A DOCE VIDA EM PARIS um livro de DAVID LEBOVITZ

   Fecho o ano sempre com coisas de boa energia, ensinamentos de prazer, de bom viver. Assim, costumo assistir musicais, ouvir músicas que me deixam em êxtase e ler livros sobre viagens, bebidas, comida. Apenas o prazer é permitido.
   Neste divertido livro, um americano viaja à Paris com o objetivo de aprender mais sobre culinária. Chocolates é seu alvo principal. David mostra Paris sob os olhos de quem não é rico. Ele anda pelas ruas, mora num apartamento pequeno e precisa de trabalho. Assim, os lados bons e ruins da cidade são descritos. De pior, o egocentrismo do parisiense típico. O modo como eles furam filas, esbarram nas ruas, urinam nas esquinas, têm banheiros feios e pequenos, dirigem de modo suicida, amam a burocracia, riem pouco, fazem o pior café do mundo, e pouco se importam com dietas, câncer de pele e os males do fumo.
  Mas há todo o lado bom, que acaba por fazer com que ele more definitivamente por lá. O apuro em se vestir, a beleza física de simples vendedores de peixe, as feiras de rua, as padarias, o serviço de saúde público ( o melhor do mundo ), o prazer de andar pelas ruas, o chocolate, o capricho, a sabedoria na arte de viver bem.
  David exibe os detalhes de sutilezas que diferenciam a América, e cada vez mais nós, brasileiros, com eles nos parecemos; e franceses, com quem nós aqui, cada vez menos nos parecemos. Da administração do tempo ( tudo lá acontece no tempo lento dos latinos ), ao modo de se cumprimentar ( tudo deve começar sempre com um bonjour monsieur, de uma ida à loja à uma consulta ao banco ).
  É um gostoso livro para dias em que a gente está em movimento e requer leitura simples e leve.

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O QUE É A TENDENCIA STEAMPUNK

   A molecada não é burra. Criou essa moda Steampunk. O que seria isso: misturar duas coisas aparentemente opostas: a aparência vitoriana com o modernismo decadente do século XXI. Então temos carros movidos a vapor. Pistolas mecânicas de madrepérola que emitem raio laser. Ruas da mais moderna cidade com carruagens e esteiras futuristas. Um mundo tão irreal quanto o mais bizarro sonho. E por isso, um mundo que revela a verdade mais secreta:
Queremos a tecnologia de hoje. E queremos viver em outro tempo. De preferência o passado. É a mais nova roupa do romantismo.
   O visual é fascinante! Tudo remete ao sonho. Um simples fusca se torna um tipo de mecanismo de relógio mágico. Sherlock Holmes se une a Blade Runner. Dr. Who com Matrix. Meninas japonesas vestidas de personagem de Henry James com maquiagem punk. Ligas nas pernas com tatuagens.
  Muitos livros e muitos filmes são feitos nesse novo estilo. Há muito de Art Nouveau. Com tecnologia vintage. Relógio de bolso e charuto. Telas e teclados. Muito ferro e muito cristal.
  Daí as barbas. Os babados. O sobretudo. O chapéu.
  Desconheço se existe música nesse movimento. Deve haver. E deve ser sexy e decadente. Muito século XXI e ao mesmo tempo muito "virada de século decadente".
  É claro que tudo isso será esquecido bem depressa. É moda. Mas, puxa!, que belo modismo!

O FIM DO PALCO. A VIDA DE GLENN GOULD.

Vejo na TV O Legado de Glenn Gould, um fantástico documentário sobre o gênio canadense. Se você não sabe quem ele é...
Glenn nasceu em 1932 e explodiu nos anos 50 como o jovem revolucionário que tocava Bach como ninguém jamais tocara antes. Sua filosofia era: Não faz sentido tocar como todos tocam. A música ao ser executada deve ser recriada, revivida, renovada. Mas isso, claro, dentro da partitura. Deve-se ler a obra e reler a obra. Glenn Gould trouxe à música aquilo que a literatura crítica usava desde os anos 20, A Leitura Criativa. O leitor como co-autor da obra. No caso, o músico como co-autor da obra musical.
Seu sucesso em salas de concerto foi avassalador. As pessoas iam para ver aquele jovem pianista "pirar". Gould logo sentiu que aquilo não fazia sentido. E daí nasceu seu segundo ato criativo ( que na época causou raiva em outros pianistas ): Glenn Gould defendia que a gravação em estúdio tinha MUITO mais valor que a apresentação ao vivo. Por dois motivos:
No estúdio o artista tinha controle sobre a obra. E ao mesmo tempo podia interagir com engenheiro de som e produtor. Podia incorporar o acaso, o acidental. Podia criar enquanto interpretava.
E, segundo, no estúdio o TEMPO era vencido. A gravação se eternizava, ela vencia o efêmero, ela podia respirar em novas audições.
Críticos começaram a atacar Gould. Ele mexia em dois pontos sagrados: A primazia do show ao vivo, e o respeito à interpretação consagrada. O Bach de Gould era o Bach de Gould, ou melhor, o Gould de Bach, pois seus fãs diziam que Gould ressuscitava Bach e o fazia escrever para Gould. ( Bach era o Deus de Gould. )
Antes de qualquer artista POP, Glenn Gould percebeu que o estúdio libertava o músico, lhe dava asas, era um brinquedo. As Variações Goldberg se tornaram um hit de vendas nos anos 50, mas algo não ia bem com Glenn, e este bravo documentário mostra o que.
Incrível a massa gigantesca de fotos, entrevistas, documentários e depoimentos que existem de Glenn Gould. Ele foi um superstar por toda a vida. Mas sua alma era a mais retraída possível. Ele conta que odeia a plateia, não cada um deles, mas o todo. A plateia existe como massa que presencia a intimidade do artista. Ela é invasiva. Ela quer sangue, suor, dor. E Glenn queria tão somente TOCAR. Quando ele toca o que vemos é uma profunda relação entre ele e o piano. O público fica excluído disso, não existe. E é essa indiferença que fascina o público desprezado. Ele tem a vã esperança de poder penetrar dentro do mundo de Glenn Gould. Impossível !
Glenn conta que não acredita na morte. Que isso lhe foi sempre natural, não foi algo que ele procurou. Filosofias do Aqui e Agora lhe eram repugnantes. A vida não ocorre aqui e muito menos agora. A vida é em outro ponto. Sua atitude diante da vida, hiper individualista, alheia, distante, revela sua crença. Crença que ele conta ser impossível de descrever.
Lembro que em 1982 eu comprava todos os números da Rolling Stone. Foi a leitura dessa revista, com um dicionário ao lado, que me deu a facilidade em ler o inglês. Numa última página inteira eu li a data: Glenn Gould, 1932-1982. Ele morria cercado de mistério. Afastado dos shows, solitário, se ia aos 50 anos. Cedo.
Para ele não fazia sentido tocar duas vezes a mesma obra do mesmo jeito. Se até mesmo no POP temos dificuldade em aceitar novas interpretações no palco, imagine no meio erudito... ( Esqueça o jazz. Gould não tem ligações jazzísticas. Suas releituras são dentro da partitura, como eu já disse ).
Esse documentário é brilhante! passou no canal Curta! Procure ver.

Glenn Gould-J.S. Bach-The Art of Fugue (HD)



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ILHAS, VEREDAS E BURITIS - ELIANE LAGE, UMA VIDA INCRÍVEL !

   A família Lage começa a se tornar importante no século XIX. Fazem barcos, têm minas de carvão, são absurdamente ricos. O bisavô de Eliane compra algumas ilhas na baía da Guanabara. E vive numa delas, a de Santa Cruz. Traz pássaros de todo o país e cria-os soltos em sua ilha. Um paraíso com vista para a Serra do Mar. Na ilha apenas uma casa, o palacete do dono. Os filhos desse homem estudam na Europa, têm sangue francês, enriquecem.
  Eliane nasce nos anos de 1920. O pai é um playboy. Jorge Lage não trabalha, tem ideias. E todas dão errado. Como tantas famílias ricas brasileiras, eles começam a perder dinheiro e poder. Eliane é filha desse homem com uma inglesa rica, Margie. E a menina, tímida, ama a ilha do bisavô. Interna na suíça, que odeia, sente a felicidade nas férias brasileiras, na ilha, como uma indiazinha, no sol, a cavalo, solta. A mãe volta à Europa, o pai tem festas e namoros, a menina cresce só. Internato no Rio. O que lhe salva é a natureza.
  Essa a infância de Eliane. Depois os Lage constroem o Parque Lage, se tornam reis do glamour e perdem as ilhas e o Parque quando Getúlio Vargas confisca tudo, após a morte do avô que não deixou testamento. Continuam ricos, mas nunca mais serão donos do glamour. Passam a pensar em dinheiro ( o rico verdadeiro não pensa nisso ).
  Eliane nunca ligou. Ela cresce com raiva de rituais, de etiqueta, de poses e gostos. E com uma elegância natural sublime. Sua vida é terra, é chão. Mora em Paris, em Londres. Depois na fazenda de Yolanda Penteado. Vira atriz de cinema da Vera Cruz. Vira estrela, mas nunca gostou de cinema, fez filmes por amor ao marido, Tom Payne, um inglês cineasta. O casal tem filhos e mora no Guarujá. No Tombo, selvagem ainda em 1955. Três casas em toda a praia. Vivem no interior de SP, num sítio e depois de 15 anos se separam.
  Eliane larga o cinema e encontra a vida que sempre quis. O interior de Goiás, uma fazenda. Cria gado. No meio do nada. Perde dinheiro. Mora em Ouro Preto. Mora em Olinda. Mora num sítio em SP de novo. E lá, na casa rosa, escreve este livro de memórias. 1998.
  Eliane fez o trajeto que tinha de fazer: da ilha ao mundo, do mundo aos bichos. Forte, bela, única, ela poderia ter sido uma revoltada, uma ressentida, uma dondoca da sociedade. Escolheu ser ela mesma. Bacana este livro de 2002 que releio agora.

The Beatles - Please Please Me



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1963

   Deve ser chato ser inglês e ter de olhar pra trás. Isso porque o país vive apenas de um longo passado. Seja 1600, 1810, 1900 ou 1963. Veja 1963...havia uma combustão de novidades que explodiam no ar. Nesse ano Tom Jones venceu os principais Oscars e Peter Sellers confirmava seu estrelato como Clouseau. James Bond começava a virar mito. Julie Christie e Peter O'Toole eram os atores mais quentes ( mas havia ainda Vanessa Redgrave, Terence Stamp, Tom Courtney e toda a velha guarda ). A Carnaby Street ditava moda. E cantavam os Beatles. Doctor Who na TV. O Santo também. David Bailey tirava fotos. George Best e Bobby Moore começavam a jogar e em 1966 a nação ganharia sua copa ( ao som de Kinks ). E depois...nunca mais...
   Havia Jim Clark, Graham Hill e Jackie Stewart. E nas letras os novatos Anthony Burgess, Iris Murdoch, William Golding e Philip Larkin. Eliot, Waughn e Greene ainda estavam vivos.
   E pela primeira vez, coordenando tudo isso, uma ideia londrina: a propaganda como arte. Nos escritórios moderninhos jovens publicitários pensavam em fazer arte na propaganda e arte na TV. ISSO mudou o mundo. E tudo explodindo em 1963.
   Ouço o primeiro disco dos Beatles e lembro de tudo isso ( engraçado recordar o que não vivi, nasci depois ). A banda foi adotada pela onda meio sem querer. Os Stones ou o Who tinham muito mais a ver com a coisa. Eram mais citadinos, mais snobs e bem mais perigosos. Mas os caras de Liverpool se impuseram porque eles eram muito, muito bons. O disco ainda espanta. Sim, é primo europeu de Everly Brothers e principalmente de Buddy Holly. Lennon imita o gênio do Texas descaradamente. Mas eles vão além. As vozes unidas de Paul e de John arrepiam. Nasceram para se harmonizar. E é impressionante como todas as coordenadas do POP futuro estão lá. Os arranjos enxutos, o refrão grudento, o solo breve no meio da canção, e a sensação de que naqueles dois minutos há mais que aquilo que realmente há. A faixa Please Please Me, se escutada com renovada atenção, se você tentar ouvir com ouvidos "virgens", tem uma exuberância, um tal grau de alegria e de confiança jovem que te faz sorrir imediatamente. Ela já dá a pista do talento milagroso que lá borbulha. PS I love You é outro petardo, e George cantando Do You Want to Know a Secret nos deixa comovidos...
   Deve ser chato pacas ser britânico e saber que nunca mais haverá um John. Assim como não mais um George. Mas...talvez seja ótimo saber que os outros países nunca tiveram e jamais terão Beatles.  

