AFINAL UM BOM TEXTO DE PONDÉ

   Descartar as religiões como "tolice" e colocar todas no mesmo lugar das superstições é das coisas mais idiotas que a modernidade fez. É preciso conhecer aquilo que elas falam, mesmo que voce não creia em Deus ou na Alma Imortal. Não importa. Religiões dizem muito sobre aquilo que somos e mais que tudo, afirmam verdades que continuam a ser verdadeiras. Para sempre. Ou pelo menos enquanto formos humanos.
   A base de toda mísitica é sempre a mesma: a morte do Eu. Um faquir sofrendo sobre pregos ou fogo, um monge se isolando do mundo comum e se esquecendo de si-mesmo, um "soldado de Allah" ou uma freira trabalhando entre famintos africanos...Todos buscam a mesma coisa, esquecer o Eu. Não há religião onde o Eu manda. Cristo sacrificou sua vida, seu Eu por uma verdade. Assim é com toda religião, pagã, cristã ou oriental. A morte da individualidade, no êxtase dionisíaco ou na negação da vontade individual.
   Porque, como disse Pondé, ser um Eu cansa. Porque o Eu só existe como desejo. Nós somos um Eu quando queremos algo. Ou quando queremos ser Eu. Ele nos pede coisas, atos, vitórias, conquistas e auto-realização. Pior que tudo, ele se pensa único. O Eu sempre sonha ser o protagonista da vida.
   As religiões sabem. SOMOS FELIZES APENAS QUANDO O EU SE ESQUECE DE SER. Quando morremos e vivemos na inconsciência de ser um Eu, na consciência de ser MAIS UM ENTRE TANTOS. Vem daí o Amor.
   O amor nos alivia porque faz com que esquecemos daquilo que somos. Pensamos no outro, em sua alegria, em sua paz. Não queremos mais ser um Eu, queremos nos dar ao outro e ser algo sem nome. Daremos nossa vida, alegremente, por esse outro. Pelo amor. E creiam, esquecer seu desejo exclusivo, suas vontades, abdicar livremente de paz e conforto pelo bem de outro, não há maior alegria.
   Como não existe desespero maior que perder esse amor e voltar ao tédio do desejo do Eu. Voltamos então a trabalhar, comer, beber, comprar e transar, e voltamos a perceber que na satisfação dos sentidos físicos vive a dor de saber que eles são pouca coisa, são futeis, são falíveis, são apenas desejos ilusórios dos sentidos, do Eu.
    Não desejar nada, e continuar amando. Essa a contradição de toda religião. Essa a paz. Nada querer, nada temer. O medo cessa pois nada há a perder. A paz nasce onde não há desejo. Porque desejar é sempre querer. E querer é jamais poder ter. Criar vazios que serão vazios para sempre.
    Quem viveu a satisfação plena dos sentidos sabe do que falo. O vazio vive nessa satisfação plena.
    Pondé fala da tolice que é querer se conhecer. Desejar se auto-entender é cair na sedução do Eu. Megulhar dentro do Eu e se submeter a sua ditadura. Ditadura que tem apenas uma mensagem: Quero Quero e Quero! Como um baby chato o Eu pede pede e pede.
    Nikos Kazantzakis dizia que somos livres ao nada querer. Como diziam os hindús, que imaginavam o inferno como um lugar onde se deseja todo o tempo e nunca se sacia.
    Pondé termina dizendo que a pior expectativa é a da vida eterna. Ser um Eu para sempre.
    Lembro que uma vez pensei que a pior coisa do mundo seria ser para sempre Eu. Imaginem que horror! Ser condenado a ter para sempre, por séculos e milênios, seus medos, desejos e atos.
    Mas imagino a eternidade, e quase a sinto, como despersonalização. Nunca consigo crer numa eternidade onde eu continuo eu e voce voce. Nunca! Mas o que pressinto é uma possibilidade de eu e nós sermos aquilo que temos em comum. E isso não é o eu. Memória e desejo. Isso com certeza morre com a carne. Se algo fica, não é um eu.
    Fugi do tema. Meu eu me levou fora do tema.
    Esquecer do que se quer, essa é a alegria de viver.

JULIA/ DAVID LEAN/ WELLMAN/ LUMET/ RINGO STARR/ RENOIR/ TATI

   JULIA de Fred Zinemann com Jane Fonda, Vanessa Redgrave, Jason Robards, Meryl Streep
Com uma belíssima fotografia de Douglas Slocombe, Julia foi o primeiro filme por que torci numa entrega de Oscar. Perdeu filme e direção para o Annie Hall de Woody Allen. Mas ganhou atriz coadj ( Vanessa Redgrave ) e ator coadj ( Jason Robards ). Revisto agora o filme parece ainda melhor. Baseado nas memórias de Lilian Hellman, o filme acompanha sua amizade com Julia, uma milionária judia que se envolve com a luta na Europa contra o nazismo. Jane faz Lilian. Jason é seu companheiro Dashiell Hammet. As cenas entre os dois são as melhores do filme. Eles discutem, brigam, ela tenta escrever, erra. Hammet já em sua fase impotente. Em sua segunda parte Lilian atravessa a Europa de trem para levar dinheiro a Julia em Berlim. As cenas no trem exibem suspense perfeito. Ficamos eletrizados. E o final, como no começo, Lilian só, num barco, num lago. Zinemann foi um dos maiores. Basta dizer que são dele Matar ou Morrer e A Um Passo da Eternidade. Julia é o fecho de ouro de sua carreira sem erros. Um filme que demonstra tudo aquilo que desejo ver no cinema. Nota 9.
   REDENÇÃO de Steven Knight com Jason Statham
A produção é de Joe Wright e a fotografia de Chris Menges, ou seja, é classe A. E demonstra pretensões artísticas. Mas é ralo, bobo e desagradável. Melhora no final, quando se torna uma simples aventura de ação. Nota 3.
   O VEREDITO de Sidney Lumet com Paul Newman, Charlotte Rampling, James Mason, Jack Warden
Escrevi sobre este filme abaixo em outro post. É um filme perfeito. Com roteiro de David Mamet, mostra a decadência de um advogado. Bebida, decisões erradas, mentiras, falsidades. Nota DEZ.
   UM BEATLE NO PARAÍSO de Joseph MacGrath com Peter Sellers e Ringo Starr.
Que coisa é essa??? Feito em 1968, com um roteiro caótico, esta comédia fala de um milionário que adota um mendigo. O milionário é Sellers, que está excelente, o mendigo é Ringo, que está Ringo. A trilha é de Paul MacCartney e é boa. As cenas são muito mal dirigidas, o filme é como um circo ruim. Ou um programa do Monty Python feito com mais LSD. Aliás, no roteiro vemos o nome de John Cleese. O incrível é que quando ele acaba pensamos: Não foi tão ruim! Nota 4.
   CARROSSEL DA ESPERANÇA de Jacques Tati
Primeiro filme dirigido pelo genial cômico da França. Suas caracterísitcas estão todas aqui. A vida como coisa simples, leve, comunal. ( Ao fim da carreira ele mudaria essa opinião com o filme Traffic ). Numa cidadezinha francesa chega uma quermesse. Vemos a vida dessa cidade. Um dia, uma noite, uma manhã. Quase sem falas, ver esse filme é como passear pela cidade. Galinhas, crianças, a praça, a fonte, o bar. Tati faz um carteiro que larga sua vida pacata e tenta ser um carteiro "à americana". Um filme adorável. Nota 7.
   SHE de Irving Pichel com Randolph Scott, Helen Mack
O filme, feito pela equipe de King Kong, mostra grupo de exploradores em busca da fonte da juventude. Encontram um reino onde a rainha vive a séculos. Não é ruim. Podia ter mais ação. Nota 5.
   GELERIAS DO INFERNO de William Wellman com John Wayne
O avião de Wayne cai numa região do Canadá que ninguém conhece. Ele e seus companheiros esperam pelo socorro. Que bela aventura!!! Wellman, que foi aviador e lutou na Primeira Guerra adora filmar aviões. Eles passam a procura dos sobreviventes e os vemos lá embaixo, em meio a gelo e fome. Wayne tem uma grande atuação. Seu desespero é palpável. Belo filme. Nota 8.
   QUANDO SETEMBRO VIER de Robert Mulligan com Rock Hudson, Gina Lollobrigida e Walter Slezack
Hudson é um milionário que passa seus agostos na sua villa italiana. Mas resolve aparecer em julho e encontra seu mordomo usando a casa como hotel. Gina é sua namorada de agosto. Filme ao estilo Sessão da Tarde dos anos 70. Belas paisagens, Rock muito bem, Slezack dando um show como o mordomo. Este é o filme familia de então. Levemente apimentado, bobo e muito agradável. Nota 6.
   RENOIR de Gilles Bourdos
O filme fala de 3 grandes artistas. O pintor e seus filhos, Jean, diretor de cinema, e Claude, diretor de fotografia. E mesmo assim consegue ser um filme desinteressante. Nota ZERO
   GRANDES EXPECTATIVAS de David Lean com John Mills, Jean Simmons e Alec Guiness
Este filme feito pelo então jovem David Lean, é considerado com justiça a mais perfeita adaptação literária levada ao cinema. O tempo fez crescer sua beleza. Guy Green fotografou num preto e branco cheio de escuros e de brumas esta soberba história passada nos pântanos ingleses. Os primeiros trinta minutos são das coisas mais perfeitas já filmadas. É um filme que consegue nos levar ao mundo de Dickens com perfeição. Vi recentemente duas versões desse livro em cinema, um de 1998 e outra de 2012...Não servem nem como curiosidade. Este é o filme. Nota DEZ.



 
  

J.J. CALE...

   Um amigo acaba de me avizar que JJ Cale morreu.
   Já escrevi aqui, em algum lugar, sobre JJ. Tudo o que for escrever agora irá parecer óbvio. Começo falando que neste mundo de "ursinhos fofos", JJ não cabia.
   Ele estourou ( estourou? ) tarde. Muita gente gravou suas músicas e é dos poucos que foi sempre melhor no original. Sempre. Até Bryan Ferry o gravou. Em 1978. A versão de JJ é bem melhor.
   Aliás já aviso. After Midnight e Cocaine são obras-primas com JJ. Com Clapton são apenas Ok.
   JJ era  um cowboy. Relaxado, totalmente na dele. Seus discos pareciam filmes. Uma mistura de Bogart com Steve McQueen e alguma coisa do México. O som era sempre quente.
   Não vou dizer que rolou uma coincidência. Que eu ainda hoje escutei dois discos de JJ. Nada de estranho. Nos últimos dez anos eu sempre escutei JJ. Quando eu queria ouvir música e não sabia o que pegar ia na certeza: JJ.
   Estava lendo que quando Billy Wilder e William Wyler foram ao enterro de Ernst Lubistch, ao voltar para os carros Billy disse: "O triste é que nunca mais veremos Ernst Lubistch"; ao que Wyler respondeu: " O pior é que não teremos mais novos filmes de Lubistch".
   Senti a mesma coisa. Não haverá mais um novo disco de JJ para se descobrir.
   Perdi mais uma de minhas vozes.

