SCHOPENHAUER COM JAZZ. BOWIE E O PAPA. UMA DESISTÊNCIA.

   Tem um programa numa tv que nem sei chamado Guitar Sessions. Umas bandas tocam e conversam com um apresentador bacana. Ontem foi o Blondie. Quem viu teve aula sobre o rock novaiorquino. Uma pergunta: Se voce fosse um teen hoje, montaria uma banda de rock? Chris Stein vai no osso: Nunca. Eu amava aquela coisa marginal e rock hoje não é marginal. Não há perigo ou mistério em se montar uma banda. Então o super batera e hiper cool Clem Burke vai no nervo: Rock hoje é como o jazz em 1970. Música saudosista de fãs fiéis. Irrelevante quanto ao futuro. Eles citam bandas legais: Muse, Arcade Fire, mas sabem que elas são um nada diante da coisa da música. O rock virou apenas um negócio inofensivo, como o jazz. Quem desejar flertar com o perigo, com o futuro, com o risco, que procure outra forma de expressão.
   Schopenhauer disse que num mundo sem Deus uma pedra ou um bebê têm a mesma importância. Ambos existem e são reais. Porque o bebê seria mais importante? Por ter consciência? E porquê a consciência é mais importante que a não-consciência? Em mundo sem o sagrado, um cão é tão amado quanto um pai. Matar deixa de ser tabú. A vida vale uma pedra.
   A moral humana? Não me faça rir! A moral humana sem Deus é utilitarismo puro. Uma pedra pode ser util.
   Um texto soberbo de André Forastieri sobre Bowie. Entre 1970 e 1983 tudo o que ele fez é relevante. E pode ser escutado agora e sempre não como saudosismo, mas sim como informação nova. São 12 discos! Diz André que ninguém chegou perto disso. E agora Bowie, sempre digno, dá seu recado: Numa época em que todos falam e ninguém diz nada, ele se cala.
    Penso. Os Stones tiveram apenas 7 anos grandes. Os Beatles 6. O Roxy Music só quatro. Dylan seis anos. O Velvet dois míseros anos. Beach Boys quatro. O Clash? Três anos. Por quanto tempo foi grande o Oasis, Pulp, Jam, Radiohead, Morrissey, Marvin Gaye, James Brown? Strokes ou White Stripes? Elton John foi um deus por cinco anos. Por quanto tempo o Blur não se repetiu? Por quanto tempo eles conseguiram produzir coisas novas? Não viver do passado recente? Por treze anos, todo ano, Bowie foi novo. Não se repetia. Surpreendia. Podia ter ficado toda a vida refazendo Ziggy. Ou Lodger. Young Americans. Mas não. Mudava sempre e sempre e sempre. Em 1999 ele disse que o rock era música de saudosistas. Que ele ainda fazia música apenas como homenagem a seus fãs ( jazz, não é? ), e que os teens felizmente estavam ligados em techno e não em rock. Por quanto tempo o U2 foi grande?
   Elton John, gênio da melodia. Seu show é Mel Tormé, é Tony Bennet, é jazz-pop. Meu ídolo aos 12, 13 anos de idade. O cara fazia hit sobre hit. De 1970 até 1976 ele tem mais de 15 músicas que todo mundo conhece. Usina. Rocket Man é uma obra-prima. Entre outras.
   O Papa se foi. Cansou da sujeira da Igreja. Assim como Deus foi um dia. Ou voce duvida? Deus renunciou por volta de 1300. Depois é nós por nós mesmos. O que temos são pegadas, lembranças de uma divindade ausente.
   O que vai ser da geração que terá 50 anos em 2050?

Talking Heads - Live in Rome 1980 [Full Concert]



leia e escreva já!

VOCE VAI FICAR OUVINDO O MESMO DISCO PARA SEMPRE? TALKING HEADS E O QUE SIGNIFICA REMAIN IN LIGHT

   Após trinta anos de cantores péssimos a voz de David Byrne não parece mais tão ruim. Em 1980 ela era um horror. Desafinada, ansiosa, toda errada. Well, muita coisa mudou e um fato é que o som dos Heads virou mainstream. Aliás a banda de Byrne, Jerry Harrison, Tyna Weymouth e Chris Frantz é das mais copiadas today. Como acontece com Jam, Costello, XTC ou Ultravox, o som dos Heads é o som de 2013. Esta geração não tem o seu "David Bowie". Parece que o rock vai para sempre ser preso nesse saudosismo que jamais irá cessar. Consequência da internet, Love, Fairport Convention ou Donovan Leitch serão influências forever...Novidade hoje? Só fora do rock.
   Quando os Heads cruzaram o caminho com Brian Eno, em 1978, eles já sentiam isso. Desde 1974 eles faziam parte da cena indie de New York. Ramones, Blondie, Television e Talking Heads, cada um em sua praia. Ramones o máximo do conservadorismo. Primal. Blondie o pop-chic. Television fazia o estilo Lou Reed, drugs e noite. E os Heads cuspiam no rock. Não queriam seguir a cartilha. Começaram a misturar coisas: música africana com arabismos, funk tipo George Clinton com bubble-gum tipo Archies. Na época era esquisito pacas! Não era punk, não era country, nem disco, soul, funk, heavy, folk ou blues.
   Remain in Light é de 1980 e é o quarto disco. Eno começou a tomar conta de tudo e por isso a banda começou a se desfazer. Hoje eles poderiam fazer uma reunião caça niqueis. Tocar em festivias do verão europeu e americano. Um monte de caras das bandas hype de 2013 adoraria tocar com eles. Mas não. Pra que?
   O disco tem a formação que até hoje é minha favorita: mais de doze músicos tocando juntos. Se faz uma cama de ritmo e sobre essa cama se espalham acordes desarmônicos por cima. É um som rico, cheio de detalhes, e ao mesmo tempo é dançante. Os quadris mandam. O ansioso David Byrne foi sempre um insatisfeito. O rock seria uma camisa de força para ele. Então ele se mandou e veio até mesmo ao Brasil. Seus ouvidos precisam sempre de novidades. Nisso ele é o oposto radical de Keith Richards ou John Lennon. A cartilha Chuck Berry foi jogada no lixo. Mais um filho de Bowie.
   Born Under Punches abre com pop esquisitinho. Inadaptação. O tom é dado: dançar sempre. Crosseyed and Painless dança a estranheza. Quadris mais cabeça. A banda é fantástica. Um monte de percussão. Tyna tem linhas de baixo do cacete. Aliás foi ela a primeira loura com baixo. Antes do Sonic Youth.  The Great Curve apresenta o solo cubista e esquizo de Adrian Belew. Uma obra-prima. Nona comaprece nos backing vocals e tem Eno fazendo ruídos e dando gritinhos. Once in a Lifetime foi usada em um monte de filmes de arte. Byrne dirigiu cinema. Todo o David Lynch está nesta música. Houses in Motion tem o trompete árabe de Jon Hassell. É hipnótica. Seen and Not Seen é minimalista, a mais Eno de todas. Listening Wind te joga no wind. Tem a sofisticação de Ferry. E Overload encerra em chave anti-pop. Tá lá.
   Lançaram e deram um tempo. 3 anos para o próximo disco. Hoje, 33 anos depois, o disco nos lembra de uma palavra: ambição. Falta ambição a nosso pobrezinho rock made in 2013. Não a ambição tola do tipo: Eu sou um gênio. Não a ambição babaca de Eu sou o mais sofrido. Falta a ambição de se ouvir mais, de se fazer mais, de se tentar mais. Falta ser mais irriquieto. Falta a surpresa.
   Morou?

OSCAR 2013

    O urso Ted foi melhor ator que Jennifer Lawrence. Sua interpretação no filme de David Russell é banal. Quem derrotou Riva foi Dujardim. Jamais Hollywood premiaria uma francesa após um francês. Como aconteceu com Gwyneth, Reese e René, Jennifer é a bola da vez da indústria.
    Hugh Jackman tinha minha torcida. Lewis de novo! É o Meryl Streep masculino. Falta concorrência? Lincoln é chato pacas! Ang Lee é o diretor mais interessante da América. Inquieto. A primeira hora de PI é deliciosa. Depois fica monótono e volta a melhorar no final.
    Shirley Bassey cantando Goldfinger foi o ponto alto da noite. Porque não levaram os ex-Bond ao palco? Para não humilhar o cara-de-burro Daniel Craig?
    Argo é bom. E foi produzido pelo cara mais querido de Hollywood: George Clooney. Tinha de vencer. Os grandes perdedores foram Lincoln e o filme do Bin Laden.
    Uma coisa boa aconteceu neste ano: O show foi menos MTV e mais cinema. Até musical teve! E os Caras estavam lá: Jack, Dustin, De Niro, Michael Douglas, Gere. Se Al Pacino e Clint Eastwood estivessem na sala todos os maiores do cinema americano estariam juntos.
    Quem não viu que veja, Anna Karenina é o filme do ano. Mas o Oscar resolveu que Joe Wright será premiado só após os cinquenta anos. Pena.

KEVIN AYERS EM IBIZA COM JOHN CALE E ANDY SUMMERS

   Maravilha! Especial da TV Espanhola de 1980 com a intimidade de Kevin. Sua vida em Ibiza, trechos de show pra TV....Viva a internet, Viva o Tube e que Kevin esteja cercado de champagne e canções onde esteja !

musical express 1980 especial kevin ayers blog am~tve



leia e escreva já!

Kevin Ayers - Falling In Love Again (1976)



leia e escreva já!

Milos Forman - Cerny Petr (1964) PEDRO, O NEGRO, SUBLIME.



leia e escreva já!

