461 OCEAN BOULEVARD- ERIC CLAPTON, O CARA LEGAL.

   Eric é um cara estranho. Mas também é um cara legal. Como Neil Young ou Bruce Springsteen, voce pode até não gostar de suas músicas, mas é dificil atacar o cara. Eric é dos poucos nomes do rock que dá vontade de ser amigo. Eu adoro por exemplo, Keith Richards, mas não sei se seria bom ser seu brother. De Bowie então nem é bom falar...
   ( Aproveito pra recomendar de novo a bio de Eric. )
   Em 1974, após 4 anos de retiro em virtude de vicios em álcool e heroína, e contando com uma força espiritual de Pete Townshend, Eric vai à Miami gravar este disco. Que chega ao primeiro posto tanto na GB como nos USA. É o melhor disco de Eric. Calmo, limpido, sereno e muito bonito.
   Vale aqui dizer que o objetivo de Clapton como guitarrista nunca foi ser o mais rápido, o mais original ou o mais potente. Ele sempre afirmou que seu sonho era conseguir a perfeição, tocar a nota cristalina. Nessa busca, Zen, ele se afirma com seu estilo limpo, puro, sem ruído, fluido, um estilo que pode ser chamado de espiritual. Ele jamais agride, e é sempre "belo". Equilibrado. Robbie Robertson, Steve Cropper e J J Cale também possuem esse segredo.
   Preciso repetir a história do triângulo Eric-Patty-George? Eric se apaixona pela esposa do melhor amigo, George Harrison, é rejeitado por ela e dá uma bela pirada. E como o mundo gira, ela acaba nos braços de Eric, anos depois. Pelas fotos de Patty é fácil entender a paixão de Clapton.
   Mas vamos falar deste disco? É um dos que mais ouvi em minha vida. O som da guitarra é tão perfeito, tão simples e ao mesmo tempo macio, sexy, esperto, que voce acaba escutando Eric como se ele fosse um pequeno mantra. Aqui ele regrava alguns velhos blues, todos brilhantes, e é onde ele lança Bob Marley para o mundo, I Shot The Sheriff. A melhor faixa é Give Me Straight, linda de chorar. Mas há muito mais: I Can`t Hold On, com sua discreta alegria, Motherless Children, que tem um slide de derreter cinturas...e faixa final, um estupendo duelo de guitarras deslizantes, um hino a respeito de estradas e destinos. Wow!
   Como falo sempre, o tempo coloca tudo em seus lugares. Revela a verdade e ridiculariza a mentira. Este disco, dono de seu tempo, sobrevive. É bom pacas!

DANIEL DERONDA, UM ROMANCE DE GEORGE ELIOT

   George Eliot foi uma pioneira. Mulher escritora, vivendo na Inglaterra dos anos dos 1870, casou, descasou, foi morar junto. E sempre com homens mais jovens. Usou esse nome masculino, mas todos sabiam que era uma mulher quem escrevia. Ficou famosa, vendeu muito, e saiu de moda no começo do século XX. Mas agora é reabilitada. Como aconteceu com Jane Austen, seus romances são reavaliados e agora ela é considerada no mundo de língua inglesa um dos pilares da escrita moderna. Qual seu segredo?
   Ela tem o absorvente estilo do romance vitoriano, personagens críveis em cenários interessantes. Como em Jane Austen, tudo gira ao redor das relações de casamento, namoro e familia, mas isso é só a aparência. Austen mostra sutilmente que o dinheiro dirige o coração e George Eliot além disso coloca algo mais, o desconforto de não ser dono da própria vida. Há algo de muito inquietante aqui, as personagens, todas, vivem numa redoma de solidão. Basta ver: Daniel se sente mal em seu meio social e familiar, Gwen não se sente bem com homens e desconhece o amor, Mirah sofre a dor de ser segregada. Eliot toca em assuntos não tão comuns em seu tempo, preconceito religioso, desejo sexual e opressão feminina. 
   Ocasionalmente o romance periga desabar na doçura exagerada, mas ela consegue bravamente fugir disso e voltar a descrição da psicologia dos seus tipos, ao aprofundamento de suas intenções e de seus medos. Eles pensam e pensam muito. E erram por pensar sem saber. 
   São belas 600 páginas que nos levam ao centro de consciências românticas. George Eliot, ao contrário de Austen, não viveu num mundo romântico. Seus livros saem 50 anos após a onda que levou a Europa ao inferno e ao céu. Mas há uma herança romântica em seu livro. É como se todos fossem românticos, mas já vivendo em um mundo tragado pela técnica e pelo interesse. Todos eles nasceram já derrotados.
   George Eliot não. Ela venceu.

