rica de Fellini e a Berlin cinza dos filmes de espionagem. A diversão se garante. É um filme para a geração que ama MAD MEN e 007.
  Existem falhas, e como em todos os filmes de Ritchie, há uma momento em que o excesso de exuberância cansa. Mas a coisa anda e na verdade já estamos ganhos faz muito.
  Guy é o cara.

Steely Dan - Peg - 10-17-15 Beacon Theater, NYC



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LINGUÍSTICA E MÚSICA: STEELY DAN.

   Aprendemos na linguística que com a educação, feita desde o nascimento, de nossa audição, adquirimos a habilidade de perceber certos sons, em nossa língua-mãe, que estrangeiros, nascidos e educados em outro ambiente, não percebem. Desse modo, um brasileiro tem dificuldade em perceber a diferença falada entre "night" e "Knight". Um inglês consegue escutar esse "K", nós não o notamos. Do mesmo modo, a trema de uma palavra alemã, a diferença entre "U" e o "i" em francês ou os sons nasais do japonês podem nos ser inaudíveis. E eles não conseguem escutar o nosso "til" com clareza. Ouvem um simples "n".
  Música é a mesma coisa e por isso um músico profissional sempre parece a nós, leigos, um chato. Ele foi educado a ouvir sons que nos passam despercebidos. Mesmo assim, um leigo como eu, pode ser melhorado se escutar certas músicas de complexa construção. O Steely Dan faz isso por nós.
  Percebo que meus alunos, não todos, educados no som chapado do sertanejo e do funk, têm perdido a capacidade de distinguir os vários sons e ritmos que formam a música mais rica. Sentem a batida geral, mas não procuram instintivamente o som da bateria ou do baixo. Muito menos percebem os vários timbres que existem numa bateria. Minha geração, por mais que o rádio nos desse a riqueza sonora de Stevie Wonder ou de Marvin Gaye, tinha também suas massas deseducadoras: Kiss, Foreigner ou Roberto Carlos. Entenda, eu adoro sons chapados como os do MC5 ou Motorhead, mas é preciso ouvir mais, muito mais, inclusive para entender melhor MC5 e Motorhead.
   Numa canção como Peg ou King of The World há tanto ritmo diferente e tanta sutileza que a educação se faz completa. A bateria em Peg tem quebras de andamento, toques sublimes nos pratos, uma caixa que parece atravessada. Em King of The World o solo de guitarra final é cheio de notas que se reproduzem ao infinito enquanto o contrabaixo evolui como uma cascata de notas blue. E há muito mais, muito mais.
  Um LP como Countdown to Ecstasy serve como um mestrado em beat, em harmonia e em composição. Por detrás da aparente inofensividade de um pop bem gravado há a ferocidade genial de um ouvido que escuta tudo e escuta bem. É o POP sublime.
  E você pode perguntar: Para que serve educação. E eu respondo: Para dar ainda mais prazer dentro daquilo que você já conhece. E para te abrir caminho para novos conhecimentos. O Steely Dan, Donald Fagen-Walter Becker, são dupla de eruditos. São de se reverenciar.

Donald Fagen - New Frontier (Video)



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GOETHE FOI COMPLETAMENTE DERROTADO

   Fausto faz uma aposta com Mefistófeles: Ele jamais irá se sentir satisfeito, e se isso ocorrer, sua alma estará salva. Mefistófeles lhe dará conhecimento, prazeres, e mesmo assim, Fausto promete, continuará insatisfeito. Se isso for mantido, o diabo irá perder. No final da peça não sabemos quem venceu. Jakobson, Benjamin, Arendt, nenhum deles conseguiu descobrir o vencedor. Mas não é sobre isso que desejo falar. Vamos adiante.
  Goethe considerava três os sofrimentos do inferno: o Materialismo, a super valorização do Sexo em detrimento do Amor, e a Pressa. No inferno as pessoas teriam a certeza de que o Presente é tudo o que existe, que o Homem é uma máquina de carne e sangue e que a vida consiste na satisfação da matéria. Sexo seria a única forma de Amor. E tudo seria feito com cada vez mais pressa. Amizades, viagens, nascimento e morte, tudo regido pelo tempo do relógio. O tic tac como eco da vida.
  Não é preciso dizer a vocês que nosso mundo é o retrato do inferno que Goethe intuiu em 1790. Ele tinha horror ao materialismo, para ele, desprovido de mistério, de fantasia, a vida perdia seu valor. Assim como o sexo visto como fim mataria o amor. Quanta a pressa, ela seria consequência do materialismo: se somos máquinas viver bem e ser melhor significa funcionar mais rapidamente.
  Converso com o professor e digo que se pode imaginar Shakespeare sentindo um certo fascínio pelo nosso mundo. Assim como Byron ficaria horrorizado e intrigado pela nossa civilização proteica. Mas Goethe não. É impossível imaginar Goethe em NY ou Tokyo. Seria para ele o puro horror. Ele seria como um ser de outro planeta, de outra galáxia, impossível de ser entendido e de entender.
  Fausto é o mais útil dos livros exatamente por isso. Ele diagnostica o mal antes de seus sintomas mais nítidos. Ele mostra a luta interna que vivemos agora: um mundo mefistofélico que nos é dado de herança, e no qual, cada vez menos fausticos, temos de lidar.
  Tentamos vencer a aposta. Tentamos não sentir a plena satisfação dentro dessa apequenação. Tentamos crer que Isto Não É Tudo. E intuímos que esse é o único modo de vencer Mefisto.
  PS: Vale ainda dizer que Fausto é a obra mais homenageada do mundo. Falas são usadas em Machado de Assis ( que o amava ), Dostoievski, Philip Roth, Joyce. E o livro é usado como molde em obras de Fernando Pessoa ( Fausto ), Thomas Mann ( Dr Fausto ), Sanguinetti, Bulghakov, e Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, e mais um infinidade de autores do mundo inteiro.
  Há Fausto em filmes noir, westerns, Bergman, Fellini, Visconti, Wenders, Woody Allen....nos seus melhores filmes.
  Fausto continua resistindo. Um dia irá vencer...ou desaparecer tentando....