A FÍSICA DA ALMA - AMIT GOSWAMI....FOI UM LONGO CAMINHO.

   ...foi um longo caminho para que eu chegasse até aqui. E como nada sei, ainda tenho uma estrada, maior ainda, pela frente.
   Não, essas palavras não são de Goswami, são de mim mesmo. Desde cedo tenho me intoxicado de informações. Lembro que aos 9 anos comecei a ler romances, aos 10, livros de ciência e aos 15 as enciclopédias. Encontrei vários gurus e cheio de medo, sempre fugi de qualquer tipo de conhecimento religioso. Se um autor revelasse o menor viés místico eu prontamente o evitava. Ria deles. Me sentia seguro no mais completo materialismo. Queria ter certezas, e acreditava que o universo era somente um tipo de explosão sem sentido e sem fim. A vida, um acidente químico. Toda emoção seria apenas um arranjo de fluidos cerebrais. O acaso guiaria tudo.
  Mas eu nunca perdi a curiosidade. E continuei a andar. Abrindo portas. E certas coisas começaram a surgir.
  Primeiro percebi que o tempo é ilusório. Ele não conta fora de nós. É artificial. Depois notei que o número é sempre arbitrário. Nós contamos coisas para tentar dar ordem ao que não tem. ( Aparentemente não tem uma ordem numeral ). O que pode ser contado, medido e pesado nos dá uma tênue segurança. E então cheguei a conclusão de que nossa razão existe SEMPRE como redutora. Ela pega o inexplicável e ao ignorar sua incompreensibilidade reduz tudo ao nível racional. Ou seja, conta, enumera e classifica. Mas essa conta nunca fecha. As perguntas mais importantes continuam sem resposta.
  Passei a me abrir ao absurdo. E a perceber as linhas de pensamento abstratas. A vida, súbito, se aclareou. O universo aumentou. E ao mesmo tempo, meus limites, humanos, foram vistos e aceitos. Só sabemos aquilo que cabe em nós. Só vemos aquilo que nossa carne consegue ver. Como hardwares, temos um limite mecânico, mas a POTENCIALIDADE é infinita.
  Amit Goswami é físico, leciona em Universidade americana. E usa a física quântica para explicar a reencarnação. É claro que li este livro com dois pés atrás! Seria autoajuda....seria new age....mas não. Ele tenta ser sério todo o tempo. Conta e reconta fatos da física e os liga, logicamente, a possibilidades de vida e de morte. Fala-se bastante da morte e por isso me identifiquei muito com ele. ( A morte sempre foi o assunto central da minha vida ).
  O Livro Tibetano dos Mortos é explicado e ao final percebemos que este autor nos ensina a morrer. Morrer visto como chance de sabedoria, de coda luminosa, de transcendência. Morrer como o grande ato da vida. É como se toda nossa vida fosse isso, preparação para morrer.
  Ele cita bastante Platão, Whitman, Schopenhauer e uma montanha de autores indianos que não conheço.
  Não vou explicar sua teoria quântica, ela é cansativa e complicada. Eu não sei se a entendi corretamente. Mas o que devo falar é que a ciência tem se aproximado MUITO de certas teses espirituais e cada vez mais ouvir um físico falar fica parecido com algum poeta exotérico a criar.
  Goswami diz que Jung falava que no futuro a psicologia seria um ramo da física.
   A mais bela mensagem do livro é aquela que diz que todo saber passa pela intuição e que intuição é criatividade. Viver é criar e criar é viver a alma. Evoluímos quando criamos, intuímos, inventamos. Porque essa é a negação do automatismo e automatismo é vida mecânica, puramente material.
   Não é um grande livro, mas é uma grande mensagem.

Marvin Gaye - Heard It Through The Grapevine (Live at Montreux)



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Marvin Gaye Let s Get It On /マーヴィン・ゲイ



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Love Twins : Diana Ross & Marvin Gaye



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LET'S GET IT ON! - MARVIN GAYE, SEXO E ALMA. ( E AINDA DIANA E MARVIN, 1973 )

   What's Going On, disco de 1971, desde que foi lançado tornou-se um tipo de Santo Graal do Pop. Lá estava o LP que unia 3 universos: Pop, arte e mensagem política. Até hoje ele é apontado por muitos o melhor disco de todos os tempos. Não sei se é. Prefiro, mesmo dentro da black music o There's a Riot de Sly Stone. Mas, claro, o disco de Marvin dói de tão profundo e faz dançar, de tão sublime.
   Em 1972 ele veio com Let's Get it On, e embora seja um sucesso de paradas e de crítica, a impressão na época foi de uma certa decepção... Ora! Qualquer um decepciona após uma obra-prima! Mas verdade que devo dizer, eu ouço mais este disco que o anterior.
   Let's Get It On troca a política pelo sexo, tira o foco da confusão e dá em troca a mensagem espiritual. Sim, Marvin, que foi morto pelo próprio pai em 1984, sempre buscou a luz, e essa luz, para ele, seria a comunhão da carne e da alma, Deus e amor, sexo e bondade. O disco é sexy até a medula. Cercado pelos melhores músicos do mundo ( gente com James Jamerson, Wilton Fiedler, Hal Davis ), Marvin cria um lençol sonoro que sacode, desliza, geme e goza. Preste atenção no baixo de James ( o favorito de Paul Mac ), siga os pratos da bateria, a pulsação das guitarras...Tudo remete a sedução, dor e prazer, êxtase. Isso deixou a crítica perdida em 72: um disco individualista em tempos de "vamos todos juntos". Marvin prega a iluminação individual, cada um achando sua luz, e essa luz pode vir de Deus ou do sexo, melhor ainda, de ambos.
   Falar da voz de Gaye é sempre falar em superlativos. Dizem que ele fazia gozar com um sussurro. Acredito nisso. Ele e Otis têm as melhores vozes do Pop.
   Em 1973 Marvin realiza o grande sonho da Motown, se une a Diana Ross e lança com ela um novo LP, Diana e Marvin. Quase tão bom quanto Let's Get It On, esse foi completamente esnobado pelos críticos que viram nessa união uma concessão ao puro apelo marqueteiro. Que tolice!!!! O disco é lindo!!!! Ouça a faixa que postei, Love Twins, e tire sua conclusão.
   O verão vem aí...Marvin Gaye é o sacerdote desse clima.

SÉRIES DE TV: MASH E SEINFELD, AS DUAS MAIS ICÔNICAS

   Mash. Lembro de quando eu tinha uns 12 anos. Ela era exibida na TV Bandeirantes. Sábado, dez da noite. Nunca fez sucesso aqui. Eu nunca assisti. Comprei um box agora. Comento.
   Para quem não sabe, MASH tem o recorde de audiência da TV americana ( se não considerarmos os jogos do futebol americano ). O último episódio, em 1983, bateu esse recorde. Ela começou em 1972 e logo estourou. Baseada no filme de Robert Altman, temos os mesmos personagens no mesmo ambiente. Um centro médico na guerra da Coréia. No lugar de Donald Sutherland entra Alan Alda, e no posto de Elliot Gould vem Wayne Rogers. Funciona. O humor continua amargo, niilista, atirando pra todo lado. Penso que esse humor seria impossível hoje. Não porque não se faça crítica, mas hoje a destruição tem um alvo. Aqui não há alvo. Se atira. E se destrói. Me surpreendo notando que a série de TV tem mais ligação com os Irmãos Marx. Hawkeye fala como Groucho. Passam o tempo bebendo, transando e afrontando a ordem militar. São hippies médicos. Às vezes a coisa fica bem triste. Uma série que caiu como uma luva nos anos 70.
   Assim como Seinfeld é a cara dos anos 90. Nada faz o menor sentido. Ou faz sentido demais....Há uma lógica dentro dessa loucura e a sacada de Jerry Seinfeld e de Larry David é levar o roteiro até seu fim lógico. Se uma bola é arremessada, vamos acompanha-la até ela parar. O modo como se arquiteta tudo é uma aula de escrita: cada história corre paralela a outra e ao fim todas trombam numa coda musical. Jerry não atua, observa e comenta; Kramer é genial, um clown assustador; Elaine é a amiga doida que todo mundo precisa e Jason Alexander faz o mais infame e ridículo dos amigos. A mistura funciona. São tão pouco charmosos que ficamos intrigados. Não fosse tão inspirada seria um desastre.
  Nas famosas listas de melhores da TV eu já vi Seinfeld ganhar como a melhor de todos os tempos. Já vi MASH vencer. E na última que vi Seinfeld era a segunda melhor e MASH a terceira. ( Venceu BREAKING BAD...deve cair com o tempo...).
  Em termos de humor, são os ícones.

FRANK OZ- MERYL STREEP- HUGH JACKMAN- KIRK DOUGLAS- AL PACINO- PAN

   PAN de Joe Wright com Hugh Jackman, Amanda Seyfried, Rooney Mara...
Para que serve mais um Peter Pan: para nos deixar entediados. Joe Wright comete um enorme fiasco de bilheteria e uma chatice sem fim. O roteiro fala da segunda-guerra. Num orfanato onde vive Peter Pan, piratas raptam crianças...e por aí vai. Parece um desfile de escola de samba, nada faz muito sentido mas é colorido e se sacode sem parar. Difícil imaginar que alguém um dia tenha achado que isso pudesse funcionar! Joe corre o risco de jogar fora sua boa carreira. Jackman está over!
   RICKI AND THE FLASH, DE VOLTA PARA CASA de Jonathan Demme com Meryl Streep, Kevin Kline e Rick Springfield.
Ricki é uma cantora sessentona. Um dia, nos anos 80, ela lançou um LP de algum sucesso. Hoje ela vive tocando em botecos. A banda, velhos roqueiros como ela, toca bem, mas eles jamais sairão daquele bar. Para sobreviver ela é caixa de supermercado. Então descobrimos que ela tem um ex-marido, careta e rico, e 3 filhos que a odeiam. Ela os abandonou. Quando a filha entra em crise Ricki vai visitar sua ex-família. Ok. Não estamos mais nos anos 70, então não vamos esperar que esse niilismo dure muito tempo. Logo tudo começa a se acertar. Não é um filme de rock. É mais um pequeno filme sobre família. O roteiro é óbvio ( de Diablo Cody ) e Meryl está fora de lugar. Ela nunca convence como pobre. Na banda vemos Bernie Worrell e Steve Rosas. Os dois tocaram com George Clinton, Talking Heads e Los Lobos. Springfield foi um tipo de Springsteen australiano. Foi estrela sexy lá por 1981. Demme foi o mais poderoso diretor de Hollywood...nos tempos do Silêncio dos Inocentes...
   AUTOR EM FAMÍLIA  de Arthur Hiller com Al Pacino, Dyan Cannon e Tuesday Weld.
O filme começa e já sabemos: foi feito entre 1978-1982. O grande tema dessa época logo é revelado: gente tentando se encontrar. Um pai divorciado que cuida de um monte de jovens e ainda escreve peças. Tema em moda na época: o novo homem, o homem mãe. Mas o filme é bobo. E Pacino não ajuda. Nenhum grande ator é pior quando está ruim que Pacino. Em seus dias ruins ele é muito ruim! O namoro entre ele e Cannon é repugnante de tão artificial.
   MORTE NO FUNERAL de Frank Oz com Rupert Graves, Matthew MacFadyen, Ewen Bremmer
Oz, um ótimo diretor americano de humor, vai à Inglaterra e faz com equipe toda inglesa um filme de humor muito negro. Todo passado durante um enterro, tem anão gay, assassinato, vaidade, ciúmes e muito mal gosto. Longe de ser um bom filme, mas também não é ruim. Digamos que é o tipo de erro interessante...
   CACTUS JACK, O VILÃO de Hal Needham com Kirk Douglas, Ann Margret e Schwarzennegger.
O jovem Arnold é o fortão-burro que nesta comédia western faz com que o vilão feito por Kirk se dê sempre mal. É um dos mais vergonhosos filmes já feitos! Não tem graça e dá pena de ver Kirk e Ann em coisa tão desajeitada. Inacreditável de tão bobo!