PSICOLOGIA E ALQUIMIA- CARL GUSTAV JUNG, NEM TANTO EXOTÉRICO ASSIM...

     Quando nossa razão se depara com alguma coisa irracional o medo nasce. E se essa irrazão não for logo domesticada e diminuída, para caber dentro de alguma gaveta classificatória, o medo vira pavor. Para lidar com a falta de razão da vida, alguns criam toda uma filosofia, outros mergulham numa religião e há quem se arvore dono da verdade última. O absurdo é que nossa inteligência tem limites óbvios e a vida escapa.
     Para lidar com o irracional Freud inventou toda uma rede de teorias e de postulados sem nenhuma chance de verificação empírica. Sua dificuldade em aceitar a validade da fé fez com que ele desse o nome de ciência a algo que nada tem de científico, antes sendo uma igreja. A psicanálise só pode funcionar se o paciente tiver fé na teoria e no pastor. Deverá se agarrar aos dois como um crente confia em seu pastor. Vendo de fora, nada prova a existência de complexo de Ëdipo, castração ou transferência. Espero que os doutores tenham desenvolvido e ido muito além da dupla Freud-Lacan. Do modo como eles postularam a coisa é pura vaidade pseudo-científica.
    O mesmo acontece com Jung. Sua teoria irá agradar a quem tiver a pré-disposição de o aceitar. Meu espírito ama o artístico, para esse tipo de gosto, Jung cai melhor que Freud, que nada entendia de criatividade. Mas nada no que ele escreve pode ser provado, então se dá o mesmo, tudo passa a ser uma questão de fé. Talvez a vantagem sobre Freud é que para Jung fé não é um palavrão. A fé é positiva, real, e pode ser considerada em igualdade com a ciência. O melhor em Jung é que ele nunca nega o óbvio, que seja, Deus existe, mesmo sendo uma criação maravilhosa da mente universal. Deus deve então ser sempre considerado, seja na mente, nos costumes e na história. O cristianismo formou a nossa sociedade, o modo como damos valor as coisas, o modo como agimos e como percebemos a vida. Formou nossa sociedade em termos ideais, pois o paganismo sempre irrompe como a grande força visceral do homem.
   Mas há um problema nisso tudo: o cristianismo jamais venceu o paganismo. Ser cristão sempre foi um ideal distante e a igreja, sabendo disso, da impossibilidade de se tornar cristão, espertamente, fez dois movimentos: simplificou e humanizou o cristianismo, e principalmente adaptou o impulso pagão a fé cristã.
   O livro, árduo, pois Jung, e ele sabia disso, escreve mal, Freud é muito melhor escritor, postula que dentro de nosso ser existe esse inconsciente pagão. Simplificando Jung, eu diria que é como se houvesse uma zona escura, no centro de nós, onde o fato de eu ser Paulo, brasileiro, vivendo em 2014, nada importa. Essa zona negra, inconsciente geral e universal, igual em todos nós desde sempre e para sempre, não reconhece tempo e espaço. Nela o eu nada é. O conflito se faz aí: um eu que luta para ser racional, educado e ter um ser-si-mesmo, e o inconsciente, escuro, insondável e que irrompe em momentos de extremo pavor. Ou de fulgurante encanto.
   Jung criou essa bela teoria observando símbolos comuns a todos os seres e todas as épocas. Costumes que se repetem, atos que se fazem sem um porque. Escrito antes da segunda-guerra, a teoria alcançaria popularidade máxima no pós-guerra. O nazismo, pagão e escuro, é a confirmação da teoria. Ou não.
   E a alquimia nisso?
   Alguns homens, antes filósofos, hoje artistas ou cientistas, sentem a proximidade do inconsciente. Vivem quase na fronteira. Para tentar entender o que os aflige, eles procuram penetrar e compreender essa área de sua alma. Alguns, talvez Blake, Dante, Picasso, conseguem entrar nessa região e retornar. Atente ao fato que não há como compartilhar essa experiência. Como falar de um mundo além do verbo?
   Os alquimistas eram homens que tentavam encontrar a chave do inconsciente via ação manual, ambiente e trabalho árduo. Misturando sangue e mercúrio, fervendo e destilando, lendo e lendo e lendo, mergulhando cada vez mais em seu inconsciente, eles acabavam por ter visões: a transformação do chumbo em ouro, a visita de um unicórnio, um anjo, o elixir da luz escura. Por volta de 1700 a razão divide a mente humana: de um lado a ciência e de outro a irrazão. A alquimia passa a ser chalatanismo, magia para se ganhar dinheiro. ( Algo parecido com aquilo que se tornou a astrologia antes e a igreja agora ).
   Recordo que aos 7 anos meu brinquedo favorito era um estojo de quimica. Eu me trancava no porão de casa e ficava todo o dia misturando cores. Vendo vapores. Sentindo cheiros. Meio tonto, a grande viagem da brincadeira não era tentar fazer aquilo que vinha no folheto de receitas do brinquedo, mas sim crer que seria possível criar um monstro, uma explosão ou uma coisa NOVA. Nesse movimento de mãos, mente e criatividade minha mente se deixava aumentar e a viagem começava: para dentro, sempre para dentro, em meu porão.
   É isso. É mais ou menos isso.

