Frank and Ella - Lady Is a Tramp



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Frank Sinatra Fly Me To The Moon



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URINA, SUOR E GOZO, FRANK, A BIO DE SINATRA ESCRITA POR JAMES KAPLAN

   Ele veio ao mundo via fórceps. E ganhou com isso uma cicatriz e uma orelha torta. Pior, foi jogado na pia, enquanto o médico tentava salvar a mãe. Filho único, era vestido como um pequeno Lord. Se tornou um grande pentelho. O baixinho nojento, com mania de limpeza. Com mesada grande ( Nunca foram ricos ), comprava roupas e amigos. O cara com medo de solidão, aquele que pagava sorvetes e hamburger pra todo mundo. Vaidoso e delicado e ao mesmo tempo explosivo. Complicado? Veja o resto...
   A mãe, uma italiana brava, fazia abortos e era conhecida em toda Jersey. Abortos e partos. O partido democrata, sabendo de sua fama no bairro a chamou para ser cabo eleitoral. Ela mandava. Uma mafiosa quase. O pai era um banana calado.
  Sinatra era mimado pela mãe, e apanhava dela também. De porrete.
  E tinha a voz. Dois fatos importantes. Sinatra era filho de italiano. E ser filho de italiano era ser negro. Eram chamados de escuros. Sinatra irá romper com isso. Tinha orgulho, muito orgulho.
  E havia Bing Crosby. O jovem Sinatra amava Crosby. E Crosby foi o maior cantor do mundo. Até surgir Frank. Crosby foi o primeiro a cantar suave, a saber usar o microfone. Mais que isso, Crosby tinha inteligência na voz, tinha ritmo, tinha gênio. A América o escutava e queria ser como ele. Inteligente, fino, educado e esperto.
  A vida de Sinatra parece ficção. Frank Sinatra desde cedo quis ser Sinatra. E tudo o que ele quis ele fez. Planejou cada passo. E cumpriu. Ia ao Harlem ver o jazz. Billie era seu modelo. Conseguir ser quente como ela. Cantou em rádios, em bares e foi crescendo. Cantou na banda de Harry James e aí a coisa começou a crescer. Viagens pelo país inteiro, de bus. Hotéis e mulheres, muitas mulheres. Sinatra era anormal, tinha um pau muito acima da média. Brigas com Buddy Rich, o batera estrela.
  Vai para a banda de Tommy Dorsey, a mais hot da época. E começa a roubar o show. Então muda tudo. É o primeiro cantor a sair de uma banda e se fazer solo. Um imenso risco. Vence. O que ele tinha?
  Frank Sinatra tinha aquilo que ninguém teve até então. Sua voz não era apenas bonita. Ele não cantava somente bem ou muito bem. Ele tinha sentimento. Passava fragilidade. Tudo o que ele cantava era de verdade. Frank Sinatra foi o primeiro cantor a interpretar as letras. Ele as estudava, as compreendia profundamente. Se preocupava em sentir o que o autor sentira. E milagrosamente conseguia passar isso ao público. Era mais que um cantor, era um fio que unia música a ouvinte. E sempre com extrema sinceridade. No palco ele se transformava. Se antes estivera briguento, chato, frio, distante, ao começar a cantar se tornava AQUILO QUE ELE ERA, frágil, vulnerável, e muito concentrado.
  Nesse processo as mulheres se apaixonavam por ele. Amavam sua fragilidade. E também os olhos que pareciam fortes. Um misto irresistível de força e dor. Foi o primeiro cantor a fazer com que milhares de meninas gritassem por horas sem parar. Foi rocknroll antes de Elvis. Histeria, excessos, festas, drogas, birita. E muito sexo. As mulheres queriam casar com Bing Crosby. Com Sinatra elas queriam ser putas.
  Espinhos existiram muitos. Dois filhos que ele mal via. A culpa por chifrar a boa esposa. Duas prisões por sedução de menores ( rock até nisso ). O preconceito racial. E o pior, por não ir para a guerra passou a ser odiado pelos soldados. "Nós morrendo aqui e ele comendo a Lana Turner..."
  A imprensa de direita o persegue. O FBI começa a investigar sua vida. Odeiam seus amigos italianos. Seus amigos judeus. Suas opiniões. Isso mesmo, Frank Sinatra lia muito e tinha ideias. Ia as escolas fazer palestras contra a segregação. Gravou discos pró-união racial e religiosa. O menino que só andava com puxa-sacos, o cara que tomava 6 banhos por dia, o chato perfeccionista que explodia com uma brisa de verão não convidada, o neurótico sempre nervoso e insone, era um homem que na verdade enfrentava uma oposição tremenda. Direita, militares, racistas, caipiras, todos odiavam aquele italiano escuro baixinho e convencido amigo de comunas. Mas, muito antes dos Stones, Sinatra podia ter dito, "Voces me odeiam mas suas filhas adoram!"
  Um empresário foi ver um show seu em 1940. Logo ao chegar ele percebeu que em meio aos gritos e desmaios se sentia um cheiro conhecido...o que era mesmo? ....Orgasmo!!! Cheiro de mulher! O teatro estava impregnado desse odor. As meninas gozavam nas calcinhas enquanto viam Sinatra cantar. Num tempo de teatros sem ar-condicionado, o cheiro era sufocante. Urina. suor e gozo. A América mudou para sempre.
  Esse o primeiro Sinatra. Bem mais tarde Ava Gardner, a idade e muitas desilusões mudariam Frank e fariam nascer o chefão, o super-macho. Mas isso fica para outro post...