PEDRO MILOS FORMAN/ O MESTRE/ PRESTON STURGES/ STEVE MCQUEEN/ OSCAR 2013

   Antes vou falar sobre o Oscar de amanhã. Bem, cada ano ele se torna mais irrelevante, mas não dá pra ignorar. Neste ano tem um monte de filmes "bacaninhas" e nenhum filme ótimo. Pelo menos não estamos em nivel tão baixo quanto 2011, quando uma série de filmes de arte-lixo-fake concorreu ( e foram derrotados, felizmente, pelo Discurso do Rei, excelente ). Infantil o prêmio se torna cada vez mais, mas ás vezes ele ainda acerta. O melhor filme em inglês do ano não concorre a melhor filme ou direção. Anna Karenina é um filme sofisticado demais para um prêmio que se faz teen. O diretor Joe Wright faz mais um grande filme e dessa vez nos dá o prazer de uma féerie de cores e de sons. Arte superior. Porcos não apreciam pérolas. Dos indicados deve dar Argo, filme que tenho preguiça de ver. Ben Affleck será melhor diretor. Hollywood ama atores que dirigem. Se unirá a Warren Beaty, Clint Eastwood, Mel Gibson, Kevin Costner. Day-Lewis vencerá melhor ator e Emmanuelle Riva a melhor atriz. Anne Hathaway será coadjuvante e Seymour Hoffman o masculino. Ou seja, vai ser tudo um tédio mortal. Dos indicados eu adoraria ver a vitória de Os Miseráveis. É o único indicado que me surpreendeu. Muito melhor do que eu esperava, nada tem de xaroposo. Diretor votaria em Tom Hooper. Assim ele seria o segundo inglês na história a ter dois Oscars ( o primeiro é David Lean ). Melhor ator Hugh Jackman, de longe o melhor. Atriz Helen Mirren em Hitchcock. Jamais daria o coadjuvante para Anne, seria Amanda Seyfried e ator coadjuvante Christoph Waltz. Tá bom? Vamos aos filmes que assisti na semana....
   O MESTRE de Paul Thomas Anderson com Joaquim Phoenix, Philip Seymour Hoffman e Amy Adams
Anderson é um bom diretor mas ele precisa dar um tempo e viajar, descansar, se renovar. Seus filmes sempre foram chatos, mas em troca da chatice nos davam momentos de belo cinema. Ele criava. Ousava. Mas, ultimamente, seus filmes se tornam cada vez mais crispados, áridos, mal-humorados, solenes, quase mortos.  O cinema de Anderson sempre foi cristão. Todos os seus filmes falam sobre a perda do pai, a dor e a ressurreição. Às vezes de forma explícita, como em Magnólia, onde até a passagem bíblica da queda dos sapos comparece. Sangue Negro é o filme em que o diabo vence. Anderson entrega os pontos e admite, gnósticamente, que a partir de certo momento de nossa história Deus foi exilado. Puritano. O cinema de Anderson é hiper-puritano. Hawthorne e Melville são suas fontes. A ironia que dava a força vital a seus filmes vinha de Robert Altman, diretor que foi seu mestre. Boogie Nights e Magnólia são filmes à Altman feitos por um cara que nunca foi doidão. Com o tempo Anderson foi trocando a influência saudável de seu mentor hippie por um cinema mais clássico, um tipo de William Wyler intelectual. Não está dando certo. Mesmo admirando suas intenções, mesmo torcendo por ele, seus filmes são chatos, sempre chatos. Aqui, puritanamente, ele condena os falsos religiosos, os vendilhões do templo. Ótimas intenções, mas o tiro sai pela culatra. O único ser vivo em todo o filme é Seymour Hoffman. Ele parece ser humano e real. Todos os outros são tipos unilaterais, sofrem de sintomas, não são "ricos". Sem nota.
   AS TRÊS NOITES DE EVA de Preston Sturges com Henry Fonda e Barbara Stanwyck
O mundo inteiro não deve estar errado. Todos adoram esta comédia do mais valorizado dos diretores americanos. Mas eu não. Então concluo que o errado deva ser eu. Certo? Fonda faz seu tipo bom rapaz ingênuo, e Stanwyck é uma vigarista que o seduz. É um filme ok, mas não vi sua criatividade tão decantada. Nota 5.
   SHENANDOAH de Andrew V. McLaglen com James Stewart
Se voce suportar a carolice de seu começo, onde Stewart faz um pai de familia, viúvo, voce verá um bom filme de ação em sua parte final.  Ele, Stewart, tenta ser neutro na guerra de secessão, não consegue. A guerra invade sua vida e sua familia se despedaça. É filme da fase final da carreira de Stewart, ele atua no piloto automático, repete as falas como um Lincoln de segunda mão. Mas a parte final é boa, e tem uma bela fotografia. Nota 6.
   CROWN, O MAGNÍFICO de Norman Jewison com Steve McQueen e Faye Dunaway
Um dos filmes mais vaidosos e exibicionistas de todos os tempos. O ano é 1968. Steve McQueen era então O Cara. Uma mistura de Sean Connery com Paul Newmann. O inventor do cool, o feio atraente, o cara muito macho e muito sexy. Ele se exibe como um milionário que se torna fora da lei só para espantar o tédio. Faye vinha de Bonnie e Clyde. Era a atriz da moda. Faz uma sexy e elegante agente de seguros que tenta capturar McQueen. O fotógrafo do filme é Haskell Wexler, o mais moderninho de então. O filme é todo "esperto". A tela dividida em quadros, imagens fracionadas, ângulos arrojados. A trilha sonora é de Michel Legrand. Cheia de bossa, jazzistica, a trilha que hoje Soderbergh adora. E o diretor, Jewison, vinha de sucessos em série. Resultado de tudo isso? Um super-sucesso de box-office. Mas não é um grande filme. Tanta exibição faz dele uma coisa fria, distante, sem emoção. É como ver uma revista de moda, o filme é lindo, chic, gostosão, mas sem mais nada que essa casca. Nota 6.
   PEDRO, O NEGRO de Milos Forman
Uma obra-prima. Finalmente descubro uma obra-prima!!!! Há quanto tempo!!!!! Aleluia!!!!!!!!! Feito na libertária Tchecoslováquia de 1966, Milos Forman com este filme influenciou todo o novo cinema americano de então.  O filme parece documentário, parece reportagem. É jovem, é fresco, é vivo, é maravilhoso. Com câmera na mão e atores de rostos inesquecíveis. Pedro é um adolescente. Ele trabalha como vigia de mercado e tenta engatar namoro. Sempre calado, os enormes olhos em dúvida constante, Pedro é um dos mais perfeitos retratos de um adolescente já vistos em filme. Mas todos os outros também são ótimos. O pai, um durão que não o entende, a mãe, submissa, os amigos, feios, ansiosos, brigões, e as meninas. Há tanto amor pelos personagens que o filme chega a comover. E há humor, o humor tcheco, absurdo, ácido. A cena do Hóy ( quem assistir saberá do que falo ), é uma das mais hilárias que já vi. Creiam-me, é um filme obrigatório. Vendo-o voce entende o quão pouco é preciso para se fazer um grande filme. Voce percebe que arte e diversão podem andar juntas. Melhor que Estranho no Ninho ou que Amadeus, é o grande filme do grande Milos Forman. PS: Maravilhosas cenas nas ruas e nos mercados da Praga de então. Nota DEZ !!!!!!!
  

O ROMANTISMO POR CARPEAUX, AFINAL, ELE AINDA VIVE?

   Se eu tivesse de escrever uma obra sobre a musica pop teria dificuldades em ser imparcial ao relatar as fases 61-67, 83-88 e 2005-2012; porque são as épocas que Menos gosto. Os elogios pareceriam forçados, as críticas muito fortes. Carpeaux por mais que disfarça, não gosta do romantismo, daí que seus elogios parecem artificiais e suas críticas exageradas. Como apaixonado pela literatura do século XVII, Otto, lógico, não pode compreender completamente o romantismo. Não o aceita.
   Românticos são narcisos. Em tudo aquilo que colocam o olhar vêem um EU. Suas obras sempre falam de um Ego em luta contra o Mundo. Daí a imensa quantidade de heróis e de sofredores. Napoleão é o guia dessa geração. Napoleão é amado como o indivíduo contra o mundo, ou odiado como o vilão que vulgarizou o planeta. Nunca é ignorado. Otto Maria Carpeaux não aceita essa literatura. Daí passar o livro inteiro chamando os autores da época de "esquisitões", "neuróticos" ou "paranóicos". Ele cria diagnósticos e analisa pouco.
   É verdade, nunca houve tanto poeta suicida como nessa época, nunca aconteceu de tantos morrerem tão cedo ou acabarem como mendigos ou loucos internados. Mas ele deveria dizer como isso aconteceu e não se contentar com um veredito. O que levou tantos a esse caminho?
   Por volta de 1800 acaba a imagem do artista como "protegido dos nobres". Com a ascensão da classe média e o fim da nobreza como classe central-única, os artistas devem, pela primeira vez, lutar pelo sustento "se vendendo". Precisam agradar a burguesia, agradar aos jornalistas, produzir muito, adivinhar o que o público deseja. É aqui que surge o conceito de best-seller, um gênero criado inconscientemente por Walter Scott. Os artistas mais sensíveis, incapazes de se adaptar a esse mundo de fábricas, relógios e competição, sucumbem.
   Aviso que não sou um grande fã dos romanticos. Apesar de ser a época de Stendhal, Keats e Wordsworth, me incomoda essa obsessão pelas dores da vida, pelas injustiças. Estou muito mais perto de Montaigne ou de Sterne que de Hugo ou Byron. Mas tenho de admitir, eles foram grandes, muito grandes, e até agora ( mas já em franca decadência ), aquilo que entendemos por "artista" está muito próximo daquilo que foi Beethoven, Byron ou Victor Hugo. O indivíduo em luta contra o meio injusto. O anjo caido.
   Falar de tudo o que o livro diz é impossível. São milhares de autores. Destaco alguns, não necessariamente os maiores. Vejam Walter Scott. Ele é até hoje o mais best-seller dos best-sellers. Mais que Dumas, Verne ou Conan Doyle, Scott criou aquilo que chamamos ainda de "romance popular". Influenciou toda a Europa, vendeu aos milhões ( em 1815, em 1820 !!! ). Ele criou o romance medieval, o romance de viagens, o romance de aventuras histórico. Tudo o que vemos nas livrarias que traga algo de gótico, de romanesco, de "passadista" tem uma dívida com Walter Scott. Ele cria o romantismo de evasão, o livro que nos faz "ir embora para lugares miticos".
   Otto considera Kierkegaard o grande filósofo romântico. Seu mergulho no Eu chega ao paradoxo: negar o Eu. Kierkegaard chega a conclusão que o homem deve tomar uma decisão existencial, negar a Deus, e viver na animalidade absoluta do aqui e agora, ou aceitar Deus, negar o Eu, e viver no compromisso com o Outro. Schopenhauer e Hegel seriam os outros filósofos românticos, um com seu nada e o outro com sua dialética histórica.
   Em termos de história do período, Otto, que era austríaco, coloca neste período o fim da verdadeira Viena. A cidade barroca, católica, sensual, feliz, riquíssima, seria sufocada por Berlim e seu espírito gótico, luterano. Fato pouco lembrado e muito importante, Otto Maria Carpeaux une religião e arte, religião e filosofia, dessa forma, a arte do romantismo se liga a um renascimento católico, assim como o realismo é a confirmação do positivismo e nossa arte atual é filha de um "vale tudo" pseudo-religioso. Para quem acha que nosso tempo é o mais ateu dos tempos, esse foi o século XVIII. Século que culmina na Revolução.
   Stendhal é um dos que Otto salva. Isso porque, em estilo, ele é muito mais século XVIII que XIX. Sua alma é racionalista. Coisa admirável, Stendhal é tão inteligente que a psicologia de seus livros é válida até hoje. O que os personagens fazem, sentem, pensam, é aquilo que fazemos, pensamos e sentimos até hoje. É o maior dos psicólogos romancistas.
   Devo dizer ainda que Otto preserva de suas críticas o pré-romantismo, esse romantismo de 1790, de Wordsworth e Coleridge, a poesia dos lagos, a poesia daqueles que negam a vida moderna e se isolam nas matas, em contemplação, em adoração ao mundo natural. São os poetas que percebem um universo numa gota de chuva. E que falam de pobres agricultores como se fossem reis.
   Gogol, Hans Christian Andersen, Shelley, Heine, Thoreau, Emerson, uma linha infindável de nomes, grandes, pequenos, esquecidos, vivos. Um grande livro, mas da série de Carpeaux é o pior.

