DIEGO COSTA E O QUE É SER UM PATRIOTA

   Com toda essa coisa do jogador que escolheu a Espanha vem a tona a questão do que é ser brasileiro hoje. Mais que isso, o porque de ninguém estar mais disposto a morrer e matar por um país. ( Mata-se por uma religião ou por vingança pessoal- Iraque, Palestina, Afeganistão...)
   Eu amo o que restou do meu bairro. E amo os valores e o estilo de vida que nele existiam. Não amo a cidade que hoje existe e muito menos o way of life paulistano. Jamais seria voluntário numa guerra por SP, muito menos pelo Brasil. Mas eu mataria e morreria para defender a Serra do Mar de fazendeiros e o mesmo faria por Butantã e Caxingui- de eles ainda existissem- e grifo essa questão.
   Estou lendo a bio de Robert Capa, e já adianto que é a melhor bio que li na vida. De todas as páginas eletrizantes, as melhores são aquelas sobre a guerra civil da Espanha. Morrer alegremente por um estilo de vida. Os homens morriam e matavam na absoluta certeza da missão cumprida, a defesa de seus antepassados e todo um sistema de valores. De seu chão. Hoje isso não mais existe. Vou defender uma cidade que não reconheço como minha? Um lugar que em nada lembra as ruas e lugares que eu amava? Eu já perdi essa guerra para o progresso. Gente estranha vive onde viviam meus amigos. A cidade esqueceu de minha passsagem, morreu para meus passos. Vou morrer pelo que não mais conheço?
   Eu seria voluntário para defender valores que me são vitais. Mas eles já foram perdidos. O que me resta é lutar pelo pouco que sinto ser meu. um animal, meu bairro, a Serra, uma praia.
   Ser brasileiro ou ser francês se torna assim um problema. Como vou lutar por Alphaville que nada tem a ver comigo? Me sinto em casa na Torre de Dona Chama, norte de Portugal, fronteira espanhola, mas me sinto um estrangeiro no Tatuapé. E antes que pensem em esnobismo, me sinto muito estrangeiro em Lisboa.
   Não me venham então falar em patriotismo. O jogador escolheu o lugar onde lhe deram valor. Ele defenderá seus amigos e sua familia, familia que hoje tem vida melhor graças a seu trabalho na Espanha. O que sua Sergipe natal lhe oferecu? Nada.
   Sou estrangeiro em Manaus, tanto como em Belgrado. Não gosto da comida, não gosto do clima e mal entendo a lingua. Mas conheço Miami mesmo sem ter ido lá. Gente como eu sente que New York e Londres são nossas. Mas essa New York e essa Londres deixou de existir lá por 1960. Paris faleceu, mas Roma é pra sempre. Eu lutaria pela Londres da Segunda-Guerra, lutaria contra Hitler, seria voluntário contra a escravidão. Daria tiros em navios que pescam baleias. Mas jamais mataria um argentino que lutasse contra o Brasil por uma questão de fronteira. Jamais.
   Minha pátria é onde se registra minha história. É onde vive quem eu amo. Lugares que me formaram. Cantos seguros. Onde eles estão?

COMENTANDO ARNALDO JABOR

   Arnaldo Jabor foi a Veneza e escreveu um texto ótimo. Ele fala de sua visita a museus por lá e depois a Bienal que acontece agora. Tintoretto, Picasso e os Zés de 2013. Jabor conclui que a arte perdeu o porque. Ela continua querendo chocar a tal classe média e conscientizar as massas. Mas, bem diz Jabor, expor um cavalo morto choca alguém? Diante de 10 minutos de qualquer telejornal, a arte consegue ainda mexer com as sensações e despertar indignação? Claro que não. Se a Primeira Guerra assassinou nosso otimismo e se Hitler destruiu nosso conforto, as Torres Gêmeas detonaram tudo aquilo que pode ser pensado em termos de "performance". O grande horror ao vivo em cores. Mas os artistas continuam nessa, tentando produzir horror, perturbação, choque. Pra que? Já estamos horrorizados. A Grande arte seria conseguir sair desse horror sem ser irônico ou criançola. Como? Cabe aos senhores artistas fazer. Se conseguirem.
   Jabor fala da profunda coragem e alegria que havia em Picasso ou em Pollock. Que mesmo ao retratar pesadelos e dor percebíamos a fé na arte, uma esperança no futuro, a certeza em si-mesmo. Estranho esse texto me lembrar disso. A alegria misturada a dor. Tesão puro pelo ato criativo. Exatamente o oposto da depressão. Um desespero por fazer, excesso de energia. Urgência, isso era a arte até a Pop Art. E agora?
   Fácil levar esse pensamento ao cinema. Bergman é a dor bruta e a falta de sentido. Mas ele ainda crê na beleza, na mulher, e em si-mesmo. Assim como Dreyer ou Tarkovski, na aridez e no desespero se encontra a poesia ou a chance de transformação. Mas o que temos agora? Dor que virou maneirismo, dor pela dor, cenas para chocar, a verdade da violência, sangue, taras, neuras e sexo mecânico...Bullshit! Tudo uma grande brochada de artistinhas que nada têm a dizer. Filmes que são lixo mas que todo crítico faz força para gostar, pois atacar esse cinema "consciente e real"seria confessar seu direitismo ou sua falta de consciência. Pois eu repito, tudo Bullshit! Arte antes de tudo é habilidade em fazer, coisa que está muito em falta nas telas, seja em galerias seja em salas de cinema. Tudo tem de ser dark, pesado e doente, para assim poder ser relevante. Relevantinho seria melhor dizer. Na verdade é um modo de disfarçar uma terrível falta de assunto.
   Nessa vontade burra de chocar, a arte perde cada vez mais relevância. Pois diante da noticia de uma criança assassinada ou das cenas de uma explosão terrorista, nada pode parecer mais dark, soturno ou cruel que a tela da TV. Todos sabemos da realidade, a arte deve nos exibir algo mais, algo diferente, vivo, original, transformador. Como fez um dia Michelangelo. Ou Picasso.
   Onde?

UMA RESPOSTA A QUEM NÃO GOSTOU DE MEU TEXTO SOBRE LOU REED ( E SIM, SOU UMA CONTRADIÇÃO )

   Escrevem dizendo da influência nefasta do Velvet e de Lou Reed sobre o rock. De que assim como Dylan, eles estragaram o rock ao deixá-lo pretensioso. OK. Vou deixar as coisas claras.
   Adoro todos os discos do Velvet Underground, menos a faixa All Tomorrow Parties. E de Lou penso que Transformer é imbatível. E gosto pacas de New York, Songs for Drella e bastante de Coney Island Baby e de algumas músicas de álbuns diversos. E concordo, a influência deles é nefasta. A primeira leva de influenciados ( Bowie, Roxy, Iggy ) é genial, mas a partir do Television a coisa começa a ficar hiper deprê. Basta dizer que na década de 80 os Velvets eram considerados maiores que Stones ou Who e tão fundamentais como Beatles. Não por acaso é a década da depressão. 99% das bandas influenciadas por Lou que citei estão longe de minha preferência. Como acontece com o Led Zeppelin, outro ícone que deixou nefasta herança, Lou não tem culpa por seus filhotes. A turma dos desesperados soturnos que vá se curar.
   Mudei nesses anos. Após passar meu desbunde pelo Velvet revalorizei a black music e lembrei de dançar. E prefiro hoje ser um hippie utópico que um niilista inutil. Conheci bandas como Love, Flying Burrito, Soft Machine, The Band, que são tão boas e tão influentes ( o The Band mais ) que os Velvet. Claro que sem o chique citadino glam dos Velvet...
   Meu amor e minha tristeza é pelo cara que esteve no Velvet e fez Transformer ( que é tão de Bowie e Mick Ronson e Tony Visconti quanto de Lou ). Quanto ao  fato de Lou Reed ser um sacana ruim invejoso e mau...So what?
   Falei.