O MATADOR- VIN DIESEL- JASON STATHAM- WINTERBOTTON- STEVE COOGAN- PERCY JACKSON- TED- BBC

   A ESPIÃ QUE SABIA DE MENOS de Paul Feig com Melissa McCarthy, Jude Law e Jason Statham.
Uma sátira aos filmes de James Bond. Melissa faz uma gorducha apaixonada por Law que é um super agente. Quando ele morre, ela toma seu lugar. O filme é engraçado e chato. Depende da cena. Eu morri de rir com a primeira e a segunda cena de Jason Statham. Ele faz uma gozação com seus papéis habituais. Por outro lado temos algumas cenas que nos desligam. Mas no geral o filme é divertido. Melissa é uma comediante ok. E Law sabe rir de si-mesmo. Nota 6.
   AN INSPECTOR CALLS de Ainsling Walsh com David Thewlis, Miranda Richardson e Ken Stott
Um filme para a Tv da BBC. Adaptação da segunda peça mais vista do teatro inglês, um texto de JB Priestley de 1930. Tem a velha competência da emissora estatal. Boa fotografia, bons atores e um clima de cliché vitoriano. Um Downtown Abbey de suspense. Mas eu achei o texto deplorável, inverossímil e pobre. E pior, a reviravolta final é completamente boring. Como denuncia da classe alta britânica é óbvio, como suspense é previsível. Nota 3.
   VELOZES E FURIOSOS 7 de Jason Ling com Vin Diesel, Paul Walker, Dwayne Johnson, Jason Statham e Michelle Rodriguez.
Em 2000 foi feito o primeiro filme. Uma modesta diversão estrelada por Paul Walker. O filme, que é simples e muito bom, fez um sucesso inesperado e lançou Vin Diesel ao estrelato. O ator musculoso não conseguiu aproveitar a onda de sucesso e acabou ficando restrito à franquia. Mesmo assim ele é um cara de muita sorte. Porque como ator ele é possivelmente o pior que já vi. Dwayne Johnson a seu lado fica com o porte de Marlon Brando e Paul Walker parece Steve McQueen. A série varia entre filmes bons ( o primeiro e o quarto ) e alguns muito chatos ( o quinto e sexto ). Sempre que tentam complicar a coisa cai. Os filmes são melhores quando se concentram nos carros. Aqui há uma cena numa floresta que é maravilhosa! Ação absurda e bem feita. Mas toda a trama parece ter sido escrita por um garoto de 10 anos. Bêbado. Nada faz sentido. De qualquer modo, se você ignorar as mãos penduradas de Diesel ( ele nunca sabe o que fazer com elas ), o rosto sem expressão de Diesel e sua voz inexpressiva ( além da desastrosa Michelle, uma atriz inexplicável ), você pode se divertir. Pena Dwayne e Jason não aparecerem mais.... Nota 4
    TED 2 de Seth McFarlane com Mark Whalberg, Amanda Seyfried, Morgan Freeman
O que houve com Seth...Ele leva Ted a sério! E quase mata o personagem. Ted, o primeiro, era um filme legal por ser anárquico. Ele ria do politicamente correto e pouco se lixava para as consequências. Aqui Ted é quase bonzinho!!!! Ele vai a julgamento para provar ser um humano. E poder se casar. Ou seja, ele luta para ser aceito. Ted deixa de ser Ted. O filme não está nem perto da graça do primeiro. Tem menos sexo, menos palavrões e as drogas aparecem como brincadeirinha de crianças. Eu amava Ted, aqui ele quase destrói isso. Esqueça. Nota 2.
   PERCY JACKSON E O LADRÃO DE RAIOS de Chris Columbus com Pierce Brosnam, Catherine Keener, Sean Bean, Steve Coogan, Rosario Dawson...
Mitologia para crianças. Ok, vamos ver o que os moleques andam vendo...E carcaça! Deve ser maravilhoso ter 12 anos e ir ao cinema hoje! Quero dizer que eu, aos 12 anos, adoraria um filme como este!!!! Eu ia delirar com a magia, a ação e a viagem e ele se tornaria um filme de saudade quando eu tivesse 50. Mas visto na minha idade...não dá. A mitologia grega é reduzida a uma espécie de "monstrinhos fofos da Disney", a ação é banal e acabei me distraindo de tudo aquilo. Vi o filme a 6 dias e já não me lembro de sua trama. Ao contrário de alguns ótimos filmes juvenis que andei vendo, este não consegue envolver um adulto. Pena. Nota 2.
   UMA VIAGEM PARA A ITÁLIA de Michael Winterbottom com Steve Coogan e Rob Brydon
Um amigo inglês, jornalista, convida um ator de TV para viajar com ele pela Itália. O filme é apenas isso. Os dois viajando pelo país e conversando muito e muito e muito. Felizmente a conversa é ótima! O diretor não enfeita nada, a ação é a conversa, a paisagem correndo ao lado do carro e os restaurantes e hotéis onde eles ficam. Os dois atores interpretam eles mesmos ( na verdade os personagens são Rob e Steve ). Algumas cenas são hilárias. Rob imita Hugh Grant, Jude Law e Michael Caine à perfeição. Morri de rir! O filme é todo assim, leve e bem humorado. Eles falam de coisas sérias: idade, tempo, fama, mas sempre com alegria, cinismo ou até anarquia. Um filme muito gostoso de se ver. Nota 7.
   O MATADOR de Henry King com Gregory Peck, Millard Mitchell e Helen Westcott.
Falei desse filme num texto abaixo. É uma obra-prima. Fala de um matador cansado, alguém que procura ser esquecido. No processo ele não consegue escapar de sua fama. Henry King começou no cinema mudo, fez algumas obras primas e continuou sua carreira até os anos 50, sendo sempre o diretor classe A da Fox. Peck raramente esteve tão bem. Com meia dúzia de olhares e o timbre da voz ele nos comove. É um filme raro, seco, simples, duro e bastante pessimista. Tem de ver! DEZ!!!!!!!!
 