UMA HOMENAGEM A KEVIN AYERS NO DIA DE SUA PARTIDA

Não vou falar sobre a biografia de Kevin; esse viajante exilado. Voce sabe, já escrevi sobre sua vida antes. Um rock star que nunca foi star e foi muito mais poeta que rock. Ele morreu e dizem que morreu dormindo. Morreu sonhando. Sua vida foi constelação de imagens e de coisas que se definem em indefinição. Estranha coincidência, eu cantara Strange in a Blue Suede Shoes ontem.
A morte sempre esteve perto de Ayers para mim. Isso porque descobri Kevin tarde na vida, apenas em 2008, um mês após a morte de meu pai. Assim como a poesia de WB Yeats, Kevin Ayers ajudou a superar a dor e a absurdês da morte daquele que me fez estar aqui. A música de Ayers, com sua irresponsabilidade perante tudo me aliviou e seu romantismo sem desespero, blasé e elegante, me fizeram ver a beleza na falta de sentido. Ele pegou minha mão e eu fui.
Posto dois videos e um deles foi posto no Tube recentemente. Um show no bar do Olympia em Paris. Ayers escolheu ser francês. Simbolismo, a evolução irônica do romantismo. No show dá pra ver sua imagem, um modo Shelley mais Wilde de ser. E o descompromisso com as razões e as direções. Solto e cercado por nuvens, assim viveu Kevin Ayers.
Para onde ele irá agora? Terá ido ao encontro final com a Lua em Junho ou a Criança de Gêmeos? Poderá enfim ver as cores que sempre sonhou? Ele tinha de morrer dormindo, afinal, há uma absoluta indiferença ao drama em sua música. Ele nunca posou de herói, daí seu não-sucesso no mundo do rock, esse mundinho cheio de heróis sofridos ou de heróis machões. Kevin Ayers escolheu ser um dandy. Dandy bêbado, dandy sonhador. E nesse sonho fez do mundo uma praia de caranguejos de nome Clarence e de Bananas filosóficas.
Eu amo Kevin Ayers e para mim, e alguns poucos, ele será sempre presente. Porque nunca o vi como um homem deste mundo. Ele sempre viveu no "outro". E lá continuará.

Kevin Ayers - Taverne De L'Olympia, May 1970 - Part 1



leia e escreva já!

KEVIN AYERS & THE WHOLE WORLD - May I? (1972)



leia e escreva já!

BYRONISMO HOJE ( rock e romantismo )

   O byronismo não é um estilo, é uma atmosfera, uma mentalidade, uma atitude em face da vida e da morte. Fala-se em Mal du siécle ou Weltschmerz. Ninguém ou quase ninguém pensava em imitar o estilo poético de Byron, todos só pensavam em imitar-lhe o gesto, a fronte pálida reclinada à mão, o olhar para longe onde há mulheres a amar e a corromper, povos a libertar. Foi esse tipo que conquistou o mundo.
   Transcrevi esse parágrafo de Otto Maria Carpeaux em O Romantismo. Se voce tem por volta de 30 anos ou menos, não faz muita ideia do que seja a tal ATITUDE BYRONISTA perante a vida. Eu, infelizmente, não conheci outra coisa. Arte é para mim sempre byronismo, e o mundo, pena,  é hoje materialista e comercialista. Enfim....
   Como acontece com Oscar Wilde, se conhece muito o homem Byron, pouco se lê seus livros. Mas não foi sempre assim. Quando Byron surge, começos do século XIX, sua poesia torna-se sensação. O romantismo se confunde com seu nome. Porém, em 20 anos seu nome se faz maior que sua obra, ele passa a ser um tipo de Homem-Arte, celebridade. Odeia-se Byron, muito, ama-se Byron, muito mais. Por 150 anos ser artista é ser byronista.
   Lord Byron, nobre decaído. Ser artista é ter esse ar de nobre que perdeu tudo, de alguém que nasceu na hora errada, no lugar errado. Muito tarde, muito cedo, seu tempo nunca é o tempo certo. Inadaptado, angustiado, excitado pela raiva e pela melancolia, ele se debate, sonha com outros mundos, viaja. Creia-me, antes de Byron esse não era o modelo do Artista. Um escritor, um pintor podia e geralmente era, completamente "de seu tempo e de seu lugar". Com pés firmes no chão, ligado a realidade, gênios como Cervantes ou Moliére nada possuem de "sentir-se de outras eras". Byron não. Ele, solitário radical, porém cercado de amantes, nunca está aqui. Vive sempre lá.
   Místico, mesmo sendo cético, Byron populariza o satanismo. Flerta com o anjo caído, o anjo negro da noite e do pecado. Byron ousa. Inaugura isso também, o artista como pecador. Byron se droga, dorme com a irmã, blasfema, peca. E goza. É o homem mais famoso da Europa. Bate em popularidade Goethe e Beethoven. É um tempo de titãs.
   Byron parte, viaja. Mete-se em revoluções, ajuda anarquistas. Onde houver ação, ele lá estará. Mas suas causas devem ser as perdidas. Byron perde sempre. E morre nas trincheiras, na Grécia amada, lutando pela independência do país. Um fim digno de sua vida. Um fim artístico.
   Pois bem, por 150 anos esse será o modelo. De DH Lawrence a Heminguay, de Jean Cocteau a Joyce, todos serão em algum aspecto byronistas. Gauguin, Modigliani, Lorca... a ansiedade, a vida como obra, a obra como tentativa de inovação, a criação de um mito, a crença em outros caminhos, a inadaptabilidade ao tempo. Mas, claro, esse byronismo vai se tornando cada vez mais "fake", de segunda e terceira mão, cada vez mais impossível.
   Quando o rock explode os mais espertos logo surrupiaram o modo Byron de ser. Mick Jagger passa dez anos em poses de Lord Byron. Satânico, pecador, dúbio, entediado. Com ele vem toda uma leva de byronistas do rock, entre eles os mais ingênuos morreram ( Jim Morrison, Brian Jones, Nick Drake, Ian Curtis ), os mais espertos se tornaram cínicos ( o próprio Jagger, Bowie, Kevin Ayers ) ou trocaram Byron por Shelley ( Van Morrison, Bryan Ferry ). Quase todos ingleses, nos EUA o rock é folclore, todo rock star americano desde sempre é whitmaniano, ( com alguns anjos de Allan Poe como Lou Reed e Patti Smith ). Weeellll....
   Penso então que é por isso que tenho imensa dificuldade de levar o rock de agora a sério. A ênfase em Byron se foi. Uns poucos ainda bebem na fonte de Shelley ou de Wilde, mas quase todos são filhos da era naturalista, arte para eles é apenas "observação acurada da vida". Sempre vou pensar que isso não é arte. É jornalismo.
  

PORQUE O PÂNICO É TÃO RUIM? DADI É MEU MOMENTO FELIZ.

   Quem desejar saber o que é o Brasil hoje que assista o Pânico. O programa exemplifica a perfeição os dois tipos de humor que existem: o humor alegre e revigorante e o humor maldoso e triste. As pessoas assistem o programa na esperança de rir. Algumas riem, nenhuma sente alegria. Nada nele é feito com leveza, com felicidade, com prazer. O riso, quando vem, é aquele riso que diz: "Que bosta que essa gente idiota é! Ainda bem QUE EU NÃO SOU ASSIM!". Eles são incapazes de uma cena de humor em que alguém não seja ridicularizado. São tão tristes que confundem rir com humilhar. A alegria passa longe daqueles caras.
   Isso se explicita no modo como eles tratam "as gostosas". As "grandes ideias" são sempre as mesmas, mostrar como elas são imbecis. Com certeza na adolescência eles foram muito desprezados pelas gostosas da classe. É um pseudo-humor vingativo. Triste portanto. E nada lá é mais triste que o rosto maquiado e sempre emburrado de um sujeito de barbinha cujo nome esqueci. Azedo, maldoso, infeliz, é o cara que "bola" as maldades estúpidas contra um gordinho bobo alegre e as gostosas "idiotas". Humor? Não, infelicidade vingativa.
   Humor do bom ( sim, sou moralista! A moral é o que nos salva queridões ), é sempre feliz. É o momento em que o humorista se expõe e diz ao mundo: "Sim, eu sou assim, mas estamos todos no mesmo barco!" No Pânico a frase é: "Voces são assim, eu sou mais esperto que todos voces seus trouxas!" Nada mais Brasil-Brasilia que isso. O riso do Pânico é a zombaria de um senador corrupto e impune.
   Saindo do inferno.... Dadi esteve na Cultura. Naquele programa que entrevista gente no escuro. Ensaio. Quem é Dadi? Dadi é feliz, Dadi é alegre, brasileiradamente alegre. Por toda a minha vida tenho o acompanhado e ele nunca envelhece. Começou a tocar em 1971, num dos melhores discos da história do mundo, ACABOU CHORARE, dos Novos Baianos, o mais feliz dos discos. Contrabaixista, foi morar com a troupe lá no sitio dos caras. A vida deles era futebol de manhã e música de tarde. Depois ele foi tocar com Jorge Ben. Ou seja, saiu da alegria e foi para a felicidade. Linhas de baixo insinuantes. Conheci Dadi quando ele foi em 1979 para a Cor do Som. Da felicidade para a leveza pura. Ele já devia ter 30 anos, mas parecia ter 15. A Cor Do Som foi um big big big sucesso. Principalmente entre o pessoal da escadaria do Objetivo e da praia do Arpoador. Tenho seus discos. Todas as faixas falam de alegria. Cores, visuais, gatas e viagens astrais. Hippies? Talvez. Mas do tipo A, os felizes. Meio Lebowski.
   Era um Brasil que prometia. Tropical e livre, parecia que íamos ser exmplares. Um Tahiti gigante, um Hawaii aqui. Mal sabíamos que enquanto nos sentíamos felizes a coisa era combinada. Desandou. Nos anos 80 a coisa foi ficando cada vez mais mal humorada. Deu no Pânico.
   Toda geração tem seu momento Copacabana. A hora em que tudo parece "lindo leve e solto". A minha foi entre 1978/1983. Quer dizer, eu espero que todos tenham tido esse momento. Quem não viveu seu ano, ou anos, bossa-nova-tudo-lindo, que vá pedir emprego no Pânico. Com certeza seu sonho é se vingar do meu sorriso. Eu era aquele cabeludo que sorria nas escadarias do Objetivo. E voce era o ressentido que zombava da minha alegria.

