LUMIERE E MIGUEL GOMES

   O último filme que assisti no Lumiere foi ruim. Melinda e Melinda, de Woody Allen em 2002. Faz tempo. Eu sempre adorei cinemas de rua. Estacionar o carro e andar na rua até a sala. Depois sair da sala escura e topar com a rua e sua realidade imediata. E o povo que ia aos cinemas de rua. Sempre os mesmos, gente do bairro, gente que se conhecia, familias inteiras. Era um público mais velho. Lembro de um bando de senhoras de meia-idade que riam a cada cena de Allen. E ainda sinto o cheiro de pipoca que entrava na sala. Assim como circo, o cinema de bairro acabou. Existiam salas em todo bairro. Basta dizer que o Caxingui tinha uma. A Vila Sônia outra. Era ponto de encontro dos moradores todo domingo de noite. E todo sábado havia a sessão das onze da manhã, desenhos para as crianças da vizinhança. Foi-se com o Circo.
   Miguel Gomes e Tabu. Vai ser o filme do ano. Para quem ama o cinema e o conhece. O Cahiers o elegeu o filme de 2012. Opinião do Cahiers nada significa pra mim. Mas opinião da Sight and Sound sim. E ela também o colocou nas alturas.
   Tabu é nome de filme de Murnau. E a personagem feminina se chama Aurora, nome do melhor filme de Murnau. Aliás, Aurora seria o melhor filme da história se não houvesse O Atalante.
   O filme de Miguel é em preto e branco suntuoso. E fala da colonização. Mas o que mais me interessou é a frase que ele falou na entrevista: " O público precisa voltar a crer no cinema." Crer no que vê. O público se comporta como velhos, descrentes, céticos, distanciados. Não se maravilham, não se deixam levar, não acreditam nas imagens. Perfeita a fala do Miguel.
   A quanto tempo voce não chora no cinema? Voce torce pelo herói acreditando no Homem de Ferro, ou se emociona sabendo todo o tempo que aquilo é um filme e que ele é um ator e nunca Tony Stark?
   Quando vejo Rastros de Ódio acredito todo o tempo que aquilo é real. Vivo horas no western. Aquele que vejo não é John Wayne, é Ethan. E John Ford não é nunca um cineasta, é um tipo de deus, o criador de um mundo que existe de fato. Essa é a fé no cinema. Olhar com olhos de criança. Se entregar a criação e ver nisso a verdade maior que a realidade.
   Meu pai adorava filmes. Filmes, não cinema. Ele conhecia e adorava John Wayne, Burt Lancaster e Gregory Peck. Mas vendo os filmes, e como ele se emocionava!!!!, ele se deixava levar não pela "arte" de Ford, Hawks ou Stevens, ele era levado pela história contada.  Aquela narrativa se fazia real, ele testemunhava a realidade criada. Sua emoção era por Shane, por Rick, por Ward, e não pelo ator.
   Essa uma visão que precisaria ser revivida e que eu acho ser irrecuperável.
   Pena.
   O filme de Miguel deve ser ótimo. Torço por isso.

Bob Fosse and Gwen Verdon in Damn Yankees - Who's Got the Pain



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CATHERINE KEENER/ HUGH LAURIE/ JANE FONDA/ MICHAEL CAINE/ BOB FOSSE/ BRANCA!!!!

   A FILHA DO MEU MELHOR AMIGO de Julian Farino com Hugh Laurie, Catherine Keener, Oliver Pratt e Leighton Meester
Tinha tudo pra dar muito errado. A história de duas familias amigas. Os pais fazem corrida juntos, as mães se visitam, tudo normal. Então a filha de uma dessas familias volta pra casa. E o pai de meia-idade da familia "amiga" começa a namorar com a garota. Vem a separação, o ostracismo, a pressão social. O filme começa mal, parece ser mais um filme gracinha e jovenzinho tipo Miss Sunshine. Mas não é. A forma como os dois ficam é muito simples e muito real. O casal funciona, parecem de verdade. O namoro dos dois faz com que tudo mude na vida de todos os envolvidos. A rotina das familias muda, eles têm de acordar. E me peguei torcendo para que o filme não brochasse, que fosse nessa linha, a mudança nascendo do inesperado. Mas não. No final, e vou contar, a menina sai perdendo. Ela não suporta a pressão e vai embora. Todos voltam ao normal, todos se dão bem, ela perde. O filme acaba sendo uma grande defesa do maior dos valores da América ( não, jamais foi a familia ), a amizade entre os homens. Os dois pais voltam a ser amigos, a camaradagem masculina vence. O filme tem atenuantes. A menina tem 24 anos, ou seja, longe da pedofilia. E o estilo é todo de "comédia familiar", apesar do tema é um filme doce. A atriz que faz a menina, Leighton Meester é apaixonante. Natural, linda, alegre. O elenco é todo ok, e o filme é bem melhor do que parece ( apesar dos defeitos aqui apontados ). Se o final fosse menos óbvio seria um filme bastante invulgar. Mas vale muito ver. Nota 7.
   PAZ, AMOR E MUITO MAIS de Bruce Beresford com Jane Fonda e Catherine Keener
Beresford não muda. Todos os seus filmes são assim: mais ou menos, legaizinhos, do bem, esquecíveis. Este é bem assim. O fim de um casamento. A mulher leva o casal de filhos para a casa da avó, para dar um tempo. Essa avó mora em Woodstock e é uma lenda lá. Hippie radical, ela vende maconha, pinta homens nús e namorou Leonard Cohen entre muitos outros. A filha odeia essa mãe doidona. Os netos são logo conquistados. Fumam, bebem, festejam. O filme tem de bom Jane Fonda, a beleza do lugar e o fato de nada ser tipo "hippie chic". A casa tem galinhas nos quartos e é de uma bagunça exemplar. Mas o roteiro é hiper-pobre. Nada acontece de errado. Não há atrito, não há erro. A gente sabe todo o tempo tudo o que vai ocorrer. Jane brinca de ser Jane Fonda. Alguém ainda lembra que em 1973 ela era uma Angelina Jolie perseguida pela CIA ? Famosíssima  e muito politizada, ela era odiada pela direita americana. Depois se casou, largou o cinema e passou a viver em função do marido ( que sonhava em ser presidente ). Toda uma geração a desconhece. Este filme serve apenas para quem já a conhece. Woodstock é uma cidade linda!!!  PS: que bela atriz é Catherine Keener! Nota 4.
   O PARCEIRO DE SATANÁS de Stanley Donen com Gwen Verdon, Tab Hunter e Ray Walston
O diabo vem a Terra e tenta um fã de beisebol. Se ele lhe vender a alma será rejuvenescido e se tornará o maior jogador da história do esporte. Ele aceita. O filme não é bom. Porque? Tab Hunter é um péssimo ator e o roteiro, baseado em show da Broadway, se perde. Fica chato até. Mas, quase ao final, um milagre acontece. Bob Fosse entra em cena e faz um número com Gwen Verdon. São três minutos da mais absoluta genialidade. É alegre, é sexy, é criativo, é esperto. Dá vontade de ver pra sempre. Grande Bob Fosse, um gênio! Fora isso, todo o resto é absolutamente falho. Bola fora do grande Stanley Donen. Nota 3.
   UM GOLPE PERFEITO de Michael Hoffman com Colin Firth, Cameron Diaz, Alan Rickman, Tom Courtney, Stanley Tucci.
Nos anos 60 era moda um tipo de filme que era chamado de "filme sofisticado pop". Falava de gente malandra, de gente bem vestida, mentirosa, cheia de tramóias e planos de roubos ou golpes mentirosos. Tinham trilha sonora chiquérrima, cenários vastos e atores bacanas e extra cool. Pois bem, todos esses filmes foram refilmados nos últimos quinze anos. Desde Charada até Get Carter, todos foram destruídos em refilmagens terrivelmente ruins. A única excessão foi Oceans Eleven, cuja versão de Soderbergh é muito superior a original. Michael Caine fez vários desses filmes "espertos" originais. Que eu me recorde, seis foram refilmados nos últimos dez anos. Michael Caine já foi reinterpretado por Jude Law, Matt Damon, Mathew McConaughey e agora por Colin Firth. O original deste filme é uma maravilhosa sacanagem. Cheio de humor, de malicia e muito chique. Tem ritmo, tem savoir faire, tem estilo. E faz rir. Esta versão, escrita pelos irmãos Coen, que devem adorar o original, foi malhada pela Folha. Esqueça a Folha! Apesar de estar a milhas do original, este filme faz rir, dá prazer e é uma gostosura. Firth está ótimo como um bobo que se acha infalível, Alan Rickman rouba o filme como a vítima e Courtney é um grande mito do palco inglês. Cameron está bem ( mas as mulheres realmente piraram....que corpo hiper malhado é esse??? ). O filme tem 3 ótimas cenas. E um final fraco. Vale ver. Nota 6.
   FOGO CONTRA FOGO de David Barrett com Josh Duhamel, Bruce Willis e Rosario Dawson
Sobre testemunha de crime que resolve matar o bandidão. Eis o tipo de aventura que odeio. Porque o estilo é "metido a arte". Tudo é escuro, sombrio, trêmulo, cheio de sons esquisitos. A gente nada vê, e acaba por nada mais querer ver. O filme é muito, muito ruim. Bruce Willis participa como um policial veterano. Nada faz no filme. ZERO!
   O EXPRESSO DE VON RYAN de Mark Robson com Frank Sinatra e Trevor Howard
Na Itália dominada pelos alemães, prisioneiros ingleses escapam de um trem que os levava para a Alemanha. O filme começa devagar, mas então ele acelera e não perde mais o rumo. É uma bela aventura de guerra, cheia de suspense e com boa produção. O final é amargo e pode desagradar. Eu gostei. Inclusive do final. A trilha sonora de Jerry Goldsmith é uma obra-prima. Feito em 1965, segundo a dupla francesa pop Air, este é o grande ano das trilhas de cinema. Ouça esta e entenda porque. Nota 7.
   BRANCALEONE NAS CRUZADAS de Mario Monicelli com Vittorio Gassman e Stefania Sandrelli
O primeiro Brancaleone é talvez a melhor das comédias de cinema. Este, feito cinco anos depois, não chega nem perto. Mas é um prazer rever Gassman nesse papel. Ele nunca teme o exagero, vai fundo na doidice inocente de Branca e exercita seu talento infinito. Amamos Brancaleone, mas agora não amamos o filme. A soberba criatividade do primeiro não se repete aqui. PS: a estrela Stefania Sandrelli... chega a doer de tão bela !!! Nota 5. 