Pablo Picasso HD Interview with The Father of Modern Art



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PRA PABLO

   "Tudo aquilo que conseguimos imaginar é real".
   Pablo é o antídoto para Schoppenhauer, para o pessimismo. Ele é vital.
   Pablo é solar. Ele vivia ao sol, torso nú, criando. Pegava pedra e fazia bicho. Pegava lixo e criava sonho. Mas tudo em Pablo é real. Nada nele parece etéreo. A criação mais absurda é de verdade. Tem peso. Pablo ama o peso, a solidez, a dureza do toque.
   Seu sexo é aquele do fauno. Meio deus e meio besta. Deitado ao sol, pelado, ele exala desejo. Ama a carne. O cheiro. É um touro.
   Nenhum artista é mais carnal que Pablo. E nenhum outro mergulhou mais fundo no onírico explícito. Ele viu que o sonho está no aparente. Aquilo que vemos é surreal. Ele pescava absurdos no comum.
   Pablo era também cruel, duro, egoísta, vaidoso, isolado e sedento de elogios. Vingativo. Ele era ruim. Maldoso como todo criador é. Criar é um ato de vingança contra o comum, o ordinário, o tédio, o banal. O objetivo pode ser bom, mas a energia é aquela do mal.
  Ninguém viveu tanto como Pablo.

FAUSTO, NOSSO PECADO, NOSSO DESTINO, NOSSO PLANETA.