MICHAEL SCHUMACHER

   E enquanto corvos esfregam as mãos escrevendo manchetes e retrospectivas sobre um defunto ainda vivo, o cara em coma respira. E sonha sonhos que serão para sempre esquecidos.
   Uma vida vale pelo que dela foi feita. Um piloto chegou ao seu máximo e parou. Mas a vontade de ousar não morre. Como um viking seu Valhala era a crença em morrer lutando. Se as pistas nada mais tinham para ele, o mundo ainda era um campo de batalha. Um nórdico feito para a luta.
   E essa morte, se vier, será morte escolhida, nobre despedida. Em luta, sempre!
   E enquanto isso pilotos sem brio e frustrados covardes esfregam as mãos com suas lamentações bem ensaiadas.
   Filho de uma cultura latina, Senna morreu como um cristão numa cruz. E Gilles se foi como um celta enlouquecido. Mas Michael, se partir, irá numa barca em chamas rumo ao mar.
   A vida vale por aquilo que fizemos. O que tiramos de mais particular para nosso espírito. O que levamos conosco para sempre.
   A pedra em meio a neve o encontrou sorrindo...



NATAL

Pode chamar de consumismo, mas eu sinto saudade daquele monte de gente na rua batendo sacolas contra sacolas, sacolas cheias de compras de natal.
As filas doidas nos caixas e os pacotes embrulhados com fitas.
Se o natal se tornou puro comércio, que seja pelo menos um grande comércio!

THOR FOI UM ET.

   Um inacreditável programa do History Channel diz que Thor e Odin eram ETs e que os vikings chegaram a América porque foram instruídos por ETs. Essa bobageirada me recordou uma boa aula que tive sobre literatura.
   Nessa aula começamos a conversar ( toda a sala ), sobre a imensa dificuldade que certos críticos, leitores, cientistas, teóricos têm em entender o que seja a criatividade, imaginação. Como são pessoas totalmente desprovidas do dom de inventar, de transformar o Nada em Coisa ou ideia, eles jogam tudo na vala de "vida vivida". Assim, se um escritor escreve sobre violência só pode ser porque ele foi vitima da violência. Se um outro escreve sobre homossexuais com certeza ele tem tendências homo. Tudo para eles é reflexo da vida de quem cria, lhes é inimaginável o fato de que alguém pode criar algo em sua imaginação sem vinculo algum com a sua auto-biografia. Eles querem ver na vida do criador um retrato de experiências reais. Porque? Porque a vida desses críticos é assim. Eles nada imaginam, tiram conclusões daquilo que DEVE ser fato.
   Esse tipo de pesquisador é incapaz de aceitar o fato de que vikings criaram uma mitologia e de que conseguiram imaginar e executar um barco que cruzava o oceano. Desse modo, se eles ( os cientistas sem imaginação ), falam em Asgard é porque crêem que os vikings viram Asgard ( uma nave espacial spielbergniana ) e não porque imaginaram ou sonharam com Asgard. Thor seria um ET com uma arma laser e Odin uma estação espacial. Veja bem, o problema com essas teorias bestas não é que os caras viajam demais ou imaginam demais. É exatamente o contrário! Eles nada imaginam, pensam em termos somente daquilo que já conhecem. Conhecem a NASA e a realidade de hoje, portanto jogam tudo que não compreendem nessa linguagem conhecida.
   Não imaginam sequer que aquilo que falam são piadas e suas descobertas puro humor.