Wrong To Love You



leia e escreva já!

APÓS PENSAR, ESCREVO SOBRE O PAPA BENTO

   Como diz o novo filme de PT Anderson ( filme cheio de pontos ruins e de algumas boas ideias ), todos precisam de uma força superior, de um mestre. Esse mestre pode ser uma besta, um idiota, um mentiroso ou uma alma realmente superior. Mesmo voce, inteligentinho-livre e esclarecido, mesmo voce tem seu mestre. Pode ser Bill Gates, Lenine, Darwin, Bob Marley ou Maradona. Pode ser Freud, Jung, Paulo Coelho ou Chico Buarque. Buda, Maomé ou Jesus Cristo. Não importa. De Hitler a Luther King, todos precisam crer num guia, numa inteligência superior. Mas é claro que existem os hiper-individualistas. Esses crêem em si-mesmos e só. Pobres tolos, carregam o peso de uma vaidade mortal e uma solidão asfixiante.
   O catolicismo foi o pai e a mãe de todos os ismos. Assim como acontece com o darwinismo, freudianismo, comunismo ou liberalismo, o catolicismo pretendeu explicar o mundo numa única verdade. E nessa explicação teve a certeza de que conseguiria unir todo o planeta numa liderança centralizada. Pois observe que todo ismo tem essa fé. A certeza de que sua crença é uma verdade, a única, e de que todos que dela não compartilham estão perdidos em ignorância. Well...todos os ismos são falíveis, inclusive o ismo original. Afinal, todos os Papas, sejam Bento, Mussolini, Lacan ou Marx são humanos. Erram.
   Mesmo no auge de seu poder, 1500, talvez 1400, a igreja romana não conseguiu seu intento, nunca foi universal. Ela dominava 3/4 da Europa e só. O mundo era na maioria pagão, judeu e muçulmano. E então, exatamente como acontece com todos os outros ismos, sua cabeça-durice e sua cobiça destruíram sua chance de crescimento. Imoralidades, recusa em dialogar, arrogância e vaidade, a igreja romana se viu em xeque. Lutero surge.
   Para os muitos que falam de religião sem nada saber dela, Lutero fez algo que hoje parece simples, mas que na época foi espantoso. Ele pegou a Bíblia e a leu. Sem a intermediação de um padre. Nesse ato ele tirava de Roma a exclusividade sobre Cristo e dava a todos os fiéis o acesso a Deus. A ideia era ótima, mas Lutero, Calvino, John Smith eram todos humanos. Erraram também. Não previram que alguns esquisitões iriam ler a Biblia, criar sua própria versão simbólica e arrebanhar aqueles que como todos nós, precisam de orientação. Jamais uma pessoa com um mínimo de inteligência poderá condenar alguém por procurar "uma luz", uma ajuda, uma fé. O que se deve apontar é a qualidade dessa luz. A conta que se paga.
   O catolicismo está condenado. Ele é suave demais, frouxo, sem força. Diante do pragmatismo dos evangélicos e da força dos islâmicos ( não falo em força como violência, falo em decisão ), católicos sempre parecem perdidos. A ruína do papado nasce na própria filosofia católica, aberta a dúvidas, a indagações e a heresias. O catolicismo se perdeu por ser uma religião democrática ( ao contrário do que acham os ateus ). Ela pede para que não se use camisinha ou se faça sexo gay, mas a séculos não excomunga ninguém por isso. A igreja se submeteu a vontade da maioria. Abriu concessões.
   Parece que defendo a ortodoxia? Talvez. Ninguém é obrigado a ser católico. Mas se for, deveria ser "de verdade". Desde o século XVIII não é mais o que se vê. O futuro do catolicismo, ele existe, será a volta a origem. Será uma religião de poucos, um tipo de judaísmo light. Alguns milhões de fiéis.
   Claro que o papa sabe de tudo isso. O catolicismo pode voltar a crescer. Basta deixar de ser católico. Que aceite mulheres padres, que diga que nada pode ser pecado se feito com boa intenção. Talvez uma eleição geral para Papa, que tal? Partidos na TV, campanha pelo seu voto. Mas isso seria outra coisa, seria capitular, seria deixar de ser o que se é. E o Papa tentou manter um mínimo de rigor, de verdade em sua igreja. Perdeu. Claro que perdeu.
   Eu sou um católico romano. Mas nunca vou a igreja, não comungo, não me confesso e cobiço a mulher do próximo. Acho que Deus existe, penso que Cristo foi um Ser Superior e tive experiências místicas incofessáveis.  Admiro Buda, Krishna, os Batistas e os Sufis. Isso se tornou um católico. Nossa frouxidão, ou melhor, nosso espírito democrático fez de nós ovelhas perdidas.
   Bento sabe de tudo isso. E não encontrou nenhuma chance de solução. O caminho que ele escolheu é o mais honesto e o mais "espiritual": a volta ao mosteiro, a saída da vida vulgar, o recolhimento.  Ele está certo.

AINDA DÁ PRA LER JORNAL? CADA VEZ MAIS, NÃO.

   Se voce quer saber o nome de quem escreveu o troço já aviso: Não me lembro. É algum desses caras que andam escrevendo em jornais. Que que tá acontecendo? A coisa tá indo ladeira abaixo e não diminui a velocidade de queda! Tem aumentado!
   O texto, óbvio, confuso, sem sal, bobo, burrinho até, fala das maravilhas contemporâneas. De como a internet abriu um admirável mundo novo para as artes. Mundo vasto e complexo que a crítica não consegue acompanhar. Well...vamos por partes. E vamos tentar ser menos tweetuosos.
   Ele começa dizendo que no youtube tem um monte de gente que elogia e ama o Ursinho Blau Blau. Com isso ele quer dizer que o tempo e a saudade aumenta o valor das coisas. Que engano cara! O povo que elogia Radio Taxi e Gilliard no Tube É O MESMO que em priscas eras comprou seus discos. Qual a surpresa? O tempo não melhora um disco, o tempo, para certas pessoas, nada muda. Elas continuam vendo, seja na TV, no Tube ou num palco, as mesmas coisas de sempre. Barão Vermelho e Renato Russo. Eu particularmente detesto os anos 80. É a década que criou tudo aquilo que hoje chamo de lixo. Começou com MPB melada, New Wave falsa e Metal farofa, depois nos trouxe muito rock deprê, pseudo-gênios e terminou com lambada e sertanejo moderno. O cinema dos 80 não é muito diferente disso.
   O texto continua em suas babosas asnices. Fala que o cinema do passado é melhor porque só se preservou o que tem valor. Ora ora ora...óbvio né? O melhor fica, o muito ruim também fica como coisa brega-chic, o médio desaparece. Dessa forma temos do passado Lubistch e Lang, mas também Ed Wood e Abbot e Costello. Aliás vou me contradizer! Com o dvd TUDO do passado foi revivido. Até as insuportáveis séries de cinema ( Zorro, Mandrake, Flash Gordon ) e os westerns classe Z. Se certas épocas do passado parecem melhores isso se deve ao fato de que elas foram realmente melhores. Basta se olhar a lista dos indicados ao Oscar ou os ganhadores de Cannes e Berlim. O fato é que Humphrey Bogart virou um nome Para Sempre e William Hurt ou Eddie Murphy não. O texto é burro por botar tudo no mesmo saco. Como se as coisas por serem antigas tivessem sempre uma FALSA AURA DE VALOR. Blá!!! Quando moleque eu odiava os filmes de Elvis e hoje gosto ainda menos. Eu não engolia Jeannie é Um Gênio ou Star Trek, e continuo os evitando. Desenhos da Hanna-Barbera eram um saco, hoje gosto só de Jonny Quest. Tenho saudades dos anos 70, mas ninguém é idiota ou masoquista. Gonzaguinha e Ivan Lins continuam sendo chatos e Led Zeppelin mais Secos e Molhados serão o que são para sempre. O cara do texto imagina que no Tube elogiam Kid Abelha só porque Paula Toller é do passado. Não, elogiam os Kid aqueles que em 1985 já gostavam deles. Pra mim são o que sempre foram, banais.
    Mas o texto piora ao falar da internet. Da revolução nas artes causada pelo mundo virtual, revolução que a crítica não acompanha. Revolução há, sem dúvida. Mas ele não percebe que é uma revolução de suporte e não de conteúdo. A internet traz a possibilidade de TODOS fazerem arte e de um cara como eu BRINCAR de crítico. Mas o conteúdo, infelizmente, não tem se modificado. A música é a mesma da época da TV e o cinema continua vinculado a grandes produções ou a prêmios em festivais de arte. O que a internet fez foi baratear a produção. Os filmes, em sua maioria, têm uma fotografia mais simples e as bandas podem gravar a vontade. Só na minha escola existem oito bandas de rock. A questão é: o conteúdo é novo? Bandas hoje são como grupos de baile, vivem em função de shows em festivais. Todas são como covers de algum momento do passado. Os shows são bons para se divertir, mas ninguém liga muito para os discos. O que traz a tona a mais perversa das consequências da internet: a trágica comparação.
    Montes de alunos roqueiros começam ouvindo bandas de hoje. Falo porque vi. Aos 12 anos ouvem bandas atuais e aos 16 começam a descobrir Led Zeppelin e Beatles e então piram. O leque se abre e logo estão vidrados em Kinks ou Lou Reed. Passam a ouvir só velharias e começam a falar que "bom eram os anos 60". Bandas novas só em shows. É perverso porque as bandas novas, com sua carreira de apenas um ou dois discos, não têm como concorrer com os 50 discos de Dylan ou os 40 de Neil Young. A internet dá a um moleque curioso de 12 anos o que eu nem sonhava quando adolescente: acesso a toda a história do rock. Assim como a toda a história do cinema. O suporte é ilimitado, o conteúdo tende a ser passadista.
    Por fim pergunto a voce: Quantos novos artistas voce descobriu na internet? Na tv fechada voce vê o que? Sinfonias modernas? Documentários relevantes? Filmes desconhecidos? Ou séries de tv e esportes? Onde a tal revolução da arte?