   Chegamos então, neste curso de brilho, nessas aulas inesquecíveis, a Fausto. Nossa mais alta montanha. E nossa radiografia. Maldição. Querer saber tudo. Se meter em tudo. Desejar possuir o saber sobre todas as coisas. Ver tudo. O pecado da Curiosidade.
   Deus nos proibiu o saber em excesso. Nós, com o empurrão da Serpente, demos o passo. E sabendo, e vendo, caímos do Paraíso. Após o despertar do saber, tornou-se impossível a Felicidade.
   A consequência é eterna. Ainda hoje, nestes tempos vaidosos, nos pegamos pensando que ser ignorante é ser feliz. Que ler demais é viver de menos. Que feliz é o analfabeto. Que inocente é o povo simples. Que não sabe.
   No século XVI surgiu a figura de Fausto. Um best seller. Contava a vida de um bruxo que se vendera ao Diabo em troca do saber. Marlowe teatralizou e fez sucesso. E toda nação desde então compôs seu Fausto nacional. O nosso se encontra em Grande Sertão: Veredas. O mito que não é mito, é arquétipo universal. O homem que desafia o deus. O homem que deseja ser um deus. O Fausto de Goethe é o maior ( segundo meu professor, o maior dos livros ). Síntese do destino ocidental.
   Uma conclusão que Goethe antecipa e que está se cumprindo aqui e agora: o homem deixou Deus de lado em troca do saber. E deixará a Natureza de lado em troca do poder. Porque Deus e Natureza são Um e o Mesmo. Aquele que se desfaz do Divino destrói, cedo ou tarde, Seu Corpo, a Natureza. Fausto irá matar a Terra. Goethe nos avisou. Nunca escutamos isso. O saber há de existir, mas sempre unido ao cuidado, a delicadeza, ao Amor à tudo que seja natural.
   Ninguém seguiu esse conselho.
   Fausto mudou a Arte em toda a Europa. Ingleses e franceses amaram Goethe como guia divinizante. Crianças recitavam Goethe enquanto caminhavam pelo campo. Ele impregnou a vida cotidiana das cidades cultas. E mesmo assim, com todos os seus avisos, o Nazismo nasceu como a realização dos pesadelos do poeta. A aliança com o mal supremo em troca de saber e de poder.
   O poeta alemão amava Shakespeare e em estilo Fausto deve muito a A Tempestade. A peça final do inglês que fala também de poder e saber. Mas enquanto Shakespeare é sonho e beleza, Goethe é dor e pesadelo.
   Ler Goethe era, até mais ou menos 1950, um dever moral e estético. Hoje ele é apenas uma curiosidade pedante. Foi anestesiado por nosso mortal tédio e cinismo. Goethe, que foi um deprimido, descobriu que o saber conduz necessariamente ao enfado, ao tédio e à melancolia. E era seu dever lutar contra ela. Nós já desistimos. A engolimos sem reclamar. E nos medicamos como cabritos.
   Em 1820, Goethe, e também Beethoven, Byron, Schubert, Chopin, Hugo, todos eram Fausto. Prometeus em luta contra o destino. Hoje somos velhos que balbuciam: "-Eu sei....que se há de fazer...é assim....tem de ser assim...."
   Então o destino se cumprirá. Marte nos espera. Alegremente caminharemos ao inferno.

JUNG, SONHOS E REFLEXÕES. UMA VIDA MUITO BEM VIVIDA.