A NOITE EM QUE VI JOHN LENNON REBOLAR

   As boas e más linguas diziam que Mick Jagger vetara a exibição deste show de TV por perceber que o Who, só pra variar, roubara o palco. Quem mandou chamar os maiores ladrões de show da história do rock?
   Mas não é verdade. Acho que o que o fez vetar é que como espetáculo de TV ele é bem fraco. Senão veja. O Jethro Tull até que manda bem ( e com Tony Iommi na guitarra!!! ), mas quando vem o Taj Mahal a coisa começa a ficar very boring. John Lennon tá por lá, assim como Eric Clapton, e eles cantam, razoavelmente, Yer Blues, mas depois uma coisa, talvez uma cabra, começa a gemer e compromete a música seguinte. É instrutivo. Vendo Yoko Ono nesse show a gente percebe o que Lennon viu nela. O rapaz de Liverpool que queria ser aceito como High Art pelos High Brow se deslumbrou com as High Ideias da artista Yoko. Só não percebeu que ela era uma artista de terceira. Ela era do mundo de Beuys e de Christos, tinha desprezo pelo rock e pelos Beatles. O que ela faz/fez? Avacalhou. Lennon, um perturbado rapaz caipira da caipiríssima Liverpool entrou de gaiato. Well...Os Beatles iam acabar de qualquer jeito, mas a vida de Lennon seria diferente sem ela. Melhor talvez. Os discos solo seriam mais soltos, com certeza.
   The Who faz o seu normal. O seu normal é sempre anormal. Keith Moon maníaco e sendo Moon, o mais original dos bateristas ( e o mais show-man ), Pete estupra a guitarra e Roger canta como sempre, muito bem. Ponto educativo: Percebemos mais uma vez que o Who NADA tem a ver com a cultura hippie radical de 68. A viagem deles era bem outra.
   Marianne Faithfull, provavelmente a pessoa mais drunk da noite canta a mais pop das canções. Drogas nunca foram sinonimo de música ousada. Zappa e James Taylor provam isso.
   E vem os Stones. Bem, Mick tenta por fogo na banda o tempo todo, mas não rola. A coisa não decola. Brian Jones está em estado de catatonia. Keith parece preocupado. Bill está tipo Bill, ou seja, não está. E Charlie gostaria de estar na cama com a esposa. Dormindo. Que amanhã é dia de trabalho.
  É claro que NO EXPECTATIONS vale o dvd! A canção é tão genial, tão blue, fala tão dentro de quem já se fodeu, que é impossível ser estragada. Pois é....Dá pra ver John Lennon dançando em Sympathy for the Devil, e ver Lennon dançando...tirem as crianças da sala!
   No fim, uma patética versão de Salt of the Earth. Pete e Keith Moon roubam o show de novo, estão na platéia e começam a zoar. Legal, algum bom humor nesta noite baixo astral.
   Os anos 60 foi quando os loucos tomaram conta da zona. Alguns desses loucos enganam até hoje ( Timothy Leary, Che Guevara, filósofos pop star franceses ), os Stones sempre ficaram fora dessa. Aqui a gente vê o pior lado da década, ou seja, coisas sendo feitas na doideira, na curtição, bem louco, deixa fluir, numa nice. Claro que o perfeccionista Jagger ia vetar.
   O rock era um circo, hoje é um bordel, e Jagger sabe/soube sempre isso.