JJ Cale - after midnight - studio live



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WEMBLEY, 8:30... T.REX, DITADURA, EU, BOWIE E MICKEY MOUSE

   Em 1972 eu tinha 9 anos. E lembro de ficar noites e noites lendo Mickey e Tio Patinhas. E desfilei no 7 de setembro. Foi o ano do Sesquicentenário da Independência. Na escola a gente fazia cartazes com Dom Pedro e José Bonifácio. Desfilei numa avenida, em formação militar. Coisas do fascismo tupi.
   Mas eu nada sabia. O que me pegava era o monte de gibis. ´´Aureos tempos do Homem Aranha. Na TV eu via só desenhos. Eram aqueles de sempre: Flintstones, Corrida Maluca, Zé Colméia, Pernalonga. Eu ia à escola com calças cor de vinho. Tinha também uma marrom. Outra azul claro. Boca Sino, claro. O tecido era uma droga! Um tipo de sintético que dava coceira e mal cheiro. Todo tecido era sintético! Tempo do Nylon, do tal Fio Escócia. Jeans? Só USTOP. Duro feito um pau. Era como vestir uma armadura. Eu usava também um casaco de Marujo. Azul marinho com botões de latão dourado. Caspa. Eu usava cabelos longos e tinha caspa. Caloi vermelha. Mas não é sobre nada disso que quero falar. Vou falar sobre o que eu NÃO sabia então.
   No cinema voce podia escolher entre O Poderoso Chefão e Cabaret. Era um tempo em que o big hit de bilheteria ainda se construía em cima de atores e história. Mas já havia O Destino do Poseidon. Houve Uma Vez Um Verão era pra chorar. A Noite Americana, O Discreto Charme da Burguesia, O Último Tango em Paris. As grandes estrelas em 1972 eram Steve McQueen, Paul Newman, Robert Redford, Jack Nicholson, Clint Eastwood, Dustin Hoffman, Marlon Brando. A revelação se chamava Al Pacino. E Diane Keaton. As atrizes big stars eram Jane Fonda e Barbra Streisand. Tinha ainda Woody Allen e Mel Brooks.
   Os escritores da moda eram Philip Roth, John Updike, Gore Vidal, Truman Capote e Tom Wolfe. Tinha ainda Borges, Marquez e Llosa. Sartre tava vivo e falava muito. Nabokov também.
   1972 tinha o boooom do xadrez. Isso mesmo, essa eu vi na época. A guerra fria usou a disputa do mundial entre Boris Spassky e Bobby Fisher pra ver quem era mais inteligente, americanos ou russos. Munique, Olimpíada. Terrorismo. Mark Spitz e Olga Korbuci. Vimos ao vivo. Lembro.
   Emerson Fittipaldi ganhou a F1. Lotus preta, ainda o F1 mais bonito da história.
   Muhammad Ali era o Anderson Silva de 72. Pelé ainda jogava. Mas os melhores eram Crujff e Beckembauer. O Ajax de Amsterdan era o melhor time do mundo. E aqui tínhamos Jairzinho, Cajú, Rivellino, Pedro Rocha, Ademir da Guia e Dirceu Lopes. O novato esperança se chamava Zico.
   O mundo pegava fogo. Ia acabar? Terrorismo na Europa. Baader Meinhoff na Alemanha querendo fazer de Bonn um centro maoísta. Na Itália as Brigadas Vermelhas. O ETA na Espanha e o IRA na Inglaterra.
   Nos EUA havia o Panteras Negras. Negros armados para fazer a revolução. Angela Davis foi presa. Lennon e Jane Fonda eram perseguidos.
   Eu lia o Manual do Tio Patinhas.
   E havia Rock. Muito rock. Foi uma época em que se comprava mais música estrangeira no Brasil que MPB.
   Transformer do Lou Reed. Harvest de Neil Young. Ziggy Stardust de Bowie. E ainda Led Zeppelin IV, Machine Head do Purple,  o primeiro disco do Steely Dan. The Band e seu disco ao vivo. A estréia de J J Cale. O começo do Kraftwerk. O primeiro disco do Roxy Music. Tago Mago do CAN. Exile on Main Street dos Stones...
   Lets Stay Together do Al Green e Lets Get It On de Marvin Gaye. E Superstition de Stevie Wonder. Catch a Fire-Bob Marley.
   Rocket Man de Elton John. E o melhor disco dos Faces, aquele que tem Stay With Me. Schools Out de Alice Cooper.
   Na época eu não ouvia nada disso. Eu ouvia rádio e conhecia de ouvir falar: Paul MacCartney, My Love; Michael Jackson, Ben; Bee Gees, I Started a Joke e os Monkees. Em 1972, por causa da TV, eu ainda amava os Monkees.
   O mundo pirou em 1968 e em 1972 havia algo de podre nesse mundo. As coisas eram muito radicais, tudo parecia "pra ontem", cada um queria ser mais "diferente" que o outro.
   Mas no meio disso tudo tinha o T. Rex. E o T. Rex era abominado pelos "inteligentinhos" de então. Porque Marc Bolan dava uma banana para a revolução. O que ele dizia era : "Eu amo meu Cadillac". As meninas adoravam Bolan. E não percebiam que ele era beeeeeem gay. Como dizia Liberace, só se nota o que se quer notar. Os meninos imitavam Bolan. E essa foi uma revolução que venceu. O rock inglês se tornou "Teatro". Nunca mais voltou a ser "Visceral". Pois mesmo Sex Pistols ou Clash ( que iam aos shows de Bolan ) faziam "teatro". Rock sujo e sem planejamento só nos EUA. Graças a Bolan. E a Bowie, que espertalhão, copiou tudo e deu uma sofisticada no rock simples do T. Rex.
   Dou um show deles aí abaixo, de presente pra voces. Tosco. Forte. Pop. No fim tem Ringo Starr. Vejam que é muito legal.
   Marc morreu em 1977 num carro on the road.
   Em 1977 eu descobri o Roxy Music. E essa é uma outra história...

PINK FLOYD BBC 1 1967 Astronomy Domine Unedited



leia e escreva já!

O DESESPERO HUMANO ( DOENÇA ATÉ A MORTE )- SOREN KIERKEGAARD

   Antes de falar especificamente sobre esta obra, vale frisar das diferenças cruciais entre Hegel e Kierkegaard, diferenças que dividiram toda a filosofia que veio após seu tempo. O básico é que Hegel acredita na história como coisa universal e ignora o eu. Para o alemão, a história nos faz ser aquilo que somos. Nossas vontades e nosso atos são consequência do nosso momento histórico. O eu pode ser pensado como uma ilusão. Não é preciso ser filósofo para perceber que isso vai dar no marxismo.
   Kierkegaard pensa de forma oposta. O eu é tudo. Estamos presos dentro da dialética que constitui o eu. Esse eu é tudo o que temos e tudo aquilo que podemos experimentar. Porque é para esse eu que sempre olhamos. Como consequência, SOMOS RESPONSÁVEIS POR TUDO O QUE FAZEMOS. Nós escolhemos ser o que somos, desejar aquilo que desejamos e sofrer o que sofremos. Quem lembrar do existencialismo está mais que certo.
   Kierkegaard escolheu e nunca culpou nada ou ninguém. Se sua vida foi sofrida, ele jamais se lamentou. Com seu eu ele fez aquilo que escolheu fazer. Após uma infância de riquesa material e de estudos impostos pelo pai ( com quem nunca rompeu ), ele escolheu uma juventude de prazeres e hedonismo e ao romper com sua noiva, mergulhou no isolamento e na reflexão. Tudo o que ele escreveu foi sentido na carne. Ele escolheu ser seu laboratório vivo. Claro é que isso dá um caráter personalista a sua filosofia. Mas é exatamente isso que o dinamarquês fala, ele diz que cada um experimenta sua própria experiência de eu. Ela é comum a todos nós, mas é COMPLETAMENTE INCOMUNICÁVEL E INTRANSFERÍVEL.
   Falo agora deste livro acima anunciado.
   Ler Soren Kierkegaard nunca é fácil. Ele exige de nós três coisas que nem todos podem querer usar. Comprometimento, disposição ao sofrimento e sinceridade. Todas essas três coisas em relação a si-mesmo. Sua filosofia opta pela vida para dentro e jamais para o mundo. Porque?
   Porque sofremos. Nascemos para envelhecer e daí para morrer. Normalmente estamos doentes ou iremos ficar doentes. Mas vem então a grande sacada do dinamarquês: Toda doença da carne, em homem ou em bicho, tende ao fim. Ela se extingue por si-mesma. Nela habita seu final, seja a cura ou seja a morte. A morte cessa a dor da carne. Mas não a dor do espírito.
   Porque não existe morte para o desespero. Não morremos de desespero. Podemos nos matar, mas isso não o extinguirá pois no ato de morrer por essa via o desespero continuará vivo até o fim. Isso, para ele, é o que mais nos diferencia dos bichos, esse desespero que é uma doença sem CAUSA E SEM FIM. SEM CURA PORTANTO.
   Kierkegaard diz que esse desespero está latente em todo humano. Ele pode ser disparado por um amor que acaba, pelo tédio ou pela doença da carne, mas na verdade o desespero existencial está presente desde sempre. É nossa condição de vida humana. Inescapável. Ou quase isso.
   Mas o que é esse desespero?
   Existiriam dois modos de se desesperar. E primeiro é preciso falar do eu.
   Só temos consciência de nosso eu ao olhar para ele. E esse eu é sempre coisa viva, dialética entre aquilo que se é e aquilo que se deseja ser. Nasce então o desespero. O desespero de se querer DEIXAR DE SER O EU ou A VONTADE VORAZ DE SER OUTRO. E saber, humanamente saber, que sempre se vai ser EU e que nunca, por mais que se deseje, será OUTRO. ( E penso que é um absurdo que um psicólogo sério não leia Kierkegaard ).
   Para ele, sómente humanos sofrem dessa doença sem solução. Mal insolúvel que de certo modo dignifica nossa condição de "ser à parte", "ser responsável" e de ser "em construção". Para ele, esse desespero é a chave para se entender o que seja ser uma pessoa, ser vivo, ser um homem espiritual.
  Vale aqui dizer que muitos negam essa doença e a vivem em forma de tédio e de vazio absoluto. Fogem do desespero pela religião do prazer, pelos sentidos exaltados. Prazeres que morrem e não podem ser vividos novamente. Efêmeros. Morte que se faz a cada gole e a cada trago.
   O desespero que é de todos, é assumido pelo homem em transição. Vem daí a teoria da religião de Kierkegaard, teoria que afirma que só a profunda experiência religiosa pode salvar o homem do desespero. Não entrarei nesse tema. Não é o tema deste livro e o próprio filósofo diz que a verdadeira experiência espiritual não pode ser comunicada em linguagem dos homens. Eu compactuo disso. Voce consegue falar de Deus quando voce procura por Ele. Ou quando O nega. Se voce O conhece é inutil e impossível falar.
   Segundo Kiekegaard, existindo a vida do espírito, toda doença da carne cessa com a morte e deixa de se fazer presente na vida eterna. O desespero permanece. Terrível não? Imaginar que todo o nosso desconforto possa ser "para sempre". É uma conclusão lógica já que se trata de uma dor da alma.
   Para concluir, pois isto é apenas um tipo de fofoca superficial que faço, ele me surpreende ao afirmar que a fonte do medo do homem jamais foi a certeza da morte. Foi sempre o não poder morrer. A dor da carne tem na morte seu fim. A dor da alma, que é o desespero, não aceita a morte. Cada segundo de desespero é uma eternidade. Sentimento que vem do nada, se faz presente e apaga o futuro. Dor que não leva à morte.
   Se tanto os homens primitivos como os homens de hoje encontram na religião a certeza do alivio das dores da carne e das fomes da vida, elas não podem prometer e não prometem, a cura do desespero na outra vida.
   Esse fado humano, essa sina, tem de ser vivida. Aqui- agora e também depois- além.
   A raiz de Kiekegaard, esse filósofo do terrível, se confunde então com a raiz do cristianismo. A vida é dor porque este reino é feito de carência. Jamais seremos completos. Suportar e não se lamentar. Confiar e ajudar. E jamais se esquecer.
   Viver com Dor. Ser gente enfim.

O VEREDITO, FILME DE SIDNEY LUMET, PAUL NEWMAN E DAVID MAMET...FINGIR AINDA ACREDITAR

   Roger Ebert gostava de dizer que os alunos de cinema não vêem mais os filmes de Fritz Lang, George Stevens ou William Wyler. E que mesmo de Ford ou Hawks conhecem só os mais conhecidos. Mas continuam vendo muito Hitchcock, Billy Wilder e John Huston. Well, não percebo muito de Huston ou de Wilder nos diretores atuais, mas sei que eles estudam muito o cinema dos diretores americanos que foram oriundos da TV ao vivo dos anos 50. Diretores que davam muito valor a atores e a roteiro, e não tanto a visual e produção. Aprenderam tudo nas peças ao vivo que dirigiam para a CBS e a NBC. Seus nomes são Robert Mulligan, Arthur Penn, John Frankenheimer, Sidney Pollack, Arthur Hill, Mike Nichols, Franklyn Schaffner e Sidney Lumet.  Ver os bons filmes desses homens é como ver os poucos bons filmes americanos que são feitos agora. O livro que fala da renovação em Hollywood, SEX, DRUGS E ROCKNROLL erra ao ignorar esse fato: a renovação começou em 1959, com 12 HOMENS E UMA SENTENÇA.
   Um grupo de críticos fez uma pesquisa e refez a lista dos vencedores do Oscar corrigindo as injustiças históricas. Desse modo, DR FANTÁSTICO vence em 1964 e 2001 ganha em 1968. Em 1982 não vence Gandhi e nem Richard Attenborough é o melhor diretor. Principalmente Ben Kingsley perde o Oscar para Paul Newman. Todos esses Oscars vão para O VEREDITO. Em 1982 ele concorreu a cinco prêmios e perdeu todos para Gandhi. Gandhi é um filme ok, mas o filme de Lumet é mais que isso. É provocador e parece ter sido feito hoje. Todo o bom cinema que ainda se faz está aqui. Cult em escolas de cinema, este é o filme básico para quem quer saber de onde vem o estilo de 2013. Lumet foi um super diretor.
   Já falo do filme. Antes devo dizer que nos extras do dvd vem a história da produção. Dustin Hoffman, Robert Redford e até Frank Sinatra queriam fazer o filme. O roteiro de David Mamet era disputado a tapa. Lumet escolheu Paul Newman. Ele fez o papel de forma tão visceral que ninguém entendeu o porque de ter perdido o prêmio ( na verdade perdeu pela Gandhimania que se fez na época ). Em 1985 Paul ganharia por A COR DO DINHEIRO, típica vitória de consolação. Premiaram o ator certo no filme errado.
   ( Um amigo me recorda: Nenhum ator tem tão poucos filmes ruins como Paul Newman. Pegar na locadora um filme com ele é quase certeza de acerto. Brando, Nicholson, Beatty, Depp, Brad, Clooney, Hoffman, Cruise, todos têm uma coleção assustadora de filmes muito ruins ).
   Newman é um advogado alcoólatra. Que caça clientes em funerais. Fundo do poço. Um amigo lhe dá um caso. Um erro médico que ocorreu durante um parto. Num hospital católico. O advogado que defenderá o hospital é o melhor da cidade. Papel do venerável James Mason. Paul Newman fracassa. Ele faz tudo errado, afinal, é um alcoólatra. Perde testemunhas, se atrapalha, não sabe o que fazer, sente muito medo. Um roteiro assim nas mãos de um diretor ruim viraria um melô ou uma comédia. Com Lumet não. Cheio de coragem, ele jamais negocia com o público. O filme é lento, as falas são ditas devagar, silêncios que dizem tudo entre as falas. Há várias tomadas que são inesquecíveis. Cito duas como exemplo.
   Newman vai ao hospital fotografar a vítima. Numa cena toda muda, ele se senta e pára de fotografar. Olha a moça na cama. E vemos no rosto desse maravilhoso ator o que ELE PENSA. Toma consciência de que ele tem estado errado. Algo precisa mudar. Mas o que?
   Outra cena acontece no escritório após mais um erro do advogado feito por Paul Newman. A câmera fica a meio metro do chão. Na altura dos joelhos de Paul. Paul se lamenta com seu amigo, Jack Warden. E Lumet ousa não cortar, deixa que os dois interpretem sem interrupção. A cena vai e vai e vai. A câmera não se move, não tem música, nada. Apenas texto e dois ótimos atores.
   O fim do filme é perfeito. E surpreendente. Aliás, o filme é perfeito.
   Lembro que no Oscar de 1982 torci por Gandhi. Não queria que vencesse um filme de tribunal, americano e com produção padrão. Gandhi eu vi na época. O Veredito, só agora. Sidney Lumet faz tudo o que o cinema de 2013 faz. Closes demais, iluminação escura e marrom, falas econômicas. Mas há uma diferença, o filme flui. Ficamos duas horas completamente hipnotizados.
   Não é um filme de tribunal. É sobre um homem.
   Uma frase do belo roteiro: Devemos fazer de conta que acreditamos na justiça. Porque se nem isso fizermos, nada fará mais sentido. Se desde o começo acreditarmos na injustiça, se nos acomodarmos e nem tentarmos fingir crer, bem...nada mais terá saída.
   Eu vi este filme a ainda finjo crer no cinema.