O FILME MAIS IMPORTANTE DA MINHA VIDA

  Se Martin Scorsese diz que o filme que mudou sua vida foi THE RED SHOES de Powell, visto aos 9 anos; e se Woody Allen diz que o seu foi O SÉTIMO SELO visto aos 12; qual foi o meu?
  RASTROS DE ÓDIO de Ford salvou a minha vida, mas a questão não é essa. ALL THAT JAZZ me revigorou, A RODA DA FORTUNA destruiu meu preconceito...Mas qual filme entrou em minha alma e lá se instalou? Qual que modificou meu gosto, minha direção e expandiu assim minha existência?
   É certo e claro que quanto mais jovem, mais voce pode se impressionar. Se voce tiver a sorte de ser exposto a algo de realmente poderoso. Toda uma geração despertou com STAR WARS. E eu?
   Meu filme foi visto na TV, com péssima imagem e em clima de magia. A lembrança é tão antiga que eu pensei por muito tempo ter sido um sonho. Achei que o filme que vi não existia, que fosse algo que eu sonhara. Recordava de lagos, fadas dançando, um homem apaixonado que era enfeitiçado e virava bicho, lembrava desse homem chorando ao ver seu reflexo no lago. Lembrava de névoas, de um bosque e de um menino mau. E sabia ter visto essas imagens com o rosto quase encostado na TV, sózinho. Porque em casa acontecia uma festa, era Natal e os adultos comiam e falavam. Mas eu, enfeitiçado, me hipnotizava com aquelas imagens.
   Por décadas elas foram um enigma para minha alma. Era um filme? Um sonho? Eu tentava reviver aquela sensação. Fazâ-la presente em mim. Não deixar com que ela se fosse.
   Então em 2008 eu compro um DVD e lá está o filme! SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO, do alemão Max Rheinhart, feito na Warner em 1933. Três horas de imagens deslumbrantes. As fadas, o lago, o menino mau...todos lá estão! O menino era Mickey Rooney! O homem que virava bicho era James Cagney! E a fada musa que para sempre me seduziu era uma lindíssima Anita Louise!.... Esse não é o melhor filme que já vi. Mas ele é o mais importante. Fez com que eu visse desde muito cedo aquilo que o cinema poderia ser. E me deu uma fascinação, para sempre, pela imagem. Mostrou ao muito jovem- eu que o sublime existia e que a imaginação é mais verdadeira que a solidez.
   Aos 15 anos eu vi O MENSAGEIRO e descobri minha sina. Mas essa é uma outra história...

The Red Shoes (ballet) 1948 part2 720p



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Secret Cinema presents The Red Shoes



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O CINEMA ROMÂNTICO DE VIGO, OPHULS, GONDRY, LUHRMAN, WRIGHT....

   Tenho uma preguiça enorme, assistir O Gatsby de Luhrman aumenta essa minha indolência. Detestei Moulin Rouge e achei Romeu e Julieta bacaninha. Mas admiro Luhrman mesmo assim. Como admiro Gondry, apesar de achar que nenhum de seus filmes tenha dado certo. Quero muito ver o novo, porque gosto de Boris Vian, um tipo de Serge Gainsbourg mais velho e menos pop. Luhrman, como Gondry, como Aronofski, é um romântico. Eles criam mundos dentro do cinema. Seus filmes não se preocupam com utilidade, verdade ou realismo, eles criam. E por desejarem criar, erram muito. Falam de sentimentos. Ou pelo menos tentam isso. E não se sentem censurados. Vão até a breguice extrema. E daí?
   O que lhes faz falta são melhores roteiros. Tiveram o azar de nascer num tempo que não lhes dá bom material para trabalhar em cima. Quando topam com bom roteiro, acertam; quando não, fazem apenas pastiche, ou looooongos video-clips. Em comum, todos são fãs do cinema hiper-romântico de Cocteau, Ophuls, Vigo e principalmente de Michael Powell. Todos esses mestres trabalharam com roteiristas de gênio. E todos criaram o apuro visual de Gondry e etc. Cocteau com cenários de sonho, Ophuls com seus movimentos de câmera à valsa vienense, Vigo com a poesia de seu mundo lunar e Powell na criação de universos irreais.
   O jornal The Guardian publica matéria sobre Powell. Diz que no cinema inglês, ele é o único que pode ser comparado a Hitchcock e a David Lean. O cinema de Powell não se interessa pela alma do personagem ( e nisso ele é o oposto de Bergman ), mas sim no mundo que cerca esse personagem. A contemporaniedade desse cinema se revela aí: o cinema de Powell, como o mais moderno cinema que hoje se faz, fala do meio e não do ser, do lugar e não do homem, da ação e nunca do pensamento. É cinema puro, visual, espetacular e muito romântico por ser uma busca pelo ser diferente.
   Um depoimento de Scorsese. Ele diz ter visto THE RED SHOES aos 9 anos. Uma cópia estragada. E diz Martin que esse filme mudou sua vida. THE RED SHOES fez na criança Marty a certeza de querer criar, de querer ser artista. Hoje, em 2013, Scorsese se dedica a restaurar todos os filmes de Powell. Todos.
   Em 1975 era Michael Powell o mais esquecido dos mestres. Na época do hiper-realismo, os filmes de Powell pareciam fake. Foi então que Scorsese foi se encontrar com Powell na Inglaterra e lhe contou sua história de amor a seus filmes. Não só ele. Spielberg, Coppolla, De Palma, Schrader, o diretor inglês ficou abobado ao saber que os jovens diretores dos EUA eram seus fãs. Coppolla lhe deu emprego, consultor de roteiros e Scorsese organizou uma mostra de seus filmes em NY. Quando os anos 80 começam, Michael Powell tem seu nome reabilitado. Para sempre.
   J.G.Ballard também conta que os filmes de Powell despertaram nele a vontade de escrever. E ainda se diz que T.S.Eliot, cujo filme favorito era o TRONO MANCHADO DE SANGUE de Kurosawa, amava os filmes de Michael Powell também. Eles são poesia, claro. Dizem tudo falando pouco. Sugerem. São pura música.
   Agora, 2013, época de cinema em crise, onde em vinte anos mal se produziram vinte filmes eternos e absolutos, os filmes de Powell, revistos e revistos, restaurados e estudados, analisados e copiados, dão, aos diretores que tentam ainda algo de diferente, a esperança de um dia acertar. Joe Wright tentou isso em ANNA KARENINA e foi terrivelmente mal entendido. A suntuosidade da forma em função do sentimento. Só que lhe faltou a coragem de ir mais longe no sentimento, erro que Powell nunca cometeu ( seus filmes são cheios de emoções ). É como se hoje se copiasse a forma e se tivesse medo do sentimento. Why?
   O motivo é claro: Não dá pra ser romântico e ser cool ao mesmo tempo. Cool é assistir os filmes de Vigo ou de Ophuls, cool é ter o visual rico e onírico de seus filmes, mas não seria cool crer, como eles, no amor ou nos sentimentos "quentes". Para salvar a imagem cool, se fica no meio do caminho.
   Interessante saber que O TOURO INDOMÁVEL foi feito com dicas visuais de Powell ( ele morreu em 1990, casado com a editora de Martin ), e que há um filme de Martin que é seu sonho de fazer um filme à Powell ( A ERA DA INOCÊNCIA ).
   Para finalizar, no festival de Cannes de 2009 foi exibido em grande gala, a cópia restaurada de THE RED SHOES. Para a crítica, foi a melhor coisa do festival.
   Novo, belíssimo, emocionante, enigmático. Romântico pois.
  