O LADO BOM DA VIDA/ HITCHCOCK/ SOPHIA LOREN/ REVOLUÇÃO SEXUAL

   O LADO BOM DA VIDA de David O. Russel com Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro, Chris Tucker, Jacki Weaver
Um casal de desajustados anda pelas ruas. Ele tem saudades da ex-esposa. Lentamente esse novo casal, que foi apresentado por amigos, vai se envolvendo. Mas seus problemas emotivos costumam atrapalhar tudo e dar ao filme seus momentos de humor. Poderia esse ser um resumo de Manhattan ou de Annie Hall. Mas infelizmente não é. O filme é este O Lado Bom da Vida. Ele não é ruim. É um filme muito gracinha. Um fofo. Um querido. Mas é ao mesmo tempo profundamente conservador, careta, reaça, antigo. Isento de sexo, de crítica social, de qualquer sinal de ousadia. Por que cobro ousadia deste filme? Porque me irrita essa coisa de se colocar gente pseudo-moderninha, gente com problemas "modernos" em filmes que no fundo são tão comodistas. Transforme o cara num alcoólatra vulgar no lugar de ser um bipolar, e transforme a mocinha numa descasada com roupas comuns e voce terá um filme de Doris Day. Mas dá pra ver algo de ainda pior. É uma comédia sem graça e um drama sem seriedade. E Jennifer Lawrence, por favor!, nada faz de especial, é uma atuação de rotina. A indústria resolveu que ela é a Jennifer da vez e poderá ganhar o Oscar numa atuação tão comum como as que premiaram Gwyneth Paltrow e Reese Witherspoon. O filme é de Mr.Cooper, e nos limites do roteiro pobre, ele se sai bem. Aliás se assistirmos ao filme esquecendo do absurdo de suas 8 indicações ( antigamente 8 indicações era coisa só para filmes excelentes ), poderemos ver um bom filme tipo Sessão da Tarde. Os personagens são simpáticos e torcemos pela mocinha e pelo mocinho. Torcemos mesmo. A gente sente peninha deles. O que nunca aconteceu com os personagens de Woody Allen. A gente pode odiar, mas nunca sente dó de Annie Hall e de Alvin. Escuta gente: a neurose foi extinta? Cooper nada tem de neurótico. Ele nada questiona, nada critica, não vai fundo em nada, nada tem a dizer. Nem chato ele é! Ele apenas sofre com seu TOC e fica nessa coisa de manias e obsessão. Não estou falando que ser neurótico é cool. Apenas digo que cada época tem sua doença e que hoje temos TOC e deprê. Em 1976 era a neurose. Talvez não tenhamos mais neuróticos porque não há bons comprimidos para eles. A neurose é traço da alma, não tem como curar. Não é sintoma, é um caráter. Termino dizendo que cada geração tem seu Annie Hall. Em 1989 foi Harry e Sally e em 2013 é este filme. Ah, ia esquecendo, De Niro faz De Niro de novo. Nota 6.
   HITCHCOCK de Sacha Gervase com Anthony Hopkins, Helen Mirren, Scarlet Johanson, Toni Colette, Jessica Biel e James D'Arcy
Tem uma comovente imitação de Anthony Perkins feita por James D'Arcy. E um belo retrato de Hitch por um Hopkins contido. Como em todo filme que tem sua presença, Helen Mirren engole todo o elenco e domina o filme. Sem forçar. Scarlet imita Janet Leigh. A esposa de Tony Curtis era tão adorável que fazendo Leigh até Scarlet ficou mais humana. O filme é uma delicia. O momento em que a trilha de Bernard Herrman comparece na cena do chuveiro em Psycho é sublime. Um adendo: crianças que começaram a ver filmes agora tendem a não compreender o porque de tanta idolatria por Hitchcock. Ora meus novatos, todos os filmes que voces amam são hitchcockianos! O mestre inglês foi o cara que criou o cinema como "manipulação das emoções do público". Filmes planejados para dar emoções e reações a seu público. Hitch não contava histórias, ele criava sensações. Esse é o cinema, quando bom, de agora. Este filme cria uma sensação: a de testemunharmos a criação de um filme ícone. Nota 8.
   VÍCIOS PRIVADOS, VIRTUDES PÚBLICAS de Miklós Jancsó
Nudez frontal feminina e masculina todo o tempo. Masturbação explícita. Só dois cenários: um jardim e um salão. Um fiapo de história: dois jovens herdeiros resolvem sabotar o reino dopando toda a nobreza e fotografando uma orgia com duques, barões etc. Esse será o estopim da revolução. Jancsó é considerado por alguns o maior diretor do cinema húngaro. Foi famoso nos anos 60/70, e este filme, de 1976, tem a cara da década mais doida, é exagerado, otimista, tolo, brega, sem noção, despudorado, sujo e feio. E chato. Não tem história, não tem emoção, não tem nada. Tudo o que vemos são pênis, seios, muitas bundas, vaginas, e ouvimos risos, risos e mais risos. Hora e meia de uma cena dionisíaca. Seria bom estar lá, assistir cansa. Houve um tempo em que se tinha a certeza de que toda a tristeza do mundo vinha da repressão ao sexo. Liberando o sexo haveria naturalmente uma renascença. Os seres, livres, fariam uma revolução social e implantariam um socialismo libertário no planeta. Todos seriam felizes, sem patrões e com muito sexo. Essa era a fé da década. Daí seu otimismo. Jamais imaginaram que a liberdade sexual seria usada como produto e o gozo como objetivo em si-mesmo. Cães copulam a vontade e nem por isso são mais ou menos revolucionários. A liberdade é coisa muito mais individualista que a geração dos anos 60 queria crer. Não darei nota porque isto não é cinema. É uma tese.
   A BELA MOLEIRA de Mario Camerini com Sophia Loren, Marcello Mastroianni e Vittorio de Sica
Não seria Sophia a maior estrela do cinema mundial ainda viva? Felizmente viva. Ela é tão grande quanto Audrey, Liz Taylor ou Brigitte Bardot. De todas é a mais sensual, carnal, saudável. Uma festa na tela. Aqui, muito jovem e ao lado do sempre brilhante Marcello, ela faz uma camponesa que por ser bonita não padece dos impostos cobrados pelos invasores espanhóis na Nápoles de 1700. Marcello é seu marido, um malandro que começa a sentir ciúmes. É apenas isso, um alegre passatempo sobre a bella e alegre Itália. A direção é bastante tosca, mas os atores nos dão calor e encanto. Vale a pena. Nota 6.
  