AS AVENTURAS DO SR. PICKWICK- CHARLES DICKENS

   Uma das maiores tragédias da história literária é o fato de Charles Dickens ter descoberto sua consciência social. Quando ele lançou Oliver Twist o estrago estava feito. Ele continuou, claro, a ser um grande autor, cânone da literatura inglesa ( mas não da irlandesa ), gênio criador de personalidades, inventor de rostos e de enredos. Sim, Dickens é tudo isso. Mas o fato é que o Dickens que escreveu Pickwick é uma das felicidades para todo leitor. Um soberbo humorista. Um satirista na bela tradição de Fielding e de Sterne.
   Os Pickwick Papers foram escritos em forma de seriado, como fascículos. Depois veio o lançamento em livro e foi essa obra que fez a fama de Dickens. É um autor que ainda não se enche de lágrimas ao falar de crianças injustiçadas e das misérias de Londres. Ele descreve a lama das ruas, as estalagens obscuras, a imensa Londres labiríntica, mas tudo num viés de humor.
   Quantos tipos ele sabe criar! Em cada página surge um novo personagem, mais uma história, outro clima. Ás vezes surge o horror, às vezes o melodrama, mas logo tudo é satirizado pela presença de Pickwick e seus amigos.
   Pickwick é o chefe de um clube. Seus membros saem pelos arredores de Londres em busca de aventura. Não são aventuras como as de um herói ou de um guerreiro. São aventuras de quatro homens gorduchos e de meia-idade da burguesia inglesa de então. Eles se envolvem em pic-nics, noivos fugitivos, jantares suntuosos, caçadas, excursões aos lagos. E muito mais. Nessas discretas aventuras surgem viúvas vaidosas, ladrões sorrateiros, párocos glutões, virgens fofoqueiras... Pickwick ouve suas histórias, deliciados as podemos ler.
   O bom livro tatua-se em nós. Li Pickwick a treze anos. Andei relendo-o agora. E surpresa! As cenas vão se reavivando em mim. Penso: "Então era neste livro que estava essa corrida de carruagens! Era aqui que falava esse malandro que lembra personagens de Monty Python!" Quem leu guardou sem saber que guardou. Tatuou.
   Pena que o livro termina. Livros assim deviam continuar para sempre. Porque amamos a companhia de sua gente. Queremos tê-los como amigos. Segredo do grande autor ( e dom maior de Dickens ), as personagens nascem e moram em nossa casa.
   Bem- Vindo Sr, Pickwick !

MONARQUIA, PAPA E TV.....bééééééééééééééééé.....

   Estamos tendo a chance de fazer um flash-back à época medieval. O Papa Francisco está entre nós. Ele, assim como sua religião, só fazem sentido se vistas sob o ponto de vista pré-Lutero, pré-Calvino. O catolicismo é religião de Uma única verdade, Uma única Terra e um ùnico Líder. O Papa. Tudo que a igreja romana diz fora desse dogma é verniz. Assim como o Islã, também medieval, o catolicismo prega a conversão e a fé única.
   Adoro Dante e Giotto. Talvez ser medieval seja um elogio. Mas em nosso tempinho transitório onde tudo pode ser verdade e nada é mentira, onde todos querem e ninguém se submete, Nada é mais "antigo" que um Papa.
   Ou um herdeiro ao trono inglês. A familia real britânica é bastante "vira-lata". Se a compararmos com a espanhola eles caem a posição de sub-vira-lata. Houve um momento em que a familia real caiu no buraco. Não havia herdeiro. Para que uma familia católica não voltasse ao poder foi importada uma familia alemã, o ramo de primos em segundo grau, os Hannover. Essa a familia real inglesa, alemães. Desde George, pai de Vitória. Ele nem inglês falava. No meu século, o XX, houve até um herdeiro nazista, Eduardo, o irmão do rei gago feito por Colin Firth no Discurso do Rei. Olhar para Andrew é ver um cara de Hamburgo.
   Caramba! Aprendi tudo isso com Paulo Francis e consegui escrever no estilo curto dele. Waaallll....
   Voce já foi ver Da Vinci e Rafael em SP? Não? Então vá! Outra chance só na Itália.
   Andei dando uma geral em séries de TV. Aquelas que "todo mundo" gosta. Todo mundo...hum...alguém fala mal delas? Acho que não pega bem né? Voce pode ser chamado de snob ou de brega, sei lá. Mas que é estranho é. Parece que ninguém se deu ao trabalho de as olhar com padrão elevado. São comparadas a filmes ruins ou a séries antigas que ninguém recorda. Ora, vamos lá! A fotografia continua a ser um lixo. O que mudou é que hoje 90% dos filmes também tem uma fotografia pobre, cheia de closes e cores frias. O que acontece é que esse povo, analfabeto estéticamente, vai comparar essas séries com o que? Outra coisa que se fala: Roteiros do caraca...hum....bons diálogos, é um fato. Mas é só isso. O único mérito é o de durar menos que um filme de cinema. São dez minutos de bons diálogos e o resto se repete na semana que vem.  Também se fala que "grandes atores" migram para a TV. Kevin Bacon? Charlie Sheen? Sigourney Weaver? Hugh Laurie? São todos atores sem mercado em cinema. Vou acreditar nisso quando Brad Pitt, Johnny Depp ou Robert Downey fizerem uma série de TV. Antes dos 60 anos claro.
   Abram os olhos e parem de crer na propaganda. TV continua a ser veículo de anúncios. O anunciante manda. E mesmo a "Meca da Arte", HBO, depende da vontade de suas centenas de donos de ações e dos anunciantes top. Quanto a FOX, Warner e Sony, elas fazem séries como vendem brinquedos, celulares ou tablets, criam um hype e mandam brasa. Tudo que vi nesses meses foram sets mal iluminados, atores falando baixinho, temas que variam entre doenças e serial killers e sempre um personagem neurotiquinho pra fazer tudo cheirar a coisa original. 
   Então tá Jeeves.
   Tem gente que não lê pra poder ver Saramandaia. Tem gente que não assiste sua caixa de Fritz Lang pra poder ver a novela das nove. Tem gente que deixou de ler pra ver as séries da Universal. Tudo a mesma coisa. Só muda a lingua e a iluminação do cenário. Lixo.
   Mas eles foram espertos. Em 1900 a burguesada queria posar de culta e chique. Como dormiam nas óperas de Wagner se criou Puccini para eles. Era ópera e lhes dava a ilusão de serem cultos e chiques. Espertamente a TV faz o mesmo. Vende lixo como se fosse "coisa fina". Puccini. Nem mesmo Rossini, é puro Puccini. Povo e críticos, esses cada vez mais tentando ser simpáticos, correm como ovelhas.
   Béeeeeeeeee.....