A USP É O FIM

   Saindo da USP converso com um amigo de Minas Gerais. Decepcionado com a USP, ele fala de suas reclamações. Relato sua fala aqui. Ela é como a minha, como a de vários alunos com que falei e como a de alguns professores.
   A arquitetura da USP é um horror. Quadrados de concreto com avenidas onde correm carros. Isolada de tudo, quando voce sai da aula sua única opção é ir embora. Não há bares, lanchonetes, vida nas ruas. Tudo lá clama por pressa. Tudo se parece com uma estação, um escritório ou uma fábrica. O encontro fortuito é impensável e nada convida ao convívio.
   Aulas em lugares dispersos. Como não existe a turma 1A ou 1B, mas sim salas onde são dadas as aulas onde voce se inscreve, a sua turma nunca se forma. A menina que voce conversou hoje na aula de sintaxe, só será vista de novo na semana que vem, na mesma aula. O amigo do grego com quem voce começou uma amizade em abril, em agosto estará em outra turma, e voce não mais o verá. Isso faz com que mesmo no quinto ano tudo pareça estar "no começo", as amizades não se firmam.
   Professores dizem que isso é proposital. Se a USP causa algum barulho mesmo com essa solidão, imagine se existisse um clima mais propício a união e ao convívio.
   Meu amigo fala que SP inteira é assim. Tudo pede pela pressa, tudo é feito para a rapidez. Não há acaso ou encontro. Voce pode andar meses pelas ruas e não cruzar um só amigo.
   Eu tenho o espirito da USP. Vou com pressa e saio com pressa. Hoje conheci uma menina que estava lendo Wodehouse no corredor. Imagine! Wodehouse! O autor de Jeeves, o rei do humor inglês. Ela até já viu a série da BBC, com Hugh Laurie. Pois bem, quando a verei de novo? Provávelmente daqui a meses. E toda a relação terá de começar do quase zero, mais uma vez.
   Inexiste na USP o chato da sala que te acompanha por dois ou quatro anos, inexiste a menina da frente por quem voce fica caidão. Voce vê hoje a tal menina e só Deus sabe quando ela virá de novo.
   A USP exemplifica o iluminismo ao extremo: construção eficiente, tempo usado racionalmente, ambiente silencioso, nada de acaso ou de superficial. A coisa funciona para um dado fim.
   A USP é o fim.

DO JEITO MAIS FÁCIL ( ATENDENDO AO PEDIDO DE UM CASAL DE AMIGOS )

   Se nossa alma tem dois impulsos conflitantes, e eu acho que tem, um nos dirige para o Maior, o Grande e o Incontrolável; enquanto outro nos empurra para o Seguro, o Certo e o Provado. Os dois dificilmente convivem juntos ao mesmo tempo e nossa vida é um jogo de cintura em que tentamos equilibrar a ambos dentro de nós e ao nosso redor. Como passei a maior parte de minha vida dentro do Seguro e admirando de longe o Maior, assustado com os riscos que o Descontrole significa ( antes isso se chamava Neurose, hoje não sei ), falar do mundo seguro é sempre entediante para mim. É como descrever um auto-retrato. Falar do mundo da insegurança, o mundo sem mapa de retorno, isso me excita.
   Desde sempre o Ocidente tem vivido fases de maior predominio de um ou de outro. No Oriente essa divisão é desconhecida. Lá, o Incontrolável mora dentro e fora dos Rituais Religiosos, Rituais que conseguem unir um extremo auto-controle com uma entrega absoluta ao Grande e Inclassificável. Mas não tema, não é de religião que falo aqui, embora deva dizer que nossas religiões ocidentais tendem sempre a um Materialismo Pobre e Vulgarizante. ( Atenção, o Judaísmo é puramente oriental ).
   Se o romantismo foi o grande momento da tomada de poder pelo Irracional, e se em suas consequências se encontram desde o surrealismo até os hippies, punks e terroristas ocidentais, devo falar com tristeza que hoje nossa acomodação é tamanha que tentamos conhecer o Absoluto do Sublime sem sair de casa. Possível sempre foi, alguns poetas conseguiam ter essa experiência com absinto ou com um poema lido no quarto. O problema é que agora se tenta experimentar o sublime sem nenhum tipo de risco. Sem risco a saúde, a mente ou a condição social. Sinto dizer, viver essa experiência sem a presença do Medo é impossível. Pois é o medo que quebra as portas e destrava as correntes e sem ele voce prova o sabor mas nada se modifica. Voce fuma mas não traga. Bebe e cospe. Goza fora.
   Meu jovem casal de amigos ( 16 anos ), pede que lhes fale do hippismo. Romanticamente eles acham que esses anos foram de bela revolução e que estão extintos, como fadas ou pássaros Dodos. Bem, o hippismo continua vivo e saudável. E saibam que na verdade nada havia de novo nele. Talvez houvesse só um fato novo, em 1966 a TV espalhou a coisa, antes não havia TV. Sex, drugs e rocknroll podia ser o lema de todo romântico desde sempre. Basta trocar rock por jazz ou ópera ou poesia.
   Claro meus jovens que havia hippies e hippies. Americanos eram filhos de Walt Whitman e Thoreau, os ingleses de William Blake e Shelley. Desse modo os americanos eram voltados a estrada, a comunhão entre os homens, a vida campestre, ao amor grupal e a drogas naturais. Os ingleses eram mais noturnos, cultuavam a magia, o satanismo e drogas alucinógenas. Eram mais fatalistas, o estilo visual era mais século XIX. Mas mesmo dentro desses dois grupos havia a divisão entre radiciais e otimistas, machistas e libertários, alucinados e politizados. A questão que importa hoje é: Onde vive esse espírito agora em 2013?
   Está diluído e domesticado em livros de espiritismo ou em horóscopo de jornal? Nos filmes "bem loucos" ou nos cantores sofridos com seus violões tristes? Claro que não! Isso tudo é pastiche, cliché, produto. E a regra número UM de todo movimento romântico é: FAÇA O NOVO. Compreende?
   A Microsoft nasce como utopia romântica assim como a Internet. O que elas vieram a ser não nega a força que as criou. Já o Facebook NUNCA teve nada de utópico ou de romântico, nasce como coisa prática, certa, sem riscos, sem fantasia. Coisa pensada para um fim, e tão somente para esse fim. Fim que é alcançado. O pensamento de Bill Gates e de Jobs sempre foi ingênuo. Genialmente ingênuo. Romântico.
   Portanto não procure hippismo ou romantismo numa banda que se parece com The Beatles ou com Bob Dylan. Esses caras serão anti-românticos por negarem risco e originalidade. Voce encontrará isso em alguma mistura ousada, algum experimentalismo arriscado, numa vaia ou num estranhamento. Tristeza também nunca foi garantia de romantismo. Todo romântico experimenta uma genuína alegria em criar.
   Colocar um poster de Jimi Hendrix na parede nada significa hoje. Adoro Hendrix e consigo ouvir o seu velho som COM OUVIDOS NOVOS. Mas ele significa o mesmo que Beyoncé ou Franz Ferdinand, mais do mesmo. Um ótimo MESMO, mas é um MESMO.
   A realidade engoliu Hendrix como engoliu Paul e Mick. E se ainda é emocionante ver Paul cantar ou ver o The Who pular, isso NÂO significa que eles ainda sejam sublimes. Tudo neles é conhecido, tudo neles foi explorado, estudado, analisado, divulgado, compreendido. O mistério se foi e sem mistério, magia, segredo, não existe romantismo.

O PRELÚDIO, WILLIAM WORDSWORTH....SEM PALAVRAS...