A SORTE DO AGORA - MATTHEW QUICK

   Quick foi professor na Filadélfia. Então deixou de lecionar partindo para viagens ao Perú, África e o Grand Canyon. Tornou-se escritor e alcançou o sucesso com O LADO BOM DA VIDA, que foi roteirizado e ganhou Oscar. Este livro, lançado em 2015, tem o mesmo astral do filme vencedor. Fala de gente do bem, mas disfuncional, gente que não consegue se adaptar. É fofo, e representa bem um certo tipo de gente que anda pelo mundo hoje. Gente que na verdade não anda, rasteja.
   Bartholomew é um homem de 39 anos que sempre viveu com a mãe e nunca trabalhou. Sua vida é apenas a casa. É feliz nessa vida, mas tudo muda quando sua mãe morre. Não falo o resto, mas digo que o livro é cheio de ação, melancólico sem ser desesperado, fantasioso e ao mesmo tempo comum. Os personagens são ótimos: uma terapeuta que sofre abuso, um padre alcoólatra, um fanático por gatos que fala palavrões a toda hora, uma menina que viajou com ETs, e Richard Gere, o ator, que surge em aparições para o aconselhar ( recurso usado por Woody Allen em Sonhos de Um Sedutor, no caso era Bogart ).
   Bartholomew é católico, crê em Deus, pensa no Dalai Lama, se aconselha escrevendo cartas para Gere e não sabe como viver sem a mãe. Toda sua vida foi dirigida a cuidar dela e agora ele não tem um só objetivo na vida. Mas tem dois sonhos: ter um amigo e um dia tomar uma cerveja com uma mulher. Sim, o livro ameaça cair no infantilismo mais doce a toda hora. Mas se salva graças a dois recursos: a dor, que é verdadeira, e o humor, amargo, que surge quando a coisa fica fofa demais. O personagem Max é genial, um cara que perdeu sua gata ( felina ) e está em crise por isso. Seu vocabulário se resume a "Que merda Hem!" ou "Bom pra Caralho!".´Creia, é muito hilário!
   Ficamos imaginando que belo filme este livro dará. Ou não. Se o diretor conseguir segurar o mel e não aumentar o fel, se não houver a vergonha de parecer católico, e se não entupirem tudo com musiquinhas doces...E claro, se Richard Gere aceitar fazer Richard Gere...
  Mais que um livro bom de ler, eis um retrato fiel de um momento.

GALVEIAS - JOSÉ LUIS PEIXOTO.....PORTUGAL E A REALIDADE

   Minha origem é portuguesa. Já devem ter notado isso. Sou filho de pai e mãe e não tenho tio ou primo que não sejam de lá. Estive em Portugal. Conheci o país muito pobre de 1982. E o menos pobre de 1985. Minha mãe vai lá quase todo ano. Diz que tudo mudou. Virou Europa. Não parece mais a ilha cercada de mar e de Espanha por todos os lados. As pessoas são mais bonitas. Têm dinheiro. Consomem.
   Ter sangue luso não é fácil. É uma mistura louca de timidez com arrogância. Luxúria com rigidez. Falta de finésse com ares aristocratas. Muita fofoca. Muita inveja. E preguiça. ( Se você tirar a timidez e a rigidez terá como resultado o brasileiro ). Cresci nesse ambiente lusitano. Ouvindo falar daquela terra de frio, de bruxas, de uvas e de azeitona. Acreditava que gabeta era gaveta e que libro era livro. Nosso feijão era a batata.
   99% do tempo se falava de comida. A saudade era uma saudade da comida. O paladar era a língua do amor. Pouco olho e muita língua. Em casa se falava dos pratos, das frutas, da carne, nunca da paisagem de Portugal. A terra sempre foi, para mim, uma cozinha.
   Então leio esse autor novo de lá, nascido em 1980, e descubro que nada mudou em Portugal. Eles continuam abraçados a esse realismo de pedra, realismo que vem desde Eça e que nunca dá trégua. O autor descreve a vida em 1982, a vida numa vila do Algarve, as pessoas, os cães e o tempo. E tudo é como sempre: sujeira, medo, fofoca, violência e frio. As pessoas exalam solidão e orgulho. O sexo ronda cada pensamento. E tudo é escuro, triste, úmido e distante. Familias que brigam, vizinhos que se matam, vilas que afundam na indiferença. Mais um livro com esse Portugal triste, pedregoso, barrento, fedido.
   Como eu sei que ele não é apenas isso, é muito mais, me vem a sensação que boa parte da literatura lá feita tem o mesmo vicio daquela que aqui se faz, que seja: eles olham livros para escrever sobre a terra e descrevem a terra a partir dos livros. O Portugal aqui mostrado é tão real como é um texto de Graciliano ou de Jorge Amado. É verdade, mas é uma verdade, jamais a verdade.
   Eu não acho que a literatura deva ter alguma obrigação em relação a verdade. A verdade se cria. A realidade se pensa. Mas este tipo de literatura, a velha escola realista, quer ser verdade. Quer exibir a verdade. E fica apenas assim....um arroto.

CAMERON CROWE- WILLIAM POWELL- MYRNA LOY- PAUL RUDD- WILLIAM H. MACY- DISCO MUSIC

DEU A LOUCA NOS ASTROS de David Mamet com William H. Macy, Alec Baldwin, Sarah Jessica Parker, Philip Seymour Hoffman, Julia Stiles e Charles Durning.
Uma equipe de cinema invade uma cidade para fazer um filme. O diretor não sabe o que fazer e só pensa em dinheiro. O ator estrela é pedófilo. O escritor é inseguro. E a cidade se vende baratinho....É um anti-A Noite Americana, de Truffaut. Ao contrário do filme francês, aqui o cinema é apenas um ato de histeria. E no oposto a Oito e Meio, o diretor é somente um burocrata. O filme é tão desencantado que se torna vazio. Os atores dão o máximo, mas sei lá...é um filme bastante frouxo. Nota 3.
FÉRIAS FRUSTRADAS de Goldstein e Daley com Ed Helms e Christina Applegate.
Oh God! Uma semi refilmagem do velho filme de Chevy Chase ( que aparece aqui chocantemente mudado ). Seria ok se tivesse uma cena engraçada...Não tem. Algumas até nos deixam constrangido. A comédia, esse filho bastardo, está num de seus piores momentos neste século sofrido. Christina foi a Bundy-filha na maravilhosa série Um Amor de Família...bons tempos do politicamente incorreto. ZERO.
A CEIA DOS ACUSADOS de W.S.Van Dyke com William Powell, Myrna Loy e Maureen O'Sullivan.
Revi, pela quarta vez, o filme alcoólico baseado no livro de Hammett que criou o moderno casal americano. Os dois, Powell e Loy, inventam sem querer, aqui, o modelo daquilo que todo casal almeja, ou o modo como se vê: alegre, meio infantil, elegante e apaixonado de um modo irônico. É um prazer ver os dois na tela. Eles brilham como luar em oceano. Pena a história, policial, ser tão fraca...Mas há genialidade na construção, intuitiva, desse casal divisor de águas. Uma boa introdução ao cinema dos anos 30.
THANKS GOD! IT'S FRIDAY! de Robert Klane com Donna Summer, Jeff Goldblum, Debra Winger, Terri Nunn, Commodores.
Um lixo adorável. Pura nostalgia neste filme barato de 1978 que foi malhado então e que continua sendo desprezado como aquilo que ele é: lixo. Mas ao mesmo tempo ele é um retrato tão fiel do que era estar vivo e solto e leve em 1978! Goldblum e Debra estreiam aqui e ambos estão muito bem. A trilha sonora é um desbunde e a pobreza da produção favorece o documentarismo involuntário do momento. È um dos piores filmes da história que eu adoro. Questão pessoal: eu estava lá. O mundo era outro nos anos 70, e apesar de sempre desejar voltar a ser tão livre e tolo como foi, nunca mais o será.
BRIDESHEAD, DESEJO E PODER de Julian Jarrold com Mathew Goode, Ben Whishaw, Hayley Atwell, Michael Gambom e Emma Thompson.
Apesar de bonito de se olhar, esta nova adaptação ( de 2008 ) do livro de Evelyn Waugh não se compara a mítica série de 1981. Escrevi em outro post, longamente, sobre as duas versões. Aqui tudo é mais bobo, Sebastian vira uma bicha louca e a mãe uma histérica carola. Meu medo é: será que hoje tudo tem de ser explicitado ou então ninguém mais consegue perceber nada... Mas, se você não teve o prazer de ver a série, irá gostar deste desfile de belos cenários e de emoções reprimidas.
HOMEM FORMIGA de Peyton Reed com Paul Rudd, Michael Douglas
Muito bom. O melhor filme Marvel do ano. Tem humor, ótimos efeitos e um herói muito gostável. E um bom vilão. Não é longo demais e a impressão que tenho é que os melhores filmes de herói são aqueles que se levam menos a sério. Um filme para ser visto numa tarde de férias. Pode confiar. Paul Rudd faz com leveza o "cara do bem" que vive uma vida "não tão legal". É um perdedor. Assista.
A BELA DO PALCO de Richard Eyre com Billy Crudup, Claire Danes, Rupert Everett.
Eyre deve se achar um grande talento. Todos os seus filmes caem sob o peso desse talento pretensioso. Este é tão pedante que nos esmaga. Tudo é "arte". E tudo aqui é chatice sem fim. Os atores estão risíveis, o roteiro é desinteressante, as cenas são longas e vazias. Fuja correndo!
THE CHOCOLATE SOLDIER de Roy Del Ruth com Nelson Eddy, Rise Stevens
Jeannette e Nelson brigaram e então a MGM o uniu a cantora de ópera Rise. E ela se revelou uma atriz amadora. Fica todo o filme com a mesma expressão: um sorriso de não-atriz. Nelson se esforça. O filme, opereta barata, é menos ruim do que eu temia. Bobo. Mas bem feito.
SOB O MESMO CÉU de Cameron Crowe com Bradley Cooper, Emma Stone, Rachel McAdams e Bill Murray
Crowe e mais um de seus filmes "alto astral". É muito bom ter um cara que ainda faz filmes genuinamente alto astral. Crowe crê no bem, na bondade, na alegria. Pena que seus filmes façam tão pouco sentido. A história parece muito mal escrita, tudo rola sem rumo, sem muito porquê. Mas então surge o trunfo: os personagens. São gente legal, gente que gostamos de ver, pessoas que adoraríamos ter por perto. Crowe não sabe criar uma trama, mas sabe imaginar pessoas. Ele é o último dos hippies no cinema, seu estilo é "paz e amor". Tão sincero que terminamos de ver o filme e queremos amar mais. Ele não tem vergonha de apostar no bem. Adorei.

PRESENTES DE NATAL: A ARTE DO KITSCH = SEXY COM PIMENTA.