   Um mito só é vivo quando muda. Tudo o que tem vida modifica-se o tempo todo. Os deuses gregos tinham vida, em seu tempo, porque sua existência se modificava com e ao lado dos homens. Desde o século XII o cristianismo parou de mudar. Toda tentativa de mudança passou a ser heresia. A crença se solidificou. Imutável, morreu. É um mito que pouco diz ao homem de hoje. Sua validade está fora da igreja, naquilo que ele pode dizer de particular a cada um individualmente.
  A razão não pode criar mitos. Ela se ocupa daquilo que podemos ver e ouvir. Pesar e medir. Sentimentos, intuições, individualidades estão fora de seu alcance. Seu interesse não é criar, é provar através da observação. A razão pega o que já existe. Dentro de seu mundo.
  O mito é necessário para dar sentido à vida. Sem ele nossa existência empobrece e o planeta fica à deriva. Cada ato, sem o mito, cai no vazio. A liberdade se torna falsa, porque ela fica restrita ao campo do comum, do vulgar, do provável. Só existe aquilo que é de todos. O indivíduo morre na razão.
  O significado da vida e seu sentido só pode ser percebido dentro do inconsciente. Mas ele existe indiferente ao consciente. Como sombra, ele age nos bastidores, longe da linguagem humana, em atos sem tempo, sem lugar e sem aparente consequência. Longe da razão.
  O homem é essa luta entre opostos: consciente e inconsciente. Polaridade que nos move, polaridade que por ser aquilo que nos define, é tudo o que podemos perceber no mundo. Só percebemos fora de nós aquilo que vive dentro de nós. Opostos em luta. Sombra e luz.
  Todas as respostas moram dentro de cada um. E só entramos nesse mundo, o do inconsciente, quando em crise. O neurótico é aquele que luta por ficar fora. O esquizo é aquele que entra e não mais sabe sair. Um fecha a porta. O outro não acha a porta.
  Há um centro dentro de cada um de nós que é incomunicável. Portanto ele é um segredo. UMA SOCIEDADE PRECISA DE SEGREDOS. É o segredo que faz nascer um grupo de iniciados. E deles nasce um reconhecimento. Uma sociedade. Algo que só eles sabem e entendem. Esse centro não reconhece lugar ou causalidade.
  Não se pode comunicar Deus a alguém. Deus não se vê ou se ensina. Ele é uma experiência. Você sente Sua presença. Sabe. E guarda esse segredo.
  O homem pleno, se é que ele existe, se ocupa daquilo que é valioso. O mundo perde tempo naquilo que pouco valor tem. Tudo que se liga ao tempo e é marcado pela pressa tem pouco valor. O precioso está fora do tempo, é eterno.
  ... termino o belo livro que a Cultura lançou com a Nova Fronteira em edição caprichada. Jung me convence porque tudo o que ele fala eu vivi antes. Bem antes. E vivo hoje.
  Todas essas frases acima são do livro. E devo ainda dizer que os melhores trechos são aqueles que falam de suas viagens. África. Índia. Novo México. A mais fascinante é aquela a Uganda e Kenya. Jung se esforça por os conhecer. Sábia a sua atitude de sempre ter em vista seu modo europeu de pensar. E me frustrou a recusa que ele teve em face de um momento dionisíaco. A coisa quase acontece numa tribo africana, mas ele não sai de seu mundo.
  Na cidade indígena do Novo México a coisa é mais plácida. Lá Jung tem talvez seu mais belo momento.
  A visão de Jung é aquela da dualidade sempre. O mundo da natureza é cruel e belo. O homem é consciente e inconsciente. Deus e o homem são opostos que se criam. Um ligado ao outro. A morte é a sombra da vida e a vida está unida a morte. Homem e mulher se motivam e ao mesmo tempo se repelem. Dentro e fora. Aqui e lá. Tudo em dualidade.
  Mas ao mesmo tempo ele reconhece que esse é o modo como ele pode ver a vida. E a vida existe também fora de nossas percepções. Daí o insaciável interesse de Jung pelo oculto, pela chance de procurar algo que esteja fora da razão e do tempo.  Das pistas cifradas de outros mundos. Do mundo interior. O sonho acima de tudo. As mensagens visuais do inconsciente. As sincronicidades. O estar aberto a todas as possibilidades.
  Fosse trinta anos mais jovem Jung teria feito aquilo que Huxley fez ( são almas irmãs ). Provaria mescalina e LSD para ampliar sua busca. Jung não criou dogmas. Ele ampliava experiências. Vivo.
  É um belo livro. ( Com algumas partes chatas. Jung não escreve bem. E reconhece isso. )
 
 

FIRENZE E ROMA

   Tenho uma amiga que está cruzando a Itália. Ele me envia fotos de Roma e de Firenze. Nunca estive na Itália e olho as fotos.
   Ela sabe fotografar. E sabe escolher seus alvos. Olho as fotos de noite, dentro da escola onde trabalho, numa pausa. Há uma colega ao meu lado em outro computador. São nove horas da noite e faz calor. O ventilador está ligado.
   Uma sequência de fotos: túmulos. Dante. Machiavelli. Petrarca. Galileo. Michelangelo. ...alguma coisa acontece aqui.
   Desce sobre mim. Os pelos de meus braços se erguem. O calor me meu rosto aumenta. Fico vermelho. Uma onda de frio varre o lugar onde estou sentado. Meus olhos se arregalam. Meu coração NÃO dispara. Estou calmo. E ao mesmo tempo emocionado. Uma emoção que não acelera. Abraça. Tento me controlar mas logo desisto. A sensação é deliciosa. Sou tomado. A visão do mármore que envolve Michelangelo me dá um desmaio que não me apaga, antes me ergue.
  Continuo vendo as fotos nesse estado do sublime enlevo. Firenze se mostra e se abre para mim. Ela é fatal. Um pensamento: eu morreria em Firenze. E seria a mais bela morte. Pois eu renasceria em Firenze.
  Palavras a partir daqui não mais podem ser ditas.
  ...
 