GIUSEPPE TORNATORE/ PETER SELLERS/ JOHNNY DEPP/ NEY MATOGROSSO/ SEAN CONNERY

  LUZ NAS TREVAS de Helena Ignez com Ney Matogrosso, Djiin Sganzerla, Paulo Goulart e vasto etc.
Nada aqui tem a ver com a realidade. E tudo é verdade. Eis o cinema! Mal feito, às vezes irritante por sua ambição e suas falas literárias. E ao mesmo tempo fascinante por seu jeito de labirinto onde todos são faunos. Na verdade: O Bandido da Luz Vermelha é o melhor filme brasileiro da história. Este, feito pela musa de Sganzerla, é sua continuação. O mundo mudou, hoje ele é mais violento, mais sem sentido, e mais crente no oculto ( estranho né? ). Em 68 o niilismo era maior e ao mesmo tempo a alegria maior. Fascinante! Ney dá um show! Carisma e o final é duca! O filme é invenção all the time. Mistura tudo. Brasil. Tem candomblé e rocknroll. Tem sexo e patifaria. Sangue com merda. E tudo parece fake, carnaval. Taba. As falas são de doer de tão ruins. Mas as imagens são magníficas. Uma das melhores falas da história: "Sempre sonhei em ter uma padaria em Cuiabá!" Hahahahahahah! Brasileiro é auto-negação. Contradição e jamais assumir nada. Ney é um diabo do ódio. O novo bandido é como são os bandidos de hoje: Nem nome tem... Lembro que quando criança eu acreditava no Bandido da Luz Vermelha. Meus primos diziam que já o tinham visto. Ele matava policiais no Caxingui. Eu botei fé. Ney canta na laje no fim do filme. Viva o Brasil! O cara é o retrato do que sobreviveu. Está com 70 anos! Mais jovem que eu e que tú. Nota Nada. Vou rever. Tem 3 histórias paralelas. Recuerdos, Ney na cadeia-inferno e o tal novo bandidode hoje. Minha alma cativa. Isso é cinema do Brasil. Disse.
   O SOM AO REDOR de Kléber Mendonça Filho
Na verdade é um documentário sociológico sobre um certo povo de uns certos quarteirões. Tudo aqui é real e nada parece verdade. Nunca vi atores tão ruins! Invenção nota zero. O filme é óbvio. Se voce quer ter uma aula de sociologia é aqui. Se voce quer um bom filme, sai correndo. Algumas cenas chocam. Pelo amadorismo. Acho que na faculdade a gente fez coisa mais bem feita hem Léo? Voce sabe, eu exijo um mínimo de competência. E o problema é: Assim como voce não se importa com um bando de dançarinos fazendo um show, o que me interessa nesse povo besta falando texto mal dito e mal ensaiado? Ver isto é tão fora da minha atenção quanto imagino ser Os Miseráveis para voce. Eu simplesmente não consegui me ligar. É muito blá blá blá. Valeu!
   BRANCA DE NEVE de Pablo Verger
Uma saída para o cinema: Vamos voltar a sentir e sem vergonha de ser bonito. O filme é todo superlativo. Imagem, trilha sonora e atores. Diverte e dá uma impressão de melancolia que não passa. Não consigo deixar de pensar nele. Cadê esse príncipe? Acorde menina! Se meus amigos o tivessem visto daria pano pra muita manga. É o melhor filme deste século de filmes banais. Está longe do espetáculo vazio ou do filminho de arte chocante e óbvio. É poesia e se comunica com todo mundo. Lindo. Nota DEZ.
   O FAROL DO FIM DO MUNDO de Kevin Billington com Kirk Douglas e Yul Brynner
Que filme bobo! Kirk, que é a única coisa boa aqui, vive em farol. Um bando de piratas invade a ilha e o filme mostra sua luta contra eles. Tudo dá errado neste filme. A ação parece falsa, a violência é exagerada, os outros atores são lamentáveis. Yul Brynner posa de "Sua alteza real Pirata". Nota 2.
   A MELHOR OFERTA de Giuseppe Tornatore com Geoffrey Rush, Donald Sutherland e Sylvia Hoeks
O diretor de Cinema Paradiso e de Malena faz seu "Hitchcock". O filme, que venceu vários prêmios italianos em 2013 e acho que ainda não passou por aqui, tem algo de Vertigo na obssessão de um homem solitário e neurótico por uma mulher misteriosa. A história se passa no mundo dos leilões de arte e é um filme bom de se olhar. Até agora não sei se o achei bom ou ruim. Há algo de muito tolo em seu roteiro. Eu simplesmente adivinhei tudo desde o começo. Mas há uma bela atuação de Rush, mais uma, e uma participação divertida do grande Sutherland. A menina é linda. E péssima atriz. Até a metade a gente torce, desejamos ver a menina, mas daí a "hitchcockerie" entra em parafuso e a coisa desanda. Nota 5.
   AS ILHAS DA CORRENTE de Franklyn J. Schaffner com George C. Scott e Claire Bloom
Se voce ama o livro de Heminguay, como eu, vai até gostar deste filme. Mas se voce não o leu, ou leu e não gostou, fuja disto. O filme é flácido, lento, sem motivo. Fala de um escultor que vive numa ilha. Recebe a visita dos 3 filhos, pescam e depois vem a ex-esposa o visitar. Ao final, uma tentativa de salvamento a fugitivos nazistas. Schaffner e Scott haviam ganho Oscars em 1970 com Patton, uma das poucas biografias do cinema que conseguem revelar o homem por detrás do óbvio. Uma obra-prima com roteiro do jovem Coppolla. Mas depois disso Schaffner só errou ( apesar do bom Papillon ). O que temos aqui é a linda fotografia de Fred Koenemkamp, o mar azul e a ilha cheia de vento e areia, e uma absoluta falta de emoção. É um filme ruim de que gosto por motivos puramente pessoais. Nota 3.
   EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA de Marc Forster com Johnny Depp, Kate Winslet, Julie Christie, Dustin Hoffman e Freddie Highmore
Não sei se fica claro no filme. Quando James Barrie escreveu Peter Pan ele já era um autor de sucesso. Posto isso...Que lindo filme! Lindo não por seu visual, que é menos do que poderia ter sido, mas pela beleza de suas emoções. Depp nasceu para esse tipo de papel, o frágil sonhador. Sabemos que Barrie era mais viril que Depp, mas e daí? Como artista que é, ele cria o homem que Barrie deveria ter sido. Aqui faço uma defesa de Johnny Depp. Ao contrário de Day-Lewis que só vai na certeza, Depp erra muito, porque se arrisca sem parar. É um maravilhoso ator lúdico, um ator que parece nunca levar a sério a profissão e tenho a certeza de que ele aprendeu isso com seu amigo Marlon Brando. Brincar. Em tempo de melhores roteiros Depp teria mais chances de acerto. O tipo de filme que ele procura, a diversão-excêntrica, não tem bons roteiristas atualmente. Kate não tem muito o que fazer aqui. Julie Christie, a venerável Julie de Doutor Jivago, faz uma mãe odiosa, enquanto Dustin se mostra o rei da simpatia. É dos poucos filmes que consegue mostrar o mecanismo da criação. Forster é um diretor ao velho estilo Hawks, filma de acordo com o roteiro. Um profissional. Deveriam existir mais como ele. Nota 9.
   O RATO QUE RUGE de Jack Arnold com Peter Sellers e Jean Seberg
Filme que era hiper reprisado na velha Sessão da Tarde. Comédia sobre o menor reino do mundo, Grã-Fenwick, que declara guerra aos EUA. A intenção é perder e assim ser reconstruído pelos americanos, repetindo o que foi feito no Japão e na Alemanha. Mas tudo dá errado. Eles vencem sem querer. Sellers faz três papéis: A rainha distraída, o primeiro ministro ganancioso e o herói atrapalhado. Peter Sellers é um dos poucos atores que merece ser chamado de gênio. Jean Seberg iria para a França após este filme. Filmar com Godard um tal de Acossado. Aqui ela está ainda mais bonita. Uma boa comédia. Nota 7.
   O GOLPE DE JOHN ANDERSON de Sidney Lumet com Sean Connery, Dyan Cannon, Martin Balsam e Christopher Walken
Este filme deveria ser refilmado. Pelo que sei, é o primeiro a exibir um mundo todo vigiado por câmeras e gravadores. Claro que são aparelhos ainda primtivos, o filme é de 1971, mas Lumet já percebe o incômodo na profusão de câmeras em elevadores, lojas, entradas de prédios. Sean Connery está sensacional como o ex-presidiário que trama um assalto a edifício. Entre os comparsas vemos o jovem Christopher Walken, é sua estréia no cinema. Muito carisma e o rosto de um jovem hippie muito maluco. O filme é dos anos 70, portanto espere muito realismo, nenhum glamour e um final pessimista. Lumet já exibe sua maestria em cortes e clima, o filme combina bem com Serpico, Um Dia de Cão e Network ( que carreira teve esse Lumet!!! ). Sean rouba o filme. O sexy James Bond prova mais uma vez aqui que ninguém nunca fez machões como ele sabia fazer. A trilha sonora, datada, tem jazz misturado a toques de sintetizador, autor: Quincy Jones. Boa diversão! Nota 7.
  
  
  

FEITIÇO DE AMOR E OUTROS CONTOS- LUDWIG TIECK

   Tudo aquilo que aprendi sobre o que seja o romantismo aqui se encontra em sua primeira e mais explícita versão. O maravilhoso da criação, o inusitado tratado como corriqueiro e a irrupção do sublime. Medo e desejo, morte e amor, essa a receita.
   Phantasus foi lançado em 1810. Este volume que tenho em mãos traz uma parte de Phantasus. Sete contos em que o fanta'stico surge em toda folha. Foi quando de seu lancamento um grande sucesso. Tieck tornou-se mais popular que Goethe e influi em todo o movimento artistico da Alemanha. Amigo de Schlegel, Novalis e Brentano, sua longa vida foi sempre a busca do surpreendente. Vamos aos contos.
    O Loiro Eckbert da' o tom. A solita'ria vida nos bosques, a sina maldita, a vida que vira sonho, e o sonho pesadelo. A montanha como obsta'culo a ser vencido. Assustador, o livro e' para invernos gelados.
   A Montanha das Runas da' muito medo. E muito prazer. Ler Tieck nos faz reencontrar o prazer da narrativa. Ele escreve como um avo contando coisas ao canto do fogo da lareira.
   Os Elfos e' meu favorito. O fatalismo cruel da humanidade, o azar, o desconhecimento. Mais que tudo, este conto magistral adverte o castigo advindo da indiferenca a natureza, do negar nossa parte bicho, nossa parte irracional. Uma obra-prima.
   Feitico de Amor entre todos o mais triste. Melancolia e loucura. Tieck descreve o que hoje seria um caso de mania depressiva. Aqui se faz magia. Para ler como delirio.
    O Ca'lice e' o mais belo. E o u'nico com final realmente feliz.
   Termina o volume com Eckart Fiel, sonho medieval de virilidade.
   Lemos como quem sonha e o fato destes contos terem sido em 1810 aquilo que hoje seria um best-seller, serve para testemunhar o bom ni'vel do primeiro romantismo. ( Mas vale dizer, o romantismo tardio seria uma fonte do pior dos piores ).
   Hedra Editora, facil de achar, compre e leia nas suas noites de melancolia.

AS ILHAS DA CORRENTE- HEMINGUAY

   Heminguay teve uma influência tremenda em minha vida. E sobre a vida da América, claro. O SOL TAMBÉM SE LEVANTA é o que li mais vezes, mas este vem logo em seguida. Há uma diferença radical entre os dois. O SOL é do jovem Heminguay. É considerado seu melhor livro, escrito nos anos 20 e talvez melhor que o Gatsby de seu rival cordial, Fitzgerald.
   AS ILHAS DA CORRENTE é de sua maturidade e tem a fama de ser um dentre os vários livros "problema" de Heminguay. Eu adoro esse livro, tanto que já o reli mais de 4 vezes. Até a receita de um almoço descrito no livro eu fiz e faço. Mas aqui vale um senão.
   Adoro esse livro porque o personagem central vive onde eu queria viver, e se comporta de uma maneira que incorporei como "minha". Quando um leitor se identifica com uma personagem fica um pouco comprometida sua avaliação. Críticos deveriam confessar isso mais vezes. Eles podem adorar um livro, ou um filme, apenas pelo fato de que o herói da coisa é aquele que ele pensa ser ou adoraria ter sido. O público em geral se guia sempre, ou quase sempre, por esse padrão. Mas quem ganha dinheiro para escrever sobre estilo e criação deveria tomar mais cuidado. A VERDADEIRA grande obra tem um pouco de cada um de nós e ao mesmo tempo cria seres que são únicos.
   Desse modo, se me identifico com o Heathcliff do MORRO DOS VENTOS UIVANTES não há o mesmo tipo de problema, pois todo homem apaixonado se identifica com Heathcliff e ao mesmo tempo sabe que nunca é Heathcliff. Enquanto percebe ser Heathcliff ele sente que Heathcliff não pode existir pois está além do humano. Ele é arte.
   Isso não acontece aqui. Ao contrário de Jake Barnes, que no SOL é universal, o escritor que vive numa ilha deste livro é particular. Um belo personagem, não uma obra de arte, ele é incompleto. Quem não se identificar com ele não verá valor neste livro. Por outro lado, para sentir a grandeza do MORRO não é preciso identificação com Heathcliff.
   Mas há belo valor em se criar um personagem que toca a alguém. Que tocou um brasileiro de 20 anos e que ainda toca o mesmo cara aos 50.
   O livro fala de um escritor, ácido, que vive numa ilha perto de Cuba. Não é uma ilha isolada. Ele tem amigos lá, e amigas. Seu grande amigo é um drunk radical. Então ele recebe a visita de seus 3 filhos. Pescam em alto-mar. Acontece uma tragédia e ele reencontra sua ex-esposa. O enredo é esse, mas não é isso que me interessa. O que me seduz são seus tempos vazios. Heminguay descreve comida, fala de drinks e de iscas. É esse lado "desimportante" que releio. O cotidiano vulgar da ilha.
   Foi exatamente esse lado "vazio", esse divagar, que fez a ira da crítica e fez do livro um fiasco. Eu adoro. Jamais vou achá-lo tão bom como O SOL..., mas é um livro que sempre estará comigo.
   Não é coisa pouca.

GLASTONBURY FAYRE (1971,UK) part - 1



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GLASTONBURY E O MUNDO É DAS MULHERES ( E SERÁ QUE ELAS GOSTAM DISSO ? )

   Imagens de Glastonbury em 1971. É o segundo ano da coisa. O "dono" do festival, agora, em 2013, ainda é o mesmo. Mas tudo mudou. Pra pior? Pra melhor? Sei lá.
   Vejo as imagens. Fato primeiro, as pessoas com 18 anos pareciam mais velhas. Ninguém tem cara de "vitaminado" ou de "malhado". São pessoas feias. Sujas. Os corpos parecem flácidos, mal cuidados. Os cabelos são imundos.
   Fato segundo. Voce não vê duas pessoas parecidas. Rostos e roupas possuem uma variedade absoluta. Isso choca e é um dos fatos que mais me deixa abilolado nas escolas onde vou: em 2013 todo mundo se parece. Existem cerca de quatro "tipos" e todos se encaixam nesse padrão. Tem o barbudo boa gente, o tímido de óculos, o delicado de camisa e o black descolado. As variações dentro desse padrão são mínimas. A tendência é a coisa ficar cada vez mais igual. Na minha escola temos só dois tipos!!!! O moreno magrinho de boné, do funk, e o cabelinho empastado, de preto, do rock. E é só. Até gays, que eram hiper criativos hoje seguem um tipo padrão. Puá!!!!
   Fato três. Glastonbury era menos show e mais experiência. O centro do evento era a "celebração do solstício de verão". Toda a coisa girava ao redor de mitologias celtas, bruxarias exóticas e as tais "expansões da mente, dude". Na verdade o palco era secundário. A banda fazia a trilha sonora para a "coisa". Hoje Glastonbury é apenas mais um festival de rock. Onde até velhos milionários tocam.
   Fato quatro. Nessa coisa dionisíaca o som ia pra onde desse na telha. Toda banda tinha de saber improvisar. O músico sentia o "astral" e ia nessa direção. E quem ditava o astral era a platéia. Hoje a banda dirige o povo. Ela cria o astral que é sempre uma festa de teens. Não existe perigo algum. Tá tudo dominado.
   Fato cinco. A Tv transmite ao vivo. Sem chance de alguma coisa fora da programação.
   Fato final. As bandas tocam bem agora. E são profissionais. E bonitinhos. So cute and so cool. Do bem, sempre. Viva!
   PS: Em 1971 mamãe teve medo. Hoje mamãe me leva lá.
   Sobre as mulheres.
   Toda banda é para as meninas. Fora o metal mais radical, tudo hoje tem por alvo as meninas. São letras com emoções femininas e que falam coisas gracinha. Ecologia, neuroses, amor, medo, esperança, dor. Há uma ausência de temas "machistas". Carros, estradas, velocidade, bebidas e mulheres fáceis. No rock? Por isso que adoro rap. O rock virou som de castratti.
   OK, tou sendo bobo e radical. Tem excessões. Claro que tem! Mas 90% é só um cara "sensível" chorando suas mágoas. Elton John hoje seria considerado um cara feliz e Donovan seria viril.
   O mundo se feminilizou, estava falando sobre isso com um cara que tem uma banda. E no fundo as mulheres morrem de ansiedade. Não encontram mais homens-homens ( não sou esse cara ). Ficam com barbudinhos sensíveis ou bebedores de cerveja compreensivos. Elas namoram esses caras. Gozam?
   Vi um Chevy 1971 na rua. Em 1971 todo carro parecia ser carro de malandro. Transpiravam sexo. Liberdade. O carro era fálico. Hoje eles são redondinhos como bundinhas de bebê. Carros de familia.
   Né não?