VIVER BEM É A MELHOR VINGANÇA- CALVIN TOMKINS

   A filosofia de Gerald Murphy era: As coisas da imaginação são o que importa na vida. A vida real, o que nos acontece nunca importa. São acidentes, são apenas dolorosos espinhos a atrapalhar a imaginação.
   Não discordo em nada. Só que no mundo que construimos o real cada vez mais atrapalha a imaginação. Para viver essa vida criativa é preciso ser artista, louco ou, como no caso de Murphy, muito, muito rico.
   É um livro que pode ser lido em duas horas. Fala de alguns verões na vida do casal Gerald e Sara Murphy. Não é uma bio, pois só se conta um certo momento da vida deles, mais ou menos entre 1922- 1932. Os dois, americanos, saem dos EUA e vão viver em Paris. Depois na Riviera. Não por serem artistas, mas por desejarem viver como se fossem. Sara é uma chique excêntrica. Se veste diferente. Gerald pinta. Veleja. E os dois fazem festas. E amigos. São simpáticos, felizes, livres e saudáveis. Os amigos? Cole Porter, Heminguay, John dos Passos, Picasso, Léger, Stravinsky e principalmente o casal Fitzgerald. A imagem de Scott Fitzgerald não é das melhores. Sempre querendo chamar a atenção, cego para tudo que não fosse seu ego, bastante desagradável com suas brincadeiras tolas de estudante secundário. Zelda não fica longe disso, uma lunática. Gerald Murphy preferia muito mais, como autor, a Heminguay, apesar de não ser seu íntimo.
  Entre villas, praias e champagne, Gerald pintou sete telas que antecipam a Pop Art, participou de momentos chave da época. Seu mote era a modernidade, o jovem, o ousado. Delicia de livrinho.
  PS: Gerald Murphy foi o cara que lançou a moda da blusa de marinheiro. Aquela blusa listrada, com mangas 3/4 que eu adoro! E que Picasso popularizou.