A TORRE COLORIDA

   Estou lendo o livro de memórias de Jung. Deve ser meu sétimo ou oitavo livro do guru. Jung tem o poder de me liberar. Apesar do capítulo 3 me ter incomodado muito, onde ele fala das doenças de seus pacientes, o livro possui maravilhosas coincidências com minhas próprias experiências. Jung me convence porque o que ele viu foi visto por mim também. Antes de o conhecer. Bem antes. Ele valida as impressões que senti e as dores que não compreendi.
  Mas não estou escrevendo isto como comentário à obra. Quero apenas falar com você e com meu amigo Léo. O capítulo onde Jung descreve sua casa foi escrito especialmente para pessoas como Léo. Basta dizer que Jung construiu ao fim da vida uma Torre de Pedra. Com as próprias mãos. E que essa torre não tinha eletricidade ou água encanada. Tinha fogo, lampiões e um poço. Ele gostava de pensar que um antepassado seu, se lá surgisse, se sentiria em casa dentro daquela casa. A torre era o ambiente onde Jung era livre para ser ele. Onde seu eu número dois podia existir.
  Ele fala da necessidade de termos um canto só nosso. Onde ninguém pode entrar. Onde tudo é eu. Ele pintou as paredes com símbolos. Fez objetos. E ouviu o silêncio que dizia.
 Eu tive dois cantos meus. E faz vinte anos que os perdi. O primeiro foi o porão da casa onde nasci. Cheio de teias, insetos, trapos, móveis velhos, rachaduras e vidros quebrados. E o segundo foi meu quarto número dois. O "quarto da bagunça". Onde ninguém entrava. Onde rabisquei peixes, plantas e sóis nas paredes. Onde eu cantava, dançava, pulava, gritava e dormia com meus cães. Foi minha torre. Minha Torre Colorida.
 

O MATADOR- UMA OBRA PRIMA DE HENRY KING

   A história é de uma simplicidade mítica: um matador está cansado de ser aquilo que ele é. A questão: alguém pode deixar de ser a pessoa que os outros querem ver...
  Sob uma melodia soberba e elétrica de Alfred Newman, Gregory Peck cavalga. Ele vai à um saloon e lá, logo reconhecido, tem de se colocar à prova. Essa sua sina. Por ser um pistoleiro famoso deverá, sempre, ser desafiado. Todo jovem maluco quer o seu lugar. A fama de ter morto o grande matador.
  A fotografia de Arthur Miller é absoluta. Ela abarca todo o set e todos os tons de cinza. As cenas são profundas, vastas apesar de claustrofóbicas.
  E há o rosto de Peck. Ele nunca foi um grande ator, mas ele era mais que isso, era uma estrela. Ilumina o filme. Dá luz sendo obscuro. O rosto está cansado. O Pistoleiro não quer mais ser quem é. Há um desejo imenso de descanso nele. E dolorosamente ele quase consegue chegar lá.
  O que faz de um filme uma obra-prima: prazer, vontade de falar dele, interpretações múltiplas, desejo de rever, muitas cenas que se guardam na lembrança. Este filme tem tudo isso. Ele fala da fama, do destino, do julgamento da comunidade, da impossibilidade de se apagar o que se fez.
  Henry King teve uma longa carreira. Começou ainda no cinema mudo e nele ficou famoso. Passou ao falado e acabou por se especializar em grandes filmes da Fox. Ele fazia de tudo: musicais, westerns, épicos, dramas, e muitas adaptações literárias. Com mais de 90 filmes nas costas, óbvio que nem todos são de alto nível. Mas ele conseguiu jamais fazer um filme ruim. Muitos são bons, alguns são ótimos e cinco ou seis são geniais. Quando a produção era cara, complicada, arriscada, se chamava Henry King. E tudo acontecia.
  Aqui aconteceu. Um filme perfeito.

C.S.LEWIS, ALÉM DO UNIVERSO MÁGICO DE NÁRNIA. ORGANIZADO POR ROBERT MCSWAIN E MICHAEL WARD.