   Abre os olhos e vê a luz invadir o quarto. Imediatamente o som dos pássaros toma seus ouvidos e voce pensa: - Eu não conheço esses pássaros! Sim, hoje, homem adulto, voce pensaria, se os notasse, -São Pardais, tão só vulgares Pardais! Mas então, naqueles tempos idos, voce saberia sem "o saber", que cada um dos Pardais é um Novo Pardal, completamente único e original. Daí seu interesse por todos eles. E lá fora, naquela manhã Única, voce os batiza. Confirma cada um deles como um Ele.
   O café sobre a mesa é mais um café. E enquanto se é servido voce brinca com a colher. Ela agora é uma catapulta e voce lança bolas de pão, em Fogo. à muralha da Mantegueira. Exércitos de invasores fazem aquilo que sabem fazer, Saqueiam a manteiga. Quando sua mãe impede a nova Bola de Fogo de ser lançada, bem, voce e seu irmão começam a tomar café como se agora fossem Dois Piratas. Migalhas são jogadas ao chão por Barba-Negra, que se serve de imensas canecas de Rum e engole nacos de Carneiro como se fossem Bolinhos de Chuva.
   Mas é lá fora que se faz a coisa.
   Todas as pessoas na rua são conhecidas e possuem um nome, mesmo que João seja para voce "O Menino da Bicicleta" ou que Lucinha seja agora "A Mais Linda com as Pernas Nuas". Todas as ruas levam ao Novo, e todas as Ruas lhe são conhecidas. Porque voce conhece a eterna Transformação que é a condição da Vida Bem Vivida. E ninguém te ensinou isso, voce Sabe. ( Um dia, terrível dia, vão te dizer que a vida é uma fórmula, que a morte é um destino e que tudo é como é... ). Mas voce Sabe, naqueles Tempos, que tudo o que os Homens Grandes pensam é Confusão Pra Passar o Tempo. E gente como Voce, Pequena, Sente que a Vida é Mais.
   As Nuvens Falam e a Tempestade tem um Caráter. Cada Pedra na Estrada de Terra tem uma fala em seu Teatro. Sua Mente Cria sem parar para pensar. O Medo, absoluto e imenso, toma todo o Universo quando voce olha uma ratazana morta no meio do lixo. E esse Pavor se transforma em esquecimento ao olhar uma Pipa que se solta da linha e voa a esmo por entre os Eucaliptos que não a capturam. Um bando de moleques corre pela Pipa e voce se lembra de Tom e Huck.
   Voce ainda não aprendeu o Tempo e essa Manhã lhe parece pra Sempre.
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   Walt Whitman pegou muito de Wordsworth. Ambos se soltam na estrada e vivem o olhar sobre as coisas. Ambos nos deixam um gosto de felicidade na alma quando descrevem as coisas. Agradecemos ao Mundo por ter dado luz aos dois Gigantes. A diferença é que o americano é voltado ao futuro, o inglês ao passado. Whitman de nada tem saudade, ele crê na vida que virá. Wordsworth lamenta o que se perdeu, ele vive feliz por poder recordar.
   Os lagos, as montanhas, so bosques. Wordsworth procura a solidão para lá se enamorar das sensações que a natureza lhe dá. Ele consegue ter instantes de Sublime por poder ainda acessar sua infância. Infância que não é inocência, é criação e conhecimento. O poeta procura a Surpresa e procura mais que isso AQUILO QUE NÃO PODE SER DITO POIS ESTÁ FORA DA LINGUAGEM. Para isso ele caminha: sobe morros, rema em lagos, adormece em relvados, fala com camponeses, se perde na neve. Anda por toda a Grã-Bretanha, mas também pela França, pela Alemanha, sempre a pé. E é feliz.
   Tempos finais, as fronteiras começavam a se fechar. Wordsworth se aterroriza com Londres: "Como podemos viver onde não sabemos os nomes de nossos vizinhos? Isso é impossível!!!" Bem-vindo à modernidade Wordsworth...
   O poema, longo, escrito na parte final de sua vida de 80 anos, narra sua vida. Infância, Oxford, viagens a pé. É uma obra-prima e é um prazer. Poema solto, sem rima e sem metro, quase prosa. Caça ao Sublime, acerta o alvo várias vezes.
   Tem de ler.

Guru Jazzmatazz "When You're Near"



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ADEUS ÀS AULAS TRISTES

   Foram meses estranhos. Muito estranhos. Logo na primeira aula eu já avisei a professora: Falar do movimento romântico era doloroso para mim. E eu preferia não ter de revisita-lo. Mas revisitei. E doeu.
   Estranha figura essa mestra. Eu a detesto. Porque ela é radicalmente contra toda forma de religião. É radicalmente de esquerda. E ultra-feminista. Mas também a admiro. Porque ela é romântica. Fala da maior revolução mental que o planeta viveu, a de 1780/ 1790, época do nascimento da coisa, pela primeira vez a razão é colocada em xeque, pela primeira vez cada homem se sente no direito de pensar por si-mesmo. Nasce o individualismo, a criatividade é colocada como dom soberano. Pela primeira vez a solidão não é vista como danação e vergonha, mas como privilégio e desejo.
   Rousseau anda em seu bosque e sente o que é Bom. Wordsworth anda pelos lagos ingleses e encontra o céu. Junto aos lagos Wordsworth se livra do peso da vida e reencontra sua infância. Vê sem julgar, observa como se nunca tivesse visto. Livre.
   Mas nas aulas o que temos é Alvares de Azevedo...o mito da mulher pura e inacessível, as loucuras nos cemitérios, as putas. Ah meu Deus, como dói lembrar!!!
   Porque eu fui um dos idiotas! Fui o tonto da familia, que andava no sitio, aos 18 anos, sózinho, botas na lama, tentando respirar de novo o ar dos meus livres 8 anos de idade. Fui o romântico ao extremo, que ficava doente na cama, com febre, e lia Hugo e Bronte sonhando com suas meninas pálidas e doentias, chorosas alucinações. Madrugadas solitárias e insones, a luz de velas, me sentindo o único romântico sobre a Terra. Eu disse que fui esse idiota!
   Conseguia esquecer o mundo e viver só para mim. Conseguia ignorar minha familia. Sonhar todo o tempo. Então eu sei o que foi esse romantismo. Conheço o prazer inenarrável do sofrimento procurado. Meu sangue sabe do sabor doce do êxtase do alivio. Nada nessas aulas são coisas novas para mim. Eu já sabia que a infância funda e cria a poesia. E que saber brincar é saber criar.
   Todos esses nomes me são conhecidos! Essas sensações provocadas me são passadas. Eu sei que a arte é a grande fonte de alivio. Um alivio de sacrificio. Já fui o inimigo.
   E se passaram esses quatro meses. Essas 32 aulas. Essas 96 horas.
   Adeus mestra, adeus romantismo, adeus lago, adeus criação.
   Ou não?

JIM CARREY/ HERZOG/ DENNIS QUAID/DUSTIN HOFFMAN/ TOM COURTNEY/ BRUCE WILLIS

   GRANDES ESPERANÇAS de Mike Newell com Ralph Fiennes e Helena Bonham-Carter
Pra que mais uma versão da obra de Dickens? Houve uma péssima em 1999 de Alfonso Arau com Ethan Hawke, e a versão genial de David Lean num preto e branco maravilhoso. Esta, feita em 2012, nada moderniza, ao contrário da medíocre obra de Arau. Mas é um filme frio, sem nenhum interesse. Nota 2.
   DURO DE MATAR I de John McTiernan com Bruce Willis e Alan Rickman
Caso dificil de ocorrer: um filme em que tudo está no lugar certo. Bruce nasceu para esse papel. John McLane, um tira fora de lugar e que não procura a ação, ela tomba sobre ele. Mais importante, ele se machuca, se cansa, sente dor. A ação não cessa, mas ao mesmo tempo temos bons diálogos e bons atores. É um filme que diverte e até empolga. Detalhe: é a sétima vez que o vejo. Sempre me pego envolvido. Nota? DEZ!
   DURO DE MATAR II de Renny Harlin com Bruce Willis e Franco Nero.
É aquele do aeroporto. Quase tão bom quanto o primeiro, não leva um dez porque não mais se trata de uma surpresa. Mas caramba, quanta diversão! E para quem o vê pela primeira vez ( te invejo ), há uma bela reviravolta. Relaxe e goze. Nota 8.
   VIAGEM INSÓLITA de Joe Dante com Dennis Quaid, Martin Short e Meg Ryan
Envelheceu bastante. Numa produção Spielberg, vemos a saga de um homem que é minituarizado e injetado dentro do corpo de um bobalhão. O jovem Dennis Quaid tinha uma alegria que contagia. É legal também ver a jovem Meg Ryan. Short, que vinha do SNL tem o filme para si. Nota 5.
    O INCRÍVEL BURT WONDERSTONE de Don Scandino com Steve Carell, Steve Buscemi, Olivia Wilde, Alan Arkin e Jim Carrey
Este filme sobre uma dupla de mágicos de Las Vegas é muito muito muito ruim. Odiável, ele pode ser considerado um dos piores filmes que já vi. Uma comédia podre, sem graça, chata. Jim Carrey está perdido, dá pena. Nota ZERAÇO.
   O ESPIÃO QUE ME AMAVA de Lewis Gilbert com Roger Moore, Barbara Bach e Curt Jurgens
Grande sucesso, música famosa com Carly Simon, resultado flácido. Barbara Bach, senhora Ringo Starr é a mais bela das Bond Girls. Mas o filme se ressente de um vilão melhor. Richard Kiel com seus dentes de aço tem várias cenas de humor. Moore está a vontade, é um Bond engraçado. Nota 6.
   O QUARTETO de Dustin Hoffman com Tom Courtney, Maggie Smith, Billy Connolly, Pauline Collins e Michael Gambon
Um filme belíssimo dirigido pelo grande Dustin Hoffman. Em tom leve e amargo, colorido e triste, se conta a vida de um bando de ex-estrelas da ópera que vivem num asilo de luxo. Eles montam um show e ao mesmo tempo vemos o reencontro de dois ex-amantes. O filme, com bela sensibilidade, mostra as dores, as fragilidades e a, porque não?, coragem da terceira idade. Os atores são todos brilhantes. E é emocionante ver Tom Courtney, ator dos mais emocionantes da velha tradição britãnica, compondo um músico melancólico e mesmo assim idealista. Uma aula de olhares, de gestual e de pequenos sentimentos. Dustin teve a sabedoria de deixar seus atores à vontade. Lindo filme! As fotos nos créditos finais chegam a provocar lágrimas. Nota 9.
   O ENIGMA DE KASPAR HAUSER de Werner Herzog
É uma obra-prima. Um bebê é abandonado em porão e lá mora por toda a vida. Sem conhecer gente ou aprender a falar, é resgatado já adulto. Herzog mostra a educação desse homem-besta e aproveita para criticar a sociedade, a ciência e a razão. Mas, sem ingenuidade, ele sabe que a saída não é a volta a natureza. O filme, cheio de cenas complexas, belas, ricas em símbolos, é marcante. Nota DEZ.