Steve Winwood - CAN'T FIND MY WAY BACK HOME (Live)



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TRAFFIC - Paper sun (1967)



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UMA LINDA HISTÓRIA DE UMA BANDA MUITO ESPECIAL

  A vida toda estive atrás de uma menina, ela não tem rosto, não tem nome e nenhum número...Ela está dentro de mim...
   Esse o mote de "No Face, No Name, No Number", faixa do primeiro disco do Traffic, 1967. Todo o romantismo inglês explicitado na mais romântica das bandas do lado de lá do Atlântico. Caramba! Como pode isso! Entre She Loves You e o Traffic se passaram apenas quatro anos??? Parecem décadas!
   Em 1966 uma banda chamada Spencer Davis Group estourou com duas canções número 1 nas paradas: I Am A Man e depois Gimme Some Lovin'. No vocal um garoto de 16 anos, Steve Winwood. Começaram a dizer que era o novo Ray Charles ( NÂO ). Se os EUA tinham Little Stevie Wonder, a GB tinha Little Steve Winwood.
   Porém, com 16 anos, Steve já era aquilo que é até hoje, a reencarnação de Wordsworth. Ficou puto por ter virado Pop e se mandou para o campo com uns amigos pouco mais velhos. Lá, em Yorkshire, cercados de vários chás, ácido e muita erva, formaram uma banda de "boas vibrações". Nascia o Traffic.
   Boas energias...inexiste agressividade no Traffic. E abundam erros técnicos. Steve é um grande músico e um hiper cantor. Sabe tocar guitarra, teclados, baixo e bateria. Já gravou discos em que ele toca tudo. E Dave Mason, guitarrista do Traffic era excelente. Mas Chris Wood e Jim Capaldi só ficaram no grupo por serem brothers e terem alto astral. Chris era um desastre no sax, flauta e teclados e Capaldi acabou por desistir da batera e virar um surpreendente bom cantor. Well....continuando...
   Chapados e fixados em símbolos celtas, yoga e astrologia, os quatro assinaram com uma nova e pequena gravadora, a Island. E gravaram um single e um LP. Na produção botaram outro novato, Jimmy Miller. O que rolou? Mais sucesso inesperado!
    Chris Blackwell, dono da Island, acabou sendo o poderoso descobridor de Bob Marley e lançador do Roxy Music, do King Crimson e do ELP. Depois seria a casa do U2. Jimmy Miller fez tanto sucesso como produtor dos três primeiros Lps do Traffic que os Rolling Stones logo o chamaram e roubaram Milller de Winwood. Com Jimmy Milller os Stones gravariam TODOS os seus discos entre 1968 e 1974, ou seja, seus melhores trabalhos. Mas porque Miller fez tanto sucesso como produtor?
   Tenho esses três Lps em vinil e em CD. Tente ouvir em vinil e please, não baixe. Os dois primeiros LPs do Traffic são considerados até hoje uma obra-prima em termos de som estereofônico. São feitos para se escutar com fone de ouvido. Experimente. Os instrumentos ficam o tempo todo dançando entre a direita e a esquerda. Sons aparecem no ouvido esquerdo, voam para o direito e voltam. Ruídos aqui e não lá, lá e não aqui. Um grito aqui. Um solo que vai para lá. É um som espacial, ele anda, caminha dentro da cabeça de quem escuta. É uma arte perdida.
   Steve Winwood é uma pessoa amável. Calma. De sorriso suave. Gravou com TODO mundo. Era amigo de todo mundo. Posso lembrar agora de Eric Clapton, Jimmy Hendrix, Marianne Faithfull, George Harrison, Pete Townshend, e vasto etc. Todos tiveram banda ou gravaram com ele. O Traffic acabou em 1970, voltou em 1971 e voltou a terminar em 1974. Daí a carreira solo. Com 24 anos em 1974, Steve Winwood já tinha quatro bandas de sucesso nas costas e um monte de trips para contar.
   Jim Capaldi mora a trinta anos no Rio. Gravou até com Ritchie. Lança disco em Londres de vez em quando. É maluco pelo Arpoador e pelas mulheres do Brasil. Chris Wood morreu nos anos 80. Dave Mason tentou carreira solo e virou requisitado guitarrista. Seu mais famoso trabalho é no Beggar's Banquet dos Stones. Sim. Algumas daquelas guitarras de aço são dele. E Steve Winwood enveredou pelo Pop. Como ocorreu com tanto ex-maludo hippie, ele assumiu que seu amor maior sempre foi a soul music de Marvin Gaye e de Sam Cooke e foi por essa senda.
   Acabo de reouvir pela milionésima vez o Best Of do Traffic. Tenho esse vinil desde 1979. É um disco perigoso. Há algo de muito escuro nele, de muito onírico e voce pode se perder dentro dele e não voltar nunca mais. Pior, pode não querer voltar. É bonito.
   PS: Postei esse video de Glastonbury em 1971. Jim Capaldi é aquele com o pandeiro no microfone. Winwood está ao teclado, cantando. O show é absolutamente dionisíaco. Enjoy. Voce merece isso!

Winwood Glastonbury 1971 TRAFFIC



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Traffic - 40,000 Headmen



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SOBRE O MELHOR FILME ( E A CONDIÇÃO DA ARTE HOJE )

   A principal característica da arte moderna é seu caráter desmistificador. Em 1850 se desmistificava a familia e o dinheiro. Em 1900 a religião e o poder. Em 1930 o sexo e a razão. A arte moderna teve sua função: liberar a criatividade. Pagou um preço: desmistificou e vulgarizou a própria arte. Como bem disse Benjamin, perdeu a aura. Tornou-se uma atividade industrial, como fazer remédios ou carros.
   Pessoas ingênuas, ou que começam a conhecer arte moderna somente agora, pensam que tudo se iniciou em 1990 ou 1980 ( começou com Byron em 1800 ), acham que a imagem de um padre de lingerie comendo um menino, ou uma vagina em close com giletes ao redor, ou mãos sendo trucidadas por formigas, seja o máximo do moderno. Não sabem que são meros símbolos de sintomas espirituais. A arte se tornou campo favorável a todo tipo de cínico ou de desajustado radical. Saiba, todo artista é um desajustado, mas nem todo desajustado é artista.
   O cinema em cem anos viveu como num flash toda a história dos mais de 3000 anos de arte. Tivemos o privitivismo, o gótico, clássicos, romantismo, renascença, românticos e realistas. Tivemos expressionistas e cubistas, naturalismo e abstratos. Agora vivemos o niilismo absoluto. A ironia deixou de ser inteligência construtiva e passou a ser um fim em si-mesma.  Pensar no futuro deveria ser reconstruir e não continuar a destruir aquilo que já é ruína. Mais filmes sobre heróis desesperados, mais filmes sobre mocinhas suicidas, mais filmes sobre taras mentais....tudo isso é pisar sobre pegadas velhas, pintar de novo verniz o que já foi repintado milhares de vezes. A nova arte deve se ocupar de criar e revigorar, nunca de explodir. Tudo já explodiu a muito tempo atrás.
   Os filmes têm se ocupado, faz décadas, de destruir mitos. No começo isso foi ótimo. Era ótimo poder ver um western com um cowboy drogado, ou um romance em que a mocinha era lésbica. Nos dava um sopro de novidade e a liberdade de poder satirizar. O que vale isso agora?
   Mais um filme sobre freiras taradas, mais um filme sobre um vampiro impotente, mais contos de fada irônicos, mais sangue, explosões e amputações. Com Sam Peckimpah havia um sentido anarquista para a explicitação da violência. E agora? Apenas ato mecãnico. Mais do mesmo. Como é mais do mesmo mais um filme de arte com casais que se mordem, adolescentes que se drogam ou vovôs taradinhos. Imagens de crucifixos com sangue, masturbação explícita ou diálogos sobre o vazio...Onde a novidade? É chocante? Para quem? Traz novas ideias? Quais?
   Quando BRANCA DE NEVE derrama uma lágrima ao fim do filme a coisa pega. Um milhão de sentidos e sentimentos revivem. O que?
   Matamos a beleza. Ao vender beijos da bela mocinha e transformar sua maldição em freak-show o filme consegue explicitar o mal de toda arte moderna. Sim relativista, existe um mal na arte moderna. A dessacralização da beleza e do espírito trouxe de troco nossa incapacidade de apreciar e de perceber o sagrado e o belo. Branca jamais irá acordar e é isso que nos comove no fim do filme. Não é mais possível a existência de um príncipe que a desperte e pior que tudo, ela sabe disso. Em 2013 sua maldição será para sempre. O príncipe não virá porque esse príncipe iria rir de sua própria condição, ele não iria crer em Branca, seria um homem cool e homens cool não dão beijos para despertar alguém.
   Desconheço um filme feito de 2000 para cá com tão urgente mensagem. Nada nele é cool, nada nele é chocante. Não há espetáculo, inexiste a ironia. Ele é sério, forte e dolorido, e ao mesmo tempo tem uma simplicidade infantil.
   A Terra foi arrasada séculos atrás.
   Não seria a hora de despertar?

O MELHOR FILME DESTE SÉCULO- BRANCA DE NEVE, PABLO VERGER.

   É o melhor filme deste século. Emocionalmente arrasador, com uma complexidade visual arrebatadora, se torna para mim muito dificil falar de uma obra que traz a dignidade de volta a uma arte tão corrompida.
   Dignidade. Não existe ironia neste filme. Tudo nele demonstra um amor profundo ao cinema. São minutos de comunhão, de fé nos filmes. Para alguém que como eu cresceu apaixonado pelos atores e pelos diretores, ver esta magnífica surpresa traz alegria e lembranças. Alguém ainda ama a arte da imagem em movimento. Aleluia!
   Sim, porque aqui temos Cinema. Não importa o que o filme diz, o que ele simboliza, não importa sua literatura ou sua filosofia, o que temos aqui é cinema puro e só cinema. Arte que se ergue a altura da literatura com filmes como este. Arte que não procura ser livro ou pintura, arte que é corte, ação e ritmo. Poesia sem palavras.
   Não recordo quem falou que filmes silenciosos são como sonhos. Os falados são vida acordada. Este filme é um sonho. Por favor, não é um sonho intelectual. Não analise-o! Sonhe junto. Seja feliz.
   Disse que é o melhor filme feitos nos últimos 13 anos. Ele é. Nenhum filme chegou perto da emoção que acabo de sentir. Chorei no começo ( pela beleza estarrecedora do filme ) e desabei no final ( pelo sublime, o mágico sublime, a mistura de beleza com tristeza do final inesquecível ).
   Algumas cenas não são apenas as melhores deste tempo sem cenas belas. São das mais belas de todo o cinema. Toda a sequência do batismo por exemplo. Um delírio de cortes rápidos e contrastes entre sombras e sol, entre véus e pó. Rostos e gestos. Ou a cena mágica no quarto do pai, o encontro entre duas saudades. O filme, como todo poema, nunca teme a emoção, mergulha nela. A gente vai junto.
   Todo o final, desde o inicio do show no circo até o fim do filme é das coisas mais perfeitas que já vi em cinema. Há grotesco, trágico, cômico, belo e horrível, tudo nesses dez minutos finais. E o fim do filme, desde já um dos mais tristes e surpreendentes. Tenho mais de quarenta anos vendo filmes e digo para vocês, poucas vezes senti um nó na garganta tão dolorido.
   Não, não vou falar desse final. Mas é criada absurda emoção com uma lágrima que escorre. Cena de antologia, digna de Cocteau, Murnau ou de Powell.
    Termino testemunhando a beleza do preto e branco. Nele tudo fica atemporal. Tudo fica com aspecto de sonho, de irrealidade. Todo rosto vira obra estética. Tudo fica parecendo "pra sempre". Já na primeira cena, a praça de touros em Sevilha e o povo andando rumo a tourada, somos tomados por essa verdade, o onírico icônico do preto e branco.
    Digno de Dreyer, é um p/b de veludo. Digno de Vigo, é um filme lindo.
    O cinema ainda vive! Olé!