Comecemos dezembro com quatro presentes de mim para todos vocês. Comecemos com o mestre do sexy: Bryan Ferry. Quatro vídeos de quatro discos diferentes. Todos apresentam a tapeçaria sonora na qual ele é mestre. Linhas de som vão se costurando uma na outra e se você fechar os olhos e se deixar conduzir irá se perder nos nós rítmicos que são então construídos. Dezenas de instrumentos urdidos em batidas negras e enfeitadas por sonoridades gélidas. Sim, é artificial. Sim, é pura produção. Mas é delicioso!
Quanto as imagens... Ferry criou e depois marketeou a mistura que ele aprendeu com seu professor de artes plásticas: Richard Hamilton, o mestre POP, nos anos 60, quando aos 18 anos o jovem Bryan estudava na escola de Artes de Birmingham. Essa mistura é o sonho colorido de um jovem aberto ao mundo do NOW. Surrealismo com cabaret barato. Páginas da Vogue unidas a paredes do MOMA. Comercial de cigarro e festas em Montmartre. Filmes de Carné e musicais de Fred Astaire. James Bond brega com o mais fino Cecil Beaton.
E Bryan, cercado de gatas, se equilibra nesse mundo que vai do mais lixo ao mais luxo. Se equilibra inclusive e principalmente nesse modo gay de se hetero. Dúbio sempre.
A dubiedade e a decadência é aquilo que melhor o define. Todos os vídeos parecem muito ricos e muito toscos. Muito chiques e Buzina do Chacrinha. É proposital. Estilo. Gente como George Michael ou Seal tentou ou viu só o chique, e assim se tornou apenas Vogue. Ferry vai além. O brega apimenta e dá relevo ao bonito. Seus vídeos são agora o que eram em 1995: instigantes. Beleza com pimenta e alguma sujeira= eis o cool.
Essa dubiedade se revela no som também. É muito POP, mas nunca o bastante. Falta sempre o refrão grudento. É dançável mas nunca quente. E Bryan canta como um romântico, mas nunca canta forte, apenas murmura. estranheza.
Mamouna é fascinante. Limbo é pervertidamente kitsch. I Got a Spell é tentador. E ainda há apenas a beleza banal e colorida de mais um...Presentes de Natal.
BF é sempre um laço de fita que a gente abre suspirando.

Bryan Ferry - I Put A Spell On You



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Bryan Ferry Limbo



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Bryan Ferry - Mamouna (US Video) [Official]



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PROMETEU DESACORRENTADO E OUTROS POEMAS- SHELLEY

  Ah esses românticos.... Veja Shelley: Sua poesia é aquele samba do crioulo doido onde cabe de tudo um pouco e nada acaba por ficar de fora: Ele é ateu radical e militante, mas ao mesmo tempo parece crer em alma e fantasmas. Politicamente é anarquista. Mas ao mesmo tempo transparece a saudade dos heróis gregos e romanos. Feminista. E violentamente egoísta. A favor dos pobres e narcisista. De origem classe mèdia alta, e paladino da simplicidade. Com tudo isso ele se torna um exemplo clássico do pior e do melhor do movimento romântico. o mais adolescente dos estilos, e por isso, mutável, contraditório, auto-ilusório e corajoso.
   A poesia de Shelley varia do excelente ao erro. Mas é sempre interessante. Influenciou Drummond, muito. Desagradava Eliot. Bastante. Nunca alça vôo como Keats. Nunca é filosófica, como Goethe. Brilha, mais que Byron.
  Neste livro recém lançado temos uma peça para ser lida e não encenada, e ainda uma boa coletânea de poemas. O tema de Prometeu cai como luva para Shelley, ele se via como o herói grego que roubou de Zeus o segredo do fogo. A peça de Esquilo é de uma beleza arrebatadora. O trágico em osso e nervo. Shelley nunca é nervo. É pele e veia. Bonito.
  Nos demais textos temos momentos de brilho intenso ( Ozymandias, Alastor ) e alguns nem tanto.
  O tradutor é Adriano Scandolara. Um trabalho de detalhe e com excelente material de consulta.
  Espero uma edição cuidada de Keats agora. Ele merece. Mais.

TANGO SOLO, a bio de ANTHONY QUINN com DANILE PAISNER

   Se tudo for verdade a vida de Quinn é a mais rica de todos os atores.
   O pai foi um emigrante irlandês que acabou no México. A mãe era mexicana e a avó materna um tipo de nobre espanhola. Na infância ele vivia numa favela imunda, chão de terra e muita fome. Viu Pancho Villa e a revolução. Estudou e queria ser arquiteto. Conheceu Frank Lloyd Wright, o maior arquiteto do século e estagiou com ele. Virou ator meio sem querer. Casou com a filha de Cecil B. de Mille, o nome mais poderoso do cinema nos anos 20 e 30. Foi amigo de John Barrymore, o mito, já em sua decadência. Depois fez parte da turma de Erroll Flynn, isso tudo antes de ser famoso.
  Ao mesmo tempo era amigo de John Steinbeck, William Faulkner e de Saroyan. No cinema fazia papéis de índio e de mexicano, até que foi pro teatro. Na Broadway substituiu Marlon Brando em Um Bonde Chamado Desejo. Brando foi Kowalski por 4 meses apenas, Quinn por seis meses seguintes. Faz Viva Zapata com Marlon, ganha Oscar e vira ator respeitado.
  Muito bacana sua descrição de Brando. O cara que podia fazer tudo o que desejasse. E escolhia esculhambar sempre. Assim como o retrato de Barrymore, um mito alcoólatra que vivia para criar pegadinhas e dar festas.
  Depois vem Fellini, que Quinn considera o maior talento que conheceu e o sucesso de A Estrada da Vida. Vem ainda David Lean, o mais perfeccionista dos diretores, Lawrence da Arábia, uma filmagem toda desastrada. Vem sua amizade com Laurence Olivier, talvez o mais falso dos amigos, um homem que era fino e classudo no palco, mas um perfeito caipira na vida pessoal.
  Zorba então. E não vou falar de Zorba.
  O mais impressionante: apesar de se dizer tímido, Anthony Quinn teve incontáveis filhos com diversas mulheres. Desisti de contar, mas acho que chega a 14, os filhos. Ele viveu até mesmo um caso a quatro, uma esposa, uma amante, uma relação tórrida e ainda uma paixão surpreendente. Todas ao mesmo tempo. O cara era um Zorba!
  Tudo contado em flash back enquanto ele pedala sua bike pelas colinas próximas a Roma, onde viveu seus derradeiros 40 anos. É um livro ótimo para ler descontraidamente, ao sol, crendo ou não em tudo o que esse ator, sempre intenso, sempre vaidoso, diz.
  Saiu em 1995, mas é fácil de achar.

David Bowie - Modern Love



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Charles and Sebastian Alone in Brideshead



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REFILMAGENS

   A coisa tá pobre demais. Refilmagens estão acontecendo a rodo. Nada errado. refilmagens sempre aconteceram e algumas são melhores que a original. O próprio Hitchcock refilmou para melhor um filme seu. Mas... depois de assistir as péssimas reprises de O MENSAGEIRO ( o de Losey é um belíssimo drama com soberbas atuações e uma trilha sonora de gênio ), e de LONGE DESTE INSENSATO MUNDO, ( o de Schlesinger esfria o drama de Thomas Hardy e o transforma num perfeito painel sobre o amor e as relações sociais, o novo é apenas um veículo que tenta dar a uma jovem atriz um grande papel ), assisto agora a heresia suprema: ousaram tocar em BRIDESHEAD REVISITED, obra sagrada da minha geração snob.
  Vou falar por partes. O pior nessas refilmagens é que elas não retrabalham uma história. Esses filmes copiam. Todos eles copiam movimentos de câmera, cenários, movimentação dos atores e pasmem!!!!, até mesmo as expressões faciais! A impressão é que os atores não precisaram ler um roteiro, apenas decoraram um dvd. Em Brideshead isso chega ao cômico.
  BRIDESHEAD é um livro problema de Evelyn Waugh. E Waugh, para quem não sabe, foi um dos mais populares dos escritores ingleses dos anos 40-60. Fazia parte da turma conservadora, a turma que nasce com Eliot e segue com Greene, Chesterton, Lewis, Tolkien, Orwell. Em 1981, seguindo o clima do tempo novo Thatcher, a BBC 2 produz e exibe a série de Waugh em 18 capítulos. No elenco o novato Jeremy Irons, a sagrada Claire Bloom e os dois maiores mitos do teatro inglês do século: John Gielgud e Laurence Olivier. Imediatamente a série virou mania inglesa e uma febre Brideshead se instaurou. A nova geração encontrava seu mundo: Oxford, campos verdes, bissexualismo, amor a tradição aristocrática e requinte no vestir. Até no rock a coisa chegou! Em 1983 David Bowie se veste em toda a excursão Serious Moolight como o Sebastian Flyte de Brideshead e grupos como Style Council, Depeche Mode, Spandau Ballet adotam clima e roupas da série. Bryan Ferry não. Ele vivia em Brideshead desde 1974.
  Tudo isso chegou ao Brasil, em tempos pré TV a cabo e internet, em 1988. A TV Cultura, despretensiosamente comprou a série, não dublou e passou às quintas, 20 horas. Estourou no boca a boca. Logo o povo fashion estava se reunindo para assistir a série em grupo. Com chá e morangos com creme. A Folha deu a notícia. A coisa cresceu e em 1991 houve uma reprise.
  Eu fui pego em 1988. Gravava em VHS e reassistia. N vezes. Para aquele tempo, alguma coisa ali nos seduzia como religião. Era o escape de um mundo feio e pobre. A série tinha Jeremy Irons como Charles Ryder, o estudante de classe média que se deixa seduzir pela família de seu amigo aristocrata, Sebastian Flyte. Flyte, gay, infantil e muito bêbado, seduziu toda a audiência. A frescura suave de Flyte virou mania. Uma frescura feita de paletós listrados, cabelo na testa, ursinho de pelúcia na mão, cardigans pendurados nos ombros e cílios longos. Anthony Andrews teve o papel de sua vida e nunca mais conseguiu se livrar dele.
  Mas havia mais. O pai de Irons, um lunático hiper vitoriano, era feito pelo mito John Gielgud, numa atuação genial, e o pai de Sebastian era Laurence Olivier, em uma de suas últimas atuações. Claire Bloom era a mãe carola de Flyte. E a linda Diana Quick fazia a irmã sedutora de Sebastian. Havia ainda uma trilha sonora absolutamente mágica e imagens estupendas de Oxford e de Veneza. Uma série de TV digna dos maiores filmes da época.
  Dito tudo isso, vejo a refilmagem para o cinema, de 2014. E logo vejo a repetição do vício: as cenas são idênticas! A câmera se coloca no mesmo lugar, os sets são os mesmos, e ridículo supremo: os atores imitam até as expressões faciais dos atores de 1981 !!!!!!!!
  Não devem ter lido um roteiro, apenas assistido o dvd da série original !!!!!!
  Mathew Goode no papel que foi de Jeremy Irons até se sai bem. Boa imitação. Mas o Sebastian Flyte da nova versão é um vexame... Anthony Andrews era uma criança grande, seu homossexualismo era sedutor por ser inocente. Ele tinha trejeitos de fragilidade, de mimo. de aristocrata. A gente nunca sabia se ele era gay de verdade ou apenas brincava de fazer sexo com um amigo. E mesmo assim, as cenas de 1981 eram mais explícitas. Beijocas e cama.
  Aqui Ben Whishaw faz um Sebastian Flyte desmunhecado, uma bicha louca exagerada. Nada há de sedutor nele, é apenas ridículo. Emma Thompson consegue ser pior. O papel da mãe é feito de forma caricata. Uma máscara que nunca se move, fria, desumana, nunca convence. A pior atuação da ótima atriz.
  Waaaallll.....mesmo assim, se você tem menos de 40 anos, aconselho que assista. Para quem não viveu a série em seu tempo, pode ser uma bela experiência. O filme, como o livro, fala de fé e de sua perda. Fala da decadência de uma civilização. Falsidade e desejo. E se eu conseguisse esquecer a série ( e é mágica a maneira como fui lembrando de falas e de cenas inteiras ), poderia ter achado este um muito bom filme.
  PS: Só para comparação. No segundo capítulo se mostra pela primeira vez Oxford. A câmera voa sobre a cidade e vemos depois Charles Ryder chegando com bagagens à seu alojamento. A sensação é de êxtase. Aqui repetem toda cena. Tentam fazer igual. A sensação é de ....Ok, vamos em frente....
  Esse o mistério da arte.