HITCHCOCK- SACHA GERVASE, UMA EXPLICAÇÃO SOBRE UM GÊNIO

   Para aqueles que amam o cinema, é um filme emocionante. Para fâs de Hitchcock, obrigatório. O filme, discretamente dirigido, fala dos bastidores da produção de Psycho. Ao mesmo tempo revela a relação de Hitch com sua esposa, Alma. Para quem conhece Hitch, a coisa é uma delicia.
   Tudo começa com o sucesso de INTRIGA INTERNACIONAL. O  mais divertido dos filmes do mestre. Em seguida ele recebe a oferta de dirigir o primeiro filme de James Bond, que seria então Casino Royale. Hitch não aceita, não quer fazer sempre o mesmo filme. A Paramount, e essa é uma das delicias do filme, não quer um novo Hitch diferente, não quer mais Vertigo ou O Homem Errado, grandes fiascos de bilheteria. Ela quer mais Intriga Internacional. A Paramount briga com Hitch e ele tem de fazer em produção independente Psycho, um filme que ninguém quer produzir. Se o filme não der lucro Hitch estará quebrado.
   Essa a base do filme, mas ele tem muito mais. Alma, frustrada no casamento frio e sem sexo, se envolve com um escritor banal. É ela quem salva Psycho na sala de edição e insiste em ter a música de Bernard Herrman na cena do chuveiro. Este filme revitaliza a música. Quando ouvimos a melodia das facadas sentimos o quanto Herrman era genial. Se sua trilha de Vertigo é a obra-prima das trilhas de cinema, os acordes de Psycho são os mais marcantes. No fim do filme, quando um Hitch tenso, espia a reação da platéia à cena do chuveiro, e observa que eles reagem exatamente como ele queria, nós, público de hoje, após mais de 50 anos de imitações de Psycho, sentimos toda a carga de emoção que deve ter havido naquela noite de 1960. Só por essa cena o filme já vale muito.
   James D'Arcy faz Anthony Perkins. A atuação de Perkins como Norman Bates é uma das cinco ou seis mais icônicas dos últimos 50 anos. Perkins é uma figura comovente em sua mistura de fragilidade e crueldade. D'Arcy em suas poucas cenas dá um show. Ele é Anthony Perkins! O andar hesitante, a voz reprimida, o homossexualismo reprimido, a ansiedade, é uma atuação imitativa, não criativa, mas para quem como eu adora Perkins, é um prazer vê-lo vivo outra vez. Scarlet Johanssen está calorosa como Janet Leigh. Simpática, simples e sexy, como Leigh era. E fazer Scarlet parecer humana já é por si um mérito. O filme tem ainda em seu elenco sublime Toni Colette, Jessica Biel e o filho de John Huston, Danny, que tem filmado muito.
   Anthony Hopkins é da velha escola inglesa de atuação. O estilo inglês não permite o surgimento de um Heath Ledger ou de um De Niro. O ator não se torna o personagem. Jamais deve se emocionar com a atuação. O controle sobre a atuação, essa é a lei. No estilo criado nos EUA por Brando, Dean e Montgomery Clift, o ator busca dentro de si o personagem. Ele mergulha dentro de suas emoções, encontra o personagem e passa a ser dominado por ele. No estilo inglês, sua inteligência observa o personagem "de fora", cria as peculariedades desse tipo e doma esse caráter. Hopkins é assim. Ele nunca foi Hannibal Lecter, ele criou Hannibal Lecter. Seu Hitch nunca é caricato. E não é Hitch. É sempre um ator, brilhante, fazendo o que seria um Hitchcock possível. Perfeito. Helen Mirren é da mesma escola. Acho que ela é a única atriz a ter trabalhado com Michael Powell e que ainda está viva. Dizer o que? Helen é tão perfeita aqui que não percebemos sua atuação. Nada parece dificil, forçado, sofrido. Ela é Alma Reville. Discreta, reprimida, dura, decidida. E que quase fraqueja com o escritor ruim vivido por Danny Huston. Nos últimos quinze anos nenhuma atriz tem a coleção de grandes atuações que Mirren tem. Não levará o Oscar, mas tem minha torcida. Sempre.
   Ao final Psycho é um grande sucesso. E um corvo pousa no ombro de Hitch anunciando seu próximo filme, Os Pássaros. Que será mais uma obra-prima. Para quem conhece pouco a história do cinema, devo dizer que Hitch é tão importante por ter sido o criador do cinema como "emoção dirigida". Alfred Hitchcock foi o primeiro mestre a pensar, planejar e obter a emoção e reação que ele desejava. Antes dele o que guiava um diretor era o desejo de contar uma boa história. Com Hitch passa a ser o desejo de conseguir reações. E nesse processo ele criou todo o cinema feito de 1960 em diante. Uma busca incessante por reações, por emoções, por respostas imediatas.
   Como diz o filme, ele não era levado a sério. Os críticos preferiam Elia Kazan, George Stevens ou John Huston. O público o amava. Truffaut e Chabrol foram os primeiros a observar que o que ele fazia era unir a alta arte ao popular. E nisso ele foi também um pioneiro. Ele expunha taras, frustrações, doenças, medos, e mesmo assim conseguia divertir.  Apesar de Ford, Murnau, Kurosawa, ninguém chegou onde ele chegou.
   PS: ele nunca ganhou um Oscar. Como Orson Welles, Kubrick, Michael Powell, Anthony Mann ou Tarantino. A seleção dos derrotados é tão boa quanto dos vencedores.
   PS: E nos EUA de hoje ainda se fala de Jerry Lewis como exemplo de mal cinema!!! Que saco! Jerry era bom e não tinha culpa de ser o rei da Paramount. Esqueçam Jerry Lewis! Viva Jerry Lewis!
   PS: Vertigo é hoje considerado o maior filme americano da história. Desbancou KANE. É a história de um impotente que força uma mulher a se tornar a ex-amada que morreu. Ele acaba por levar essa mulher à morte. Um dos mais trágicos filmes já feitos. E quase sem diálogos. Hitchcock riu por último.

NA TRILHA DE ADÃO- THOR HEYERDAHL, MEMÓRIAS DE UM FILÓSOFO DA AVENTURA

   Thor foi feliz. Claro, ele foi humano, viveu alguns momentos ruins. Mas foi feliz, sempre feliz.
   Nasceu na Noruega, no começo do século XX e faleceu no começo do XXI. Filho único de uma familia da classe média alta, aprendeu a ser só e passou a infância entre a super-proteção dos pais e as escapadas para o mato. Logo uma ideia se formou na mente de Thor: Tornar-se um homem. Colocar-se a prova e vencer. E então, desde cedo, ele escapava. Escalava montanhas, acampava de noite nas piores tempestades de neve, observava os bichos. Mas atenção! Estamos falando de 1925, 1930, esportes radicais não existiam. Acampar no mato, sózinho, em um iglú, era um ato muito excêntrico.
   Mulheres só na faculdade. Thor cursa zoologia. Mas estuda também geografia, antropologia, história. Sua vida foi uma luta contra o saber acadêmico, o saber muito sobre muito pouco. Casou-se três vezes, o primeiro foi com Liv, a moça que foi com ele viver na Polinésia.
   Não havia um só europeu na Polinésia de então. Ele e a esposa viveram nús, comendo cocos e peixe, sem comunicação com o mundo, sem remédios, sem rádio. Sair da ilha só era possível uma vez ao ano. O paraíso? Não, claro que não. Insetos e muita chuva. Se nunca foi um paraíso, o que Thor buscava lá?
   Ele jamais duvida: Deus está de seu lado. É impressionante como Thor tem sempre a certeza de que tudo vai dar certo e de que o paraíso vive dentro de cada um de nós. Junto com o inferno. Thor vai á Polinésia porque sua voz interior manda que vá. Ele abomina tudo que é falso, que cheira a não-vida, vai viajar como quem busca a vida. E vive. Muito. E feliz.
   Mesmo ao passar fome. No kaos da segunda-guerra ele e a segunda esposa estão em New York, loucos de fome, sem amigos e sem trabalho. Esse um momento de dor, mas nunca de dúvida. Assim como na Noruega, quando ele luta contra os nazis ou no Canadá, quando ele trabalha em fábrica quimica e conhece a destruição do progresso.
   Thor se torna famoso em 1947, com sua viagem, o Kon-Tiki. Mas para sua surpresa é terrivelmente atacado. A comunidade científica não aceita o que ele fez. Dizem que a viagem foi uma farsa, dizem que ela nada prova, o chamam de "simples marinheiro". Thor fica surpreso e logo percebe a cegueira da comunidade científica. Eles são incapazes de aceitar algo vindo de fora de seu meio. Thor nunca foi um marinheiro, era um cientista, um estudioso, seu "pecado" era o de ir para fora, botar a mão na massa. Marinheiro nunca foi. Nada sabia de mar, aliás, nem nadar sabia.
   Aos poucos ele dobra as resistências e empreende outros projetos. Viaja da África a Tenerife em barco de papiro, visita a Amazônia, não pára de dar conferências. Seus livros vendem muito, seu documentário ganha um Oscar. Casa-se pela terceira vez.
   Este livro não é seu relato sobre o Kon-Tiki. É uma coleção de lembranças escritas na década de 90. Ele recorda seu cão Kazan, com o qual ele arriscava a vida em expedições a geleiras e montanhas no inverno. A mãe, uma atéia que amava a verdade e lhe deu o senso de honestidade. O pai, religioso e sensível, que lhe dava a liberdade de se ir, de tentar, de prosseguir sempre. E ele como criança, um menino calado, que não conseguia ficar entre muros, que via o sagrado em cada grão de poeira e que desde sempre indagava o que era o tempo, a vida, o homem, a história. Ele foi sempre feliz porque conseguiu conciliar dentro de si a fé em Deus, Adão, no Dilúvio, e ao mesmo tempo a crença em Darwin, na razão e na paz como alvo possível. Ele não via um fato como algo que exclui outro fato, ele via todo fato como possível confirmação de um outro fato. Interligava conhecimentos, nada jogava fora. Dessa forma ele abria ouvidos para toda narrativa ancestral e abria os olhos para os textos eruditos também. Tudo lhe interessava e tudo era parte da verdade. Foi um sábio a moda antiga, nunca um dogmático especialista, antes um homem que pesquisa tudo e nada descarta. Daí sua felicidade.
   Thor nunca teve uma casa. Ele acampava em hotéis, em cabanas, em casas também. Sua alegria era a de não precisar de nada. E de ter tudo.
   Thor foi um dos últimos heróis possíveis.

ESTAMOS CHORANDO A BEIRA MAR

   Nunca tivemos tanto. Temos roupas, temos comida e remédios. Um homem assalariado, comum, tem hoje coisas que seriam impensáveis em 1950. Não falo de celulares ou PCs, eu falo do básico. Mas, estranhamente, nunca fomos tão "sem nada". Sigo o raciocínio de Olgária Mattos e da poesia de Kaváfis, perdemos a liberdade e a criatividade, com isso perdemos a viagem.
   As coisas existem em certa proporção e para ter uma nova coisa é preciso perder uma outra. Troca-se. Nossa fartura ocupa o espaço de outras coisas que se vão. A liberdade de nada ter trazia a liberdade de poder partir sem olhar para trás. E essa liberdade, mesmo que apenas sonhada, trazia consigo o dom de sonhar e de tentar. A criatividade. Temos coisas e não sabemos o que fazer com elas, ou pior, não sabemos também o que fazer sem elas. Nunca fomos tão dependentes do trabalho de outros. Não conseguimos sobreviver a sós. Precisamos de celulares, de carros, de protetor solar e de enlatados. A sós ao lado de um rio morreríamos de fome e com dor de barriga não saberíamos que chá fazer.
   Nossas crianças perdem o dom de imaginar. Não sabem mais inventar brincadeiras e construir brinquedos. As mãos perdem sua magia e com elas se vai a criação. Adultos, não mais temos um ideal e ficamos passivos a espera de alguém que nos dê ou venda uma invenção. Nova. Nunca tivemos tanto e nunca tivemos tão pouco.
   Jamais iremos saber cultivar, domar, fazer, ser outra vez? Coisas sagradas se tornam jogos ou brinquedos. Sexo é hoje um brinquedo e a guerra um jogo. A morte uma cerimônia vazia de sentido e o casamento uma chatice sem porque, uma lingua que esquecemos da tradução. Esquecemos. Vamos apagando da memória o que significa familia, amor, religião, arte, beleza. E então falamos sem pensar que tudo isso é um nada sem sentido. Na verdade não conseguimos lembrar do sentido, não entendemos mais essa linguagem. Nossa memória se ocupa de outras coisas... do que mesmo?
   Perder a lembrança de familia ou de religião seria aceitável se fôssemos felizes sem elas. Mas não é o que ocorre. Terapias, drogas, armas e vicios provam o contrário. A vida tem se desvalorizado. Dizer que uma vida é "mistério sagrado" parece hoje uma bobice.
   Vivemos um tempo em que até mesmo a poesia é não-poética.
   Ulysses lutou dez anos em Tróia. E levou outros dez para voltar para casa e para sua esposa. Nessa volta ele foi amante de uma feiticeira e viveu com ela na mais linda das ilhas. Nessa ilha tudo havia e nada era ruim. O mais lindo sol, o mais lindo mar e a ausência de dores e de doenças. Sexo, comida, prazer. Mas toda noite, escondido, Ulysses ia à praia e chorava. Ansiava por partir. Voltar à feia, pobre e triste Ítaca.
   Então um dia Ulysses parte. Sem saber se irá sobreviver a viagem, sem saber quanto tempo irá gastar no mar, ele se vai e abandona a ilha da felicidade. Ulysses se lança a dúvida, ao precário, e volta a ser ele-mesmo. De volta a aventura, ele readquire sua criatividade, sua independencia e suas opções. Mais que tudo, ele espera...Espera retornar, Ulysses é feliz, Ulysses volta a ter fé, ele espera e confia.
   Veja bem, Ulysses volta a ser feliz mas não a ser contente. Ele foi contente na ilha, no mar ele é sério, ele é feliz.
   Não é preciso que eu diga que vivemos na ilha. E que Homero teve a intuição divina da armadilha que o futuro nos preparava. Estamos contentes. Estamos chorando a beira mar.