COMO SE NASCE PARA A VIDA ( IMPRESSÕES SOBRE AULAS BASEADAS EM KASPAR HAUSER )

   Iluminismo? Não me faça rir voce e seu iluminismo! A razão ao fim pode tudo, é nisso que crê a razão, essa a crença iluminista. Maravilhosa razão! O que ela nos deu? Onde nos levou?
   Nesta aula não me contenho e digo minha "loucura": Eis: A escola nos destrói. Ela nos castra, nos amordaça, mata tudo aquilo a que fomos destinados. Esquizo condição deste que vos fala: Trabalhar para algo que é condenável. Mas não há volta: A Escola nos destrói mas não existe alternativa a ela e é pior sem ela. Porque o homem natural está morto. Sem a escola não haverá a volta a pureza-verdade-natural.
   A natureza foi morta. Animais viraram máquinas ou palhaços. Não podemos ver uma árvore como ela é. O que vemos é a ideia do que seja uma árvore. Eis a maldição da escola e da razão: Não podemos ver o que é. Vemos aquilo que fomos ensinados a ver. Não amamos. Sentimos uma coisa que aprendemos a chamar de amor. Enquadrados, domesticados, vivemos racionalmente. Razão que não existe. Cremos no inexistente. O que chamamos de razão é costume, domesticidade, castração.
   Uma criança brinca. E para ela uma maçã é viva. Como viva é a pedra e a floresta que grita. Se a razão nos fala que uma pedra não pode ser viva, uma criança nos recorda que acreditar na vida pressupõe vê-la em tudo. Porque quem está vivo vê a vida ao ver-viver. E vê sem ler. Olha.
   Mas nós matamos essa vida e a enquadramos em linhas retas na página de papel. E tudo o que aquela criança via-antes morre nessa linha-agora. E toda a vida que ela brincava cessa ao aprender que a vida é uma coisa.
   Quanta coisa no mundo não tem nome!
   Quanta vida na vida sem razão!
   E o iluminista, vomitando regras e ditando verdades, tudo em nome da razão que ele confunde com liberdade ( que asneira! ), morre seco  em suas aspirações ao bom e ao belo.  Kant matou todos eles! A razão nada pode saber. Ela só entende aquilo que ela própria constrói. Coisas da razão. Brinquedos de adultos.
   O sublime aterroriza a razão e o iluminista. O infinito, o vasto, o desmedido. A morte.
   xxxxxxxxxx
  
   Foram aulas sobre esse filme sublime. Onde aprendi a raiz romântica de Herzog. E de Wenders e de Schlondorff.
   O ódio, sim, o ódio que eles têm da ordem, da regra, do comum, do burguês.
   Anões, anjos, bestas, doentes, velhos, macacos, o fora de lugar, o inutil, a criança. Isso que eles amaram.
   Kaspar nasce ao sair do porão. E indaga, brinca, incomoda, não aceita. Parte.
   Queres saber do sublime? Eis o filme.

VANDALISMO E HIPOCRISIA: NOSSA EDUCAÇÃO.

   Voces nunca deram a mínima pro vandalismo das salas de aula. O que se faz desde tanto tempo entre muros escolares se faz agora nas ruas. E eu não sei o que penso desses vândalos. Esse povinho falar em "manifestação ordeira" me lembra algo como "manifestação domesticada". Eu não sei.
    Engula PT. Será que voce caiu na real finalmente? Percebeu que hoje voce é situação? Que voce é o detestado poder? Imagino se o PSDB tivesse ganho a presidência....Impeachment nas ruas? Fora Serra? Porque não um Fora Dilma?
   E voces ó sindicatos? A quanto tempo voces viraram um troço jurássico? Sabem falar com as massas? Claro que não! A história os atropela.
   O que Zé Dirceu anda pensando? Inveja desses jovens? Rancor? Ou medo de perder suas coisinhas conseguidas com tanta luta em nome "do povo"? Fala Dirceu!
   Como cabeças coroadas ( o voto no Brasil faz do eleito um tipo de Luis XV de Joãozinho Trinta ), esse bando de "lideres" nada de relevante tem a dizer. A cara de todos é a de marido traído. Chifres.
   Um reles sinal de inflação bota um milhão na rua. Esqueceram que essa galéra de 20 anos não sabe o que é inflação? Graças ao Real, eles não conheceram o horror da inflação à Sarney. 100% por semana!!!!
   E agora? O Brasil viveu quinze anos de vacas gordas e tudo o que conseguiu fazer foi uma Copa e uma Olimpíada. E retroceder a ser um país vendedor de matérias primas. Ainda somos fornecedores de carne, grãos e minério. Exatamente como em 1800. Não aproveitamos para crescer em educação e justiça social.
   Vândalos foram criados. E que eles façam aquilo em que foram não-educados.
   É claro que detesto desordem. Sou pela moral e cívica, né? Mas eu os entendo. E os penso inevitáveis.
   Esperem pelo ano que vem!

AN EXPERIMENTAL FUSION OF HIP-HOP AND JAZZ: JAZZMATAZZ

   Vindo do gueto e assimilado pelo branco-chic, o hip-hop fez o mesmo caminho que o jazz. Questão de ritmo, assim como Armstrong deu improviso e beat a melodia music-hall, o rap deu colagens, batidas e ginga ao velho pop mofado. E o improviso, em letras e em levadas. Substituíram as imensas lapelas dos paletós zoot pelos medalhões de metal. E o sapato bicolor virou tênis grandão. Mas o que é inevitável sempre acontece, o rap se uniu ao jazz, durou pouco o movimento, mas foi bom demais!
   Este disco, o primeiro de GURU mexeu com minha cabeça e com meus quadris. A trilha do final do século XX, a minha trilha, é essa. O disco faz uma mistura irresistível: é rua e gueto e ao mesmo tempo é chique e muuuuuuito metidão! As batidas são do hip-hop, a voz é do rap, os temas são revolucionários, mas tudo é temperado com solos, reviravoltas do mais puro jazz. Como resultado uma trilha contemporânea, trilha do mundo que une a mais abjeta bosta ao mais límpido estilo. Lixo clean, a combinação do mundo agora.
   Branford Marsalis toca aqui. Sola free. Donald Byrd também. O trompete cheio de bossa. E o vibrafone de Roy Ayers embeleza a melhor faixa. Há ainda Courtney Pine e Ronny Jordan. E N'Dea Davenport. Uma festa soturna, o ambiente do som é dark, sombrio e muito frio.
   Estamos em 2013. Reouvir Guru com o McSolaar continua a ser um instigante prazer. Sabe né: Le Bien et Le Mal.
   Bota pra tocar e escuta aí:

PRA GALERINHA IRADA E LINDA DAS RUAS...

   Alô Alô galerinha irada e extra-cool que tem ido a rua protestar. Antes tarde do que nunca, então ok, tudo certo, mas deixa eu dizer unas cositas:
   Onde voces estavam quando o governo resolveu dar de mão beijada às empreiteiras bilhões de dólares para fazer essa copa de novo rico? Londres fez a olimpíada mais barata possível, porque nós aceitamos caladões a copa mais cara imaginável? Voces não deram um pio e eu TINHA CERTEZA de que voces iam bradar e reclamar. O que houve?
   Meus mais próximos compadres de todo dia são todos da perifa. Perdem horas em condução. E a grande reclamação deles não são so vinte centavos. O que eles querem é que FUNCIONE. Voces podem me dizer como fazer funcionar? Estatizar? Mas a saúde e a educação estatal funcionam? Aliás, a policia é do estado né não? Quem como eu tem de ir quase semanalmente a delegacia sabe: a policia está no olho do kaos. E aí?
   Colegas da USP que são cabeças do movimento me dizem que os ônibus podiam rodar a dois e cinquenta. Mas me ignoram quando pergunto: a esse preço a coisa ia melhorar?
   Antes tarde do que nunca é bom ver o sono passar. Voces acordaram e saíram da frente dos video-games. Mas não se esqueçam deste que vos fala. Não deixem de lembrar das centenas que morrem nas mãos dos assaltantes e dos velhos nas filas do hospital. Isso me angustia.
   E dando voz a meus brothers e sisters do Capão e do Campo Limpo, falo: a grana da copa dava pro metrô, dava não? E o que eles querem é busão que os leve rápido ao trabalho.
   A questão moçadinha linda, não é o preço, a questão é: FUNCIONA?