UMA CARTA PARA LOU

   Eu nunca consegui ser Mick Jagger. Nem mesmo Rod Stewart ou Iggy Pop. Mas voce Lou Reed me revelou que eu podia ser o que eu era. Uma fauna havia pelas ruas. E o lance era saber ver/ saber olhar. E todo mundo nascia, todo mundo um dia ia morrer, mas muito pouca gente vivia. Naquele tempo o Paulinho Boca de Cantor cantava "Quando eu pirar pra lá de Lou Reed". Mas voce nunca pirou! Sua esquisitice, que era muita, estava sempre sob controle. Sua estirpe era a de gente como Bogey. Frio debaixo de uma enorme pressão. Aliás na real voce não tem canções confessionais. Escreve como autor de livro policial. Conta um conto, voce estava nas entrelinhas.
   Diziam que voce era um chato. Marrento, vaidoso. E daí? Quem não é? Uma riqueza interior imensa dá de troco uma dificuldade em ser e estar. Caramba Cara! Gente como voce devia viver pra sempre! Mas talvez a coisa já estivesse concluída. Como diz o Bardo "Devemos uma Morte para a Vida." Voce pagou sua dívida ontem.
   A Factory....o sonho/pesadelo de todo artista destes tempos frios. Usina de produtos que eram arte-empacotada como ironia ao mundo. E a trilha sonora era sua. Viva, Dalessandro, Andy, Jim, John, Nico, Mary, Stirling, Maureen, Paul.... Moda, imagem, parecer ser, ser ao parecer, a imagem como fim...Voces inventaram o mundo das virtualidades, Parecer sendo mais importante que Ser. POP.
   Como alguém como voce morre? A serenidade terá vindo? A nova sensação? O anjo secreto do fim? Ou foi a escuridão suprema e vencedora? Andy está aí? Quando Bowie irá?
   Eu larguei as ruas Lou. Elas se fizeram cinzas. Não têm mais o compromisso do preto. É um tempo de ocres, de pastéis. Tudo o que Rauschemberg não queria. Por falar nisso, já achou Keith e Basquiat por aí? O céu é grafitado? Ele tem um Wild Side?
   Sinto sua falta.
   PS. Agora para nós que ficamos faz mais sentido cantar Satellite of Love.
   Amor, Tony Roxy.

A Walk On The Wild Side



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LOU REED, MEU HERÓI

   Todo mundo morre baby, alguns não vivem. Oh God, Lou Reed também morreu!
   A história de Lou em minha vida está toda viva em minha memória. Isso porque eu o conheci já aos 18 anos. Até então, naquele mundo sem internet, eu vira fotos de Lou e sabia do Velvet, mas não tivera a chance de ouvir. Então, em 1981, eu e meu irmão compramos no Museu do Disco, sábado de noite, no Iguatemi, White Light/White Heat. Eu era então um fã de Hendrix, Stones, Traffic, meu irmão, mais antenado, era de Clash, Police e B`52`s. Nossos gostos não batiam. Mas o Velvet nos uniu. Porque aquilo era arte, mas também era punk. Era muito simples, e também muito sofisticado. E tinha a arrogância corajosa do verdadeiro talento. Minha vida mudou naquela noite. Lembro de ter criado em minha cabeça a ideia de que ser um maldito podia ser bom. Comecei a me vestir de preto, e o principal, nada mais me parecia louco o bastante. Perto do lado 2 deste disco, tudo parecia pop. Tive viagens memoráveis ouvindo o disco inteiro, noite após noite. E o melhor de tudo, nada era menos hippie que Lou. E súbito eu me fiz um anti-hippie. Um mundo de arte avant-garde se abriu para mim. O Velvet ia do dadaísmo a arte-pop, de John Cage a Stockhausen. Perto deles os Stones eram castos, os Beatles hiper-conservadores e Zappa um chato.
   Esse meu desabrochar ingênuo me levou a bad trips e a um tipo de niilismo insuportável. Mas logo passou. E então descobri Transformer e o que era bom ficou melhor.
   Nestes anos de Trombone com Vara devo ter falado duas vezes de "melhor disco da história". Dei esse título a Low de Bowie e me contradisse ao lembrar de Exile on Main Street dos Stones. O mais constante em meu coração é Transformer, porque ele mistura os dois, Low e Exile, e ainda oferece algo mais. A ironia glitter. O disco tem rocknroll como Exile, guitarras rascantes e razantes como Keith, mas também tem aquela coisa fria e sob controle de Bowie e o som chique, limpo, sexy e noturno que Lou desenvolveu na época. De Vicious até Good Night Ladies, tudo lá é arte, é rock, é glam e é ironia. A capa de Mick Rock, a guitarra de Mick Ronson, os backing vocals de Bowie, tudo é superlativo. Como diria Ezequiel Neves, "descaralhante"!
   Foi o disco que abriu o caminho para o nascimento de minha persona TONY ROXY. As noites no Satã, vodka e lixo, eram Transformer.
   Falar dos filhos do Velvet e de Lou? Quantas laudas? De Television a Joy Division, de Cars a Roxy Music, de Smashing Pumpkins a Talking Heads, Cowboy Junkies e Echo, Jesus and Mary Chain, Ultravox, Suede...Bandas de preto, moços contidos e cool, baladas com sons desafinados, barulho, confusão, escuro, niilismo e poesia, muito noise...Sonic Youth, Pixies....
   Meus amigos sempre piravam quando eu lhes tocava The Gift ou Waiting from my Man...ou viravam fãs ou abominavam. Mas nunca a indiferença. Mal eu sabia que a reação era a mesma em todo o mundo. E que, como disse um repórter da Rolling Stone em 1981, pareceu sempre que os poucos caras que ouviam Velvet Underground montavam sempre uma banda. Porque Lou nos liberava, fazia com que a gente botasse tudo pra fora, pirasse a caísse na estrada.
   Lou agora foi pro céu de Rimbaud, de Poe e de Leadbelly. 
   E a gente fica aqui. Waiting From My Man... 
  



Velvet Underground - I´m Waiting For The Man



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BEATLES

   Chapante esse doc sobre os Beatles que postei abaixo.
Veja!

Beatles Stories (Doc)-parte 1



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PETER JACKSON/ A BELA ADORMECIDA/ ISABELLE HUPPERT/ WC FIELDS/ JOHNNY DEPP