PAULO FRANCIS - DANIEL PIZA

Acho que para quem, como eu, conhece bem Francis, é um livro dispensável. Para quem quer começar a conhecer, ótimo.
Francis precisa de uma bia de 800 páginas. Há muito o que contar e falar sobre ele. Este tem apenas 120. O próprio autor diz ser este apenas um convite para que se escreva mais. No futuro.
Bom saber alguns dados da infância que eu não sabia: o apego a mãe que morreu quando ele tinha 14 anos. O pai distante e a educação em internatos: um dominicano e o pior. jesuíta.
Francis foi boa vida até os 27 anos. Queria ser escritor. Ou ator. Tentou ambos e falhou. Foi escrever em jornal. Sua geração modernizou o país. Depois o desgosto. 1964 os fez cair na real. A realidade da burrice humana. Francis foi trotkysta. Depois um desiludido. Por fim um liberal.
Defendeu Collor. Depois o atacou. Achava Itamar melhor que FHC. Lula lhe era uma piada. Sarney foi Sir Ney. Viu, antes de todos, que os militares não sabiam o que fazer, era uma ditadura improvisada, mal feita, sem plano. Uma direita estatizante.
A Petrobrás o matou.
Adorava Bernard Shaw. Huxley. Pepys. Orwell. Edmund Wilson. George Jean Nathan.
Amava Casablanca e Erroll Flynn. E Bergman.
E Wagner, Sinatra.
E as brigas, várias imensas: Tonia, Autran, Caetano, e mais um milhão ou dois.
A relação com a esposa e com seus gatos, o homem carinhoso, atencioso.
Um livro que se lê em duas horas, um livro que abre o apetite para ler mais Francis, e PF foi um homem que nos dava vontade de ler de tudo.
Não foi pouco.

The Paris Match - The Style Council & Tracey Thorn



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A RAINHA DA NEVE- MICHAEL CUNNINGHAM

   São quatro personagens centrais vivendo num subúrbio de NY. Um músico que cheira coca e tenta compor a canção de sua vida. A mulher desse músico, que está morrendo de câncer. A sócia dessa doente, dona de uma loja cool, cinquentona que namora garotos bonitos e burros. E o irmão gay do músico, um fracassado que acabou de levar mais um pé na bunda via celular. Ele anda pelo Central Park e percebe algo no céu.
  O autor recebeu o Pulitzer por As Horas, o livro que foi destruído naquele filme que fez sucesso em 2000. A arquitetura deste seu novo livro é parecida: cenas curtas com personagens que se conectam. Morte, dor, redenção, epifania. Cunningham não tem uma escrita fria. Ele é gentil. Uma escrita gentil é o tipo da coisa que nunca pensei escrever. Os diálogos, muitos, são simples. Ninguém fala nada de brilhante, mas no conjunto dá pra perceber a humanidade por entre as falas. As pessoas são frágeis.
  No final é uma história sobre a amizade de dois irmãos. A relação deles é a mais forte e a única que dura. Quanto a tal visão no céu....ela fica sem explicação, é como deve ser. O livro passa perto da epifania, mas a recusa. Se há um milagre não cabe a nós o compreender, apenas usufruímos. E nem mesmo saberemos para que ele serviu, se é que existiu.
  Curto e simples, Cunningham consegue falar de coisas muito tristes de um modo leve.
  É isso.

FRANÇA

   Em 1975 minha família foi pela primeira vez à França. Lembro das cores do céu e do vento em Orly. Mas agora quero falar do era o aeroporto de então. Descemos do avião e fomos entrando no país. Um civil deu uma rápida olhada em nossos passaportes e passamos. Ninguém abriu nossa bagagem de mão, meu pai poderia ter uma bazuca ou meio quilo de pó, ninguém perceberia. Em todo o aeroporto, e minha mãe confirma que foi assim até recentemente, não se via um só policial. E assim foi por toda a Europa ocidental. Apenas na Espanha, ao entrar em San Sebastian, dois policiais olharam nossa cara e pediram para entrar.
  A pá de cal sobre esse mundo foi jogada ontem. Você meu jovem, que só conhece esse estranho mundo de câmeras, vigias, portões e grades, irá ter de se acostumar a mais vigilância. Os loucos das sombras querem nos fazer ovelhas assustadas, Faz tempo que conseguiram.
  Minha indignação é impossível de ser expressa. Estamos numa guerra contra as sombras que dura décadas. Mas os tolos relativistas colocam vendas de sofismo sobre nossos olhos. O mal está firme e unido, nós divididos e paralisados.
  Meu mundo nasceu com a dúvida de Sócrates. Depois recebeu o direito romano e a caritas cristã. Essa a trindade do ocidente que querem destruir. E sinto que conseguiram. A França não mais é A França. Ela perdeu.
Todos perdemos.

O ORANGOTANGO

No rosto daquele orangotango toda acusação estampada numa cara de desamparo.
E o desamparo do irracional é o pior de todos porque ele acusa sem racionalizar, fala sem mentir, diz em todos os símbolos: Vocês me traíram.
O orangotango, notícia da UOL que vejo e me comovo, foi espancado, ele e seu filho, até o desespero.
E como um Cristo ele nos faz murmurar: Minha culpa, minha máxima culpa.
Se Deus há ele nos fez jardineiros. Se diabo há ele nos dá uma serra.
Mas o orangotango, que não é divino e menos ainda diabólico, alheio a história e ao tempo, sofre sozinho agarrado a seu filho. E nem mesmo uma acusação ele pode formular.
Nem xingar ele pode!
Mas eu posso! Posso amar esse ser infeliz e chorar com ele o destino sem caminho.
E em nossa comunhão se refaz uma peça do tabuleiro sem lugar.
Eu falo por você, sem voz.
mesmo que não seja ouvido...

DWAYNE- BILL CONDON- PETER BOGDANOVICH-WIM WENDERS- GUY RITCHIE- LAWRENCE- GUERRA

   UM AMOR A CADA ESQUINA de Peter Bogdanovich com Imogen Poots, Owen Wilson, Jennifer Aniston, Rhys Ifans, Will Forte, Cybill Shepard.
A produção é de Wes Anderson e de Noah Baumbach. Tem participação, como ator, de Tarantino. Ou seja, a nata do cinema de 2015 dando uma força para Peter, o grande diretor revelação de 1971 com A Última Sessão de Cinema. E que depois fez algumas excelentes comédias doidas, como aquelas que se faziam nos anos 30. Mas aqui nada funciona. É triste ver os atores se esforçando ao máximo para dar vida a personagens tão fake. Na comédia doida tudo é fantasia, tudo é exagerado, mas havia nelas uma inteligência, nas falas, que tornava tudo "verdadeiro". Pelo exagero se chegava à verdade final das relações. Aqui as pessoas são apenas loucas. Elas correm, gritam, mentem, fogem, voltam, e fazem com que nos sintamos indiferentes. Não chegam a ser antipáticos, são apenas chatos. Penso que deveríamos achar Imogen fofa. Ela é apenas bobinha. Owen deveria ser charmoso. É apenas oco. E a pobre Jennifer deveria ser divertida. É apenas sem peso. Triste ver um filme que pensa ser chique, leve, amoral, cínico, ser apenas infantil, truncado, espertinho e ingênuo. Um fiasco! ( Atenção a Imogen. Ela será uma estrela ).
   A ESTRADA 47 de Vicente Ferraz com Daniel de Oliveira
Bom tema: o brasileiro na guerra de Hitler. Penso que Ferraz tentou construir um clima à Kurosawa. A estética a serviço do absurdo. A guerra vista como confusão, medo, dor e niilismo completo. Mas falta muito para se chegar perto do mestre japonês ( ou de Naruse ), o filme não nos envolve. Histeria e frio que nunca vira narração.
   LADY CHATTERLEY'S LOVER de Jed Mercúrio com Holliday Grainger e Richard Madden.
Filme da BBC que foi exibido em setembro de 2015. Os filmes de TV da BBC nada mudaram. A Globo os exibia nos anos 70. Eram bem interpretados, solenes, adaptações de livros escritos no período vitoriano ou eduardiano. A única mudança foi nas cores dos sets: antes eram marrons e dourados, agora abusam do azul pálido e do cinza. Continuam sendo filmes bem feitos e meio mortos. Sem fibra e sem paixão. A antítese dos filmes de Boorman, Loach, Anderson, Schlesinger ou Losey.
   EVERYTHING WILL BE FINE de Wim Wenders com James Franco, Charlotte Gainsbourg, Rachel McAdams
Os primeiros dez minutos são ótimos. Neve e mais neve no Canadá do norte. Um homem atropela uma criança. Ele é escritor e é casado. E daí vem a crise... De admirável o fato de termos um filme "de arte" que não apela para sexo explícito, cenas de violência chocante ou um discurso calcado na velha ladainha de raiva adolescente. É adulto, lento, pausado, com imagens fortes, bem pensadas e nunca gratuitas. Mas é também insuportavelmente lento, escuro, triste e sussurrado. Não se pode dizer que não deu certo, ele é exatamente aquilo que Wenders imaginou.
   TERREMOTO, A FALHA DE SAN ANDREAS de Brad Peyton com Dwayne Johnson, Carla Gugino,  Ioan Gruffud e Paul Giamatti.
É bom poder dizer que este Terremoto é muito melhor que aquele de 1974. Não é uma refilmagem, mas tem o mesmo tema. Aqui os efeitos são ótimos, a ação vem na hora certa, nunca como única meta, mas sim como consequência, e ficamos muito satisfeitos com a diversão que ele nos dá. Sim, somos uma geração que se diverte vendo o fim do mundo...Quem sabe não sejamos no fundo uma geração descrente do mundo sólido e das cidades como centro da vida....Relaxe, enjoy!
   MR. HOLMES de Bill Condon com Ian McKellen, Laura Linney.
Já falei deste filme abaixo. Holmes está senil e luta para recordar a resolução de um crime de 30 anos atrás. Enquanto isso faz amizade com um menino e cria abelhas. Um bom filme com atuações ótimas. O final é bastante memorável.
  O AGENTE DA UNCLE de Guy Ritchie com Henry Cavill, Armie Hammer e Alicia Vikander.
Esperto, chique, divertido e charmoso. Tudo que imaginamos ter sido viver entre 1958-1965. Essa foi a época dos mais luxuosos filme. E foi o tempo do bom gosto. O filme tenta copiar esse tempo. E consegue! Os atores são bacanas, a trilha sonora imita Schiffrin e Barry, e Guy até diminui sua velocidade. Tipo do filme que te deixa de boas e faz com que você se sinta mais civilizado.