MASAYUKI SUO/ KATE WINSLET/ MICHAEL DOUGLAS/ LANG/ KEVIN KLINE

   ATRÁS DO CANDELABRO de Steven Soderbergh com Michael Douglas, Matt Damon, Debbie Reynolds e Rob Lowe
Soderbergh consegue algo muito dificil, pegar um tema "brega", exagerado, over, e fazer com que ele jamais caia na ironia, na comédia. Nem drama, nem comédia, jamais frio ou boring. Escrevi sobre o filme abaixo, Liberace foi um superstar queridinho da direita americana. O fato de seu público jamais suspeitar de sua homossexualidade é um mistério. Michael Douglas consegue ser Liberace sem parecer fake. Liberace já era uma caricatura natural, Douglas faz um milagre, consegue deixar Liberace humano sem deixar de ser "Liberace". Damon está ótimo. Natural, não forçado. Na verdade até Lowe está ótimo. Debbie Reynolds está de volta, a mítica estrela adorável de Cantando na Chuva, é a mãe de Liberace. Soderbergh diz que cansou de mendingar dinheiro a produtores idiotas. Será? Vale aqui um adendo: Produtores sempre brigaram com diretores. Ninguém gosta de perder dinheiro. A diferença é que Jack Warner ou Irving Thalberg adoravam filmes. Só sabiam viver de cinema, amavam salas de exibição, atrizes, roteiros, sets. Hoje os produtores mal viram um filme de Hitchcock. É gente que entra no ramo como forma de fazer dois bilhões. Pouco se importam com os filmes, têem outros investimentos, cinema é um entre muitos. Isso faz toda a diferença. São inacessíveis para quem não fala de capital e de dividendos. Mataram o filme médio. Investem em produções caras e jogam esmolas para filminhos minúsculos. O filme médio, aquele tipo de filme que era feito por Hitchcock ou Ford, esse morreu.... Quanto a Liberace, eis um bom filme médio. Nota 7.
   CASAMENTO PROIBIDO de Fritz Lang com Sylvia Sidney e George Raft
Raras vezes vi um filme tão esquisito. Lang diz numa entrevista que tentou fazer um filme educativo, como as peças de Brecht. Usou Kurt Weill neste filme. Fala de uma loja onde trabalham ex-presidiários. O filme fala de segunda chance. Daí vemos um casal que se ama e se casa. Mas ela esconde dele seu passado, foi uma detenta. O marido volta às más companhias e tenta assaltar a loja. Ela demonstra aos bandidos como roubar não dá lucros. Numa lousa ela mostra por a mais b que o lucro de um assalto é muito baixo. E o filme é isso: comédia? drama? lição? O que é? Nenhum diretor icônico errou tanto como o grande Fritz Lang. Morreu correndo riscos, sempre. Este é um de seus maiores erros. Nota 3.
   PARKER de Taylor Hackford com Jason Statham, Jennifer Lopez e Nick Nolte
Será que o veterano diretor de "Ray" consegue fazer um filme de ação? Este começa mal. Sangue demais e nenhum humor. Statham é um ladrão. Traído pelos comparsas ele parte para a vingança. O filme encontra seu tom quando Jennifer entra em cena. Aí ele cresce e se torna mais leve e mais esperto. Ela é uma corretora de imóveis que é envolvida sem querer. Bonita, Jennifer Lopez sofre a maldição das cantoras que querem ser atrizes, é subestimada. Não é pior que René Zellweger ou que Sandra Bullock, mas Sandra e René não cantam, são atrizes "de verdade". Ela traz humor ao filme. A ação melhora, Jason se humaniza. O filme, que era ruim, fica bom. Hackford é competente. Nota 5.
   OS CHACAIS DO OESTE de Burt Kennedy com John Wayne, Ann Margret, Rod Taylor
Wayne em fim de carreira e mais um de seus westerns humorísticos. Bom passatempo numa história que conta a busca por dinheiro roubado. Boa fotografia e quase nada de trama. Nota 5.
   RAÇA BRAVA de Andrew V. McLaglen com James Stewart, Maureen O'Hara, Brian Keith e Juliet Mills
Keith dá um show como um escocês criador de gado no Texas. O filme fala de um boi de raça inglesa, que uma viúva tenta implantar nos EUA. Parece um tema bobo, ele é. Mas levado com bom-humor se torna um gostoso e divertido filme. Stewart se diverte fazendo seu tipo padrão. O caipira bom de cintura. Nota 6.
   LIFE AS A HOUSE de Irwin Winkler com Kevin Kline, Kristin Scott Thomas, Jena Malone
Um homem a morte resolve antes de se ir construir a casa de seus sonhos. Sim, lembra "Viver!" a obra-prima de Kurosawa sobre a morte. E é claro que não chega perto. Mas não é ruim. Kline é sempre um bom ator e aqui ele faz uma bela composição. Seu personagem é um desajeitado, um perdedor, mas nunca chorão. O filme é meio frio. Winkler é um grande produtor veterano que às vezes resolve brincar de ser diretor. Nunca acertou um grande filme, mas também não comete asneiras. Nota 6.
   IRIS de Richard Eyre com Judi Dench, Jim Broadbent e Kate Winslet
Sim, ela é a grande Iris Murdoch, uma das melhores autoras inglesas. A vemos aqui em dois momentos: na velhice, com parkinson, e na faculdade, descobrindo a filosofia de sua vida. Nos dois estágios ela é sempre confiante, radiante e corajosa. Judi Dench brilha intensamente. Nunca sentimos pena de Iris. Ela tem tanta vida que vive a doença. Kate Winslet está muito bem. Sua Iris é uma egocêntrica sonhadora. Jim Broadbent está a altura de Judi. O filme na verdade é todo dele. Emocionante. Nota 7.
   HOLY SMOKE de Jane Campion com Kate Winslet e Harvey Keitel
O pior filme de Kate ( e ela tem muitos ruins ) e o pior de Harvey ( que tem toneladas de lixos ). Ela é uma doidona que é tratada pelo esquisito Keitel. Jane Campion dirige mais doida que os dois, o filme não faz sentido. Se voce quer ver Kate Winslet urinar de pé, este é seu filme. Nota ZERO.
   O SEGREDO DE ROAN INISH de John Sayles
Filmado na costa oeste da Irlanda, em meio aos pescadores, este filme lento fala de uma menina que visita seus avôs. Irá conhecer as lendas do lugar. Quase nada acontece. Mas é bom de ver. E tem uma linda trilha sonora. Nota 6.
   VEM DANÇAR COMIGO de Masayuki Suo
É considerado um dos melhores filmes japoneses dos anos 90. Eu o considero uma obra-prima. Simples, triste, leve, fala de um funcionário de escritório, casado e timido, que resolve ter aulas de dança de salão. Ele e a professora têm um flerte, mas que dá em nada. Ele continua com a esposa. Tudo isso contado de forma velada, secreta, emocionante. É uma obra sobre os amores reprimidos, sobre vidas não vividas, ou então sobre o espírito da beleza e a delicadeza dos sentimentos. No final, há um concurso de danças, momento hilário que casa com a delicadeza do resto. Voce vai se apaixonar pelo filme e pelos personagens. É um filme inesquecível !!!! Nota DEZ!!!!!!!!

TEMPO PRA LER E TEMPO PRA ESCREVER

Que belo texto de Ignácio de Loyola Brandão sobre livros! Ele fala de suas tardes na biblioteca do interior, na adolescência,a edicão censurada de Dorian Gray que ele leu na época...A luz fraca da biblioteca, o luxo do prédio, das mesas, o prazer de viver imerso nesse tempo "fora do tempo""criado pelos livros.                    
   Também tive meu tempo de vida fora da vida. Também tive minha luz fraca e as sombras deliciosamente confortantes onde eu me acomodava e lia. lia. lia...Em um ano, como aconteceu com Inácio; descobri tudo. Foi Dickens, Balzac, Kafka, Voltaire, Hugo, Tolstoi, Jack London, Pushkin, Hardy, Emily Bronte e Sartre. Eu não vivia aqui e agora, meu tempo podia ser 1770 ou 1900, dependia do que eu lia. Noites lendo, o abajur coberto por um pano para escurecer o ambiente, para parecer que era 1800. me apaixonava pelas heroínas de Bronte e de Dickens, queria ser Heathcliff. O amor era pelos livros, mas eu ainda não sabia. Twain, Stendhal, Dostoievski, Flaubert, tudo conheci naquele ano.
   Depois também adentrei o luxo de uma biblioteca, a do Mackenzie, com seu cheiro velho, as estantes imensas e pesadas, os cantos escuros. Ainda será assim?
    Ao mesmo tempo leio que saiu agora mais uma bio de Jack London. E penso...London foi marinheiro, mineiro, andarilho, aventureiro, viajante. De origem muito pobre, se auto-educou, leu tudo, muito romance e muita filosofia. Adorava Marx e Nietzsche. Esteve no Alasca, na Califórnia, nos mares do sul, tudo atrás de dinheiro e depois de experiência. E, vivendo apenas 40 anos, ainda escreveu vinte livros, mais teatro e contos. Bem, o que pergunto é; onde ele achou tanto tempo?
   Não há como negar; o mundo tecnológico nos encurtou o tempo. Amigos meus adiam a mais de dez anos a leitura dos "grandes livros". Não há tempo para ler ou para escrever. Trabalhamos muito e ao voltar para casa somos abduzidos pela internet, pela TV ou pelo fone. Nada contra, mas voce não vai guardar grandes lembrancas de noites na TV ou de viagens na internet. Eu sinto isso, são vivências pobres. Tempo sem peso, sem grande significado. Tempo roubado.
   Lemos com pressa, escrevemos sem estilo, sem ambicão.
  

Behind the Candelabra Trailer (Matt Damon - Michael Douglas )



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Elton John- Lucy in the Sky with Diamonds



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LIBERACE, FILME DE STEVEN SODERBERGH, ÉRAMOS BREGAS E AMÁVAMOS ISSO.

   Há um certo momento neste último filme de Soderbergh, em que Liberace diz: "As pessoas só percebem aquilo que desejam perceber". É uma frase que vale toda uma filosofia, e ao escutar essa fala percebo o porque de ter desprezado tanto a entrevista no Roda Viva com o tal filósofo estrela, ele falou apenas aquilo que os entrevistadores desejavam ouvir. Marxismo, pscicanálise e críticas fortes a tecnologia, ingredientes que agradarão todo jornalista "consciente" e todo estudante da PUC-USP. Well...devo dizer que este filme corre o risco de não agradar ninguém. Inclusive eu não consigo saber se gostei ou não. Os atores, todos, dão um show. Michael Douglas vira Liberace, esquecemos completamente que aquele é Michael Douglas. Matt Damon demonstra coragem e entrega ao papel muito dificil. E até mesmo Rob Lowe está fantástico como um tipo de Dr.Rey dos anos 70. O roteiro, de Richard Lagravenesse, nunca fica chato, ele anda e anda, e a fotografia, apesar da pobreza do digital, com suas faces sempre avermelhadas e a luz de TV, não incomoda. Mas ao mesmo tempo a gente pergunta: E daí? Porque fazer um filme sobre Liberace?
   Para quem tem menos de 40 anos Liberace é um desconhecido. Como explicar quem ele foi? Bem, o filme não fala de sua história. Ele foi muito, muito famoso. Era amado por toda aquela porção do mundo que amava Elvis Presley-Las Vegas ignorando suas drogas e pelos que ouviam Beatles por sua "doçura", ignorando os experimentos. O mundo conhecia Liberace, o mundo ria de Liberace, ninguém o levava a sério, só seus fãs, que eram milhões e milhões. Rei do hiper-brega, exagerado, velhinhas o amavam por ser um tipo de "filhinho ideal da mamãe", um doce de coco, um bom cristão, um homenzinho do bem. Era inacreditável, mas ninguém percebia sua homossexualidade. Não queriam ver. Não viam.
   Quando Elton John se embonecou e carnavalizou em 1974. era Liberace que ele ironizava. Só que Elton foi além, falou de sua bissexualidade abertamente, em 1976. E viu seus fãs diminuírem em mais de 70%. Gary Glitter também era um Liberace glam-rock, assim como Prince. Mas todos esses tinham algo que Liberace não tinha: Talento. Gênio.
    Liberace dava a seu público aquilo que André Rieu ou os Tenores dão hoje: A ilusão do bom gosto. É um público que não suporta ouvir Beethoven inteiro, mas se pensa "culto" por escutar um pout-pourri de trechos das sinfonias de Beethoven. Jamais ouvem AIDA, mas amam um medley de Verdi com Rossini. Liberace dava a eles essa ilusão, a ilusão do bom-gosto fácil, simples, luxuoso, superficial. O filme exibe o Liberace sexualmente insaciável, vaidoso, meloso e incapaz de auto-critica. Mas também solitário, bom e ingênuo. Douglas merece um Oscar.
    As cenas gays são fortes e isso, devo confessar, me chocou. Soderbergh o lança em boa hora, quando se afirmam os direitos gays. Cenas de cirurgias plásticas também me chocaram. Mas tudo bem, temos belas cenas de shows e um final que é lindo, e que não conto aqui.
    Debbie Reynolds faz a mãe de Liberace!!! Debbie é a estrela de CANTANDO NA CHUVA!!!! Deus meu!!! Adorável Debbie !!!! Explêndida Debbie !!!!!
    PS: QUASE FAMOSOS, DAZED AND CONFUSED, BOOGIE NIGHTS, OS REIS DE DOGTOWN...Quantos filmes fascinantes se passam nos anos 70 ! Suas roupas bregas, os carrões e a absoluta loucura de seu desbundes. Década que criou todo o céu e todo o lixo do mundo de agora. Disco e Heavy-Metal, Funk e Glitter, Rock Alemão e Pop farofa, Folk Amargo e Abba. ..Década onde tudo foi Grande, Exagerado, Ilimitado. Kiss e Queen, Bowie e Neil Young, Kraftwerk e Bee Gees.
     Eu amo filmes desse tempo, e me parece que aqueles que se lembram desse período jamais deixam de o reverenciar. São toneladas de filmes, todos os anos, sobre a época, das Panteras a Starsky e Hutch, The Runaways a Crazy; O Mundo de Andy; Velvet Goldmine,,,....