UM ELOGIO A DIE HARD USANDO BEATLES E BEETHOVEN COMO EXEMPLO

   A menos nobre das artes: o cinema. Apesar da arquitetura, que tem feito uma força enorme para se auto- aniquilar. É a menos nobre por ser a mais vulgar, a mais popular, aquela que foi criada por circos e por cientistas, não por "artistas solitários".
   A música pode ser tão vulgar quanto o cinema. Mas ela tem Beethoven e Bach. Beatles e Bob Dylan. Duke Ellington e Count Basie. Cartola e Caymmi. Bartok e Debussy.
   Veja: Mozart é nota 10. E Louis Armstrong também pode ser nota 10. Há na música essa coisa maravilhosa que não há nas outras artes, a democracia do mérito. A música mais intelectualizada, Brahms por exemplo, pode ser colocada em pé de igualdade com música feita por analfabetos ou música popular, como a de Cole Porter ou a de Robert Johnson. Por ser a mais abstrata das artes, por independer de linguagem racional, a música tem essa democracia.
   Na literatura isso é impossível. Por mais que eu adore Conan Doyle ou Michael Chabon, não posso comparar eles a Stendhal ou a Sterne. A mais intelectual das artes, a mais artificial, não comporta essa democracia. Elogio Sherlock Holmes, mas sei que ele não é 10. Por isso que não pode haver nota para livros. Holmes é delicioso, a Cartuxa de Parma é uma obra-prima. É assim.
   O cinema nada tem da racionalidade da literatura. Por depender de um grupo e por depender de dinheiro, o acaso entra em sua formação. A partir do momento em que se termina o roteiro, começa a sorte a influir no filme. Achar o ator certo, a trilha certa, a locação exata, encontrar o diretor que entenda o roteiro. E editar com sabedoria. Tudo é tão lotérico como um casamento.
   Por isso é tolice imaginar o cinema como obra solitária de um gênio titanico. Isso não existe. O cinema nunca é nobre, é sempre burguês, pois é grupal e focado em público. Bergman é o ícone do "autor absoluto", mas ele, mesmo ele, dependia da TV suéca, de um grupo de atores perfeitos, de geniais diretores de fotografia e principalmente de um público bem formado. De um público de cinema "para filmes de Bergman". Nas décadas de 50 a 70 esse público existiu. Hoje Bergman não teria esse público. Esse público não mais existe. O suéco seria um escritor.
   Existe toda uma corrente de críticos, com Ebbert na dianteira, que tenta dar ao cinema aquilo que a música tem: a liberdade de opinar. Se Beethoven é um gênio, os Beatles, mesmo fazendo canções vulgares de 3 minutos, dirigidas a adolescentes semi-analfabetos, também o são. Porque Beethoven consegue o máximo em seus objetivos. E porque a banda de Paul também tirou o máximo daquilo a que se jogou. Desse modo, pode-se dizer que Leoncavallo, mesmo sendo um "clássico", é menor que o Jackson Five, porque Leoncavallo falhou em seu métier, e os Jacksons foram perfeitos naquilo que tentaram.
   Quando Bruce Willis amarra a mangueira de incêncio na cintura e salta do prédio que explode, temos o máximo cinema em sua máxima execução. Edição, fotografia, ator, roteiro e direção se unem e constroem todo um crescendo que consegue nunca parar de funcionar. Na época de herois indestrutíveis, vemos um heroi que geme, sente dor, sangra e cansa. Vemos frases que trazem humor e ironia e nos lançamos em cenas que apesar de impossíveis sempre parecem "críveis". O filme é absolutamente perfeito.   Pragmaticamente ele entrega em 100% aquilo que quer nos dar. E faz ainda mais, cria um novo estilo de ação. O heroi que não é heroi. E nem mesmo anti-heroi. Um simples azarado. Que tem sorte....
   Duro de Matar é Beatles em relação ao Haendel que é Wim Wenders. Paris-Texas e Die Hard são tão bons quanto. Ícones dos cinéfilos dos anos 80.
   PS: O que digo é mais fácil de compreender quando vemos filmes ruins. Um filme que tenta ser genial e raro e se mostra chato e óbvio, é tão ridiculo quanto uma comédia sem graça.

SOBRE OS PROTESTOS

   Conheço quem vá às manifestações de chauffeur. Eu juro que é verdade! Só não cito o nome. Assim como vários outros que nunca pegaram um busão na vida. OK, voce pode dizer, isso é uma bela solidariedade. Não é preciso ser gay para ser solidário com os gays e não é preciso ser pobre para pensar na pobreza. Sei não. Esses caras que conheço jamais moveram uma palha para ajudar um velho sem remédio ou protestaram contra a violência ou a roubalheira. Então o que rola? Bom, o mundo internético tá cheio de imagens de maio de 68 e dos protestos mundo afora. De repente a galerinha percebeu que faz parte de seu mundo ir à rua e botar a boca no trombone. É parte de ser jovem-antenado. Nada tenho contra. Não sou tão conservador e medroso assim. Mas falta uma coisa fundamental para esse povo: Imaginação.
   Vivemos um momento em que a imaginação mingua, consequência natural do excesso de informação. É óbvio, mente cheia de "coisas" e de "fatos" cria pouco. Criação depende de ócio e de vazio. Olhe a seu redor e repare que tudo é um mix de citações. Nesse caldo de "coisas pegadas aqui e ali", a politica se torna um nada absoluto, onde tudo se faz e nada se modifica. O protesto é isso: Se protesta contra o nada que se faz. Se propõe um nada que nunca se fará.
   Pequenos grupos organizados tomando um busão de assalto, na conversa e na boa, e levando os passageiros de graça para seu destino. Pintar os ônibus com frases de guerra. Cercar a prefeitura e acampar lá, ninguém sai, ninguém entra. Deitar no chão à aproximação da polícia, sem reagir. Ir aos locais da copa das confederações e não deixá-la acontecer. Fazer happenings hilários nas avenidas satirizando e esculachando os poderes. São ideias ruins? Provávelmente sim, mas são ideias para se discutir. Ir a rua e parar o trânsito apenas irrita o povão e se a policia fosse menos burra deixaria os manifestantes à vontade para fazer o que desejam. Pixar, gritar e chamar a atenção. Apenas isso. Deixe-os desfilar e eles perdem o motivo de lá estar. Precisam da policia para dar uma razão a coisa.
   Maio de 68 criou slogans. O melhor: A Imaginação no Poder. Diziam claramente o que desejavam. Mudar TUDO. E inventavam de invadir Tvs, rádios...agiram. Sem exitação. E sempre com humor e alegria, condimentos básicos da criatividade.
   Ah sim...e orgulhosamente mostravam a cara. Sem máscaras, please!
   Fogo na rua, pixar paredes e parar a Paulista. Caraca! Voces podem fazer melhor, podem não?

O GÊNIO E A DEUSA- ALDOUS HUXLEY

   É tão bom tomar contato com a literatura inglesa! O bom-senso inglês, nunca tão Descartes-Racine como os franceses, nunca tão Kant-Schiller como os alemães. Há um momento neste livro em que Huxley fala disso. Da razão extremada dos franceses, razão que é uma abstração em si, pois a vida nada tem de racional; e a mania alemã de colocar a vida dentro de um romance, de a imaginar como fato com começo, meio e fim. Os ingleses se abstêm disso. Apenas escrevem aquilo que sentem e percebem. Jane Austen já era assim. E mesmo românticos como Wordsworth ou Keats mantinham a vida dentro dos limites de nossa percepção. Não é uma questão de realismo, pois o ingleses abominam o realismo crú, tampouco questão de materialismo, pois a Inglaterra é o país dos fantasmas e das bruxarias. É uma questão de não tentar falar "com certeza". Nada de correntes de "ismos". O único ismo inglês é o pragmatismo.
   Esta é uma novela de apenas 100 páginas e foi escrita no fim da vida de Huxley. Já quase cego ( como Joyce, como Borges ), Aldous viajava pelo mundo, vivia experiências psicodélicas e se preparava para morrer. A história começa com o encontro de dois velhos. Um deles conta uma experiência vivida na juventude. Ele foi trabalhar na casa de um velho gênio da física e lá se envolveu com a filha e a esposa desse gênio. Tudo termina em kaos.
   O livro basicamente fala da necessidade de "precisar se morrer para poder se viver plenamente". Seus temas são morte, sexo e razão. Tudo tratado de modo simples, objetivo, sem grandes vaidades. O velho gênio quase morre várias vezes, e continua sendo o duro e teimoso gênio de sempre. Sua esposa é a deusa que o faz renascer continuamente, mas como deusa, ela não sabe morrer. A filha é uma adolescente que descobre o sexo e é humilhada pelos adultos. E o narrador, um tateante novato na arte de viver.
   Novela que se lê numa tarde, longe das alturas dos textos mais ambiciosos de Huxley, serve para nos fazer lembrar do soberbo autor inglês, filho de uma familia cheia de intelectuais liberais, de suas ideias que admitem nada saber, mas que mesmo assim indagam e tentam apreender. Huxley abomina os "donos da verdade", os pregadores confiantes, os respondedores. Ele sabe que a vida é inapreensível pelo homem.
   As pessoas deveriam lê-lo muito mais.