Á MESA COM MONET, DE CLAIRE JOYES, NAUDIN E ROBUCHON, VIVER COM GOSTO

   A editora Sextante lança dois livros nesse estilo ( e cheios do mais graúdo style ), "'A mesa com Proust", que ainda não li, e este. Terei de ser didático com voce? Penso que voce sabe da história desse admirável homem chamado Claude Monet. Então, claro, voce conhecer Giverny, a casa de campo, perto de Paris, que ele construiu. O jardim, as hortas, e o lago, tudo feito como se fosse "selvagem", natural, a toa; e tudo de uma precisão estética insuperável.
   O título engana. Não vamos apenas a mesa, entramos no dia a dia do pintor. Sua rotina é descrita. Seus pic nics e seus jantares. O que ele comia, bebia, pedia. Comida feita por batalhões. Comer bem em 1900 dava trabalho e levava tempo. Aliás, o texto, belo e com sabor francês em ritmo e dicção, de Joyes, ressalta o tempo. Ela nos recorda que Monet foi dos primeiros franceses a ter automóveis em casa. Sua esposa amava a velocidade dos carros. Monet foi dono de três máquinas fumarentas. Um de seus amigos, um dos muitos, Heredia, abominava. Numa bela frase do livro ele diz que passear de automóvel destruia a capacidade de apreciar a viagem. Num carro toda árvore deixa de ter individualidade, ela vira apenas mais uma árvore. seja castanheira ou carvalho, apenas um monte de folhas que passa...
  A obra, em capa e fotos bem cuidadas, é um prazer. Os amigos entram na casa, louças amarelas e azuis, paredes amarelas, lilás, e sentem o aroma: patos, tomates, vitela, galinhas, omeletes, saladas, sorvetes, tortas, frutas. Pêssegos, uvas, bananas, melão. Vinhos e champagnes. O marc e o calvados. Chá e café. Chocolate. O dandy Whistler, o melhor amigo, Rodin, o bem-vindo Mallarmé, Paul Valéry, Clemenceau, Sacha Guitry...e Degas, Renoir, Pissarro...Se come, se canta, se caça, se ri muito. A familia enorme, os genros americanos, ingleses, Sargent.
   Terminar 2013 lendo esta delicia é uma homenagem a este belo ano que se vai e a este belo ano de 14 que começará.
   Paz, cor e calma. Luxo. É isso.

LITORAL E VALE DO PARAIBA- FOTOS DE IATA CANNABRAVA, TEXTO DE MARGARIDA GORDINHO

   Termino esse delicioso livro. Montes de fotos, de 2012, das cidades do litoral de SP. Tudo que foi tombado. Santos tem dezenas de coisas interessantes, mas Lorena, Bananal, Pindamonhangaba...que beleza! Eu amo essa mata invadindo tudo. Entrando pelas entranhas, pelas rachaduras, pelas pedras. Fazendas de uma estonteante beleza. Ruas pacatas. E sempre a Serra ao fundo. E a chuva que vem.
   Comprado na Fnac, editado pela Secretaria de Cultura, eis um lindo presente de Natal. 