   INFERNO NO FAROESTE de Roel Reiné com Mickey Rourke, Danny Trejo e Anthony Michael Hall
Talvez seja o pior filme deste século. Uma gororoba que mistura western, inferno, muitos palavrões e aquela coisa de macho que só Peckimpah e Tarantino conseguem fazer. Rourke joga sua carreira no lixo pela segunda vez. Faz o papel do Demo. O filme tem acordes de guitarra mexicana, milhôes de cortes por minuto e mulheres bonitas com cara de 2013 em pleno século XIX. ZEEEEEEROOOOOOO!
  UMA AMOR TÃO FRÁGIL de Claude Goretta com Isabelle Huppert
Uma menina tímida vai passar férias na Normandia com uma amiga. Lá ela conhece um estudante. Namoram. Mas tudo dá errado. Isabelle Huppert, muito jovem, aparentando ter 15 anos, está em casa, faz aquele tipo triste e isolado que se tornaria sua especialidade. Gordinha, ela tem cenas de nú simples e naturais. Foi aqui que ela se revelou. O filme é bonitinho e pode dar tédio. O suiço Goretta desapareceu nos anos 80. Nota 5.
   MADRE JOANA DOS ANJOS de Jerzy Kawalerowicz
É considerado um clássico do cinema polonês. Na época medieval, um jovem padre vai exorcizar um grupo de freiras que foram possuídas por Satã. Ele deve se mudar para o convento e as salvar. O diretor usa a técnica de Dreyer, crê no que mostra, as imagens se tornam quase documentais, belas de tão austeras. Voce não tem escolha, ou fica bocejando ou embarca fundo naquele mundo de horror. Nota 6.
   THE LONE RANGER de Gore Verbinski com Johnny Depp, Armie Hammer e Tom Wilkinson
Gore Verbinski fez O Ratinho Encrenqueiro. E apesar de seus sucessos com O Pirata do Caribe e que tais, O Ratinho é seu melhor filme. Porque Gore nasceu para fazer cartoon e isso fica provado aqui. Massacrado pelos críticos, injustamente, este é um bom filme se for visto como um cartoon. E cartoon, quando bom, é uma maravilha. Este não é um bom cartoon, é um cartoon ok. Mas nunca é chato. Diverte e até faz rir. Porque fracassou? Por ser um western. E também por ter um herói fraco. Indeciso. Cheio de boas piadas, luminoso e simpático, pode ver numa tarde de verão que vale a pena. Críticos? Estão cada vez mais rancorosos e distantes do público. Precisam voltar a ver Hawks e Sturges. Nota 6.
   A FROTA DE PRATA de Vernon Sewell e Gordon Wellesley com Ralph Richardson
Feito durante s segunda-guerra e produzido por Michael Powell, tem o grande Richardson como dono de um estaleiro holandês que fabrica submarinos para os nazistas. Na verdade ele os sabota. Eletrizante, cheio de suspense, o filme é simples, patriótico no ponto exato. Pouco conhecido, devemos so dvd o seu resgate. Eis o bom lado da tecnologia, sem o dvd como alguém descobriria esta pequena jóia? Para quem não sabe, Ralph Richardson foi o primeiro ator inglês a receber o título de Sir. Era um tempo em que esse título valia ainda muita coisa. Hoje até cozinheiros viram Sir. Nota 7.
   IT'S A GIFT de Norman Z. McLeod com W.C.Fields
O grande Fields! O humorista que a América adorava odiar... O gorducho ranzinza que odeia crianças, mulheres e cães...Aqui ele recebe uma herança e compra uma plantação de laranjas. O filme, anárquico, mostra seu cotidiano infernal e depois a ida à Califórnia. As cenas na estrada e uma outra onde ele tenta dormir na varanda são geniais. Junto a Buster Keaton e aos Irmãos Marx, Fields reina. Nota 7.
   FÉRIAS FRUSTRADAS de Harold Ramis com Chevy Chase, Beverly D'Angelo e John Candy
Acho que todos já viram...aquele filme da família babaca que viaja de carro para um parque de diversões e tudo dá errado. Feito em 1983, tem piadas que hoje seriam censuradas ( a do cachorro e a da velha que morre ). Não é mais tão engraçado, mas tem seus momentos. Principalmente a inesquecível corrida aos brinquedos ao som de Chariots of Fire. Nota 5.
   O SENHOR DOS ANÉIS de Peter Jackson
É um grande filme, uma grande diversão e uma maravilha para se olhar. O elenco tem pontos muito altos ( Viggo Mortensen, Ian McKellen, Andy Serkis ) e alguns falhos ( Orlando Bloom ). Mas no geral ele merece todo seu sucesso. Tocou em algo muito querido e necessário do público, a necessidade de heroísmo. Peter Jackson conseguiu orquestrar a história complexa e jamais deixa nada solto ou sem direção precisa. É um trabalho digno de David Lean ( mas não de Kurosawa, que fazia épicos mais crispados ). Jackson consegue fazer um épico possível para o público de hoje, tem a beleza e a calma de Lean com a ação e a produção fantasiosa de agora. Ele jamais corre demais e nunca apela. Nada de câmera rodopiante, cortes demais ou vísceras sanguinolentas. Jackson narra o livro e vence sempre. O principal é: mergulhamos naquele universo. Quando a saga termina queremos mais. Nota DEZ.
   A BELA ADORMECIDA  de Walt Disney
Nos extras ouvimos comentários de John Lasseter. É o longa que modificou a Disney. E até hoje é exemplo de animação e de cenários. Cada fotograma é uma pintura medieval. Há muito para se olhar, cores deslumbrantes e detalhes que nunca terminam. Levou 6 anos para ficar pronto e toda criança que o viu em tela grande nunca esqueceu. Talvez seja o último dos grandes desenhos da Disney pré-O Rei Leão. Um absurdo em detalhismo e cuidado. Nota DEZ.

SOBRE BIOGRAFIAS CENSURADAS, BEAGLES E BLOCS PRETOS

   Deve ser dificil ter 70 anos.Principalmente quando voce foi símbolo da juventude. Mais dificil ainda deve ser passar mais de 50 anos tomando whisky e jogando bola no sol. Cercado de puxa-sacos. A cabeça do Chico deve estar uma zona. Todo mundo sabe que gosto de Gil e que alguns discos do Caetano acho muito jóia rara. Mas a cabeça deles, por culpa de outros produtos, tipo azeite de dendê, também está pra lá de Marrakesh. E então eles, numa típica confusão que mistura preguiça, medo e amizade, resolvem ouvir o que Roberto Carlos tem a dizer...Qualquer um sabe que Roberto bota Elvis Presley e Michael Jackson no chinelo. Vive em Zanzibar faz tempo. Fique claro, eu adoro Roberto Carlos. Adoro sua voz e algumas múiscas que ele fez lá por 1970 são obras-primas do pop alto nível. Mas ele é um zumbi hoje. E vive num mundo de puxa-sacos e esotéricos freaks também. Eles querem censurar suas biografias? Não sejam tão duros com eles! Ignorem os vovôs. A verdadeira vilã se chama Paula...
   Quanto aos beagles...Isso é a marcha da história baby. Não venham me chamar de racista pelo que vou falar. Uso o exemplo dos escravos e esses escravos podem ser brancos e amarelos também. Todos temos antepassados escravos, escravos dos gregos, dos celtas, dos romanos, dos chineses...O que digo é que daqui a cem anos nossos descendentes acharão tão revoltante o modo como tratamos os bichos como achamos a escravidão hoje. É o caminho natural. Irão olhar nossos matadouros com horror e pensarão "Como a gente de 2013 podia aceitar isso?" O cômico, e esperado, é que assim como os escravocatas usavam o motivo econômico como fato que devia manter a escravidão, falavam que libertar os negros deixaria o país falido, os anti-beagles falam que prescindir de bichos atrasaria a ciência. Ora! Pura preguiça! O Brasil, como foi no caso da escravidão, está ainda um século atrasado. Os animais terão direitos reconhecidos. Esse é o futuro, nossos netos irão ver e nos criticarão por nossa demora.
   Quanto aos black-blocs, eles são a torcida organizada das ruas. Sujam a moral onde botam as patas.
   E é só.

O SENHOR DOS ANÉIS COMPREENDIDO

   Para os gnósticos a Terra é um campo de batalha. O Mal, presente em toda a matéria, é combatido o tempo todo pelo bem, presente no espírito. Egoísmo, crueldade, desejo de poder, ambição, esses os componentes do mal. Coragem, honra, auto-sacrifício, espírito de grupo, esses são os dons com que se combate esse mal. A Guerra acontece, desde sempre e sem tréguas, na Alma de cada Homem.
   Chesterton, com seus amigos C.S.Lewis e Tolkien, fez parte no começo do século XX do movimento de resgate do cristianismo primitivo, corrente essa que tem muito do gnosticismo herege. Quando assisti pela primeira vez a saga do Anel eu nada sabia. Para mim se tratava apenas de mais um pastiche que misturava Star Wars com Excalibur de John Boorman. Eu não sabia que Excalibur e Star Wars é que derivavam de Tolkien. E que Tolkien fazia tamanho sucesso por intuitivamente ir ao cerne de uma necessidade humana: Transcendência.
   Você pode sentir Transcendência em graus variáveis. A maioria passa pela vida sem repetir mais de uma vez. E a primeira é sempre na infância pré-linguagem. Você pode procurar, inconscientemente, essa sensação em filmes, na visão do cosmos, em música ou numa droga. Em viagens de aventura, no Amor, ou até mesmo no sexo ( talvez a forma mais procurada hoje e uma das mais falíveis ). Saiba que por mais material que essa busca seja, o fundo é sempre o mesmo: Liberação do fluxo da vida, livre fluir das imagens e dos sentimentos do espírito, uso de toda a potencialidade que todos sentimos ter. Sim, a religião sempre se propôs a dar essa transcendência. As Igrejas, são a droga sintética dessa busca. Não há receita, não há regra. Cada um que ache seu caminho. O fim é o mesmo: o Bem.
   A Saga do Anel fala disso. Frodo carrega ( como Cristo ), o Mal do Mundo nas costas. Recebe uma missão não desejada, sofre tentações, dúvidas, quase desiste. Mas ele é Bom. E seus discípulos o ajudam.
   Peter Jackson conseguiu fazer um filme cheio de conteúdo e ao mesmo tempo cheio de ação. É uma saga digna de David Lean. Filosófica e com um senso de beleza maravilhoso. E o principal, a obra atingiu em cheio uma necessidade do público, e quando isso ocorre temos o fenômeno, o filme que consegue atingir crianças, adultos, analfabetos e cultos, homens e mulheres. Para quem busca profundidade em filmes filipinos, dinmarqueses ou mexicanos, eis aqui o cinema pop em alto grau cultural. Há muito mais o que pensar e discutir aqui que em toda a obra daquele geniozinho óbvio e plagiador.
   O mal em nós junta hordas escuras e procura fazer de sombra tudo o que nos é mais caro. Cabe a cada um unir forças e os combater. Creia, a luz existe e ela é aquilo que chamamos de inspiração, fé, criatividade, transcendência.