COPAS

   A tabela da Copa de 1970, dos cigarros Continental. Crianças, como eu, gostam do som das palavras e não do que elas significam. Assim como amam as cores e não o desenho. São duas sensibilidades que os artistas preservam e que os adultos perdem. Naquela tabela da Copa eu amava as palavras Bélgica e Suécia. Ficava fascinado com esses dois nomes. Essa a mais antiga lembrança de Copa que tenho.
   Então ela começou, e me recordo de que na TV em P/B, eu torcia por Pelé e não pelo Brasil. Estou no tapete em frente a TV e meus pais estão no sofá, atrás de mim. Lembro de meu pai falar após o gol dos tchecos: -Pronto! Acabou! Mas não acabou não papai! Jair marcou e eu recordo muito bem do momento em que vi esse gol. A luz clara da sala, os gritos nos vizinhos, minha mãe contente.
   Depois lembro do jogo com o Perú, visto na casa de minha madrinha, cheia de sol, no Brooklyn. E da final, num domingo quente. Jogaram espaguette na fachada da casa de um italiano.
   E o que mais me tocou foi uma festa junina feita no quintal de casa. A fogueira, o churrasco, o quentão, balões e meu pai na sala vendo Alemanha e Itália, o tal jogo do século. Eu ia espiar e voltava pro quintal. Picos de felicidade que só crianças podem ter. Porque eu ainda não sabia do tempo, da morte, das partidas e da injustiça.
   Salto para 1974 e o mundo é outro. Eu sou outro. 1974 é gibi. Homem Aranha e Superman. 1974 é rádio. E a copa. Lembro de uma repetição: Meu pai vê na sala Alemanha e Suécia, talvez o mais emocionante jogo daquela copa. Eu não. Eu corro no quintal com meu irmão. A gente jogava bola. Na chuva era melhor. Frio pacas! E a final, vista sem entender nada, uma sensação de que fora feita uma injustiça. Palavra nova que eu comecei a entender via futebol.
   1978 foi detestável ! O primeiro jogo vi na diretoria da escola. E a lembrança depois é da raiva de ver a Argentina ser conduzida ao título.
   E veio 1982. A mais bela das Copas. Não só pelo drama brasileiro, não só pela morte de uma era de modo de se ver o jogo, mas pelo sol da Espanha, por ser uma Copa com cara de férias, de Ibiza, de laranjas doces, de gente com cara de praia nos estádios. Foi linda.
  E daí pra frente já sou eu. E se sou eu as lembranças se fazem cotidianas, nitidas demais, sem mitologia.
  E voce como eu, sabe que sem mitologia o esporte vira apenas jogo. E nada mais.