O MEU ESPORTE : CAMINHAR POR ENTRE OS TUMULOS DAQUELES QUE FIZERAM ESPORTES POR TODA A VIDA

""o meu esporte favorito é caminhar entre os túmulos daqueles que passaram a vida fazendo esportes". Essa frase é de Peter O`Toole e eu não a conhecia. Leio hoje, na nova Isto É, um texto muito bom de Giron sobre Peter. 
  Conheço Giron desde 1987. Dele foi o melhor texto sobre Bryan Ferry escrito no Brasil. Na Folha. A Ilustrada de Suzuki. 
  "Produtores de cinema de Hollywood são todos porcos. Nunca conheci um que não fosse." Essa frase deve explicar as oito vezes em que Peter perdeu o Oscar. Well, ela condiz com aquilo que Peter dizia ser ( e era ), um esquerdista radical que amava tanto os grandes sucessos como as vaias apaixonadas. Teve logo os dois. Aplausos pelo Hamlet que fez em Londres, dirigido por Olivier, em 1964, e vaias em seguida, por um texto de vanguarda, feito em 65. Tomates voaram ao palco e o acertaram. De verdade!
  Giron descreve maravilhosamente o modo como Peter atuava. Vendo-o logo sentiamos sua fragilidade. Apesar de alto, ele era quase feminino. Noel Coward chamou seu Lawrence da Arabia de Nancy da Arabia. Para fazer o papel, eu desconhecia isso, ele passou meses vivendo com beduinos. 
  Mas tudo mudava quando ele abria a boca e atuava. Era viril, mais que isso, agressivo. Gestos amplos, falas altas, quase a histeria. Giron atenta para os olhos de Peter. Belos. 
  Fiel a sua classe social e sua Irlanda natal, Peter sempre uniu esse seu espirito etereo com a agressividade da anarquia. Foi fiel a si-mesmo. Tinha de ser posto em geladeira. E nunca deixou de provocar.
  Queria ser jornalista quando jovem. Aos 15 anos estava empregado. Mas foi ver Michael Redgrave em Lear e isso mudou sua vida. Quis ser ator! Na escola dramatica conheceu Alan Bates e Albert Finney. A melhor das turmas desde 1925. E os excessos vieram, bebida, mulheres, brigas. 
  Hollywood o queria como um novo Cary Grant. Ele foi ser Peter O`Toole.
  Como disse Giron, sossego post-morten. Peter se cala agora.
  Foi grande em tudo. Nunca no meio, nunca o banal.
  Na mesma revista...
  Quem viu o filme CADA UM FAZ O QUE QUER ( FIVE EASY PIECES ), de Bob Rafelson, sabe o que Belchior sentiu. Como Jack Nicholson, como Larry em O Fio da Navalha, ele se desvencilha das coisas da vida e acha seu mundo.
  Em tempos mais liberais seria tudo bem aceito e nada misterioso. Em 2013 se torna o graaaande misterio!
   Deu?

England 1-2 Scotland, International 1977 (Wembley pitch invasion)



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EM QUE SE TERMINA DE LER O ESTUPENDO LIVRO DE ROD STEWART EM QUE ENSINA O QUE É IMPORTANTE NA VIDA DE UM HOMEM E PORQUE ELE SEMPRE FOI UM CARA DE SORTE!