MATEMÁTICA DAS ESFERAS ( O BILHETE PARA MIM MESMO )

Noticiado hoje que um físico brasileiro começa a provar que o Universo tem uma arrumação sincrônica. Que há uma lógica nele. O Universo seria mais matemático do que pensamos.
Pitágoras sempre esteve certo. A matemática é Deus e a música sua linguagem. E se seguirmos Pitágoras ainda mais longe não nos esqueçamos que em seu tempo ele teve a então original ideia da transmigração das almas.
Na escola em que trabalho dentre outros tenho um amigo bonachão chamado William. Ele é professor e tem um cargo de direção numa outra escola, escola onde estudei de 1972 até 1978. Depois de um ano de amizade tive de súbito a ideia de lhe pedir os documentos que ainda restassem de minha passagem pela dita escola. Após semanas do pedido feito ele me trouxe um envelope grande.
O que eu queria era uma assinatura de matrícula de minha mãe, uma foto, talvez minhas notas. Lembranças e rastros. Ele me trouxe tudo isso, mas trouxe mais. William jogou diante de mim o objeto mais terrível de minha vida.
Em 1978 eu fui feliz. Muito feliz. A confiança no alto. Amigos. Uma menina japonesa. Mas em outubro a professora de português nos propôs uma redação. Tema livre. Lembro muito bem do dia. Estava úmido e frio. Fim de tarde escura. De repente eu me senti de volta a 1977, o ano em que fugi de casa, em que vivi isolado entre livros ( já de volta ao meu lar ). O ano em que descobri Bronte, Dostoievski, Kafka, Dickens. E escrevi uma redação raivosa. Sobre prisão, morte e escuridão.
Quando a professora devolveu as redações a minha não foi devolvida. Todos começaram a achar que ela tinha jogado a minha fora, afinal eu era um dos piores alunos da sala. Mas não. Ela foi diante da sala e disse que eu escrevera "uma obra de arte", que ela lera meu texto para toda a direção e que eles resolveram me eleger o representante da escola nas "Olimpíadas de Português de 1978".
A melhor aluna da classe não se conformou. Ela tirara 10 em gramática e 8 na redação; eu tinha 5 em gramática e fizera a tal redação. Fiquei envergonhado. Não queria ser elogiado, não queria ir a olimpíada nenhuma, não queria ter escrito aquela droga....
Fui à olimpíada e fui mal. E essa redação mudou minha vida. Se tornou uma lembrança de minha sina de "artista"...Eu detestava sempre e continuei tendo sérias dificuldades com artistas, artes, intelectuais, nerds, e professores.
Pois bem, agora em outubro de 2015, 37 anos depois, no meio dos documentos, lá está ela, a maldita redação. O documento de minha "sombra". Explodo de alegria. Abraço William. Não acredito no que vejo. Ali está: minha letra de 1978, letra de forma, eu escrevia em letra de forma grande e angulosa, o papel onde escrevi, minha tinta de caneta, meu nome, minha sala ( 8-B ), minha assinatura. E o texto...Que não li até agora.
Isso é uma sincronia. Isso é um milagre. O eterno retorno.
Isso é realidade.

OS GUINLE. A HISTÓRIA DE UMA DINASTIA. CLÓVIS BULCÃO.

   Uma família francesa imigra no meio do século XIX para o Uruguai. Fogem de lá quando uma revolução acontece, o Rio é seu destino. Lá se faz um armarinho no centro e desse comércio vem o progresso. A história é fascinante.
  O patriarca diversifica os negócios e nessa caminhada a família molda a cidade do Rio de Janeiro. O Parque Guinle, a avenida Rio Branco, Copacabana, Teresópolis, todos esses lugares foram descobertos, desenvolvidos, batizados pelos Guinle. Cada filho do patriarca indo para uma direção.
  A base da fortuna veio do Porto de Santos. Foi o primeiro Guinle, Eduardo, o homem que tocou a reforma do porto e da cidade de Santos. O lugar, apenas lodo e lixo, foi urbanizado, limpo, desenvolvido pela família. Em troca, 20% de todo o dinheiro movimentado no local seria da família. Durante 90 anos! Essa a garantia, o lastro da fortuna. Daí nasceram o Banco Boavista, o Jockey Club da Lagoa ( lugar sem valor que os Guinle valorizaram ), a Granja Comary em Teresópolis, o Estádio do Fluminense, nas Laranjeiras, o Copacabana Palace, na praia deserta de então, a PUC do Rio, e ainda hospitais, edifícios no centro do Rio e em Santos, mansões em Paris, São Paulo, Petrópolis. Os Guinle deram à capital do Brasil seu caráter chique, fino, enchendo as avenidas de construções de refinado gosto. Gosto que era reflexo da educação em casa. A família presava jantares longos, pratas e cristais, luvas brancas, roupas para a noite e roupas para o dia.
  Aconteceram erros também. Um dos irmãos faliu construindo uma mansão. Ela hoje é a sede do governo do Rio. Feita com materiais importados ( até o cimento vinha da Inglaterra ), ela consumiu toda a herança de um dos sete filhos da primeira geração. Outro erro foi a briga com a Light. Os Guinle tiveram a ideia de iluminar, levar luz a todo o estado do Rio. Mas trombou de frente com o grupo do Canadá. Usinas hidrelétricas, redes de captação, tudo foi perdido. Mas de qualquer modo se manteve a rede da Bahia.
  Culturalmente foram os filhos que ajudaram a transformar o futebol em moda ( um deles foi presidente do Fluminense e trouxe o Sul-Americano de 1919 para as Laranjeiras, primeiro título da seleção e febre no país desde então ). Patrocinaram Pixinguinha, Villa-Lobos, e transformaram o carnaval naquilo que ele é hoje: a grande atração turística do país. A marca da família se faz presente em coisas, costumes que ainda hoje prosseguem, fizeram a corrida automobilística que lançou as bases do amor brasileiro aos carros ( Circuito da Gávea ), construíram a primeira rodovia moderna do país ( a Rio- Teresópolis ), e com o Copa colocaram a hotelaria nacional no primeiro mundo. ( Eram 3 funcionários para cada cliente ).
  O mais fascinante é ler sobre seu cotidiano. O apartamento tríplex com 12 quartos de empregados, a mansão em Higienópolis com serraria e casas de reparos, o palácio em Botafogo, as 3 horas gastas toda manhã para se vestir ( com a ajuda de um valet ).
  O Brasil possuiu no começo do século XX famílias como os Matarazzo, os Marinho, os Prado. Mas nenhuma foi tão observada, invejada e nenhuma teve tanto acesso ao poder, fosse Nilo Peçanha, fosse Getúlio. Quando a capital foi para Brasilia eles não entenderam que o Brasil mudava. O regime militar via a família com rancor, como algo antigo, aristocrático, incômodo. Logo perderam Santos, o banco Boavista, terrenos, casas. Um tempo se ia. Melhor ou pior, impossível saber.
  Incrível perceber como alguém tipo Eike Batista tentou repetir os mesmos passos. Intervir na cidade, negociar com o governo. A diferença maior, entre tantas, é o tempo. O império dos Guinle durou exatos 90 anos. Eike mal chegou a 9.

MR. HOLMES, UM FILME DE BILL CONDON

   Tenha na mente que Conan Doyle era espírita. E assim você poderá entender o porque deste filme.
   Sherlock Holmes, rei da lógica, frio, vaidoso, cético, está aqui com 93 anos. É tempo da segunda-guerra. É no campo. Ele vive isolado com uma governanta e o filho desta. Ele está velho e seu corpo começa a vacilar. Perde a memória. O menino se apega a ele e juntos eles cuidam de um apiário. Ao mesmo tempo, Holmes tenta recordar um caso que ele deixou pelo meio, sem solução.
  O filme até então parece bonito, só que meio vazio. Tudo parece sem rumo, vago. Mas há uma reviravolta, que não devo contar, e em seguida mais uma, que muda tudo ao seu redor. A morte surge, e com ela a dúvida, a insegurança e finalmente a humanização de Holmes.
  Os atores, Ian McKellen, Laura Linney, são ótimos, e o menino rouba o filme. Nada há de bonitinho aqui, nada de doce, é apenas a vida "normal". A não ser em sua última cena.
  Holmes junta pedras e na beira do mar ergue os braços aos céus. A lógica é derrotada e ao afundar na dúvida Sherlock Holmes perde toda a segurança e se torna um outro. Conan Doyle é a alma por detrás de Holmes e quem é a alma de Doyle só ele poderia dizer.
  O filme se afirma então. Fazia muito que não se fazia tão clara mensagem sobre a descoberta. Pequeno e humilde filme. Deve-se ver.

O AGENTE DA UNCLE- GUY RITCHIE ACERTA MAIS UMA

   Este filme funciona muito bem porque retrata de um modo não caricato, de um modo confiante, o mais cool dos períodos históricos, aquele entre 1959-1965. O tempo da guerra fria e do medo da bomba, mas também o tempo de Dior, St.Laurent, BB e do cool jazz.
   O AGENTE DA UNCLE foi uma série inglesa que meu pai adorava. Lembro muito vagamente da TV ligada à noite, eu brincando no tapete e os adultos assistindo aquela coisa barulhenta e que eu já percebia ser muito cool e muito sexy ( eu juro que aos 6 anos eu sentia as vibrações daquele momento especial ). A série fez enorme sucesso e depois virou cult. Robert Vaughn e seu personagem Napoleon Solo se tornaram nomes tão icônicos daquele tempo como James Bond ou Inspetor Clouseau. E havia ainda David McCallun no papel de Ilya, o russo do bem ( mais ou menos do bem ).
  As pessoas compram a ideia de que a TV está agora em seu auge. A TV SEMPRE vende a ideia de estar em seu auge. Ela se vende, isso é normal. No tempo de UNCLE havia Missão Impossível e Star Trek, A Feiticeira e Hawaii 5.0...nada mal. Besteira também dizer que o cinema pega hoje atores da TV. Em 1964 Clint Eastwood era um ator de TV e só da TV. Well....
  Guy Ritchie é um bom diretor. Ele tem senso visual, ritmo, e aqui ele consegue ir mais devagar, quase no ritmo de 1964. O filme não é só ação, aliás seus melhores momentos são todos em diálogos. E surpreendentemente os jovens atores se saem muito bem. São bonitos sem parecer bonecos e sabem ser elegantes sem parecer meninos usando as roupas dos pais. O filme tem ainda uma boa trilha sonora que usa despudoradamente os climas que John Barry, Lalo Schiffrin e Qincy Jones punham nas cenas de então. Mas o melhor é mesmo o visual, a doce beleza moderna das roupas, a alegria suave dos objetos, a ousadia otimista dos cenários. Vemos de novo a Roma rica de Fellini e a Berlin cinza dos filmes de espionagem. A diversão se garante. É um filme para a geração que ama MAD MEN e 007.
  Existem falhas, e como em todos os filmes de Ritchie, há uma momento em que o excesso de exuberância cansa. Mas a coisa anda e na verdade já estamos ganhos faz muito.
  Guy é o cara.

Steely Dan - Peg - 10-17-15 Beacon Theater, NYC



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LINGUÍSTICA E MÚSICA: STEELY DAN.

   Aprendemos na linguística que com a educação, feita desde o nascimento, de nossa audição, adquirimos a habilidade de perceber certos sons, em nossa língua-mãe, que estrangeiros, nascidos e educados em outro ambiente, não percebem. Desse modo, um brasileiro tem dificuldade em perceber a diferença falada entre "night" e "Knight". Um inglês consegue escutar esse "K", nós não o notamos. Do mesmo modo, a trema de uma palavra alemã, a diferença entre "U" e o "i" em francês ou os sons nasais do japonês podem nos ser inaudíveis. E eles não conseguem escutar o nosso "til" com clareza. Ouvem um simples "n".
  Música é a mesma coisa e por isso um músico profissional sempre parece a nós, leigos, um chato. Ele foi educado a ouvir sons que nos passam despercebidos. Mesmo assim, um leigo como eu, pode ser melhorado se escutar certas músicas de complexa construção. O Steely Dan faz isso por nós.
  Percebo que meus alunos, não todos, educados no som chapado do sertanejo e do funk, têm perdido a capacidade de distinguir os vários sons e ritmos que formam a música mais rica. Sentem a batida geral, mas não procuram instintivamente o som da bateria ou do baixo. Muito menos percebem os vários timbres que existem numa bateria. Minha geração, por mais que o rádio nos desse a riqueza sonora de Stevie Wonder ou de Marvin Gaye, tinha também suas massas deseducadoras: Kiss, Foreigner ou Roberto Carlos. Entenda, eu adoro sons chapados como os do MC5 ou Motorhead, mas é preciso ouvir mais, muito mais, inclusive para entender melhor MC5 e Motorhead.
   Numa canção como Peg ou King of The World há tanto ritmo diferente e tanta sutileza que a educação se faz completa. A bateria em Peg tem quebras de andamento, toques sublimes nos pratos, uma caixa que parece atravessada. Em King of The World o solo de guitarra final é cheio de notas que se reproduzem ao infinito enquanto o contrabaixo evolui como uma cascata de notas blue. E há muito mais, muito mais.
  Um LP como Countdown to Ecstasy serve como um mestrado em beat, em harmonia e em composição. Por detrás da aparente inofensividade de um pop bem gravado há a ferocidade genial de um ouvido que escuta tudo e escuta bem. É o POP sublime.
  E você pode perguntar: Para que serve educação. E eu respondo: Para dar ainda mais prazer dentro daquilo que você já conhece. E para te abrir caminho para novos conhecimentos. O Steely Dan, Donald Fagen-Walter Becker, são dupla de eruditos. São de se reverenciar.