SCHLESINGER/ POLLACK/ GILLIAN/ BOGEY/ TOM COURTNEY

   BILLY LIAR de John Schlesinger com Tom Courtney e Julie Christie
Assisti na Tv Cultura, talvez em 1978. Depois nunca mais. Lembrava apenas de Julie andando pelas ruas e de Tom mandando a avó calar a boca. Revi ontem. É um filme maravilhoso. Billy, feito de maneira absolutamente mágica pelo grande Tom Courtney, é um jovem sonhador. Mas não o tipo sonhador-poético. Ele é um sonhador covarde. Sonha acordado toda vez que surge alguma dificuldade. Sonha matar os pais, ser um grande general, um escritor, um duque de sangue azul... Sua vida é uma confusão. Faz um medíocre roubo em seu emprego, tem duas namoradas ridiculas, uma familia banal e vive em Newcastle. Sua única chance é Julie, em seu primeiro papel de estrela, uma garota livre, andarilha, que o convida para ir viver em Londres. Ele irá? O filme é de 1962 e vemos a Inglaterra prestes a pirar. Jovens entediados, reprimidos, doidos para viver em cidades demolidas, sujas. Penso no que seria de Billy dali a 5 anos. Doido de LSD? E a personagem de Julie? Morta? Schlesinger foi entre 1960 e 1976 um grande diretor. Depois se perdeu em projetos loucos e numa vida perdida em drugs. Ele filma livremente, criativamente, solto. É quase Nouvelle Vague, mas nunca perde o rumo do roteiro e jamais deixa de ser irônico. O filme é obrigatório. Consegue ser divertido e instigante. Billy é apaixonante. Nota DEZ!!!!
   A NOITE DOS DESESPERADOS de Sidney Pollack com Jane Fonda, Michael Sarrazin, Gig Young, Susannah York e Bruce Dern
Pauline Kael dizia que entre 1965/1977 os americanos iam ao cinema para serem deprimidos. Grandes hits terminavam sempre em dor, morte e falência total ( O Poderoso Chefão, Serpico, Butch Cassidy, Exorcista, Operação França e um etc sem fim ). Este filme, que muitos acham ser a obra prima de Pollack, é dos mais tristes. Miséria pra todo lado. Estamos em 1932, e acontece mais uma maratona de dança. Para quem não sabe, essa maratona era um tipo de Big Brother dos desesperados. Casais dançavam sem parar, por dias e dias, com intervalos de dez minutos a cada quatro horas. A coisa chegava a durar meses e era transmitida por rádio. Raras vezes o cinema mostrou gente sendo massacrada com tanta explicitude. Jane é uma suicida, Michael um ingênuo, York uma atriz falida e Dern um pai morto de fome. Gig Young ganhou o Oscar de ator coadjuvante fazendo o mestre de cerimônias, cínico, cruel e eficiente. O filme, como apontava Kael, não faz a menor concessão. É de uma melancolia tétrica. E é bom cinema. Tem ritmo, tem grandes atuações, tem interesse. E não envelheceu nada. Nota 7.
   AFTER THE THIN MAN de W.S.Van Dyke com William Powell, Myrna Loy e James Stewart
Em 1934 se lançou, baseado em Dashiel Hammett, The Thin Man. O sucesso fez com que dois anos depois se lançasse este filme. Mais cinco viriam. Mas em dois anos uma coisa mudou para pior, a censura. No primeiro Powell fazendo Nick Charles passava todo o filme bêbado e soltando piadas ácidas. Aqui ele quase não bebe e faz humor mais familiar. Mas o filme ainda é bom. O prazer em ver o casal Powell e Loy não tem fim. Como no outro filme, eles resolvem um caso de assassinato. Stewart antes de ser uma estrela está por perto. Asta, o cachorro rouba o show. Nota 6.
   COMBOIO PARA O LESTE de Lloyd Bacon com Humphrey Bogart e Raymond Massey
O tema é ótimo. Navios mercantes tentando cruzar o Atlântico rumo a Inglaterra na segunda-guerra. Bogey é o capitão de um navio. O filme é ok, mas nada especial. Nota 5.
   BRAZIL de Terry Gillian com Johathan Pryce, Bob Hoskins e Robert de Niro
Gillian fez parte do Monty Python. Ninguém pode lhe tirar esse mérito. Mas seus filmes são sempre decepcionantes. Nos anos 80 este filme foi chamado por críticos moderninhos de obra-prima kafkiana. Hoje tem o lugar que merece: esquecimento. Muito ruim. Nota ZERO.
   DAQUI A CEM ANOS de William Cameron Menzies
Baseado em HG Wells, este filme passou décadas esquecido e hoje, de volta em DVD, é reavaliado como obra-prima e considerado cult. Eu não gostei tanto. Fala de uma sociedade do futuro que vive em função da guerra. É frio, distante, não emociona. Nota 4