Vivien Leigh on Waterloo Bridge...Para crer no Amor....



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Killer Joe - Official Red Band Trailer



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HAMLET/ CROENENBERG/ VIVIEN LEIGH/ BUDD BOETTICHER/ KILLER JOE/ ROCK HUDSON

   KILLER JOE de William Friedkin com Mathew McConaughey, Emile Hirsch, Thomas Haden Church, Juno Temple e Gina Gershon
Maravilhoso prazer. Uma comédia hiper violenta ou um policial noir irônico? Hirsch quer matar a mãe e contrata o matador Mathew. Mas não tem como pagar e dá a irmã como prêmio. Amoral, macho e auto-gozador, este é um filme que começa ameaçando imitar Tarantino. Mas vai além. É o filme que Tarantino faria se fosse mais adulto. Mathew está excelente, assim como Gina e Haden Church. Friedkin estourou em 1971 com os Oscars de filme e direção para Operação França, o filme que inventou o moderno policial. Filme que é imitado até hoje. Depois Friedkin fez O Exorcista. Daí enlouqueceu de cocaina. Para homenagear O Salário do Medo, de Clouzot, gastou tanto na refilmagem que quase faliu a produtora. Desde então ele é um diretor de pequenos filmes invulgares. Freidkin aparece muito em entrevistas. Sua cara entrega seus problemas com Hollywood: É hiper-arrogante. Este filme tem a cena mais sexy que os EUA apresentam em anos. Ficou pouco tempo em cartaz, claro. Corra e veja. É muito bom. Nota DEZ.
   DURO DE MATAR 5 de John Moore com Bruce Willis
Acho que vi esse filme. Acho que vi porque as cenas de ação são tão editadas, tão desfocadas e tão tremidas, que voce pensa ter visto, mas nada viu. Na verdade o filme joga em sua cara um monte de flashs de explosões e pedaços de coisas. Boa maneira de NÂO se exibir a pobreza de cenários e a falsidade de atores em virtual. No futuro seremos todos cegos. E surdos. Só teremos sensibilidade para o muito alto e para imagens em movimento. Bruce está ausente, nada tem a fazer. O roteiro é banal. Pior Duro de Matar de longe. Nota ZERO.
   MÚSICA E LÁGRIMAS de George Sidney com Tyrone Power e Kim Novak
Datado, velho e cansado. Esse é o Cinemão dos anos 50, um tipo de cinema que morreu. Tudo é hiper-exagerado, limpo demais, lustroso. Conta a história do pianista Eddy Duchin, seu sucesso e suas tragédias. Foi um grande sucesso. Kim nunca foi tão linda e Tyrone é uma estrela. Mas é absolutamente nostálgico. Aconselho a que fujam. Nota 2.
   A PONTE DE WATERLOO de Mervyn LeRoy com Vivien Leigh e Robert Taylor
Clássico atemporal do cinema romântico. Quer saber o que é o tal Amor? Veja este filme. Num P/B cintilante, conta a história de soldado que se apaixona por bailarina. Mas a guerra os separa, ela passa necessidades e vira prostituta. O reencontro, anos depois, é maravilhosamente bem dirigido. O filme corta seu coração e apesar de tudo nunca parece apelativo. O final é digno do belo filme que é. Vivien, a Scarlet de ...E O Vento Levou, a então esposa de Olivier, está lindíssima. O rosto magnífico e a voz, talvez a mais bela voz do cinema. Compõe o personagem com delicadeza infinita. Filme imperdível. Nota DEZ!
   UM FIO DE ESPERANÇA de William Wellman com John Wayne, Robert Stack e Claire Trevor
Começa muito ruim. Uma forçada apresentação dos personagens no balcão do aeroporto. Esta filme inaugurou um novo gênero de cinema, o filme sobre acidentes. Aqui é um avião que perde o motor e tem de atravessar o Pacífico com seus passageiros. Wayne, contido, discreto, é o co-piloto. O crítico Leonard Maltin nos extras do dvd diz: Um novo público vai estranhar. A ênfase aqui vai para se contar a história e não para as sensações e os efeitos. Well, essa é a chave de todo o cinema clássico. Antes se contava uma história, hoje se corre atrás de uma sensação sensacional. Este filme depois se acerta, Wellman nos faz aceitar as várias histórias de cada passageiro. Um filme de sucesso em seu tempo que visto agora é ainda ok. Nota 6.
   SEMINOLE de Budd Boetticher com Rock Hudson, Anthony Quinn e Richard Carlson
E não é que funciona? Promete pouco, parece um western de rotina em que Hudson faz um oficial começando a servir na Flórida. Mas então a coisa pega quando entra em cena seu chefe, um major que odeia todos os índios. Vem então uma travessia pelos pântanos brilhante. Passamos a odiar o tal major. Odiar muito! Hudson defende os índios e é considerado traidor... Rock Hudson está ótimo. Se Vivien Leigh tem a melhor voz do cinema, talvez Hudson tivesse a melhor voz masculina. Boetticher nunca deixou de ser um diretor classe B. Hoje tem um grande fã-clube. Nota 7.
   ENCONTRANDO FORRESTER de Gus Van Sant com Sean Connery, Anna Paquin e F. Murray Abraham
Antigamente Sant ainda fazia alguns filmes mais normais. Conseguia contar histórias. Este filme, em que Connery é um escritor solitário, é dos seus mais simples. Ninguém é doente e Sant não tenta provar nada. Agradável, tem um Connery esbanjando autoridade. Carisma puro. Nota 5.
   A MOSCA de David Croenenberg com Jeff Goldblum e Geena Davis
Revejo este divertido filme da melhor fase de David. Não é tão bom quanto o original, de 1958, mas mantém algum suspense. Goldblum é um ponto fraco. Geena um ponto forte. David adora mostrar coisas nojentas. Pra quê? Nota 6.
   HAMLET de Kenneth Branagh com Kenneth Branagh, Julie Christie, Kate Winslet, Derek Jacobi, Charlton Heston, Gerard Depardieu, Jack Lemmon, Robin Willians, Billy Crystal, Richard Attenborough e John Gielgud.
Talvez seja o mais exuberante elenco já reunido. Mas está longe de ser um grande filme. Branagh, no auge da vaidade, fez o único dos inúmeros filmes sobre Hamlet, em que todo o texto está preservado. Ou seja, são 3 horas e meia de filme. A versão de Olivier é muito, muito, muito melhor. E mesmo o Hamlet de Zeffirelli em que Mel Gibson ousa fazer Shakespeare é melhor. Claro que é legal ver Julie como a mãe e Kate de Ofélia. Mas devo dizer, a vaidade de Kenneth cansa. Nota 5.
  

Götterdämmerung Final - Brünnhilde Immolation Scene II



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ELEGIAS DE FRIEDRICH HOLDERLIN, ALEMANHA, FRANÇA E INGLATERRA

   È perigoso ler Holderlin. Ele nos carrega de volta pra Terra. Suavemente. Seus versos fazem esse trabalho por prazer. A Terra surge em sua obra como a Deusa que sempre tem sido e que insistimos em negar. Holderlin refaz o laço de vida. Ele via. Para nosso mundo, ele via demais pois via além.
   Holderlin, Hegel e Schelling foram amigos de escola. Adultos foram os teóricos do romantismo. Cada um a seu modo. Holderlin seguiu ao campo e lá encontrou seus deuses. Ele não usava deuses, ele não acreditava em deuses, ele não se inspirava nesses deuses. Ele os via. Holderlin via a Grécia clássica na Alemanha. Stuttgart era Atenas. O Olimpo fora banido da Grécia, por ingratidão, e agora Zeus era alemão.
   Essa a maldição do poeta. Os nazistas usaram Holderlin para dar aval a Alemanha Império do Mundo. Crianças decoravam trechos de seus poemas nas escolas. Ele era citado por Goebbels. Trechos, porque se o divulgassem por inteiro veriam que seu germanismo era bárbaro, individualista e libertário. Nietzsche que era fã de Holderlin sofreu o mesmo destino. Mal lido e mal usado pelos nazis.
   O panteísmo de Nietzsche é influência de Holderlin. Os deuse vivem na vida. A vida é Zeus, é Afrodite e é Atena. E o sol, o vinho e a mata é vida.
   Triste coincidência! Como Holderlin, Nietzsche também terminou sua vida louco. Não há como saber que tipo de doideira tinha Holderlin. Talvez hoje ele não fosse considerado um louco. Ou sim. Essa loucura foi outra maldição de Holderlin. Após sua morte sua obra passou a ser evitada. Era como se a super racional Europa de 1860 não pudesse suportar a lembrança de Holderlin. Assim como essa mesma Europa pensa nos deuses como apenas estátuas quebradas, ou personagens de HQ. Holderlin, e Nietzsche viam algo mais, recordavam e sentiam. Eles estão ao redor.
   No começo do século XX reabilitaram Holderlin e hoje ele é o segundo grande nome da poesia em alemão. No país que tem Schiller, Heine e Rilke, Holderlin só perde para Goethe. Se Goethe incomoda a Alemanha por lembrar aquilo que poderia ter sido e nunca foi, Holderlin incomoda por sua alegria petulante e sua confiança desafiadora.
   Sua voz á alta e seu tom é sempre o do caminhante. Ele não prega, ele nunca nos convida a ir junto, ele vai só. Com os deuses e com sua alma.
    Pessoas mal informadas tendem a pensar que a França é romântica e que a Alemanha seja a terra da razão. Pois bem! Tudo na França é razão, começando por sua gramática. A França é marcada por Descartes, pelo jansenismo e logo pelo positivismo. Pensadores franceses pensam em termos de ação, de compromisso politico. Não a Alemanha. Com Lutero a nação se volta para um tipo de religião particular: todos podem falar com Deus e cada casa é uma igreja. Assim como Holderlin fala com Apolo ou com Dionisio, Mann irá atrás da beleza platônica, Hesse atrás de Buda e Freud procurará os fantasmas que vivem invisíveis na mente. Seja expressionismo ou romantismo, a arte alemã está sempre procurando o oculto, o segredo, aquilo que ninguém quer ver. Bruxas, vampiros, deuses ou medos, alemães não se contentam com o comum ou o óbvio. Em oposição aos franceses, que só querem perceber o que pode ser medido, ou dos ingleses, que só dão valor ao util, os alemães cultuam símbolos, traços secretos de passados ainda vivos. Anjos de Rilke ou demônios nazistas, tudo é bruma.
   Esse o universo de Holderlin.