Donald Fagen - New Frontier (Video)



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GOETHE FOI COMPLETAMENTE DERROTADO

   Fausto faz uma aposta com Mefistófeles: Ele jamais irá se sentir satisfeito, e se isso ocorrer, sua alma estará salva. Mefistófeles lhe dará conhecimento, prazeres, e mesmo assim, Fausto promete, continuará insatisfeito. Se isso for mantido, o diabo irá perder. No final da peça não sabemos quem venceu. Jakobson, Benjamin, Arendt, nenhum deles conseguiu descobrir o vencedor. Mas não é sobre isso que desejo falar. Vamos adiante.
  Goethe considerava três os sofrimentos do inferno: o Materialismo, a super valorização do Sexo em detrimento do Amor, e a Pressa. No inferno as pessoas teriam a certeza de que o Presente é tudo o que existe, que o Homem é uma máquina de carne e sangue e que a vida consiste na satisfação da matéria. Sexo seria a única forma de Amor. E tudo seria feito com cada vez mais pressa. Amizades, viagens, nascimento e morte, tudo regido pelo tempo do relógio. O tic tac como eco da vida.
  Não é preciso dizer a vocês que nosso mundo é o retrato do inferno que Goethe intuiu em 1790. Ele tinha horror ao materialismo, para ele, desprovido de mistério, de fantasia, a vida perdia seu valor. Assim como o sexo visto como fim mataria o amor. Quanta a pressa, ela seria consequência do materialismo: se somos máquinas viver bem e ser melhor significa funcionar mais rapidamente.
  Converso com o professor e digo que se pode imaginar Shakespeare sentindo um certo fascínio pelo nosso mundo. Assim como Byron ficaria horrorizado e intrigado pela nossa civilização proteica. Mas Goethe não. É impossível imaginar Goethe em NY ou Tokyo. Seria para ele o puro horror. Ele seria como um ser de outro planeta, de outra galáxia, impossível de ser entendido e de entender.
  Fausto é o mais útil dos livros exatamente por isso. Ele diagnostica o mal antes de seus sintomas mais nítidos. Ele mostra a luta interna que vivemos agora: um mundo mefistofélico que nos é dado de herança, e no qual, cada vez menos fausticos, temos de lidar.
  Tentamos vencer a aposta. Tentamos não sentir a plena satisfação dentro dessa apequenação. Tentamos crer que Isto Não É Tudo. E intuímos que esse é o único modo de vencer Mefisto.
  PS: Vale ainda dizer que Fausto é a obra mais homenageada do mundo. Falas são usadas em Machado de Assis ( que o amava ), Dostoievski, Philip Roth, Joyce. E o livro é usado como molde em obras de Fernando Pessoa ( Fausto ), Thomas Mann ( Dr Fausto ), Sanguinetti, Bulghakov, e Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, e mais um infinidade de autores do mundo inteiro.
  Há Fausto em filmes noir, westerns, Bergman, Fellini, Visconti, Wenders, Woody Allen....nos seus melhores filmes.
  Fausto continua resistindo. Um dia irá vencer...ou desaparecer tentando....

O MATADOR- VIN DIESEL- JASON STATHAM- WINTERBOTTON- STEVE COOGAN- PERCY JACKSON- TED- BBC

   A ESPIÃ QUE SABIA DE MENOS de Paul Feig com Melissa McCarthy, Jude Law e Jason Statham.
Uma sátira aos filmes de James Bond. Melissa faz uma gorducha apaixonada por Law que é um super agente. Quando ele morre, ela toma seu lugar. O filme é engraçado e chato. Depende da cena. Eu morri de rir com a primeira e a segunda cena de Jason Statham. Ele faz uma gozação com seus papéis habituais. Por outro lado temos algumas cenas que nos desligam. Mas no geral o filme é divertido. Melissa é uma comediante ok. E Law sabe rir de si-mesmo. Nota 6.
   AN INSPECTOR CALLS de Ainsling Walsh com David Thewlis, Miranda Richardson e Ken Stott
Um filme para a Tv da BBC. Adaptação da segunda peça mais vista do teatro inglês, um texto de JB Priestley de 1930. Tem a velha competência da emissora estatal. Boa fotografia, bons atores e um clima de cliché vitoriano. Um Downtown Abbey de suspense. Mas eu achei o texto deplorável, inverossímil e pobre. E pior, a reviravolta final é completamente boring. Como denuncia da classe alta britânica é óbvio, como suspense é previsível. Nota 3.
   VELOZES E FURIOSOS 7 de Jason Ling com Vin Diesel, Paul Walker, Dwayne Johnson, Jason Statham e Michelle Rodriguez.
Em 2000 foi feito o primeiro filme. Uma modesta diversão estrelada por Paul Walker. O filme, que é simples e muito bom, fez um sucesso inesperado e lançou Vin Diesel ao estrelato. O ator musculoso não conseguiu aproveitar a onda de sucesso e acabou ficando restrito à franquia. Mesmo assim ele é um cara de muita sorte. Porque como ator ele é possivelmente o pior que já vi. Dwayne Johnson a seu lado fica com o porte de Marlon Brando e Paul Walker parece Steve McQueen. A série varia entre filmes bons ( o primeiro e o quarto ) e alguns muito chatos ( o quinto e sexto ). Sempre que tentam complicar a coisa cai. Os filmes são melhores quando se concentram nos carros. Aqui há uma cena numa floresta que é maravilhosa! Ação absurda e bem feita. Mas toda a trama parece ter sido escrita por um garoto de 10 anos. Bêbado. Nada faz sentido. De qualquer modo, se você ignorar as mãos penduradas de Diesel ( ele nunca sabe o que fazer com elas ), o rosto sem expressão de Diesel e sua voz inexpressiva ( além da desastrosa Michelle, uma atriz inexplicável ), você pode se divertir. Pena Dwayne e Jason não aparecerem mais.... Nota 4
    TED 2 de Seth McFarlane com Mark Whalberg, Amanda Seyfried, Morgan Freeman
O que houve com Seth...Ele leva Ted a sério! E quase mata o personagem. Ted, o primeiro, era um filme legal por ser anárquico. Ele ria do politicamente correto e pouco se lixava para as consequências. Aqui Ted é quase bonzinho!!!! Ele vai a julgamento para provar ser um humano. E poder se casar. Ou seja, ele luta para ser aceito. Ted deixa de ser Ted. O filme não está nem perto da graça do primeiro. Tem menos sexo, menos palavrões e as drogas aparecem como brincadeirinha de crianças. Eu amava Ted, aqui ele quase destrói isso. Esqueça. Nota 2.
   PERCY JACKSON E O LADRÃO DE RAIOS de Chris Columbus com Pierce Brosnam, Catherine Keener, Sean Bean, Steve Coogan, Rosario Dawson...
Mitologia para crianças. Ok, vamos ver o que os moleques andam vendo...E carcaça! Deve ser maravilhoso ter 12 anos e ir ao cinema hoje! Quero dizer que eu, aos 12 anos, adoraria um filme como este!!!! Eu ia delirar com a magia, a ação e a viagem e ele se tornaria um filme de saudade quando eu tivesse 50. Mas visto na minha idade...não dá. A mitologia grega é reduzida a uma espécie de "monstrinhos fofos da Disney", a ação é banal e acabei me distraindo de tudo aquilo. Vi o filme a 6 dias e já não me lembro de sua trama. Ao contrário de alguns ótimos filmes juvenis que andei vendo, este não consegue envolver um adulto. Pena. Nota 2.
   UMA VIAGEM PARA A ITÁLIA de Michael Winterbottom com Steve Coogan e Rob Brydon
Um amigo inglês, jornalista, convida um ator de TV para viajar com ele pela Itália. O filme é apenas isso. Os dois viajando pelo país e conversando muito e muito e muito. Felizmente a conversa é ótima! O diretor não enfeita nada, a ação é a conversa, a paisagem correndo ao lado do carro e os restaurantes e hotéis onde eles ficam. Os dois atores interpretam eles mesmos ( na verdade os personagens são Rob e Steve ). Algumas cenas são hilárias. Rob imita Hugh Grant, Jude Law e Michael Caine à perfeição. Morri de rir! O filme é todo assim, leve e bem humorado. Eles falam de coisas sérias: idade, tempo, fama, mas sempre com alegria, cinismo ou até anarquia. Um filme muito gostoso de se ver. Nota 7.
   O MATADOR de Henry King com Gregory Peck, Millard Mitchell e Helen Westcott.
Falei desse filme num texto abaixo. É uma obra-prima. Fala de um matador cansado, alguém que procura ser esquecido. No processo ele não consegue escapar de sua fama. Henry King começou no cinema mudo, fez algumas obras primas e continuou sua carreira até os anos 50, sendo sempre o diretor classe A da Fox. Peck raramente esteve tão bem. Com meia dúzia de olhares e o timbre da voz ele nos comove. É um filme raro, seco, simples, duro e bastante pessimista. Tem de ver! DEZ!!!!!!!!
 

Pablo Picasso HD Interview with The Father of Modern Art



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PRA PABLO

   "Tudo aquilo que conseguimos imaginar é real".
   Pablo é o antídoto para Schoppenhauer, para o pessimismo. Ele é vital.
   Pablo é solar. Ele vivia ao sol, torso nú, criando. Pegava pedra e fazia bicho. Pegava lixo e criava sonho. Mas tudo em Pablo é real. Nada nele parece etéreo. A criação mais absurda é de verdade. Tem peso. Pablo ama o peso, a solidez, a dureza do toque.
   Seu sexo é aquele do fauno. Meio deus e meio besta. Deitado ao sol, pelado, ele exala desejo. Ama a carne. O cheiro. É um touro.
   Nenhum artista é mais carnal que Pablo. E nenhum outro mergulhou mais fundo no onírico explícito. Ele viu que o sonho está no aparente. Aquilo que vemos é surreal. Ele pescava absurdos no comum.
   Pablo era também cruel, duro, egoísta, vaidoso, isolado e sedento de elogios. Vingativo. Ele era ruim. Maldoso como todo criador é. Criar é um ato de vingança contra o comum, o ordinário, o tédio, o banal. O objetivo pode ser bom, mas a energia é aquela do mal.
  Ninguém viveu tanto como Pablo.

FAUSTO, NOSSO PECADO, NOSSO DESTINO, NOSSO PLANETA.