O SENHOR DOS ANÉIS SOB A VISÃO DE UM MEDROSO

  Medo. Esse é um sentimento que conheço bem demais. Medo de morrer, medo de mudar. Amores controláveis, drogas sem perigo, criatividade sob restrição. Medo de perder o controle, medo de pirar, medo de deixar de ser o que se é. Medo de não voltar pra onde estou seguro. Isso posto...
  Lutaram por mim. Foi pela familia, pelo clã, pela fé e pela nação. Coisa conservadora essa, não é? Mas foi assim. Guerras que viraram o rumo da história e que me fizeram ser quem sou, conhecer o que sei. Guerras que preservaram um mundo e aniquilaram um outro. E eu sou a consequência disso tudo. Se os persas tivessem vencido os atenienses...se os mouros tivessem destruído o cristianismo....se Roma perdesse de Cartago...se Hitler tivesse vencido....se a América tivesse sido colonizada pelos vikings...eu não existiria. E nem voce. E quase tudo aquilo que amamos.
   Portanto respeite aqueles que morreram por voce. Isso posto...
   Tenho aniquilado meu medo. E percebo afinal que meu inconsciente quer o meu bem. Mesmo que de um modo que seja um segredo. Um sussurro. Mais que isso, percebo que essa é a grande jornada, para dentro e para fora, ao mesmo tempo e refletindo um no outro. Sabendo que o encontro é sempre assustador. Sabendo que após o medo nasce a verdade e depois a luz. O bem. Lutar pelo bem, pois ele precisa de nossa luta. O mal vive por si-mesmo.
   A idade-média é a época do dominio do insconsciente sobre a razão. Mistura que bem conheço, mistura de medo, glória, luta, miséria e maravilhas. Dentro de nós tudo ainda é medieval. Creio que ainda será por muito tempo.
   Então a razão nega esse tempo. Ignora. Teme. E sempre volta a ele.
   E eu sempre amei tudo o que sou e tenho medo. Meus medos são minhas guias para o que amo de verdade. Posto tudo isso....
   O filme de Peter Jackson e de Tolkien é sobre isso tudo.
   maravilhoso.

O SIMBOLISMO NA ARTE E A RUPTURA ENTRE DOIS UNIVERSOS- ANIELA JAFFE

   Cada época recebe sua dose de liberdade, e nem mesmo o mais criativo dos artistas pode transpor esse limite. Frase de Kandinsky. Ele, o homem que criou a arte abstrata, arte livre que só poderia ter sido criada em seu tempo ( 1910 ) e que antecipou a primeira guerra em quatro anos. Pois todo grande artista é arauto de seu tempo. Ele revela o espírito inconsciente que rege a história. E o que Kandinsky nos disse? Ele exibiu a divisão que passou a vigorar desde então. De um lado a arte realista, toda fincada na solidez da matéria, na realidade unilateral dos sentidos, e do outro lado a arte do inconsciente, toda voltada para simbolos, para a realidade não aparente, busca de verdades misticas, miticas e atemporais. Se até o século XIX ainda se podia encontrar arte realista misturada a arte simbólica ( Cézanne, Gauguin, Turner ), agora a divisão se faz absoluta. Como diz Jung, a ruptura moderna entre mundo exterior e inconsciente se torna abismal.
   Jackson Pollock irá levar isso aos limites do transe. Seus quadros dispensam a consciência, pintura feita em delirio. Estranha e maravilhosa coincidência, as pinturas produzidas pela alma de Pollock são idênticas aos intrincados labirintos da matéria mais microscópica. Na arte abstrata os limites são sempre o infinitamente pequeno e o cosmos em seus limites. Seria nossa mente um espelho do universo?
   O fascínio e o desprezo que a arte abstrata desperta na maioria das pessoas, liga-se muito ao fascínio e ao medo que o inconsciente produz. Há quem olhe para Klee e nada consiga sentir. Como uma porta fechada, suas imagens perturbadoramente simbólicas e arcaicas podem ofender e provocar risos, medo e incompreensão, cegueira, ou a sensação de aventura, que é seu maior tesouro. Klee foi o pintor moderno que mais chegou longe. Seus quadros conseguem fazer o caminho ideal, a consciência conseguindo construir uma ponte segura até o inconsciente. Klee traz de dentro de sua mente as imagens mais básicas do que seja humano. Imagens da grande mente do universo.
   Ao mesmo tempo Marcel Duchamp percebe a dignidade, o espírito, a fala nobre do objeto inanimado. Duchamp salva o objeto desprezado do lixo onde ele estava e o investe do poder espiritual de um tótem. Magicamente ele dá ao lixo o estado de sagrado. A mensagem é clara, Duchamp ao abrir as portas de sua cabeça percebe a vida como condição do mundo. Investe de dignidade a tudo. Garrafas, urinois ou trapos, tudo pode e deve ser vivo. Mas a guerra que chega faz o movimento contrário. Transforma a vida em lixo. Rouba a dignidade do mundo. E cria a grande cisão entre os universos. A dualidade do consciente e do inconsciente, do sólido e do abstrato, da matéria e da alma. Desde então a união se tornou quase impossível.
   Alguns insistem. Schwitters faz uma catedral de lixo. Recolhe papel e latas e constrói uma catedral de 3 andares. Mas agora a abstração tem ares de desespero. De um lado a tristeza e a falta de sentido de um mundo em que só o que é material existe. Onde a vida se torna máquina de repetições previstas. E de outro o espírito acossado pela inutilidade aparente de suas palavras. Como protesto a alma se radicaliza. Pollock pinta sem uso da intenção, é puro inconsciente. O acidental se faz arte. A droga pinta e canta.
   Marc Chagall conserva sua fé. Como fala Sir Herbert Read, Chagall jamais tirou um dos pés da sua infância, da pureza de sua aldeia, das histórias de sua familia, dos sonhos de sua comunidade. Read está certo. Como comentou Jung, Chagall conseguiu manter sempre a união equilibrada entre os dois pólos, ego e inconsciente, matéria e alma. O grande trauma do ocidente, a morte de Deus, nunca o preocupou. Daí a felicidade presente em suas obras. Quadros onde tudo é muito real e ao mesmo tempo onírico. Sem o desespero de Pollock, Chagall conseguiu fazer a alma falar e pintar.
   O grande teórico sempre foi Kandinsky. Eis sua fala..."A importância de todas as grandes obras não repousa nas suas imagens, na superficie, mas sim na raiz das raízes. No conteúdo místico da arte." E ele ainda diz..."O olho do artista deveria estar sempre voltado para seu interior, e seu ouvido para sua voz íntima. Esse é o único modo de dar expressão ao que a via mística pede". Kandinsky descrevia seus quadros como uma visão espiritual do cosmos. Música de esferas, harmonia de cores e de formas.
   Paul Klee, talvez meu artista favorito, acrescentava que essa visão mística só será válida se for construída com alguma estrutura. Eis aí a colaboração entre consciência e inconsciência. "'E missão do artista penetrar o mais fundo possível naquele âmago secreto onde uma lei primitiva sustenta seu crescimento. Que artista não desejaria habitar a fonte central do espaço-tempo? Esteja ele situado no cérebro ou no coração da criação, é de onde todas as funções extraem a seiva vital que as sustenta. Coração a palpitar, somos levados cada vez mais para baixo, em direção a fonte primordial. O ventre da natureza, a chave secreta de todas as coisas".
   Essas palavras são de Paul Klee e nunca li nada melhor sobre a ansiedade criativa, a aventura que acomete todo o artista verdadeiro. O confronto com perigos, lugares sem nome. Anjos e risos de deboche. A aventura de nascer.

O AMOR E MARC CHAGALL

   Quando a vida diminuir e o tempo parecer te apertar meu amor, e as coisas parecerem sólidas demais, pesadas e mortas, Olhe para Marc Chagall e renasça. Veja que tudo voa e o Amor vem, sempre vem.
    Lembra da mensagem que todo bicho pode dar, lembra da cidade azul, relembre de nosso dom.
    Chagall nunca fechou a porta, nunca dividiu sua alma em duas, nunca rompeu com nada do que era dele mesmo. Ele sabia ouvir e sabia olhar. Entendia os sinais. E voava.
    Quando voce sentir medo, amor, olhe para o galo, a cabra, a vaquinha que voa...e saiba então de onde surge a palavra Deus.