LES MISERÁBLES/ CLINT/ DE MILLE/ ELVIS/ TIM BURTON/ STAR WARS

   OS MISERÁVEIS de Tom Hooper com Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway e Amanda Seyfried
Li o livro de Victor Hugo aos 15 anos e lembro de ter ficado muito impressionado com seu realismo. Das versões do cinema não vi nenhuma, e agora tive o prazer de assistir esta versão da peça da Broadway. Primeiro toque para aqueles muitos que não têm intimidade com musicais: este filme nada tem a ver com o musical clássico de Hollywood. Aqui ninguém dança, não há aquele alegre sabor jazzístico de Kelly, Astaire e etc. Os Miseráveis está muito mais próximo da ópera que do sapateado. No musical típico há diálogos, as canções entram para expor aquilo que se passa dentro dos perosnagens. As músicas são as emoções que se explicitam. Aqui tudo é cantado. O filme não tem um só diálogo, como na ópera, os atores falam cantando. É estranho até para mim que amo musicais, imagino um tradicional expectador de Arkansas o que sentirá vendo este filme ( nada, ele não o verá ). Porém, passado o choque do começo, tudo deslancha. Tom Hooper, o ótimo diretor de Malditos United e do oscarizado Discurso do Rei, entrega um filme repleto de emoção.
Antes de mais nada quero falar sobre e homenagear Hugh Jackman. Nas quase 3 horas de filme, em nenhum momento, ele deixa de passar a dor terrível que acomete Jean Valjean. Jean roubou para comer e vai pagar por isso para sempre. Ele foge da lei, tenta  ser um outro, e nessa fuga ele vive só, sempre só. Jackman consegue passar essa dor com olhares, modos de andar e com sua voz. Hugh Jackman canta muito bem e as canções, todas, são ótimas ( algumas excelentes ). Eis um ator completo! Hugh sabe fazer aventuras, comédia, drama, e musical. Completo. Juro que não quero ser "diferente", mas não gostei de Anne Hathaway. Ela exagera e passa do ponto. Sua personagem mais que sofre, ela hiper-atua. Anne é da escola Heath Ledger, atuação como sintoma. Já Amanda Seyfried dá um show. Exata, complexa, rica em conflitos. Russell Crowe destoa. Não canta mal, mas não atua, apenas posa. 
Gostei muito do filme, cheguei a chorar ao final, mas ele tem algumas falhas, falhas que se devem mais ao cinema feito hoje que a Hooper. Closes demais, cores pobres, câmera tremida, excesso de cortes. O visual do filme, que "parece" ser exuberante, quase se perde nessa confusão de estilos televisivos. Quando a pressa se abranda, temos cenas belíssimas como aquela do começo no cais, ou a cena das barricadas.
O tema é rico, o filme fala do momento crucial em que o povo toma definitivamente o poder. O poder não financeiro, mas o poder de fazer com que a história saia dos palácios e dos gabinetes e passe a ser contada nas ruas. A terrível miséria da França de 1830 é mostrada sem disfarces e todas as revoltas são perdidas. O povo perde, mas a história dá sua guinada. É nos esfarrapados que vive o futuro. O futuro é de Jean Valjean. O futuro seria de Victor Hugo, o primeiro intelectual-artista "de esquerda". Quem deixar de ver o filme irá imaginar que ele trata de amor, que engano! Os Miseráveis é sobre a miséria e a injustiça. O filme nunca foge disso.
Em que pese o belo PI e o divertido DJANGO, nada vi de melhor entre os indicados ao Oscar. Nota 8.
   CURVAS DA VIDA de Robert Lorenz com Clint Eastwood, Amy Adams, Justin Timberlake e John Goodman
Um velho que está ficando cego. Ele é olheiro de beisebol. A filha, advogada de sucesso, tenta uma reaproximação. É dificil pois o velho é duro como...Walt Kowalski ! Um filme simpático, familiar e completamente banal. Nada nele surpreende, tudo o que acontece é esperado. Clint está cansado e Amy é uma atriz muito interessante. Não é um filme ruim, nem bom, é antes opaco. Nota 5.
   COISAS DA COSA NOSTRA de Steno com Carlo Giuffré, Pamela Tiffin, Jean-Claude Brialy e Vittório de Sica
Entre 1955 e 1975 a Itália chegou a ameaçar seriamente o poderio do cinema dos USA. Os italianos faziam filmes de arte melhores que os americanos e além disso tinham uma grande produção industrial de comédias, aventuras, terror e até westerns. Em 1962 e 63 quase fizeram tantos filmes/ano como Hollywood. Esta comédia representa a produção banal da época, o tipo de filme vulgar, que era dirigido ao povão, aos cinemas de subúrbio. Eram filmes como este que financiavam os Bertolucci e os Taviani. Fala da máfia Siciliana em estilo chanchada. Nota 3.
   O IMPOSSÍVEL de Bayona com Naomi Watts e Ewan MacGregor
Lixo. Naomi concorre ao Oscar por este papel.. Well....ela sofre pacas! Mas o prêmio se vier deveria ir para a maquiagem, são boas bandagens. Talvez seja o filme mais aborrecido do ano. Masoquistas vão adorar. Nota 1
   CORNERED de Edward Dmytryck com Dick Powell e Walter Slezack
Uma complicada trama sobre soldado americano que caça francês que lutou ao lado dos nazis. O filme é bom, mas decepciona. Dmytryck e Powell podiam bem mais. Nota 5.
   SANSÃO E DALILA de Cecil B. de Mille com Victor Mature e Hedy Lamarr
De Mille nunca errou por superestimar o público. Ele fazia um cinema carnaval, seus épicos eram desfiles opulentos. Se numa cena houvesse a necessidade de elefantes, De Mille punha logo uma dúzia... e mais tigres e leões. Misturava sexo com a Bíblia e tudo ficava com cara de show da Broadway. Foi o rei da Paramount e num tempo em que ninguém estava nem aí pra diretores, ele foi um superstar. Já vi quase todos seus filmes e gostei de todos, menos deste. Ele erra. Porque? Porque tanto Sansão como Dalila são dois malas. Groucho Marx comentou este filme na época:" Jamais veria um filme em que o peito do ator é maior que da atriz". Nota 2
   O BACANA DO VOLANTE de Norman Taurog com Elvis Presley, Nancy Sinatra e Bill Bixby
Quando eu era criança, lá por 1974, a Globo passava tudo de Elvis na Sessão da Tarde. E eu odiava. Em 74 nada era mais velho que Elvis. Fico surpreso ao perceber hoje que este filme, por exemplo, tinha apenas seis anos em 1974. O mundo mudara demais entre 68 e 74 e esses jovens de cabelo curto, alegrinhos correndo atrás de garotas groovy pareciam então a coisa mais careta do universo. Revisto hoje o filme me deu um choque...ele é pior do que eu lembrava. Quer dizer, ainda pior, quase um pesadelo!!! O tempo é mesmo relativo...um filme de William Powell feito em 1935 parece mais vivo que um Elvis de 1968...Bem, hoje Matrix já cheira a mofo... Nota ZERO
   FRANKENWEENIE de Tim Burton
E Burton pode ganhar afinal seu Oscar!! Com esta animação dark que fala de menino que traz seu cachorro de volta a vida. Burton homenageia os Gremlins e ainda Frankenstein, Drácula, e uma multidão de pequenos filmes trash. Há algo de muito triste neste desenho. É um retrato acabado de uma alma inadaptada, tão inadaptada que recusa a morte e o tempo. Tim Burton é um poeta. O desenho é muito bom. Nota 7.
   O IMPÉRIO CONTRA-ATACA de Irvin Kershner
Lançado em 1980, um big big big hit. Aventura pura. Um ícone para minha geração é um filme incriticável. Lucas misturou Flash Gordon com Kurosawa e New Age. Mais Han Solo, que é 100% um cowboy. De toda a saga este é o melhor. Kershner foi um bom diretor dos anos 60. Dirige melhor que Lucas. Sabe dar voz aos atores. E que beleza rever R2, Yoda e Chewey!!!

PEDRO JUAN GUTIÉRREZ, HANEKE, VERMEER E LUCY

   Então Haneke disse que usa seus filmes para dar um soco no estômago de seu público? Diz ele que seu povinho só reage a base de socos...Well....É por isso que estou fora desse clubinho. Não quero que me soquem e não preciso de socos para reagir. Sou daqueles que ainda possuem sensibilidade fina. Ainda sei o que significa estética, beleza e ironia. Não preciso do soco. A visão da mão e a consciência de meu estômago já me bastam. Seu cinema é publicitário. Ele entope seus fãs com produtos: socos no estômago. Coisas do tipo: hey! A vida é um lixo! Somos especiais por sabermos disso!
   Minha resposta a esse cinema fake: Blá!
   Um amigo afirma que sou contra psicólogos, filósofos e sociólogos. A priori não sou. Apenas penso que eles são hiper-valorizados. Por eles mesmos! Desconfio de quem vomita certezas. Tenho amigos psicólogos. Admiro aqueles que botam a mão na lama. E duvidam de tudo. Filósofos são boçais quando apenas brincam com palavras. Só creio em filosofias de vida. Sociologia jamais!
   Dá pra resumir tudo assim: Se o sujeito engoliu um dogma sem o desafiar tem meu desprezo. Se ele foi à vida verificar o dogma, bem, aí começamos a nos entender. Frases feitas, mesmo as "profundas", never!
  Vermeer criou cor. Todos nós, e mesmo os artistas apenas "bons", passam pela vida sem criar nada de novo. Os excelentes apenas misturam coisas que já existiam. Gênios como Vermeer são como um deus. Criam alguma coisa nova a partir do inexistente. Milagres.
  O tom daquela pele só existe em Vermeer. 300 anos podem se passar, aquela pele continuará a ser irrepetível. A dobra do tecido é obra da mão de Vermeer. Nenhum outro poderá repetir aquela dobra. Mais do que tudo, esse quadro vive. Vive por falar comigo ( o que aqui escrevo veio de uma conversa com a obra ), ele influencia, escuta, muda ao passar do tempo e se reproduz. O Vermeer que vejo não é aquele que voce vê. Eles são vários.
   Pedro Juan Gutierrez. Releio O Ninho da Serpente. Falam que ele lembra Bukowski. Sei lá. Pedro é latino. Ele tem prazer com o sexo. É sempre uma festa. E Pedro não é niilista. Ele crê em vudu, em olho-gordo, em macumba. No mundo de Pedro tudo é questão de destino. Voce tem sorte ou não. Gosto dele...Durante trinta páginas. A partir dái me entedia. Merda, bundas, pinga e fome. Tudo se repete sem parar. A voz do cara é boa. Ele pensa fundo e pensa bem.
   Pedro Juan morreria de tédio na Avenida Paulista.