   Chegamos então, neste curso de brilho, nessas aulas inesquecíveis, a Fausto. Nossa mais alta montanha. E nossa radiografia. Maldição. Querer saber tudo. Se meter em tudo. Desejar possuir o saber sobre todas as coisas. Ver tudo. O pecado da Curiosidade.
   Deus nos proibiu o saber em excesso. Nós, com o empurrão da Serpente, demos o passo. E sabendo, e vendo, caímos do Paraíso. Após o despertar do saber, tornou-se impossível a Felicidade.
   A consequência é eterna. Ainda hoje, nestes tempos vaidosos, nos pegamos pensando que ser ignorante é ser feliz. Que ler demais é viver de menos. Que feliz é o analfabeto. Que inocente é o povo simples. Que não sabe.
   No século XVI surgiu a figura de Fausto. Um best seller. Contava a vida de um bruxo que se vendera ao Diabo em troca do saber. Marlowe teatralizou e fez sucesso. E toda nação desde então compôs seu Fausto nacional. O nosso se encontra em Grande Sertão: Veredas. O mito que não é mito, é arquétipo universal. O homem que desafia o deus. O homem que deseja ser um deus. O Fausto de Goethe é o maior ( segundo meu professor, o maior dos livros ). Síntese do destino ocidental.
   Uma conclusão que Goethe antecipa e que está se cumprindo aqui e agora: o homem deixou Deus de lado em troca do saber. E deixará a Natureza de lado em troca do poder. Porque Deus e Natureza são Um e o Mesmo. Aquele que se desfaz do Divino destrói, cedo ou tarde, Seu Corpo, a Natureza. Fausto irá matar a Terra. Goethe nos avisou. Nunca escutamos isso. O saber há de existir, mas sempre unido ao cuidado, a delicadeza, ao Amor à tudo que seja natural.
   Ninguém seguiu esse conselho.
   Fausto mudou a Arte em toda a Europa. Ingleses e franceses amaram Goethe como guia divinizante. Crianças recitavam Goethe enquanto caminhavam pelo campo. Ele impregnou a vida cotidiana das cidades cultas. E mesmo assim, com todos os seus avisos, o Nazismo nasceu como a realização dos pesadelos do poeta. A aliança com o mal supremo em troca de saber e de poder.
   O poeta alemão amava Shakespeare e em estilo Fausto deve muito a A Tempestade. A peça final do inglês que fala também de poder e saber. Mas enquanto Shakespeare é sonho e beleza, Goethe é dor e pesadelo.
   Ler Goethe era, até mais ou menos 1950, um dever moral e estético. Hoje ele é apenas uma curiosidade pedante. Foi anestesiado por nosso mortal tédio e cinismo. Goethe, que foi um deprimido, descobriu que o saber conduz necessariamente ao enfado, ao tédio e à melancolia. E era seu dever lutar contra ela. Nós já desistimos. A engolimos sem reclamar. E nos medicamos como cabritos.
   Em 1820, Goethe, e também Beethoven, Byron, Schubert, Chopin, Hugo, todos eram Fausto. Prometeus em luta contra o destino. Hoje somos velhos que balbuciam: "-Eu sei....que se há de fazer...é assim....tem de ser assim...."
   Então o destino se cumprirá. Marte nos espera. Alegremente caminharemos ao inferno.

JUNG, SONHOS E REFLEXÕES. UMA VIDA MUITO BEM VIVIDA.

   Um mito só é vivo quando muda. Tudo o que tem vida modifica-se o tempo todo. Os deuses gregos tinham vida, em seu tempo, porque sua existência se modificava com e ao lado dos homens. Desde o século XII o cristianismo parou de mudar. Toda tentativa de mudança passou a ser heresia. A crença se solidificou. Imutável, morreu. É um mito que pouco diz ao homem de hoje. Sua validade está fora da igreja, naquilo que ele pode dizer de particular a cada um individualmente.
  A razão não pode criar mitos. Ela se ocupa daquilo que podemos ver e ouvir. Pesar e medir. Sentimentos, intuições, individualidades estão fora de seu alcance. Seu interesse não é criar, é provar através da observação. A razão pega o que já existe. Dentro de seu mundo.
  O mito é necessário para dar sentido à vida. Sem ele nossa existência empobrece e o planeta fica à deriva. Cada ato, sem o mito, cai no vazio. A liberdade se torna falsa, porque ela fica restrita ao campo do comum, do vulgar, do provável. Só existe aquilo que é de todos. O indivíduo morre na razão.
  O significado da vida e seu sentido só pode ser percebido dentro do inconsciente. Mas ele existe indiferente ao consciente. Como sombra, ele age nos bastidores, longe da linguagem humana, em atos sem tempo, sem lugar e sem aparente consequência. Longe da razão.
  O homem é essa luta entre opostos: consciente e inconsciente. Polaridade que nos move, polaridade que por ser aquilo que nos define, é tudo o que podemos perceber no mundo. Só percebemos fora de nós aquilo que vive dentro de nós. Opostos em luta. Sombra e luz.
  Todas as respostas moram dentro de cada um. E só entramos nesse mundo, o do inconsciente, quando em crise. O neurótico é aquele que luta por ficar fora. O esquizo é aquele que entra e não mais sabe sair. Um fecha a porta. O outro não acha a porta.
  Há um centro dentro de cada um de nós que é incomunicável. Portanto ele é um segredo. UMA SOCIEDADE PRECISA DE SEGREDOS. É o segredo que faz nascer um grupo de iniciados. E deles nasce um reconhecimento. Uma sociedade. Algo que só eles sabem e entendem. Esse centro não reconhece lugar ou causalidade.
  Não se pode comunicar Deus a alguém. Deus não se vê ou se ensina. Ele é uma experiência. Você sente Sua presença. Sabe. E guarda esse segredo.
  O homem pleno, se é que ele existe, se ocupa daquilo que é valioso. O mundo perde tempo naquilo que pouco valor tem. Tudo que se liga ao tempo e é marcado pela pressa tem pouco valor. O precioso está fora do tempo, é eterno.
  ... termino o belo livro que a Cultura lançou com a Nova Fronteira em edição caprichada. Jung me convence porque tudo o que ele fala eu vivi antes. Bem antes. E vivo hoje.
  Todas essas frases acima são do livro. E devo ainda dizer que os melhores trechos são aqueles que falam de suas viagens. África. Índia. Novo México. A mais fascinante é aquela a Uganda e Kenya. Jung se esforça por os conhecer. Sábia a sua atitude de sempre ter em vista seu modo europeu de pensar. E me frustrou a recusa que ele teve em face de um momento dionisíaco. A coisa quase acontece numa tribo africana, mas ele não sai de seu mundo.
  Na cidade indígena do Novo México a coisa é mais plácida. Lá Jung tem talvez seu mais belo momento.
  A visão de Jung é aquela da dualidade sempre. O mundo da natureza é cruel e belo. O homem é consciente e inconsciente. Deus e o homem são opostos que se criam. Um ligado ao outro. A morte é a sombra da vida e a vida está unida a morte. Homem e mulher se motivam e ao mesmo tempo se repelem. Dentro e fora. Aqui e lá. Tudo em dualidade.
  Mas ao mesmo tempo ele reconhece que esse é o modo como ele pode ver a vida. E a vida existe também fora de nossas percepções. Daí o insaciável interesse de Jung pelo oculto, pela chance de procurar algo que esteja fora da razão e do tempo.  Das pistas cifradas de outros mundos. Do mundo interior. O sonho acima de tudo. As mensagens visuais do inconsciente. As sincronicidades. O estar aberto a todas as possibilidades.
  Fosse trinta anos mais jovem Jung teria feito aquilo que Huxley fez ( são almas irmãs ). Provaria mescalina e LSD para ampliar sua busca. Jung não criou dogmas. Ele ampliava experiências. Vivo.
  É um belo livro. ( Com algumas partes chatas. Jung não escreve bem. E reconhece isso. )
 
 

FIRENZE E ROMA

   Tenho uma amiga que está cruzando a Itália. Ele me envia fotos de Roma e de Firenze. Nunca estive na Itália e olho as fotos.
   Ela sabe fotografar. E sabe escolher seus alvos. Olho as fotos de noite, dentro da escola onde trabalho, numa pausa. Há uma colega ao meu lado em outro computador. São nove horas da noite e faz calor. O ventilador está ligado.
   Uma sequência de fotos: túmulos. Dante. Machiavelli. Petrarca. Galileo. Michelangelo. ...alguma coisa acontece aqui.
   Desce sobre mim. Os pelos de meus braços se erguem. O calor me meu rosto aumenta. Fico vermelho. Uma onda de frio varre o lugar onde estou sentado. Meus olhos se arregalam. Meu coração NÃO dispara. Estou calmo. E ao mesmo tempo emocionado. Uma emoção que não acelera. Abraça. Tento me controlar mas logo desisto. A sensação é deliciosa. Sou tomado. A visão do mármore que envolve Michelangelo me dá um desmaio que não me apaga, antes me ergue.
  Continuo vendo as fotos nesse estado do sublime enlevo. Firenze se mostra e se abre para mim. Ela é fatal. Um pensamento: eu morreria em Firenze. E seria a mais bela morte. Pois eu renasceria em Firenze.
  Palavras a partir daqui não mais podem ser ditas.
  ...
 

A TORRE COLORIDA

   Estou lendo o livro de memórias de Jung. Deve ser meu sétimo ou oitavo livro do guru. Jung tem o poder de me liberar. Apesar do capítulo 3 me ter incomodado muito, onde ele fala das doenças de seus pacientes, o livro possui maravilhosas coincidências com minhas próprias experiências. Jung me convence porque o que ele viu foi visto por mim também. Antes de o conhecer. Bem antes. Ele valida as impressões que senti e as dores que não compreendi.
  Mas não estou escrevendo isto como comentário à obra. Quero apenas falar com você e com meu amigo Léo. O capítulo onde Jung descreve sua casa foi escrito especialmente para pessoas como Léo. Basta dizer que Jung construiu ao fim da vida uma Torre de Pedra. Com as próprias mãos. E que essa torre não tinha eletricidade ou água encanada. Tinha fogo, lampiões e um poço. Ele gostava de pensar que um antepassado seu, se lá surgisse, se sentiria em casa dentro daquela casa. A torre era o ambiente onde Jung era livre para ser ele. Onde seu eu número dois podia existir.
  Ele fala da necessidade de termos um canto só nosso. Onde ninguém pode entrar. Onde tudo é eu. Ele pintou as paredes com símbolos. Fez objetos. E ouviu o silêncio que dizia.
 Eu tive dois cantos meus. E faz vinte anos que os perdi. O primeiro foi o porão da casa onde nasci. Cheio de teias, insetos, trapos, móveis velhos, rachaduras e vidros quebrados. E o segundo foi meu quarto número dois. O "quarto da bagunça". Onde ninguém entrava. Onde rabisquei peixes, plantas e sóis nas paredes. Onde eu cantava, dançava, pulava, gritava e dormia com meus cães. Foi minha torre. Minha Torre Colorida.
 

O MATADOR- UMA OBRA PRIMA DE HENRY KING

   A história é de uma simplicidade mítica: um matador está cansado de ser aquilo que ele é. A questão: alguém pode deixar de ser a pessoa que os outros querem ver...
  Sob uma melodia soberba e elétrica de Alfred Newman, Gregory Peck cavalga. Ele vai à um saloon e lá, logo reconhecido, tem de se colocar à prova. Essa sua sina. Por ser um pistoleiro famoso deverá, sempre, ser desafiado. Todo jovem maluco quer o seu lugar. A fama de ter morto o grande matador.
  A fotografia de Arthur Miller é absoluta. Ela abarca todo o set e todos os tons de cinza. As cenas são profundas, vastas apesar de claustrofóbicas.
  E há o rosto de Peck. Ele nunca foi um grande ator, mas ele era mais que isso, era uma estrela. Ilumina o filme. Dá luz sendo obscuro. O rosto está cansado. O Pistoleiro não quer mais ser quem é. Há um desejo imenso de descanso nele. E dolorosamente ele quase consegue chegar lá.
  O que faz de um filme uma obra-prima: prazer, vontade de falar dele, interpretações múltiplas, desejo de rever, muitas cenas que se guardam na lembrança. Este filme tem tudo isso. Ele fala da fama, do destino, do julgamento da comunidade, da impossibilidade de se apagar o que se fez.
  Henry King teve uma longa carreira. Começou ainda no cinema mudo e nele ficou famoso. Passou ao falado e acabou por se especializar em grandes filmes da Fox. Ele fazia de tudo: musicais, westerns, épicos, dramas, e muitas adaptações literárias. Com mais de 90 filmes nas costas, óbvio que nem todos são de alto nível. Mas ele conseguiu jamais fazer um filme ruim. Muitos são bons, alguns são ótimos e cinco ou seis são geniais. Quando a produção era cara, complicada, arriscada, se chamava Henry King. E tudo acontecia.
  Aqui aconteceu. Um filme perfeito.