   Poucas coisas foram piores no século XX que a transformação da Imaginação em brincadeira ou brinquedo. Tão ruim quanto, foi a afirmação da Razão como um tipo de fetiche ou de superstição. É disso que trata este livro. Lewis foi um homem de letras, professor, escritor, que lutou pela reconciliação. Ele via nossa vida como um Todo. Imaginação e razão, fé e conhecimento, intuição e experiência, tudo isso unido dentro de uma alma individual. E existindo fora, no universo. A imaginação como um poder central, uma verdade, um conhecimento intuitivo. Mas o livro é muito mais.
  Cerca de 50 intelectuais escrevem sobre Lewis. Cada um pega um tema ( obras, poemas, filosofia, teologia, politica.... ) e analisa Lewis dentro desse campo. Os textos são críticos. Nunca elogios vazios. O que salta desse volume de escritos é precioso. Ele nos faz pensar. Melhora nossa visão. E para mim descortinou todo um campo, imenso, de saber que eu desconhecia. Nosso mundo intelectual, este do século XX ( ainda ele ), desvaloriza e sente imenso preconceito contra todo tipo de razão que leve em conta imaginação e intuição. Nossos gurus são incapazes, e se orgulham disso, de pensar em termos unos. Para eles a razão exclui a imaginação e a lógica mata a intuição. Eles se esquecem que seus gurus, Shakespeare, Giordano Bruno, Montaigne ou Espinoza pensavam no modo harmônico. Eram homens de antes da ruptura que dividiu a mente e a alma em campos desarmônicos. Eram inteiros.
  O livro portanto me exibiu uma série de pensadores que conseguem raciocinar em termos integrais. Procuram aceitar a totalidade. Não são discriminadores. Mas posso falar mais sobre este belo volume. Posso falar sobre a palavra alemã que designa um estado de espírito " Onde desejamos sabendo jamais satisfazer esse desejo, e mesmo assim esse desejo é mais prazeroso que uma satisfação."
Posso falar sobre o ateu Lewis, ateu radical que zombava de Deus, e o modo como ele se converteu, lento e doloroso. Posso ainda contar que sua explicação sobre o porquê da existência do mal é engenhosa e racional, quase convence, e dá um sentido à dor.
  Lewis tem principalmente vários pontos de afinidade comigo, talvez o principal a condenação que ele faz ao niilismo. O mal irremediável que se esconde num certo tipo de arte que transforma o homem em menos que um inseto e faz da vida um estrumeiro. Essa arte é profundamente imoral, pois ela destrói por destruir, nada traz de novo ou de bom. Ela é fácil de fazer, falsa em sua profundidade covarde e fake, tola em sua moral amoral. Posa de tudo aquilo que não é. É lixo.
  Mas não se trata de uma censura. Ela existe e sempre existiu. O problema é que esse niilismo se confunde hoje com A Verdade. É como se toda arte tivesse a obrigação de ser sórdida para ser séria. Ou pior, propagar o mal para poder ser considerada inteligente.
  Inteligência é alegria. Nunca tal qualidade foi considerada uma dor. Hoje é.
  A grande mensagem do livro é essa. A vida é uma alegria. Viver é um sorriso.
  Neste século, nada pode ser mais revolucionário que a alegria.

BRIAN WILSON- BOGEY- JASON STATHAM- VINGADORES- JURASSIC- BETTE DAVIS

   OS VINGADORES-A ERA DE ULTRON com os vingadores
Não rola. Ele começa já com ação, desinteressante, e rola ladeira abaixo. A história é sobre um super ser que toma a mente do Homem de Ferro. O filme falha no principal: pouco ligamos para os heróis. O primeiro filme da série era bem bom. Este é uma coisa perdida.
  OS ÚLTIMOS CAVALEIROS de Kaz I Kirya com Clive Owen e Morgan Freeman
Você vai achando que se trata de um gostoso filme medieval. Você quer um pouco de ação, heróis e magia pop. Mas então você descobre que o filme foi feito em Taiwan e que desse modo se trata de uma visão oriental sobre a idade média. E que no oriente não houve uma idade média. E que portanto o que temos é um carnaval de misturas mal feitas que tornam a coisa insuportável. Alguns personagens parecem do século XII, outros são de 1700 e alguns de Star Wars. Os nobres são negros, há ainda samurais e odaliscas. Nem Stan Lee foi tão doido. Pior de tudo, a ação é pífia.
  JURASSIC WORLD de Colin Trevorrow com Chris Pratt e Bryce Dallas Howard
Então vocês acham que sou um snob que não gosta de filmes pop...pois eu gostei muito deste. Os efeitos são ótimos, a mensagem ecológica é boa, a ação é bem dosada. Divertido e com suspense. Eis um filme digno. Pode ver que é bem legal.
  JOGO DURO de Megaton com Jason Statham e Hope Davis.
Um cara que trabalha em cassino ganha e perde uma fortuna. No meio tempo ele se mete em várias encrencas. Um filme de ação com aquele tipo de herói perdedor que era moda nos anos 90. Eu adoro. Jason é o melhor ator para esse tipo de filme. Ele nunca parece perfeito e sua voz demonstra fraqueza. Isso o humaniza. É um filme em que tudo é chavão, mas por causa de sua falta de pretensão nós desculpamos e relaxamos. Muito bom.
  AMOR E MISERICÓRDIA de Bill Pohlad com Paul Dano, John Cusak, Paul Giamatti e Elizabeth Banks.
Desde a obra-prima sobre Dylan é este filme a melhor bio sobre um rock star. Cusak e Dano dão um show fazendo Brian Wilson em idades diferentes. O filme não tenta mostrar tudo sobre o líder dos Beach Boys, ele se detém em dois momentos de sua vida: o auge em 1966 e o inferno nos anos 80. Todas as cenas no estúdio de gravação são fascinantes. O que vemos é um gênio louco criando magia. O filme consegue unir pesadelo à encanto. Brian conheceu o inferno e o psiquiatra feito por Giamatti é um dos piores vilões da história. E creia, foi isso mesmo o que aconteceu... Um filme que emociona e nos deixa nocauteados. Tem de ser visto. ( Cusak tem a melhor atuação de sua vida ).
  FLINT CONTRA O GÊNIO DO MAL de Daniel Mann com James Coburn e Lee J Cobb.
Quando James Bond se tornou em 1963, no seu segundo filme, uma mania mundial, imediatamente os USA começaram a procurar sua versão de 007. Dean Martin foi Matt Helm e James Coburn foi Flint. Os dois são gozações. Os USA não conseguiram jamais levar 007 a sério. A série de Martin é puro esculacho, esta é uma tentativa de ser engraçadinha com alguma dignidade. Não funciona. O filme em 1965 era moderninho e sexy, hoje é apenas museu vivo. James Coburn é um ator carismático, quem o viu em westerns jamais esqueceu, mas aqui ele parece apenas um adulto brincando com teenagers. Muito colorido, muito moderninho, ele parece agora apenas chato.
  O ROMANCE DE UM TRAPACEIRO de Sacha Guitry com Sacha Guitry e Jacqueline Delubac
Guitry foi um star na França dos anos 30. Ator, cantor, escritor, dramaturgo, diretor de cinema e compositor. Fez alguns filmes muito relax e muito originais. Veja esta pequena maravilha....Com humor soberbo, conta a saga de um trapaceiro. Da infância até a idade madura. O filme não tem um só diálogo, ele é todo narrado por ele mesmo, à mesa de um bar. Dessa forma, vemos as cenas enquanto escutamos sua narrativa. O efeito, que poderia ser chatérrimo, funciona muito bem. Os motivos: a história é excelente e a voz de Guitry é charmosa. O filme tem cenas sensacionais e dá um prazer imenso. Como sempre falei, a França fez os mais metidos e chatos filmes da história. E também os mais leves e bonitos dos filmes. Este é um souflé! Nota 9.
  3 ON A MATCH de Mervyn Leroy com Joan Blondell, Ann Dvorak, Bette Davis e Humphrey Bogart.
De 1932, da Warner, o filme conta a história de 3 amigas de escola. Uma vira cantora, outra vira manicure e outra alcoólatra. O filme é mal desenvolvido. O roteiro é bem tolo. O mais interessante é que Bette Davis, ainda uma novata, faz escada para Ann Dvorak e Joan Blondell. Pior ainda é Bogey, que aparece só em duas cenas, já fazendo o tipo de bandido que ele tão bem sabia fazer. Os dois parecem de outro mundo em meio a um filme tão datado. Parecem atemporais. Há um menino neste filme, que deveria parecer doce, que me deu instintos assassinos!
 