Marc Chagall & l'Amour



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Helen Mirren on Vasily Kandinsky



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Coming Home (1978) - Ending



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COMING HOME( AMARGO REGRESSO )/ DINNER AT 8/ HENRY KING/ DEL TORO/ DON SIEGEL/ MEL BROOKS

   AMARGO REGRESSO de Hal Ashby com Jon Voight, Jane Fonda, Bruce Dern
Parece que Dern vai ganhar seu Oscar em 2014. É ator que trabalhou com Hawks e com Hitchcock. Mas seu filme favorito é este. Feito em 1978, deu a Dern indicação a Oscar de coadjuvante. Perdeu. Mas Voight e Jane ganharam. O filme é muito forte e amargo. Fala daqueles que voltaram do Vietnã. Jane vai trabalhar num hospital e lá se enamora de Voight, um sargento que voltou paraplégico. Há uma cena de sexo belíssima! O drama nunca cai em tédio. E o discurso final de Voight é brilhante. Todo elenco está sublime, Dern chega a dar medo, faz um direitista que pira. Os internos do hospital são ex-soldados de verdade. Talvez seja o melhor filme do grande Ashby, um dos diretores mais influentes de hoje. Nota 8.
   OPERAÇÃO SAN GENARO de Dino Risi com Nino Manfredi e Senta Berger
Tem coisa pior que comédia sem graça? Nota ZERO.
   O LEQUE DE LADY WINDERMERE de Otto Preminger com Jeanne Crain, George Sanders
Saiu numa coleção da Folha. Falta de critério! O filme é ruim. Fico imaginando o neófito, aquele cara que tem preconceito contra "filme velho" e que resolve pegar este na banca. Que mal! Todos os seus preconceitos serão reforçados. De Oscar Wilde nada restou. Fuja!
   THE KILLERS de Don Siegel com Lee Marvin, Angie Dickinson, Clu Gullager e Ronald Reagan
O inventor de Dirty Harry dirige este belo filme bastante Tarantinesco. Para quem conhece o conto de Heminguay, nada a ver. É sempre um prazer ver Lee Marvin! Que ator soberbo! O assassino frio nato! Este filme tem um final clássico. Nota 7.
   EPOPÉIA DO JAZZ de Henry King com Tyrone Power, Alice Faye e Don Ameche
Excelente diversão! A hstória de um maestro com pretensões sérias que vira band-leader de jazz e atinge a fortuna. O filme é alegre, exuberante, uma típica produção classe A dos anos 30. King foi rei da Fox por mais de 40 anos. Profissional, seu senso de ritmo ainda impressiona. Nota 8.
   ALTA ANSIEDADE, BANZÉ NO OESTE e A ÚLTIMA LOUCURA de Mel Brooks
Reassisti esses 3 filmes de Brooks, um rei da comédia grossa dos anos 70. Alta Ansiedade é muito ruim. Uma colagem de cenas de Hitchcock sem eira nem beira. Banzé no Oeste, sobre um xerife negro, ainda faz rir. De longe é o melhor dos 3. Gene Wilder imita o Dean Martin de Rio Bravo. E A Ùltima Loucura é um filme mudo. Não funciona. Gags muito fracas.
   DINNER AT EIGHT de George Cukor com John Barrymore, Lionel Barrymore, Jean Harlow
Sofisticado, chique, esperto, sempre elegante, irônico, Cukor sempre foi um grande diretor. Este é um dos seus melhores. Fala de uma familia em falência, um ator alcoólatra, uma periguete. O elenco é fabuloso e a produção, MGM, esbanja luxo e finésse. Amargo, cruel até, nunca perde seu poder de entreter. John Barrymore, o tio-avô de Drew, tem uma atuação comovente. Um ator canastrão que falido não aceita o fim de sua fama. Quem não conhece o grande cinema americano dos anos 30 tem aqui uma bela chance. Nota DEZ.
   CÍRCULO DE FOGO de Guillermo del Toro
Quer saber? É bem bom! Começa meio devagar, mas as cenas de ação são tão bonitas! Isso mesmo, bonitas! Uma pintura de vermelhos, dourados e céus escuros. A luta em Hong Kong é desde já um clássico: uma das mais belas cenas do ano. O cerne do filme é esse, a plasticidade da imagem. Uma raridade no cinema atual, um filme de ação que preza pela estética. Um grande cineasta! Nota 7.

A CAVERNA, O SÍMBOLO, O LIVRO

   Uma experiência verdadeira, profunda, transformadora é petrificada em forma de igreja. Se voce quer viver uma profunda experiência religiosa não a procure dentro de uma igreja. Porque começo este texto dizendo isto?
    Não vivemos para comer ou para procriar. Vivemos para ser. O mais antigo testemunho de um ser que pode ser chamado de humano nos mostra: Um longo labirinto escuro e aterrador. Após rastejar, se machucar, ter medo eis que conseguimos chegar ao núcleo: as pinturas na caverna! O centro da montanha. Esse é o símbolo primordial daquilo que somos. Dentro de nós, em nosso escuro interior vive o infinito. A psique em sua totalidade. Onde não existe tempo, espaço ou fim. Aquilo que só eu posso ser. Mas para chegar até esse âmago a coisa dói. Como dói!
   A teoria de Jung é básicamente otimista. Daí sua desvantagem. Nosso tempo é profundamente pessimista. Em Jung tudo tende para a luz. Nosso self, centro mental, não é bom ou ruim, ele é natural. E tem poder de dar vida. Quanto mais longe desse self mais entediados, sem ideias, morto. O contato com o self dá vida. A vontade de viver mora lá.
   Otimismo. Não existem pessoas iguais. Para encontrar o self cada um tem seu modo, seu caminho. Cada louco tem uma loucura única. Cada medicamento age a seu modo particular. A busca pelo self é busca por vida. Essa é a raiz de toda religião. E da arte, religião dos ateus. A busca por transcendência que se dá a cada um a seu modo. Por isso ser impossível uma tese psicológica única. Em sua originalidade cada ser deve mergulhar em sua gruta e encontrar seu centro. Como? Geralmente pela dor. Pela crise. Pela solidão.
   No mundo moderno, sem simbolos verdadeiros, sem ritos que ajudem, sem lendas e sem silêncio, onde tudo se pensa e o discurso interior nunca cessa, encontrar o self se faz quase impossível. O mal de agora é o excesso de controle, de razão, de porques.
   A luz da razão a vida nunca vale a pena. Lutamos para acabar no túmulo. E ser esquecidos. O que nos faz prosseguir é essa força tênue e distante que promete "algo a mais". Pode ser chamada de Deus, duende, anjo, xamã, fé, esperança, missão, consciência...não importa. Está dentro da mente, existe em nós e ao redor ( pois influencia tudo o que podemos perceber ). A razão a teme. Porque ela pede por humildade. A humildade de saber que a razão não é senhora da vida. E que nosso pobre ego precisa do self para continuar a viver.
   Criatividade, o encontro com essa vida nova sempre se dá pela criatividade. Pela ousadia original. Ser o que voce tem de ser. Como saber? Como entender a mensagem daquilo que não tem lingua racional? Lendo com atenção os sinais, as pistas.
    Fomos animais. Fomos irracionais. A razão surge e evolui para podermos sobreviver na luta pela vida. Adaptamos nosso cérebro à técnica, a comunicação, ao pensamento linear e claro. Simples. Mas aquilo que fomos não morre. Está aqui. Em mim. Em nós. Ancestralidade. Instinto. A voz da natureza em mim.
    Duas correntes no século XX. Gente que viveu essa experiência ( Borges, Hesse, Kazantzakis, Yeats, Camus, Rilke, Jung, Mann, Kandinski, Klee ) e gente que nunca a quis escutar. Tenho certeza que Paulo Coelho, por exemplo, viveu uma experiência significativa, mas, mal escritor que é, nunca conseguiu transmitir nada dessa experiência. Então uma multidão de pessoas que sentem esse anseio e mal sabem o que seja vão atrás dele. E nada encontram. Elas têm de escrever seu próprio "Diário de um Mago" e não pegar de barato esse relato de quinta categoria.
    Bem, escrevi aqui apenas um breve testemunho. O livro, a derradeira tentativa de Jung de escrever simples, tem muito, muito mais. De certa forma tudo que escrevo está lá exibido.
   

The Band Wagon - Fred Astaire and Cyd Charisse



leia e escreva já!

CYD CHARISSE

Cyd Charisse foi deslumbrante.
Dizer mais pra que? Veja a cena de The Band Wagon que postei. É sexy, é cinema.