   A segunda metade do livro de Rod, como era de se esperar, é muito pior que a primeira. Ela assim reflete sua carreira. Começa genial, daí cai no banal. E o livro, que continua agradável, cheio de humor e auto-irônico, mostra o porque: após os 35 anos Rod Stewart se dedica a apenas uma coisa na vida, conquistar e descartar modelos loiras. Oito filhos, dois casamentos, montes e montes de namoros. Para quem lê fica fácil perceber, nos deslumbrados anos 80, o oriundo da classe trabalhadora cai de boca. Festas, festas e mulheres!
   Algumas surpresas. O melhor amigo de Rod é Elton John! Que o irrita com sua facilidade de compor, o que para Rod sempre foi um tormento.
   A lição que o pai de Rod lhe deixou: para um homem ser feliz ele tem de ter 3 coisas, um trabalho, um esporte e um hobby. O esporte é o futebol. Fã do Celtic, chegou a invadir o gramado de Wembley numa vitória da Escócia sobre a Inglaterra por dois a um. Em 1977. Joga bola toda a semana. Desde 1960!
   O hobby é montar maquetes de estações de trem. E as cidades ao redor. Ocupando salas e salas, Rod monta prédios de metro e meio em escala. Há uma foto no livro. Show! Roger Daltrey tem o mesmo hobby.
   Profissão: cantor.
   A série songbooks vendeu 20 milhões de discos! Em 2006! E o acústico MTV foi seu auge como voz. Também acho. Insuperável, sua voz nunca esteve tão bem.
   Um cara de sorte. Curou um câncer em dois dias! Encontrou seu maior amor aos 60 anos. Foi pai, mais uma vez aos 65. Abandonou uma filha quando ele tinha 18, e hoje ela é sua amiga. Ex-pobre deslumbrado, hoje coleciona pinturas pré-rafaelitas e Lamborghinis. Cheirou sempre de forma social e nunca se viciou. Passou limpo pelos anos 80, sem aids e sem internações. E diz, sem inventar nada, que não é um vencedor, porque nunca lutou contra nada, tudo lhe veio por pura sorte. E por sua voz, com a qual nasceu.
   Sou fã de Rod desde 1975. Quando comprei Atlantic Crossing. Comprei porque ouvia Sailing no rádio e adorava. Sailing não era a melhor canção do disco. Eu o escutei muito no verão de 75 para 76. Foi quando meu pai comprou um apto na praia e o disco de Rod passou a ser associado com ir pra praia. Alegria total. Ainda hoje ele me é símbolo de alegria. Depois comprei em 77 o Tonights The Night, que não gostei e Fancy Free, que era mais ou menos. Mas em 79 descobri o Thruth do Jeff Beck Group e Rod renasceu pra mim.
   Só neste século comprei seus primeiros discos solo e os discos do Faces. Entendi então porque tanto sucesso em 70/74. Sucesso de crítica. São retratos perfeitos de sentimentos sinceros. Puros e simples. Comoventes. E heróicos. A gente sente que é um bando de amigos dando o máximo. Um momento em que um cara com uma puta voz atinge o topo. E cai desde então, graciosamente.
   E sempre vendeu bem. Seja em 71, 89 ou 2004. Mas sua praia é o palco. Nele, ele foi mais quente que os melhores. E com uma voz que punha Roger, Robert e Mick no chinelo.
   Em 1995, julho, vi o Acoustic de Rod na MTV. Mais um renascimento pra mim. Não pensava em Rod desde 83, época em que o imitava no quarto cantando Hot Legs. Rod é ótimo para se imitar!!! Voce bota tudo pra fora! E esse acústico foi duca!!!! Chorei com Handbags e com Every Picture...Ronnie e Roddy juntos again!
   ( Rod é tão gente boa que não culpa Ron pelo fim dos Faces. Diz:"ora, quem não trocaria o velho Rod pelo grupo de Keith e Mick? Ron Wood nasceu para tocar nos Stones!").
   Hilário quando Rod leva um pé na bunda e pensa em fazer terapia. Tenta 3 terapeutas e desiste. Faz aquilo que todo inglês faz ( terapeutas não são muito populares na Inglaterra ao contrário da Argentina ), quando um inglês tem problema, senta-se a lareira com um chá bem forte e fica parado com os lábios duros e franzidos! Hahah!
   Bela conversa Rod!!! Voce é exatamente o que eu pensava! Um cara normal, um dos rapazes.
   E como diz seu livro ao final: "Bem, vou fazer um chá...tchau!"

SE PUDER DIRIJA/ PAOLO SORRENTINO/ RUBEN ALVES/ JOSÉ WILKER/ FRED ASTAIRE/ KISS ME KATE!