C.S.LEWIS, O HOMEM NÃO É NATURAL

   Estou lendo um grande livro sobre o autor C.S.Lewis. Cerca de 50 filósofos, historiadores e escritores escrevem textos sobre os pensamentos e ideias de Lewis. Quando terminar de ler escreverei algo sobre a obra. O que desejo falar agora é sobre uma ideia central de Lewis que é muito próxima a certas coisas que acredito.
  Ele diz que o Homem não é parte da natureza. Natureza é tudo aquilo que nos cerca. O mundo, o universo são naturais. O homem, sempre intuitivamente sentindo-se fora de lugar, está em meio à natureza, mas nunca faz parte dela. Lewis então desenvolve essa ideia e chega à moral. Explico.
  Se o homem fosse apenas um grupo de células, e se a vida fosse somente um acidente, nada teria nos levado à moral. A hipótese de um costume histórico ou de uma invenção não se sustenta. Nosso mal estar perante o sofrimento, nosso apego a animais, nossa ideia de bem e de mal não se explicam se a vida for vista como acidente. Assim como a razão não se encaixa em um universo acidental. Se fosse o universo apenas uma explosão sem sentido, a razão não teria lugar nesse absurdo inconsciente de sua condição absurda.
  Todos esses pensamentos vão radicalmente contra o mundo pós Darwin. Lewis tem total compromisso com o sentido. E sua mais bela ideia é a que diz que a história tem sido, desde o renascimento, um caminhar reto e resoluto rumo a transformação do homem em desumano. Tudo aquilo que define um homem : moral, razão, alma, imaginação, história, tem sido cruelmente destruído. O homem se faz como um adorador da ciência, e ciência é voltada apenas e tão somente à natureza, àquilo que nos é dado pela vida lá fora. Para poder estudar o homem ela faz do homem mais uma parte da natureza, mais um acidente.
  Lewis diz que nesse mundo sem humanidade, só podem existir 3 modos de viver ( ou de estar ): o absoluto niilismo. O hedonismo radical. E a convivência angustiosa onde se procura desesperadamente um sentido onde ele foi negado. Mas haverá saída...
  Para cima e para dentro. Esse o mote de Lewis. E deixo com você esse mote para ser pensado. Para cima e para dentro.