SONHOS DE MENINO E UM SONHO DE AGORA

   Sonhei esta noite que Keith Richards morria num bombardeio. Ele tinha ido a Venezuela apoiar os bolivarianos e havia morrido por lá.
   Sonhei um dia que dois braços cresciam em meus flancos, assim como tive o medo de que duas asas fossem brotar em mim.
   Outros mais...
   A perna de meu irmão sai voando, decepada, em slow motion, e eu saio flutuando atrás dela para a devolver.
   Um peixe nasce no ralo do banheiro e olha pra mim.
   Deus está sobre as nuvens com um ladrão nas mãos, e usa-o como chicote disparando raios quando bate as costas do bandido na nuvem.
   Vi um disco-voador de vidro transparente nos céus do Caxingui.
    Meu pai ia rua abaixo e sumia em meio a neblina sem olhar para mim que o chamava.
    Sou uma mulher e corro nua pelas ruas.
    Sou eu e vou para a escola de pijamas.
    Uma menina me espera numa janela onde chove.
    Na minha antiga casa vivem meus bichos que morreram faz tempo. Eu os reencontro.
    Estou no escuro e parado sinto medo.
    Navego no mar sem fim e naufrago. Consigo voltar a terra e penso que estou curado.
    Beijo ela.
    Ando com ela e dou risos alegres e festivos.
    Uma sombra na parede me assusta.
    Sapos impedem que eu pise na rua.
    Um disco de vinil vira um buraco sem fundo.
    Nesta casa houve uma taba onde eles ainda pisam e cantam.
    Em mim moram os outros que foram meus anteriores antes de tudo.
    Olho o olho do bicho e sei que o bicho sabe, ou eu sei o que ele sabe.
    Vi um anjo ao lado da minha cama em 1967.
    Tive medo. Com 4 anos eu sabia que anjos nao existem mais.
    Havia uma imagem de Cristo que me dava medo.
    Um galo me conta que a vida cisca.
    Eu pedia autorizacao para poder entrar no mato. As cobras me davam.
    Ansias de entrar em mim. Ansias de ver antes.
    Gritei uma noite ao ver o buraco.
    Nuvem de insetos pretos voam e cobrem o sol.
    Keith Richards morreu?
   
   

KIERKEGAARD, DON JUAN, ADÃO E EVA E JUNG

   Dizia Kierkegaard que o nível mais baixo da existência seria aquele de Don Juan, mundo que o Don Giovanni de Mozart exibe a perfeição. Nesse mundo tudo o que tem valor está ligado a sedução, a conquista e ao desejo de possuir. A pessoa viveria numa espécie de galeria de espelhos, onde ela se analisa todo o tempo e examinaria os outros sem parar de se comparar a eles. Um mundo de superficie, a vida como imagem em movimento, sem substãncia e sem chance de perenidade. Nesse mundo a nossa função passa a ser unicamente a de seduzir e ser seduzido. Mais nada. Pior que isso, após o ato da conquista torna-se impossível usufruir do que se tem. O objetivo é capturar, não se consegue apreciar aquilo que já faz parte do passado, da coisa que já foi conseguida. A posse é um desejo ilusório, pois ter se transforma em perder. Comapra-se e se paga um preço, o vazio entediante de se querer, sempre, aquilo que não se tem.
   Kierkegaard escreveu isso no meio do século XIX. E advertia que nosso mundo caminhava para a preponderância absoluta de Juans e Giovannis. Um pouco acima deles estaria o tipo Fausto, aquele que não ansia por ter, mas por saber, tudo. Esse vive na dúvida pois sabe que o querer, o ter e o saber possuem limites intransponiveis. A vantagem de Fausto sobre Juan é conhecer o desespero transformador, e não apenas, como Juan, o tédio asfixiante. Fausto quer transformar sua vida, Juan não. Ele é incapaz de criar algo de novo. É uma vítima. Fausto nunca é vitima, ele é seu carrasco.
   Me desculpem se me abstenho de falar sobre o tipo mais elevado. Entramos no mundo do símbolo e da religião e esse mundo está hoje tão enterrado dentro de nós, tão disfarçado em sintoma e em auto-mutilamento, que sua lingua seria tema para mais de uma biblioteca. A prponderãncia da razão, utilitária, simplificadora e comum a todos, fez com que a lingua da alma e do instinto nos fosse cada vez mais estranha. O que posso dizer com certeza absoluta, e essa é das poucas certezas absolutas que tenho, é que apenas a razão não pode nos dar motivo para viver. O que nos leva adiante, mesmo com a consciência do fim da vida, do mal e da injustiça, é aquilo que Jung chamava de inconsciente, o imenso universo vivo e atuante de símbolos, instintos, motivações e sonhos. Mundo que nos traz a ideia de criação, de atemporalidade, de comunhão entre o todo e nós, de beleza. Chamar esse universo, que é só meu e é de todos ao mesmo tempo, de Céu, de Inconsciente, de Instinto ou de Vida, tanto faz. Ele é o que nos guia e nos perde, nos dá dignidade de coisa viva e criadora, nos ajuda a querer persistir. Perder essa conexão é a morte em vida. É o mundo de Don Juan. Espelho e imagem, vaidade e posse.
   Uma parábola que agora se faz clara:
    Quando Adão e Eva perdem o Eden, o que eles perdem? O que eles ganham? Passam a ter de trabalhar, passam a ter consciência da morte, passam a sofrer. Ou seja, tornam-se racionais e criam a divisão interna da mente. Agora sabem o que devem ser. Nunca o que são.

PEQUENA ANTOLOGIA AMOROSA- JUAN DE LA CRUZ, LA NOCHE ESCURA...

   São duas noites. Na primeira o Eu vai a seu limite em clareza. Sentidos e inteligência usados ao máximo. A hiper-afirmação da vontade. Na segunda noite vem o esquecimento. Abrir mão de tudo. Não mais ser. Largar-se nas mãos do Amor. Morrer então, para assim ser eternamente.
   Juan de La Cruz foi monge. Espanhol do século barroco. Feito Santo por Pio XI. Uma vida de ansiedade em busca da comunhão com o divino. Suas palavras poéticas choram e se humilham. Comemoram e se erguem depois. A destruição absoluta do eu para dar lugar ao nascimento do não-ser, da comunhão com a Divindade. Sentimento que nos é inalcansável. Espírito distante de nós. Juan seria hoje calado e ridicularizado. Medicado.
   Clássico da alma espanhola, da negra noite da Espanha, busca pela negação, afirmação da condição sagrada da vida. A alma de Juan sai da sua casa e plana livre pelo escuro e ansiando pela paz absoluta. Perturbador, para nosso tempo incompreensível, lê-lo jamais é um prazer.
   Mas é estranhamente real. Para aquele que sofreu é um reencontro. Um âmago secreto. Um nó.
   Fonte de poesia. E além...

A AGULHA OCA- MAURICE LEBLANC, O OCASO DE ARSÉNE LUPIN

   Li um livro sobre Os Franceses em que Theodore Ziegler diz que o que define um francês é sua pretensão outsider. Todos querem ser do contra, sempre. Pois bem, a resposta francesa ao sucesso de Conan Doyle e seu Sherlock Holmes tinha de ser alguém como Arséne Lupin, um gênio do crime, um bandido charmoso, o cérebro a serviço da mentira. Tudo é dúbio em Lupin, torcemos pelo bandido.
   Imenso sucesso por todo o século XX, Lupin hoje anda meio esquecido. Vale o reencontrar. Leblanc escreve com precisão, cria expectativa, nunca ofende a inteligência do leitor. Ego gigantesco ( o contraste com Holmes é completo ), Lupin aqui engana um pequeno gênio investigativo que pensa estar em sua pista. Mais não conto. As féria de verão logo irão chegar e ler este livro a varanda numa tarde quente será grande prazer para voces todos.
   Fácil de achar em sebos. Compre.