Billy Liar - UK Trailer



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UM PUNHADO DE GITANES- SYLVIE SIMMONS, A VIDA DE SERGE GAINSBOURG

   Quando o li pela primeira vez, em julho de 2005, adorei. Recém saído de uma relação, sedento por sexo, por esquecimento, passei a considerar Serge um ídolo. Mas o tempo passou e eu mudei com o tempo.
   Começando a ler o livro, penso: -Um francês bêbado, chato, suicida....tudo o que mais odeio!
   Quase desisto. Mas o livro é ok e continuo. E acabo gostando. Um pouco.
   Ninguém em nove anos assiste tantos filmes, lê tanto, estuda letras, muda de emprego 3 vezes, conhece putinhas, rainhas, bobos e doidos, atletas e nobres empobrecidos sem mudar. Nesse nove anos tomei porres colossais, amei mulheres frias, tive casos sujos e platonismos inconvincentes. E mais que tudo, envelheci. Muito. E como consolo me tornei um pretenso anglófilo. Imaginar-se vitoriano consola a solidão. E Serge?
   Não me interessa mais sua vida. A bebida e as mulheres...Jane Birkin. E daí? Mas nessa leitura quero saber da obra, da música. A história das gravações é o que de melhor há no texto. Sua música é melhor que sua vida e não o oposto.
   Ele era um timido que usava a bebida para se soltar. O cigarro era companhia fiel. Seu maior medo era o de ser abandonado. Na verdade ele nunca foi. As mulheres o abandonavam mas continuavam em sua vida. Como amigas presentes e atenciosas. Penso que Serge não era sexy, ele acendia seu instinto de proteção, de mãe. Acho que ele nunca pensou isso.
   Cèst tout.

A EVOLUÇÃO DE DARWIN É UM BARATO BICHO!

   Um dia um bando de peixes sentiu uma curiosidade imensa de ver o que havia lá fora. Só tinha um problema, lá fora não tinha água. Mesmo assim um deles disse: - Hey gente! Lá fora é mais legal ! E se foram terra adentro. Claro que cada passo levou uma eternidade e meia pra acontecer. Mas sabe como é, a evolução assim como o progresso capitalista é coisa irresistível e então através dessa força eles foram pra onde tinham que ir.
 Depois teve um pássaro que resolveu que semente de girassol era melhor que frutas polpudas. Mas seu bico servia só pra bicar a casca de mamão ou de banana. Mas, sabe como é, ele anunciou:- Hey gente! Semente de girassol é mais barata e tem mais vitamina E! Bem, alguns deles morreram de fome por se recusar a comer frutas tenras, mas com o tempo eles conseguiram encurvar o bico e comer girassol. A teimosia do papagaio é coisa séria!
 Então um macaco resolveu que ficar nas árvores era muito pouco cool. Os galhos davam assaduras na virilha e os MSG estavam enchendo o saco. Desceram pro chão e foram comidos pelos leões e pelas hienas. Desceram de novo e morreram de fome tentando comer capim. Do alto das árvores os chimpanzés riam deles: -Hey gente! Que idiotas! Hahahahahahah! Mas, agora cheios de teimosia, eles ergueram a coluna e conseguiram andar!!!! E foram engolidos pelos leopardos. Mas, um deles espalhou a noticia que comer carniça era muito in. E comeram os restos de uma zebra. Vomitaram uma semana e morreram de inanição. Mas com o tempo conseguiram engolir aquela carne podre e então, eureka! O cérebro cresceu!!!! Mas um grupo de lobos os engoliu vivos. Em meio a matança um deles teve tempo de dizer: Hey gente! Essa é a lei da selva!!!! Bem, o cérebro maior fez com que suas dores de cabeça aumentassem e então eles usaram o polegar para massagear a testa. 
  Um tempão depois esse povo cool usa tinta azul para pintar a unha do dedão e se vingou dos leopardos os extinguindo. A lei do progresso ainda manda e um povo in crê nesta fábula como se racional ela fosse. Bem, alguns dizem - Hey Gente! Um Deus criou gente de barro!!! Os caras cool riem, todos sabem que foi a evolução que fez com que os peixes desejassem andar!
 _Aliás, esse povo sabe que o próximo passo são os seres feitos de compostos de ferro e vivendo eternamente...Foi um loooongo caminho baby...