LEMBRANÇAS DA DITADURA


   Fui uma criança nascida e criada na ditadura. Carrego comigo o conflito entre aquilo que me foi ensinado e aquilo que de fato é. Eu tinha uma professora que nos contava que o céu do Brasil era mais azul que de qualquer outro país. Que nossa água era mais pura e nossa gente a mais feliz. Esse era um pensamento dominante, éramos educados para crer que o brasileiro era o rei da felicidade. Devíamos ser felizes por termos tido a sorte de nascer brasileiros.
   Tínhamos a maior estrada do mundo, a maior ponte, a maior hidrelétrica e o maior estádio de futebol. Não havia terremoto, furacão e nem guerras. Além de felizes, a gente era bonzinho, acolhedor e belamente religiosos. Doce Brasil. Até nossos ladrões eram boa gente, malandros sorridentes.
   Íamos mal nas Olimpíadas porque não ligávamos pra elas. E no futebol, na fórmula 1 e no boxe só perdíamos se fosse roubado. Ninguém sabia jogar bola, só a gente. Todo europeu era um perna de pau. Em 74 só não ganhamos pela falta de organização e em 78 por ter sido um roubo ( foi, mas não jogamos nada ). Éder Jofre perdeu o título roubado, claro. Era o mundo contra o Brasil. Aliás, é a característica principal de toda ditadura, crer que o mundo é contra a gente. Hoje sei que o mundo não tava nem aí pra gente, mas os milicos queriam pensar ser protagonistas.
   Já na democracia, lembro da nóias de Galvão Bueno para justificar nossas derrotas. Um esquema anti-Senna e outro anti-seleção. Galvão tem a mente ainda em 1972.
   Para nós, crianças em 1973, a Europa era aquilo que diziam pra gente, um lugar de gente pornográfica, terrorista e muito pobre. Todos os meus amigos achavam que era perigoso andar em Roma ou em Londres. Que bombas explodiam na rua, nos carros, nas casas. Que terroristas comunistas raptavam donas de casa a toda hora. E o pior, era a Europa o reino de gente triste e pobre. Continente sem grandes pontes, grandes hidrelétricas e grandes rios.
   Mas havia a América!!! A América era a excessão. Nosso irmão mais velho e mais rico, eram os EUA aquilo que seríamos lá por 1980. País de Elvis, Sinatra e de Jerry Lewis. Tínhamos a certeza de que a vida lá era uma mistura de Jeannie é um Gênio com A Feiticeira. Os americanos eram bonitos e as americanas sabiam cantar de dançar. Gene Kelly e Doris Day.
   Toda essa fantasia fazia com que os pobres, mais de 90% do Brasil, vivesse num tipo de torpor pseudo-satisfeito. Um saco de feijão e uma dúzia de bananas já fazia festa. Quem era pobre morria pobre. Quem era rico morria rico. E a pequena classe média vivia cercada pelos pobres mirando os muito distantes ricos. O crime era menor porque a ambição era ínfima. Voce era o que era, e fim.
   A ditadura aqui sempre foi estranha. Se censurava tudo. Nas revistas masculinas não se podia mostrar o bico de um seio. Nos filmes não se podia falar a palavra sindicato ou revolução. Mas as crianças viam os Secos e Molhados na Tv. Era esquisito pacas.
   Comecei a cair na real na puberdade. Eu queria ver revista de mulher pelada e ficava puto porque elas nada mostravam. Eu ficava maluco com filmes cortados. Quando o casal ia pra cama, corte! Foi então que notei que a revolução sexual dos anos 60 não chegara por aqui. Discutia com meus amigos. Eles tinham a certeza de que na Europa não havia sexo. Que estavam muito atrasados. Que o Brasil era muito mais livre. Não percebiam os cortes nos filmes.
   Acho que a coisa começou a mudar no carnaval. Transmitiam bailes e desfiles e foi neles que vi uma mulher de seios nús pela primeira vez. Era muita safadeza nos desfiles da Beija-Flor e o carnaval era uma ilha de liberdade sexual em meio a uma Tv hiper-pudica.
   Quando a ditadura fez água, com Figueiredo, a coisa pegou. Em poucos meses tivemos a alegria da liberdade misturada com o bodeante cair na real. O mundo entrou no país.
   Os outros eram mais ricos que nós. Eles também sabiam rir. A América não era uma irmã. As grandes obras nacionais eram mal feitas. Pior de tudo: O Brasil não era o protagonista.
   Lembro disso tudo em meio aos protestos. Penso que a internet dificulta a ditadura dos costumes, o jogo ilusionista do ditador. Mas ela nada pode contra a ditadura econômica.
   Penso o quanto os governos do PT usam o jogo da ditadura para vender a ideia de uma nação grande, rica e protagonista. E o quanto eles usam a nóia do Mundo contra Nós.
   Sim, eu fui feliz em 1973. Por ser uma criança vivendo num mundo de fantasia. Era feliz num país que nada produzia e nada tinha a oferecer. Então a gente nada pedia.
   Simples assim. Aliás, nada mais simples que uma ditadura.
   Espero que nunca retorne.
   Amém.

SUPER VELOCIDADE E CINEMA MUDO.

   Assisti ontem ao quinto Die Hard ( Duro de Matar ). É de longe o pior da série. Ele me fez ter uma iluminação: as cenas de ação são tão editadas, tão mal filmadas, tão tremidas, que tudo não passa de uma maneira picareta de se esconder a ruindade dos cenários e a inverossimilhança da ação. Entedia-me!
   Veja a primeira cena: uma longa perseguição em que centenas de carros são destruídos. Na verdade a gente nada vê do que acontece, a gente acha que viu. O que percebemos são imagens em tremedeira, flashs de ruas, carros mal filmados, explosões a distancia. Não conseguimos perceber nada, apenas a câmera e a hiper edição histérica. É a vitória da idiotia, do tosco, da não apreciação estética.
   Ao mesmo tempo fico sabendo da estréia de mais um grande filme "mudo". E em p/b. Quando O Artista venceu, com justiça, o Oscar, muita gente achou que era apenas uma excentricidade passageira. Pois é, temos agora dois filmes mudos em cartaz, e veja só, ambos são excelentes. Why?
   Simples. É um pequeno movimento daqueles que pregam o CINEMA COMO CINEMA. É a radicalização do cinema. Moderninhos, que "acham" ser espectadores "anti´pop", assistem Wes Anderson ou Von Trier sem imaginar que aquele é um cinema de retorno garantido, um tipo de filme "Saramago", pseudo-arte-livre em pseudo-filmes-arriscados. Como Saramago, são filmes feitos para agradar aqueles que querem ser "diferentes".
   Tabu, assim como este filme de Pablo Berger, deseja e faz aquilo que deseja. Ao optar pelo p/b mudo, ele vai ao extremo oposto do hiper-barulhento estridente ou do azulzinho com musiquinha da Bjork. Criam um mundo que jamais se parece com o ontem, e nada remete aos video games ou ao café chique dos inteligentinhos da PUC-USP de agora. É mundo atemporal do cinema e SÒ do cinema. Nada tem de literário ou de teatral. Muito menos publicitário.
   No Estadão falam seus dois bons críticos que Berger é fã de Tod Browning e seu filme Freaks e de Charles Laughton e a obra-prima O Mensageiro do Diabo. Ou seja, Berger vai no âmago do pesadelo. Pesadelo que não é da pintura, da filosofia ou de algum livro, pesadelo que é cinema. Influenciado por filmes, só por filmes.
   Sempre que uma arte entra em crise de criação, sua saída é estudar a origem, a raiz da paixão. Um pintor olha Giotto, um escritor olha Homero e Dante, um músico vai ao folclore. O cinema busca os anos 20/30. Pode ser uma saída. Isso se o público souber voltar a olhar.
   PS: Sim, eu sei, o filme de Laughton é de 1958. Mas tudo nele remete ao cinema de Lang, Murnau e Leni.

HOMEM DE FERRO/ GERARD BUTLER/ MARTIN RITT/ SEAN CONNERY/ PETER BOGDANOVICH/ TATUM O'NEAL/ LINKLATER

   ANTES DA MEIA-NOITE de Richard Linklater com Ethan Hawke e Julie Delpy
Antes de mais nada: Ao contrário do que disse um amigo meu, não é a primeira vez que um cineasta segue a vida de uma personagem por anos afora. Truffaut fez isso com Antoine Doinel. Doinel aparece em 1959 em Les 400 Coups e depois em mais 4 filmes, feitos em 64, 68, 70 e 79. Sempre na pele de Leaud. Linklater é um cara legal. Leio a lista de seus filmes favoritos e tem Ozu, Godard, Melville, e é claro, Rhomer. Essa sua trilogia é puro Rhomer, blá blá blá. Tudo bem fofo e em ambiente pseudo-intelectual. Adoro Dazed and Confused, que Linklater fez nos anos 90. A saga "francesa" acho assim assim. Nota 5.
   DEPOIS DE MAIO de Olivier Assayas
Revolução francesa, maio de 68, Balzac e Le Tour de France. Essa é a alma da nação. Eles têm tanto orgulho dessas coisas, que às vezes chega a irritar. Veja este filme. Nada mais é que um looooongo exercício masturbatório. Oh lá lá! Como fomos bacanas! Deus sabe o quanto amo Voltaire, Proust e Stendhal. Mas este lado da terra de Gainsbourg, eu passo! Nota 3.
   O ACORDO de Ric Roman Waugh com Dwayne Johnson, Barry Pepper e Susan Sarandon
Poor Susan! Dwayne é o pai de um teen que foi preso por posse de drogas. Ele parte a captura de quem deu a droga pro filho. Well...cinema pode ser uma coisa muito, muito ruim. Nota ZERO.
   ALVO DUPLO de Walter Hill com Stallone
Nos anos 80 houve quem levasse Hill a sério. Achavam que ele era um novo Peckimpah. Puá! Este lixo mostra o que ele sempre foi: um fazedor de longos clips. Nota ZERO.
   HOMEM DE FERRO 3 de Shane Black com Robert Downey Jr e Gwyneth Paltrow
Assustadoramente ruim. Cultura pop quando tenta contrabandear arte é de doer. O filme é tão Jeca quanto os Batmans. Um tipo de masoquismo para teens que se acham espertos. A diferença é que os Batmans enganam melhor. Nolan é melhor publicitário que Black. Este filme é chato demais! Nota ZERO.
   TOBRUK de Arthur Hiller com Rock Hudson e George Peppard
Na segunda guerra, um bando de ingleses se une a grupo guerrilheiro para tentar sabotar o petróleo nazista. Detalhe: o grupo guerrilheiro é formado por judeus alemães. Há um traidor no grupo. O filme é razoável, nunca muito emocionante. Hudson parece estar com sono, Peppard está bem, cheio de adrenalina. Hiller foi um diretor famoso por errar muito. Aqui não erra. Mas também não acerta. Nota 5.
   VER-TE-EI NO INFERNO de Martin Ritt com Sean Connery, Richard Harris e Samantha Eggar
Que tal usar o nome original do filme? The Molly Maguires? Esse o nome de um grupo de imigrantes irlandeses que nos EUA de 1850 sabotavam minas de carvão. Martin Ritt foi o mais típico dos diretores da esquerda americana. Seus filmes falam sempre das injustiças do capital. Em sua carreira, que abrangeu as décadas de 50 até a de 90, vários filmes se tornaram quase-clássicos. Este é um dos melhores. Ajuda muito a fotografia de James Wong Howe e a trilha sonora de Henry Mancini. O cinema americano teve 3 ícones da fotografia de cinema, Wong Howe é um deles. Os primeiros quinze minutos do filme não têm um só diálogo. O que vemos é o trabalho dentro de uma mina de carvão. As paredes negras-azuladas, úmidas, a fuligem, os cavalos puxando vagões, os homens imundos, a tosse. Entramos no inferno. Connery é o líder dos sabotadores. Harris um dedo duro. O filme é terrível e belo em sua sujeira. Barracos e ruas de lama. O final é muito amargo, afinal, é um filme dos anos 70. Nota 8.
   UM BOM PARTIDO de Gabriele Muccino com Gerard Butler, Jessica Biel, Uma Thurman, Catherine Zeta-Jones, Dennis Quaid
Saímos do sinistro do filme de Ritt para o pinky de Muccino. Butler é um ex-jogador de soccer. Falido. Vira treinador de crianças. E tenta voltar pra ex-esposa. Sim, o filme é tão bobo como parece. Butler é ok, o filme não. Uma Thurman tem um papel ridiculo. Zeta-Jones envelheceu. Biel é esquisita e Dennis Quaid, que a séculos era um ator muito legal, agora está com rosto de cartoon. Nota 3.
   ARMADILHA de Jon Amiel com Sean Connery e Catherine Zeta-Jones
Este filme ensina para que serve um bom diretor. Veja: É um filme que tem tudo o que gosto, ótimo ator, atriz linda, história de ação com suspense, locações interessantes, ambientes bacanas. E, graças a Amiel, tudo dá errado. Não tem suspense, não tem esperteza, tudo se desperdiça. Para esse tipo de filme, o filme de roubo-chique, é primordial : uma trilha sonora marcante, aqui não há, suspense, necas aqui, e frases inteligentes, jamais cá. O que sobra? Sean Connery, uma atriz linda em seu auge e mais nada. Nota 4.
   LUA DE PAPEL de Peter Bogdanovich com Ryan O'Neal, Tatum O'Neal e Madeline Kahn
Da geração dos anos 70 dos jovens diretores americanos, Peter foi aquele que atingiu o sucesso mais rapidamente. E foi o primeiro a despencar. Entre 1971 e 1973 ele fez na sequencia três big hits de público e crítica. Mas a partir de 74 desandou. Casou com Cybill Shepperd e começou a fazer filmes para ela. Lua de Papel é seu último filme perfeito. Uma comédia amarga que fala de um trambiqueiro e de uma menina. Nas estradas da América pobre de 1935, eles aplicam golpes usando só a malandragem. Tudo no filme é maravilhoso, desde a fotografia em p/b, cheia de sombras e de profundidade, até as músicas e cenários. O principal é a direção, uma aula de como se constrói caracteres e cenas. Tatum ganhou Oscar de coadjuvante por este filme. Tinha apenas 9 anos. Está apaixonante. O filme é o máximo em diversão com coração e mente. Perfeito. Nota DEZ.