HONRA TEU PAI

   Honra dos aristocratas. Daquele que se considera, sempre, melhor que todos os outros. Por ser melhor ele se cobra um tipo de Honra. Por ser superior ele se dava maiores obrigações. Sua honra se media pelo peso das obrigações auto-impostas. Um homem tão superior não pode se permitir ser diminuído. Esse o primeiro fardo, não aceitar uma ofensa, um desaforo. Seu Nome deve ter a Honra intocada. Não se pode dar um só motivo para uma futura desonra.
   Esse aristocrata não deve deixar uma mulher ser desonrada, pois toda a honra feminina em suas terras está sob sua guarda. Assim também com uma criança faminta ou uma viúva nas ruas. Será uma desonra ter mulheres e crianças ao relento, mas não os homens.
   Observe então. como essa Honra é auto-imposta, ela se baseia toda na auto-estima, a Palavra dada adquire um valor tremendo. Palavra dada vale mais que a vida, pois um aristocrata que quebra sua palavra não suporta viver sem sua Honra. Na verdade a Honra vale mais que a vida, pois como Valor ela se faz eterna, é transferida de Pai para filho, se torna o maior bem de uma familia. Morrer Honrado se faz a grande ambição de uma vida, ambição que na verdade não é ambição, é obrigação auto-imposta.
   Honra sem testemunhas, Honra que existe de mim para mim-mesmo.
   A Honra da burguesia passa a ser a honra dos documentos. Ela vale diante da comunidade, deixa de ser íntima. Se torna imposta e muito mais que isso, é um Dever de todos, ricos e pobres. Não é mais a honra da palavra, é a honra dos tribunais. Honra deixa de ser Preservar seu Nome e passa a ser Pagar suas dívidas.
   Veja a diferença: No Aristocrata tudo deve respirar e demonstrar sua Honra. Gestos, roupas, hábitos, tudo, desde sua infância, exibe ao mundo, mas acima de tudo a si-mesmo, sua intocada Honra. Por isso que cuspir na bandeira, dar um tapa no rosto ou blasfemar contra a fmilia se torna a pior das ofensas, sua Honra em seus mais nobres símbolos é naquele momento difamada. Óbvio notar que nada há de democrático aqui. O nobre detém a honra, o plebeu é um vilão. E o pior vilão é o comerciante, desonrado por profissão, pois quem vende se desonra ao esquecer sua dignidade e bajular o comprador. ( Observe como isso sobrevive nos artistas pretensiosos ).
   O honrado burguês parte da ideia comerciária de que ninguém é honrado. A honra deve ser garantida pelo documento escrito e pela lei. Honra que não é mais uma regra de vida, mas apenas uma obrigação para que a sociedade gire, para que negócios se façam.
   O aristocrata vive em Honra e tem momentos grandiosos em que sua Honra se exibe ao mundo. Seu idela seria a de um mundo em que sua Honra fosse sempre posta a prova. O burguês sonha com um mundo onde todos tivessem a mesma honra que a dele, onde sua honra nunca fosse questionada.
   Estamos hoje vivendo um dos raros momentos em que a Honra não mais existe. A aristocrata se foi há muito e a burguesa está em crise e em prova. Daí o barbarismo.
   Este texto escrito por mim foi inspirado por outro de Renato Janine Ribeiro.
   Vale!

TEM ARTE NA TV? ÁGUA VIVA.

   Acho que foi Benjamin quem disse que o melhor juiz da arte é o tempo. Arte sobrevive, o resto passa. Ou vira apenas nostalgia de quem viveu aquele tempo. Quando esses saudosos morrem a coisa se vai com eles.
   Sou testemunha disso. Entre meus filmes favoritos, alguns são itens de nostalgia. Eu gosto porque me recordam a primeira vez, feliz, que os vi. Lembram um tempo de minha vida, uma pessoa, um sentimento. Mas há o filme que se impõe apenas por seu valor. Não vivi os anos 30 por exemplo. Não tem essa década o charme dos anos 20 ou a rebeldia cool dos 60. Nunca assisti um só filme dos anos 30 quando criança ou quando teen. E meu pai nunca via filmes tão velhos, sua praia eram os anos 50 e 60. Mas vejo os filmes de Hawks, MacCarey, Cukor, Dyke ou Capra e me apaixono por filmes feitos mais de 30 anos antes de meu nascimento. Porque? Arte.
   Falo tudo isso pra dizer que a principio não creio em arte na TV. Se adoro Columbo é por nostalgia. Nenhum garoto de 15 anos vai ver Columbo hoje e gostar. Noto que Seinfeld já não produz efeito sobre os teens de 2013 e duvido que em 2030 um cara de 20 anos se dê ao trabalho de ver Lost.
   Ou será que erro? Star Trek, o original, não é visto pela molecada? Mas ele não tem a propaganda dos novos filmes da série? O Pernalonga é atemporal mas o Pernalonga é cinema. Foi criado e exibido em cinema.
   Falo tudo isso pra contar que ontem vi um capítulo de ÁGUA VIVA e senti uma hiper nostalgia. Vi a novela em 1979 e adorava. Queria ser o Reginaldo Faria. Vendo hoje acho tudo tão lindo e tão antigo também. Tenho a impressão, confirmada pela novela, de que as pessoas então pareciam mais calmas, mas chiques e bem mais bronzeadas. Fábio Jr era bem mais bonito que o Fiuk e Glória Pires tinha 16 anos. Raul Cortez, Beatriz Segall, José Lewgoy, Tônia Carrero, todos eram um luxo! As roupas leves, bem cortadas, com caimento. E ao mesmo tempo me dá um bode, uma sensação de que todo o mal estava ali, que aquele monte de playboy quarentão, em festas sem fim, com seu ouro e seus iates, que todos aqueles caras chiques e sorridentes, praieiros e magros, são os malandros que deixaram a coisa virar o vale tudo de hoje.
   A novela é pura antropologia. Reginaldo em crise, percebe que a vida não é apenas a zona sul. E nesse capítulo ocorre uma cena que seria impensável hoje numa novela. Claudio Cavalcanti vai visitar Reginaldo e os dois conversam. Uma longa conversa que parece improvisada e onde NADA acontece. Falam da vida, da crise, falam em ser amigos, em companheirismo. Acho que aquilo foi quase um momento de arte. Solto. Hiper natural.
   O mundo de Água Viva não tem pressa. Pessoas muito magras, muito bronzeadas falam e vão a praia. Era a Abertura Politica, um otimismo eufórico no ar. O sexo começava a se liberar e por isso ainda era novidade. Tinha gosto de festa. A novela, pudica, mostra isso nas entrelinhas. Tempo de Mascarenhas e de Gabeira.
   Tenho a certeza de que ninguém com menos de 40 anos vê Água Viva.

O VALOR DA VIDA, UM SABIÁ

   Ontem  na Mangueira que dá manga, cinco jovens Sabiás voaram seu primeiro voo.Saltaram do meio das folhas e tomaram coragem sobre um fio de luz. Pousaram no chão e depois voaram. Todos os cinco. Entenderam que eram Sabiás e Sabiás voam. Tudo como deve ser.
   E homens olham pássaros e se encantam com eles.
   Meu pai ao fim da vida se enamorava desse Sabiá que o acompanhava na noite sem sono. Ele era seu sonho. Me toca perceber como na Natureza tudo é certo e tudo é sempre. Esses novos Sabiás são corretos e agora, neste meu sonho acordado são cantos que me dizem ser a vida certa. Quatro horas, escuro, e eles cantam.
   Lembro ainda que nos anos 70 Sabiá só em gaiola. Ao fim da tarde milhares de pardais e de andorinhas se aninhavam e piavam em coro. Mas nada de Sabiás. E recordo com clareza do primeiro Bem Te Vi, foi em 88, ele veio e pousou no meu quintal, bravo, livre, decidido. E cantou seu Bem Te Vi. Desde então voltaram todos. E neste século ocorreu o milagre das Maritacas. A alegria de sua folia aos fins de tarde.
   Voltaram por falta de espaço nos campos? Ou por melhoria na cidade? Bem, não são mais caçados, isso eu sei. Menino com estilingue sumiu. E arapuca não vejo. Se topar com uma eu piso e sumo com os pedaços.
   Agora amanhece e mais alguns se juntam ao canto. Trazem este dia pra mim. Anunciam.
   O que vale a vida sem tudo isto?

VENTO, AREIA E AMORAS BRAVAS- AGUSTINA BESSA-LUIS. UMA MENINA BACANA.