DO SENTIMENTO TRÁGICO DA VIDA- MIGUEL DE UNAMUNO

   O sentimento de tragédia nasce pelo fato de que a cabeça diz razão e a alma fala sentimento. Se a razão é cega para tudo o que não se mede, o sentimento precisa da razão para se expressar. Em termos, as maiores verdades não podem ser ditas, palavras não expressam sua força. O que sabemos mas não conseguimos sequer pensar, eis a maior das verdades.
  Este livro é árduo. Dificil. Unamuno assume o que todos sabem: a vida de mais sério tem a morte. Dois modos de viver: evitando pensar no fim. Ou crendo na vida eterna. No primeiro modo tudo perde relevância. Cada ato se faz futilidade pois não repercute, será imediatamente esquecido. Nada permanece, tudo é esquecimento. Unamuno diz que viver assim é impossível e que mesmo os que não acreditam na alma vivem como se tudo fosse continuar. Eis o consolo da história, dos filhos, da arte ou do conceito de clã. Houve uma sociedade assim: Roma dos césares, a mais materialista das sociedades. 
  No segundo modo tudo tem peso. Cada dia e cada ato irá ecoar por todo o sempre. Nada se perde, as coisas ficam, permanecem. A vida se torna grave, séria e trágica. Sentimentos, crises e nascimentos são eternos. 
  A razão reconhece o primeiro por ser ele calculável. O segundo a assusta por ser infinito.
  Talvez as mais belas páginas estejam no capítulo final. Unamuno defende a Espanha perante a Europa. A Europa, científica, apressada, fria e técnica contra a Espanha, que não é nem quer ser Europa, Espanha que é fascinada pela morte, que não reconhece o tempo, a pressa, o pragmatismo ou o trabalho. Espanha que salvou o catolicismo com a reforma, que descobriu continentes, que criou a figura do homem que crê e que faz da crença um mundo: o Quixote.
  Para Unamuno não importa se Deus existe. Importa querer que Ele exista. Viver na absoluta certeza é impossível. Todo crente duvida ou será apenas um fanático. Mas é preciso desejar Deus. Desejar que Ele seja possível.
  E com isso poder preservar aquilo que faz de nós seres à parte: a certeza da morte, a crença na alma e a ansia por eternidade. Pois o homem não se conforma com finais, com finitudes, com o ato em vão. Eis sua nobreza.
  Agir conforme essa crença, pesando consequências, eis sua moral.
É assim.

TEMPO

   Um amigo me fala de Leonardo Boff e resolvo ler seu blog. O primeiro post que leio já me toca. Tempo é o tema. A visão o tempo de Boff é a mesma que tenho. Tempo de relógio não existe. É tempo da razão, tempo que divide a vida em partículas artificiais. O sentido desse tempo serve apenas para nos aprisionar. Dentro desse tempo mecânico não pode haver felicidade. Nele mal cabe a alegria.
  O tempo existe, não se pode dizer que ele seja invenção humana e só humana. Os bichos vivem seu tempo. As coisas surgem dentro dele e com ele. Boff fala do Big Bang como um evento no tempo. Na verdade ele inaugura nosso tempo. Um milionésimo de segundo dentro do silêncio. Acaso?
  Minha alegria e minha liberdade sempre viveu no tempo natural. O tempo que reconhece dia e noite, inicio e fim. Calor e frio, chuva e sol. Boff conta que a igreja tenta fazer esse tempo sobreviver. Na igreja existe Natal e Pascoa, nascimento e morte. Tempo da Terra: melancia e uva, laranjas e cabritinhos. Plantar e colher, guardar e usufruir.
  O amor tem um tempo seu. Conhecer, conquistar, reconhecer, aceitar, unir e construir. A dor tem seu tempo: ver, revoltar-se, aceitar, afundar, renascer, crescer. O relogio diz que passou certo tempo. Mas o que ele diz nada significa. O que ele chama de longo pode ser curto para voce. E vice-versa. O que seu mecanismo diz significa apenas que o relogio andou. Ele andou. O tempo quem sabe?
  Cada ser tem seu modo de andar e de ser ao tempo.
  Respeite.