STEVE MCQUEEN/ MITCHUM/ MARK WATERS/ PAUL MACCARTNEY/ SCHWARZA/ VISCONTI

   LIVE AND LET DIE de Guy Hamilton com Roger Moore e Jane Seymour
Para o primeiro filme de Moore como Bond chamou-se Paul MacCartney para fazer a música de abertura. Obra-prima ( a canção ), uma brincadeira sem inspiração ( o filme ). Mesmo assim não é tão ruim como A Pistola de Ouro. As cenas de perseguição, onde se usam carros e lanchas, antecipam o futuro da série, ação sem fim e sem motivo. Mas são boas cenas. Vejo nos extras que a cena em que ele pisa nos jacarés é real ( os jacarés, Bond é um double ). Jane é a mais boazinha das Bondgirls. Destaque para a trilha sonora. John Barry sai e assume George Martin ( o próprio ). A trilha chega a constranger. Mas temos a canção de Paul para salvar as coisas. Roger Moore faz humor. Nota 4.
   HOW THE WEST WAS WON de John Ford, Henry Hathaway e George Marshall
Um filme com mais de 3 horas que em Cinerama ( tipo de tela gigante ), conta a conquista do oeste. Cada diretor pegou um segmento. O elenco é all star: James Stewart, Gregory Peck, John Wayne e vasto etc. A fotografia é deslumbrante. Há tanto para se olhar, tantos detalhes, tanta gente se movendo ao mesmo tempo, que ficamos zonzos. Nas salas de cinema devia ser uma experiência incrível. Assisti em 51 polegadas. OK. A melhor história é sobre os indios e os búfalos. Há outras sobre o rio Mississipi, a guerra civil e a ferrovia. Não é um filme ruim. Nota 5.
   A RAPOSA DO ESPAÇO de Dick Powell com Robert Mitchum, Robert Wagner e May Britt
Pilotos americanos na base do Japão durante a guerra da Coréia. Foi a primeira guerra a usar aviões a jato. Isso dá interesse ao enredo. Mas o filme se prende a caso de piloto veterano-cool com esposa de piloto problema. O primeiro arquiteto do ator cool moderno: Robert Mitchum, o cara nem aí pra nada. Ele salva o filme do melô. A sueca Britt era muito bonita mas não deu certo. A Fox não conseguiu fazer dela uma estrela. Cenas aéreas muito boas. Nota 6.
   O ÚLTIMO DESAFIO de Kim-Jee Woom com Arnold Schwarzenegger, Forrest Whitaker, Rodrigo Santoro e Luis Guzmán
É alguma coisa sobre um xerife de cidadezinha que está na rota de fuga de um traficante chicano. Arnold está lento, pesado e tenta ser um tipo de Clint Eastwood mais gordo. Não consegue. Se salvam ótimas cenas na estrada. O roteiro é previsível, banal, todo cheio de clichés sobre clichés.  Rodrigo faz um latino sexy. Rouba o filme. Nota 1.
   LUDWIG de Luchino Visconti
Em 1973 Visconti fez este absurdo. O que ele queria ao fazer esta coisa flácida, pretensiosa e morta? Visconti crê que Ludwig, rei da Baviera, era um tipo de ingênuo-romântico. Um chato. Fraco, e até meio burrinho. Nem mesmo a fotografia se salva. O filme não tem rumo e nunca diz o que quer. Vago. Visconto se perdeu entre 1964-1974, este filme o prova. Sem Nota.
   O AMANTE DA GUERRA de Philip Leacock com Steve McQueen e Robert Wagner
Um dos piores papéis da vida de McQueen. Deveria ser um tipo de hedonista-hiper-agressivo que se põe a prova na segunda-guerra mundial. Um ás da aviação, agressivo, destrutivo. Mas nada disso fica claro. Tudo é feito sem porque, de forma gratuita e a gente percebe que McQueen não tem material para dar alguma força ao personagem. O anti-herói se torna um tipo de chato-birrento. Visualmente é um bom filme, pena que tão mal escrito. É o único filme de McQueen em que não me senti fascinado por ele. Nota 3.
   MINHAS ADORÁVEIS EX-NAMORADAS de Mark Waters com Mathew McConaughey, Jennifer Garner e Michael Douglas
Um fotógrafo mulherengo vai ao casamento do irmão nerd. Lá ele recebe a visita do tio que fez dele o que é. Calcado no Conto de Natal de Dickens, o filme é a coisa mais pró-casamento imaginável. Quem não se casa é do mal, tem algum problema e queimará no inferno da solidão. São tempos repressivos, em 1973 o homem casado era o tolo da história. O conquistador solteiro era o anti-herói a ser admirado. Tiro pela culatra do filme: a única boa cena ( e que faz rir ) traz o excelente Michael Douglas dando conselhos a seu sobrinho sobre a forma de ganhar as mulheres. Waters já fez bons filmes. Este não é um deles. Jennifer tá magra demais!!!!!! Nota ZERO.

OS REIS DOS PATOS - Trechos de Episódios (lista de reprodução)



leia e escreva já!

OS REIS DOS PATOS, KENNETH TYNAN E UM LOBITO RUIM

   Nossa crítica de mal humor tem tudo a ver com aquilo que se oferece a ser criticado. Acabo de reler o livro de Kenneth Tynan e penso que muito da beleza de suas resenhas críticas são frutificadas pela assembléia de gente interessante que havia no globo para ser apreciada. Ele viveu para escrever sobre Olivier, Bogart, Miles Davis e Kate Hepburn. Estava presente em noites de Noel Coward e de Gielgud. A matéria prima para ser escrita era de primeira. Ela exigia boa crítica, bem escrita e bem informada. O maior elogio a Tynan é dizer que ele esteve a altura de seus objetos críticos. Ler este livro, inspirador e generoso em seu oferecimento de beleza viva, é tomar contato com o best of the best.
   Hoje escrevem sobre bestalhadas.
   A melhor frase do livro ( cheio de melhores frases ), "o sorriso e a personalidade de Katharine Hepburn faz mirrar gente mesquinha e desinteressante. Ela é uma ofensa aos pobres de espírito."
   Lobão, o pretensioso-que-se-acha, diz que não dá pra viver em mundo burro. Ora caro Lobo uivador, este mundo foi feito por voce. Suas canções acostumaram toda uma geração a cantores ruins, letras bobas e mensagens deslumbradamente redundantes. Acima de tudo o mundo do Lobinho é chato.
   Na lista dos 101 melhores roteiros tem tanta bobagem que nem vale a pena falar. Vi todos os 101. É uma lista sem um só filme japonês e que ignora Bergman e Bunuel. Bem...os 10 primeiros até dá pra concordar, mas depois a coisa pega.
   Os Reis dos Patos é a melhor coisa da TV hoje. É isso mesmo! TV pra mim não é arte. Ao contrário dos patetas, que são incapazes de ler um livro e pensam compensar sua idiotia via TV, procuro na TV diversão, excitação e entretenimento. Amo bobagens bem feitas. Os Patos é uma familia de caipiras ( como eu ) dos cafundós dos EUA que caçam, fazem merda e dão depoimentos hilários. Eles são ultra-conservadores. Caçam bichos. E são irresistíveis. Tem um episódio em que a espada samurai de um deles é quebrada que é ducaraca! "Também essa espada era uma porcaria!" Frase de gênio! Veja a versão dublada. É muito legal.
   Lembro que em 1976, ano em que comecei a ler jornal, em dois meses os críticos de cinema se deliciaram. Falaram, bem e mal, de TAXI DRIVER, UM DIA DE CÃO, NETWORK, ROCKY, NASHVILLE, A ÚLTIMA NOITE DE BORIS GRUSHENKO, 1900 e BARRY LYNDON.
   Temas para escrever. Espaço na imprensa.
   Sinto falta de Ibrahim Sued: De Leve!!!!!
  

O BRINCALHÃO FERNANDO PESSOA

   Fernando Pessoa gostava de Sherlock Holmes. E até escreveu um conto, incompleto, ao estilo Conan Doyle. Alestair Crowley era um "mago". Raul Seixas e Mr.Coelho eram fãs dele. Pessoa o conheceu via carta. Crowley vivia fugindo dos credores Europa afora. Se convidou para ir à Portugal. E o poeta se viu na obrigação de o receber. Crowley deu um calote nos hotéis e restaurantes portugueses. E inventou sua morte. Forma de parar de ser perseguido. Fernando Pessoa adorou a ideia. Bolou a morte e passou a escrever aos jornais testemunhando a morte de Crowley. Usando nomes falsos, claro.
   Uma vez dois poetas marcaram encontro com Pessoa. Ele foi. Como Caieiro. Os dois poetas mais jovens se ofenderam. E foram embora. Não souberam brincar.
   Fernando amava Ofélia. E escrevia toneladas de cartas pra ela.
   Ele trabalhava apenas duas horas. Por semana! Escolheu ser pobre para ter tempo livre.
   Ao visitar os sobrinhos ele se jogava no chão e passava toda a tarde a brincar com eles. As crianças amavam Fernando Pessoa.
   Combina tudo isso com a imagem que temos dele?
   Quando o poeta morreu foi escrita sua biografia. E o autor, fã do Freud de 1930, forçou sua transformação num tipo de Baudelaire lusitano. O poeta bêbado flanando pela Lisboa misteriosa. Esse bio nada entendeu. Cometeu um crime. Jogou complexos de Édipo, homossexualidade reprimida, instintos destrutivos, num homem que não conheceu e não procurou conhecer. Leu os poemas como se fossem verdade. Como se a arte fosse um diário, um testemunho de vida. Na verdade esse senhor, representante da reprimida e séria geração mais jovem, transformou Pessoa naquilo que ele mesmo era: uma besta.
   Fernando Pessoa feliz. Mentiroso sempre. Brincalhão. Passando trotes nos amigos. Fugindo de contatos intimos para ser livre e poder escrever. Sonhando com livros imensos, em edição de luxo. Adiando a publicação de sua obra por ver nela algo sempre em construção. Fernando Pessoa que antecipou o perfil fake do face. Que iria aprontar muito na internet. Ator e autor de si mesmo.
   Certas aulas são para sempre.