   Gente. Parentes em que cada um interessa por ser único. É uma menina que narra e ela é feinha. E tudo olha. Casa rica na praia com multidão de empregados. Tias, avós. Gente excêntrica. Surpresas em toda página. Vida. Ela descobre a vida. Bichos e gostos. As cores cheiram. Perfume vivo que ri.
   Como ela escreve bem!!! As palavras são comidas por quem as lê. Nada acontece no livro que é um livrinho. A vida cresce. Dá pena quando acaba.
   Filosofia. A autora foi central no Portugal de todo século XX. Escreveu muito. Para adultos. E pouca coisa para crianças. Do que ela fala? Do vento que irrita. Da areia que incomoda. Das amoras bravas lá do mato. Ela faz a gente estar lá. E as frases? São redondas, rolam dentro da gente. Iluminam também. E aquecem.
   Pode marcar. Já me conquistou.
   A menina sabe que cresce. E sente aquela dorzinha dentro que nunca se sabe de onde vem. Cresce e não quer. Cresce e quer que cresça logo. A irmã vaidosa e linda, o irmão que some em caçadas. Tem uma tia doida. E um monte de solteirões. Gente que não se casa porque não necessita de alguém que lhes diga que são amados. Se amam. Avó calada e que morre como se em sonho. O pai que joga e a mãe que é puritana. A igreja. Festas! E as comidas boas. Os campos sem fim, pinheirais, fragas, serras...
   Viver!

AS NAUS- ANTÓNIO LOBO ANTUNES, Portugal, este pesadelo.

   Quando era um miúdo, lá por 1975, lembro de uma portuguesa ir fazer faxina em casa. E de minha mãe comentar com meu pai como era triste esse povo que fugia corrido de Moçambique para não ser estripado pelos negros. Faz tempo.
   Lobo Antunes toca nessa ferida. Num tempo que voa entre 1500 e 1977, Pedro Alvares Cabral, Diogo Cão, Vasco da Gama, Luis de Camões, entre outros, voltam da África e tentam sobreviver na Lixboa setentista e socialista. Tudo lhes parece sujo e louco e agora eles são anônimos. A narrativa, eliptica, tonta, é cheia de adjetivos, de imagens de pesadelo, de becos sem saída, imagens de sujeira, de sexo, doenças, fedor e uma melancolia quente e desesperada.
   Portugal é o lugar onde todos pensam e querem crer ter sangue de fidalgo. E seus heróis andam sem saber onde estão, onde ficar, o que fazer. Miragem. Sofrem de saudades africanas. Querem as mulatas e o verão sem fim. O mar cheio de pestes, a fome e a violência.
   Ler Lobo Antunes não é fácil. Ele exige muito do leitor. Quer atenção e quer cultura. Escrita espinhosa, complicada, exagerada, tortuosa. Quase barroca. Barroquismo ateu.
  

FERNANDO PAMPLONA E ANDRÉ BARCINSKI

   Parece que não mas uma nota se liga a outra.
   Leio no blog do Barcinski que nem unzinho jornalista brazuca chegou no Bruce Springsteen e perguntou o porque do Raul. Pior ainda, ficaram surpresos com a excelência do show!!! Leio as cartas enviadas ao blog e noto o estado de miséria do jornalismo feito hoje. É tudo na base do press release. Ninguém vai atrás de nada e ninguém opina sobre nada.
   Fernando Pamplona morreu. Foi o cara que mudou o carnaval do Rio e um dos caras mais cultos do país. O conheci como comentarista dos desfiles das escolas de samba pela tv Manchete. E vem aí a coisa que liga com o texto do Barcinski. Quando o desfile era ruim Pamplona metia o pau. E se o carnaval daquele ano era um lixo ele dizia, o carnaval tá um lixo! Falava com conhecimento, foi o carnavalesco que lançou João Trinta e Arlindo. Para ele carnaval tinha de ser coisa de preto, sempre. Desfile sem Pamplona opinando não tem graça.
  O mundo vai acabar em tédio e preguiça. Arre!!!

ALBERTO SORDI/ JEAN DUJARDIM/ JOHN LE CARRÉ/ PI/ RICHARD BURTON/ CLAIRE BLOOM

   AS AVENTURAS DE PI de Ang Lee
Resiste muito bem a uma segunda olhada. É um vencedor de Oscar que vai sobreviver. Tem aventura, humor e imagens de sonho. Mais, instiga interpretações. Na verdade ele fala do valor da narrativa como alma da vida. Nesta minha segunda visita meu prazer foi maior. Esse é o sinal do bom filme, na segunda assistida ele cresce. Nota 9.
   O ARTISTA de Michel Hazanavicius com Jean Dujardim, Berenice Béjo, John Goodman, Malcolm McDowell
Minha mãe tentou ver este filme e eu o revi com ela. Ela adormeceu, eu gostei mais que na primeira visita. Agora vejo algo mais que apenas sua coragem. Aqui se usa toda a linguagem que o amante de filmes conhece e guarda no peito. Citações da história da arte usadas modernamente. Sim, a forma é a de 1928, mas a mensagem, a narrativa é a de 2012. Dujardim tem uma atuação histórica. Ele seduz, varia, cresce, faz rir, hipnotiza. É uma estrela, um grande ator! Que belo filme!!! Nota 9.
   VIAGEM FANTÁSTICA de Richard Fleischer com Stephen Boyd, Donald Pleasence, Raquel Welch
Uma equipe é diminuída e colocada dentro do corpo humano. O objetivo é destruir um coágulo no cérebro. Os efeitos especiais são pueris, mas até que o filme sobrevive. Foi malhado quando de seu lançamento. Houve um tempo em que temas ridiculos eram ridicularizados a priori. Lembro de assisti-lo na TV com 11 anos de idade e passar mal. Agora me diverti. Nota 5.
   MEU PÉ DE LARANJA LIMA de Marcos Bernstein
Até tú José Mauro? Botaram um monte de tiques de arte nesta história simples e transformaram isto num trambolho frio e sem porque. Apagaram a poesia, limaram as lágrimas e deixaram um filme ruim. Nota Zero.
   DEEP IN MY HEART de Stanley Donen com José Ferrer e Merle Oberon
Conta a vida do austríaco Romberg, que apesar de suas pretensões eruditas se tornou uma estrela da Broadway. O filme tem um problema central, a vida dele é desinteressante. Nada acontece. Donen dirige sem capricho e até sua leveza mágica está ausente. Tem números com Gene Kelly e seu irmão, Fred. Além de Howard Keel. Nem eles salvam o filme da banalidade. José Ferrer, queridinho da critica na época, transpira antipatia. Nota 4.
   TO THE WONDER de Terrence Malick com Ben Affleck, Olga Kurilenko, Rachel McAdams
Um erro sério de Malick. O tema é sublime, o amor como dom da alma, como condição de vida, como alma do mundo. Mas o modo como isso nos é passado é desastroso. O filme tenta nos levar ao sonho hipnótico com o uso de cortes ritmados e movimentos de câmera dançados. Os atores rodopiam e o ângulo mais usado é do alto e de costas. Isso cansa, produz tédio. O filme é muuuuito chato! Nota 1.
   42, A HISTÓRIA DE UMA LENDA de Brian Helgeland com Chadwick Boseman e Harrison Ford
Em 1947, o dono dos Brooklyn Dodgers contrata o primeiro jogador negro da história, Jack Robinson. O filme é quadrado, básico, mas é impossível não se deixar levar pelo tema. Robinson, que era briguento, suporta as provocações com frieza e vence. Hoje ficamos revoltados com aquilo que ele viveu. Xingamentos no campo de jogo, ameaças das arquibancadas, preconceito do próprio time. Ford está maravilhoso como o dono do time. Digno e muito real. Um bom filme que acho que não será exibido aqui. Procurem em dvd. Vale a pena. Nota 7.
   O ESPIÃO QUE SAIU DO FRIO de Martin Ritt com Richard Burton, Claire Bloom, Oskar Werner
Meu Deus, que mundo era esse! Todos tinham de se posicionar, esquerda ou direita. Um mundo rigidamente dividido. Este magnífico filme fala disso. Burton é um agente inglês. Ultra desiludido. É usado numa tortuosa trama para salvar um colaborador na Alemanha Oriental. Num preto e branco frio e fascinante, obra do genial Oswald Morris, o diretor americano Ritt, grande nome da esquerda de então, faz um filme inesquecível. Não espere aventura e galmour. O livro de John Le Carré desmistificou a vida de James Bond. A espionagem é trabalho de entediados, de homens sem alma. Burton tem uma atuação de mestre. Um monstro de ressentimento, de dor fria e sob controle. O filme é brilhante. Nota DEZ.
   UM AMERICANO EM ROMA de Steno com Alberto Sordi
Sordi cria uma personagem hilária: um italiano que pensa ser americano. Vive falando frases em inglês macarrônico, canta como Gene Kelly e dança sapateado. Pensa ser cowboy, gangster, playboy. Alguns momentos de sua atuação beiram o sublime. Mas há um problema: o roteiro se perde ao final. Parece que não se sabe o que fazer com personagem tão louco. Uma pena... Nota 5.