Pulp Fiction - Bruce Willis kills John Travolta



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Pulp Fiction - "Zed's Dead"



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VINTE ANOS DE PULP FICTION ( SIM, VI O PÂNICO ONTEM )

   Eu não sei se Pulp Fiction é o melhor filme dos últimos vinte anos, o que sei é que nenhum outro filme me deu tanto prazer.
 Lembro bem de quando o vi pela primeira vez. Foi em maio de 1995. Uma amiga me emprestou o filme e a trilha sonora. O impacto foi tão grande que me apaixonei por ela. Sim, pela menina. Desde a primeira cena até a última eu gozei um prazer que misturava esteticismo, humor, citações e amor ao cinema. Seus atores nunca mais foram os mesmos. Travolta, Jackson, Uma, Keitel, todos se tornaram ícones de um filme que passou a simbolizar uma geração, a minha. ( Bruce Willis passou ileso. De certo modo ele já era desde sempre o cara que fala "Zed is Dead")
 Diálogos do filme eram repetidos entre amigos, as músicas tocavam em festas, e assisti o filme 3 dias seguidos. Sempre com prazer. Cada vez maior. 
 Não sei se ele é o melhor porque me lembro de A Grande Beleza, Branca de Neve, os filmes dos irmãos Coen, me lembro de Todd Haynes, de Resnais, Cidade de Deus, e mesmo de Kill Bill. Mas eu tenho a certeza que já há quem olhe para o Oscar de 1995 e pense: O que???? Coração Valente venceu Tarantino? Ele é o nosso Citizen Kane.
 Porque tudo nele foi uma zebra. Ele passou em Cannes e causou espanto. Surpresa. Era um filme independente. Tarantino abriu caminho para uma onda de filmes jovens com ideias jovens. Onda que logo virou marola, mas que teve méritos enquanto durou. Produtores jogaram grana na mão de uma galera esperta na esperança de ter um novo Tarantino em produção. Nunca surgiu. Mas foi legal pacas.
 1994 foi um momento de TRANSIÇÃO no cinema. Antes de Matrix e antes dos X Men. Não havia a onda Marvel e nem a onda de efeitos exagerados. Um filme barato ainda podia render muita, muita grana. E Pulp Fiction ficou meses em cartaz. Não nos esqueçamos, John Travolta estava em baixa e Jackson era apenas um ator cult. Travolta, que adoro, teve a honra de fazer cenas icônicas para duas gerações, as cenas de Saturday Night Fever/ Grease e aqui. Hoje ele voltou a ser um ator "do passado". Mas é um cara que todo mundo que ama cinema respeita e tem carinho. É um grande cara. Neste filme ele está brilhante. Mas...quem não está? Há ator melhor que Samuel L. Jackson citando a bíblia? 
 No mundo de 2014 Tarantino é o Scorsese, o Eastwood e o Godard que nos resta. E não cito eles a toa. Pulp Fiction cita os três ( mais Leone, Woo, Hawks e uma porrada de filmes de Hong Kong ). Quentin é um nerd de cinema. Como eu. Ele ama o que faz e mais importante, tem prazer em filmar. Isso faz enorme diferença. Porque vivemos hoje a era de diretores que filmam como se estivessem em trabalho de parto. Ou em confissão numa igreja. Argh!
 Nos anos seguintes a 1994 virou moda falar que Tarantino era diretor de um filme só. Não quiseram ver que Jackie Brown era ótimo. Esperavam outro Pulp Fiction. Ora, jamais teremos outro Pulp como nunca veio outro Taxi Driver, outro Rio Bravo ou um novo Josey Wales. São filmes que espelham um momento do mundo e da vida de quem os escreve. São únicos. Quando Quentin lançou Kill Bill e afirmou para todos sua grandeza, provou que Pulp não era filho único, o momento já era outro e Kill Bill é filho deste século artificial. Virtual. 
 Pulp Fiction faz vinte anos e o mundo está completamente diferente. Em 1994 eu não tive como partilhar minhas impressões. O sucesso de Tarantino foi sem net. Nisso melhoramos. Adoro poder escrever aqui. Mas que filme feito em 2014 chega perto de seu poder? Da alegria jovem de uma descoberta? Da festa criativa que nos surpreendeu cena sobre cena? Cada tomada sendo uma aula de liberdade, de inventividade, de se ir sempre contra a expectativa. 
 Cada geração tem o filme que merece. Talvez esta tenha a tristeza dos filmes de Von Trier ou a cor fake dos filmes de Wes Anderson. Eu prefiro a viril auto-confiança de Quentin Tarantino.  Tenho orgulho de ser de sua fornada.