HITCHCOCK-O MELHOR DA TERRA/ TARANTINO/ PETER JACKSON/ NICOLAS CAGE/ RZA

   KON-TIKI de Joachim Ronning e Espen Sandberg
Concorre a melhor filme estrangeiro no Oscar. E é melhor que Lincoln. Conta a história de Thor Heyerdahl, o antropólogo norueguês que em 1947 cruzou o Pacífico para provar sua teoria. Escrevi texto sobre o filme abaixo. Simples e bem narrado, é um filme bonito, inspirador. Nota 8.
   O HOBBIT de Peter Jackson
O filme tem alguns problemas de planejamento. O livro é curto, Jackson resolveu fazer o filme em 3 partes. Dará um total de sete horas. Isso faz com que a narração seja lenta, feita de longas cenas de conversas. Ou seja, as crianças ficarão entediadas. Quanto aos adultos, bem, o filme é bastante infantil, então vá preparado para isso. Os cenários são lindos, as cenas de batalha excessivas, os diálogos infantis. Não é o lixo que alguns gostam de dizer, mas é aborrecido. Nota 3.
   O HOMEM DOS PUNHOS DE FERRO de RZA com RZA
RZA escreveu, produziu, fez a trilha sonora, dirigiu e atuou. Vixe! Estamos diante de um novo Godard? Um novo Welles? Chaplin? Talvez seu ego ache isso, mas só seu ego ( e suas mocinhas ). O filme é risivel. Fala algo sobre a China de antigamente, misturado com rap, vingança e etc. O texto é tão babaca que parece piada. Os diálogos são dignos das piores letras de funk do Rio. É o pior filme do ano.
   DJANGO de Tarantino com Jamie Foxx, Christoph Waltz e Leo di Caprio
Escrevi sobre ele abaixo. É uma boa diversão Pop. Cheio de humor, de boa ação e alguns diálogos afiados, tem atuações fantásticas de Waltz e de Leo. Os coadjuvantes também brilham, mas, que pena, Foxx não segura o personagem. O herói tem zero de carisma. E Tarantino estica o final, a meia hora derradeira podia ter sido eliminada. Mesmo assim temos o padrão Tarantino de diversão: boas músicas, frases bem sacadas e tipos interessantes. Divirta-se!!! Nota 7.
   O RESGATE de Simon West com Nicolas Cage, Josh Lucas, Danny Huston e Malin Akerman
Bom filme de ação. Um cara rouba um banco e é preso. Após oito anos, solto, tem sua filha sequestrada. Adoro filmes de ação! São muito dificeis de fazer. É uma arte conseguir manter o suspense, a ação não parecer ofensivamente tola, saber quando cortar e quando deixar rolar. West é um bom diretor desse estilo. Assistimos o filme com prazer, torcemos, nos emocionamos. Cinema é arte de ação. Isto é cinema. Cage se diverte, e Malin Akerman é uma das mais bonitas atrizes de agora. Nota 6.
   FRENESI de Alfred Hitchcock com Jon Finch, Alec McCowen e Vivien Merchant
Voce assiste os indicados ao Oscar deste ano. Tenta gostar deles, ver alguma arte naquilo tudo. Se convence de que o cinema ainda tem relevãncia. Mas daí vem o velho Hitch e acaba com as ilusões. Voce assiste Frenesi e lembra então de como um filme podia ser bom, do quanto o cinema era mágico. É até covardia!!! Hitchcock foi o maior cineasta da história! Veja este filme: Feito em 1972, é o penúltimo filme da carreira do mestre. Aqui Hitch volta a filmar em Londres, após 34 anos de USA. Nessa época, Hitchcock vinha de dois fracassos e era chamado de decadente. Mas com Frenesi ele ressuscita e volta ao sucesso. E que filme maravilhoso este é! Em Londres, mulheres são estranguladas com uma gravata. A policia procura o assassino. Ao mesmo tempo, acompanhamos um inocente que é acusado. Ou seja, tipico roteiro à la Hitchcock. Aqui escrito por Anthony Shaffer, um dos grandes teatrólogos ingleses de então. Este filme quebra alguns paradigmas de Hitch. As mulheres são todas feias, há cenas de nú e a violência é mais explícita. O filme é perfeito. Tem suspense, humor, e algumas cenas são aulas de direção. Veja aquela do estupro. A forma como a câmera foca os rostos, um seio, as pernas, os olhos. Veja a cena do segundo assassinato, a câmera saindo pelo corredor, descendo as escadas, e os sons da rua aumentando. São assinaturas de genialidade, são toques de estilo que Lincoln, Django ou PI não conseguem ter. A simplicidade refinada, o inesperado. As conversas do inspetor com a esposa são também obras-primas de humor, de inteligência artesanal. E o final, conciso, exato, matemático, sem apelação. Alfred Hitchcock, como não o venerar? Frenesi, que eu não revia a mais de 25 anos é absolutamente perfeito. Humilha a maioria dos filmes. Um maestro! NOTA UM MILHÃO.

DJANGO LIVRE

   Os letreiros são de western-spaguetti e a trilha sonora usa temas de Bacalov e de Morricone, dois gênios das trilhas sonoras ( vi recentemente um documentário na tv Cultura, com a participação de Dave Holmes e da dupla Air, sobre trilhas sonoras. Eles diziam que as melhores trilhas foram feitas entre 65 e 75: John Barry, Henry Mancini, Lalo Schiffrin, Quincy Jones, John Willians, Michel Legrand, Nino Rota, Georges Delerue e Bacalov-Morricone ). Django é nome de um filme da época, um western-spaguetti com Franco Nero. Não se iluda, do Django original só ficou a trilha sonora e uma participação de Nero como um italiano que perde de Di Caprio no Mandingo.
   A unanimidade americana em torno deste filme é merecida, é um filme maravilhoso, mas ela expõe uma crise. Filmes como este, em 1965 ou em 1973, eram feitos de forma sucessiva. O que reafirma minha tese de que Dirty Dozen ou The Great Escape seriam hoje filmes de Oscar. Os amantes de cinema sentem saudades de grandes filmes divertidos, de filmes que misturam arte e Pop, que são inteligentemente entertainment. Fazer filmes de arte sobre o nada se tornou banal, fazer diversão soberba é cada vez mais raro. E a carreira de Quentin mostra isso, ele sabe filmar e sabe narrar.
  Entre os cinco filmes favoritos de Tarantino, pelo menos dois são obras-primas do diálogo: Onde Começa o Inferno de Hawks e Jejum de Amor, também de Howard Hawks. Outro fato mostrado em Django: Tarantino mantém viva a arte do diálogo. O filme tem cenas longuíssimas de diálogo. A amizade entre o alemão e Django é como a de Wayne e Dean Martin em Hawks, toda feita em longos e calmos diálogos. Como em Hawks, temos um mestre e um discípulo em bela interação.
  Alguns podem se incomodar pelo mundo que Tarantino mostra. O mundo dele é o mundo Pop. Nenhum filme dele mostra aquilo que se chama "mundo real". Bem, eu gostaria de perguntar: alguém mostra o mundo real? Dou exemplo. O mundo de Cosmópolis é real? Nunca vi ou vivi naquele mundo. O mundo dos filmes de Wes Anderson é real? O que é o mundo real? Todo filme não é a visão particular de um homem, ou de uma equipe, sobre um mundo que ele imagina? O mundo real de Tarantino, e de seus fãs, é o cinema. Como acontece com Hitchcock, ele cria um mundo baseado em suas paixões internas. E essas paixões são Pop. Para quem é fã, como eu sou, é o mundo onde vivo e onde me formei. O mundo colorido da cultura popular de consumo.
   O filme tem duas falhas, duas grandes falhas que quase o destroem. Uma é sua metragem. Ele termina e vai adiante mais meia-hora que são esquisitas. Parece que Quentin perde o tesão no final. Isso acontece por causa da segunda falha: o elenco.
   Christoph Waltz está magnifico! A criação dele é uma das coisas mais geniais que já vi. É um personagem que ficará na história. Day-Lewis levará o Oscar, mas Waltz está melhor, bem melhor. E temos Di Caprio, compondo um tipo dúbio, feito de sutilezas, de movimentos de sobrancelha, de gestos das mãos. E então, essas duas atuações desequilibram o filme. O herói, Django-Jamie Foxx, não está a altura dos dois. Quando Waltz morre o filme acaba.
   Mas é um grande filme, cheio de cenas memoráveis. Momentos como aquele da KKK, com um Don Johnson hilário, são jóias de diálogo, de criação de tipos e de filmagem. Tarantino não erra uma tomada. Repare como não ficamos reparando nos ângulos de câmera, nas bossas da direção. Esse é o estilo Hawks, a direção que conta a história sem jamais chamar a atenção sobre si-mesma ( estilo esse cada vez mais raro no cinema ). Nos ligamos na história, não na "obra".
   Por fim...o filme é um western, mas é um western-spaguetti. Tem o descompromisso com a veracidade, tem a violência estilizada e falsa, tem o humor dos westerns made in Italy.
   PS: Quentin Tarantino já falou de gangsters, de lutadores de kung fu, de mercenários da segunda-guerra, de vampiros...Ele está pronto para fazer um filme sobre suas raízes made in Italy. Mal posso esperar pra ver.