A BELEZA E A NOITE ( contra cegos e ressentidos )

   Ando com um amigo e ele mata a charada: Gostei tanto do ANNA KARENINA de Joe Wright porque é um filme BONITO. E no deserto cinematográfico, onde toda imagem tem a pobreza da tela de TV, o filme surge como um original exercício de estilo.
   Mas posso dizer mais my friend, e digo por experiência de vida: Nada irrita mais o feio que a beleza. Àquele que não consegue apreciar a beleza ela, a beleza, lhe parece ofensa pessoal. O espírito limitado daquele que percebe apenas o que é "util" vê o belo como futil. É a sina dos poetas desde 1750, cultuar o que é inutil, como bem provocou Oscar Wilde na introdução a Dorian Gray. O homem que viveu em meio ao feio, ao funcional, ao "relevante" será incapaz de apreciar o que seja inefável, sutil, belo. Pior que isso, pressentindo sua limitação inumana, ele voltará seu arcabouço racional-redutor-rancoroso contra a beleza que lhe foi negada desde sempre. O FEIO ODEIA O BELO.
   Nós sabemos meu amigo o que seja essa sensação. A THING OF BEAUTY IS A JOY FOR EVER. A beleza cura. Os milagres católicos são milagrosos por serem belos. É no ocidente a única religião que compreendeu isso, a sedução curadora da beleza. E então ela, a igreja de Roma, não teve o pudor de se fazer rica em ouro e em imagens sensuais. O paraíso se confunde em Roma com a estética do belo. Deus como um artista.
   Isso é negado pelas religiões protestantes. Que têm sua beleza em atos e palavras, mas nunca em visual. Elas pregam  desde sempre o util e nunca o enfeite. Daí o espirito claro, limpo e direto que guia países como Suécia, Dinamarca ou Holanda. Para eles nós somos muito complicados, sujos, futeis, ricos em imagens, complexos demais, sensuais, barrocos. Basta comparar o cinema nórdico ao cinema da Itália ou da Espanha. Saiba amigo, as revoluções religiosas de 1500/1600 marcaram o caráter dos povos até hoje. E mesmo um páis que se pretende ateu exibe para quem sabe ler, a língua da igreja que o fundou.
   Nenhum país exibe isso com mais força que a Alemanha, nação que vivia a divisão entre a Prússia e seus satélites, luteranos, e a Baviera católica. Munique vivia, com Vienna, também romana, um reino barroco de dolce vita. Quando houve o advento de Bismarck, a Alemanha optou pelo prussianismo, venceu o luteranismo. Vienna entrou na decadência saudosista e Munique é esse corpo estranho no país, um estado quase latino em meio ao espírito higiênico alemão.
   Mas voltemos a falar da beleza. Assisti esses dias a um filme, cheio de defeitos, que mostra aquilo que falo. Feito em Cinerama, ou seja, a imagem é gigantesca, ele conta a saga da fundação dos EUA como são hoje. E vendo-o recordo aquilo que o cinema pode ser. Grande e Belo. Cada imagem chega a ter cinco planos. Vemos duas pessoas falando. Ao fundo carroças passam. No lado esquerdo uma mulher alimenta o gado. A direita crianças brincam. Mais ao fundo vemos uma fogueira onde homens cantam. Ainda mais ao fundo, passam alguns casais conversando. E ao longe, focado, montanhas onde sombras flutuam entre o verde e o céu sem fim. O filme inteiro tem essa riqueza pictórica. Cinema pensado e feito como cinema e nunca como dvd ou TV. Nada da austeridade dos filmes nórdicos ( austeridade que nasceu com Dreyer e Bergman, que mesmo nessa austeridade-fria não deixavam de ser belos ). Aqui tudo é rico, complexo, nossa vista se perde, pensamos: "para onde olho?"
   Eis uma aula de estética, de beleza, aula que deixará com dor de cabeça àqueles que temem o que é bonito. Penso no cinema ainda mais pobre que será feito pela geração que está se habituando a ver a vida pela câmera do celular.
   Por isso Michael Powell. Por isso RAN. Por isso Mizoguchi. Por isso Ophuls. E John Ford claro. E por isso ANNA KARENINA e também por isso penso que gostarei do Gatsby de Luhrman. Cinema grande, cinema vasto, cinema pra apreciar e que oferece o que se olhar. Cinema inspiração. Quando essa beleza se une a bons diálogos temos a obra-prima. Mas na ausência de bons roteiros, ora, me sirvam imagens lindas e me deixem flutuar. Façam cinema.
   Eu e meu amigo falamos depois sobre a oposição entre iluminismos e romantismos. Não, não vou entrar aqui de novo nessa coisa. É um embate no qual a Europa se complica até hoje. Não saber se a alma deve singrar na certeza do justo e do bem-feito, ou se deve se jogar ao original e sem freios. O que posso dizer é que a beleza pode nascer nos dois caminhos, uma beleza que tranquiliza e outra que excita.
   A cura da vida passa pela estética. O resto eu deixo aos cegos e ressentidos.

TAIPI, PARAÍSO DE CANIBAIS- HERMAN MELVILLE

   Melville foi um jovem azarado. Familia empobrecida, ele não conseguia se destacar em nada, muito pelo contrário. Fez então aquilo que todo jovem de então fazia, quando queria ter nova chance na vida, se lançava ao mar, fosse marinha mercante ou militar. Decepcionado com a rotina dura e seu comando cruel, ele foge do navio onde servia. Se embrenha nas ilhas Marquezas durante uma parada e passa a viver por um mês em meio aos canibais. De volta a América, conta sua aventura a familia e amigos. As pessoas gostam tanto que ele a escreve. Tem problemas de censura para publicar, o livro sai em Londres e é um sucesso. Começa a carreira daquele que é para muitos o maior romancista dos EUA.
   O século XIX foi pródigo em livros sobre o mar e suas aventuras. Vindo lá de Defoe, ainda no século anterior, Stevenson, Conrad, London, escrevem século adentro e irrompem até os anos de 1900 com seus relatos. Livros que li desde sempre, livros de piratas, de tempestades e ilhas desertas, de noites sem fim, de provas cruéis. Nos primeiros capítulos desta aventura há todo esse clima de mar e de mistério. Mas são poucos esses capítulos, 3/4 do volume fala da impressionante caminhada através da ilha e depois de seu convívio entre os "selvagens". O herói central e seu companheiro de fuga cruzam montanhas, cachoeiras, rios. Passam fome, se acidentam, chuvas torrenciais. E o medo constante dos canibais.
   Acabam seduzidos pela vida desses homens. A visão de Melville é radicalmente à Rousseau. Os aborígenes são felizes. Melville exalta a beleza das nativas, a nudez, o sexo livre. A preguiça, os objetos que nunca são cobiçados, o nada ter e nada querer. Risonhos e livres, Melville os contrasta não só com os europeus e americanos, como com os nativos do Hawaii, esses já decadentes, sujos, doentes pelo contato com os missionários e colonos. Melville não deixa de sentir a melancolia por saber que aquela vida, bela, é condenada.
   Como nem o paraíso pode ser perfeito, o narrador tem um grande medo em meio a tanto prazer: o canibalismo. Ele nunca presencia atos de canibalismo, mas tem medo de que sua acolhida faça parte de um tipo de preparação, de ritual. Passam-se 4 meses e ele acaba por fugir. Jamais será o mesmo.
   Melville nunca atinge aqui as alturas dificeis de Moby Dick, livro que ele escreveria seis anos mais tarde. Mas é uma delicia ler suas descrições de corpos, festas, familias, chefes e cantos. Melville já valoriza aqui, em 1844, a higiene dos nativos, a beleza da morenice, a inocência que pode haver no sexo livre, a alegria de um mundo sem dinheiro. Ele chega a testemunhar sexo a três, e causa diversão vermos hoje, em 2013, que aquilo que mais o revolta são as centenas de tatuagens tribais. E também o peixe crú.
   Divertido, documental e irado, um belo livro.