   NAS ÁGUAS DA ESQUADRA de Mark Sandrich com Fred Astaire, Ginger Rogers e Randolph Scott.
Não é dos meus Astaire/Rogers favoritos. Ele é um marujo que em férias se envolve, na verdade reencontra, sua ex-partner de show. O filme foi feito para provar que Astaire era macho. Desse modo o vemos mascando chicletes, praguejando, apostando, sendo do povo. Prefiro seus filmes ultra-refinados. Claro, ele dança. E Ginger é maravilhosa! A trilha, fantástica é de Irving Berlin. Nota 7.
   TOP HAT de Mark Sandrich com Fred Astaire, Ginger Rogers, Edward Everett Horton
Para a maioria é o filme número um da dupla. Eu adoro este filme, mas prefiro Shall We Dance e Gay Divorcée. Uma trilha sonora fabulosa de Irving Berlin. Fred é um dançarino em hotel que perturba com seu sapateado a vizinha Ginger. Acabam por se apaixonar. E brigam, e voltam...Se o enredo é convencional os diálogos não são. Eles brilham em humor e esperteza. Cenários brancos e brilhantes, figurinos inesquecíveis e as danças enevoantes da dupla. Ruy Castro diz que a Veneza de papelão deste filme é como Veneza deveria ser. Um sonho em P/B. Nota Dez.
   KISS ME KATE! de George Sidney com Howard Keel, Kathryn Grayson, Ann Miller, Bob Fosse
Escrevi sobre esse filme abaixo. É um dos meus dez musicais favoritos. A trilha de Cole Porter é perfeita. Tem humor, romance, chic e criação. Keel nunca esteve melhor, um Petruchio perfeito. É um filme que dá uma forte sensação de sonho. Equivale a dormir acordado. Muita cor, muita beleza, muita diversão. Um testemunho da decadência de nossa civilização é o fato de não mais se fazerem filmes como este, tão urbanos, elegantes e educados. Um arraso! Nota DEZ!
   A GRANDE BELEZA de Paolo Sorrentino com Toni Servillo
Escrevi sobre ele abaixo. Um grande filme. Tem o melhor do velho cinema italiano, invenção e aquela mistura de humor e melancolia que só os italianos sabem fazer. O estilo é Felliniano. Tipos e rostos INTERESSANTES, mistura de tempos, sonho que se confunde com o dia a dia...Ainda haverá gente nos cinemas que entende um filme tão sofisticado? Cenas de imensa beleza. Inesquecível. Nota DEZ.
   A GAIOLA DOURADA de Ruben Alves com Rita Blanco, Joaquim de Almeida
Uma co-produção luso-francesa que foi um grande sucesso nos dois países. Ainda não passou por aqui. Fala de imigrantes portugueses que vivem em Paris. Um deles recebe uma herança e resolve voltar a sua terra. Mas os patrões, franceses, fazem de tudo para que ele fique. O tema fala direto a minha vida. 90% de meu sangue está em Paris, nas veias de imigrantes que lá vivem a mais de 40 anos. E mesmo assim eu achei o filme chato. Falta fogo, algum tipo de animação, de trama, Ele é solto demais, colorido demais, óbvio demais. Porque tanto sucesso? ( Foi o maior hit de 2013 na França ). Nota 3.
   CASA DA MÃE JOANA 2 de Hugo Carvana com José Wilker, Paulo Betti, Antonio Pedro
Quer saber como era o Brasil em 1973? Veja este filme. Apesar de ser de 2013 e se passar em 2013, seu humor é aquele de 1973. Não sou moralista, mas esse tipo de malandro carioca de 1973 hoje parece muuuuito imoral. Seus golpes, antes inocentes e hilários, agora nos irritam por recordar Brasília. A gente não aguenta mais malandros simpáticos dando golpes bem-humorados! O filme então desaba. ZERO!
   SE PUDER DIRIJA de Paulo Fontenelle com Luiz Fernando Guimarães, Leandro Hassun e Gianechinni.
É útil ver este filme. Ele nos ensina como NÃO se deve dirigir uma comédia. Chega a ser um mistério saber o que o diretor Fontenelle queria. Destruir o roteiro? Humilhar o elenco? A trama é aquela que os americanos fazem de olhos fechados, um pai e sua relação dificil com ex-mulher e filho. Uma trapalhada no trabalho e no fim a reconciliação com o filho. Chevy Chase e Billy Crystal fizeram toneladas de filmes assim. E todos são pelo menos simpáticos. Porque sabem ter ritmo, algo que Fontenelle desconhece. Suas cenas são longas, paradas, silenciosas, frias, esticadas, sem time nenhum. Será que ele queria dar uma de Jacques Tati e fazer humor delicado?? Putz, como ele se acha! E como errou feio!!! O filme é amador. ZERão!!!!

The Faces - Documentary interview from 1970



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MEU AMIGO RODERICK STEWART ( uma bio duca! )

De todos os astros do rock cujas bios eu li, Rod Stewart é aquele de quem eu gostaria muito de ser amigo. O cara é legal, simples, gente boa. E a forma que ele escolheu de contar sua vida demonstra isso. Nada da confusa história cheia de lacunas de Keith Richards, nada da detalhada e melô bio de Paul MacCartney. O drama sem humor de Clapton também não está aqui e nem a coisa arty de Patti Smith. Rod é engraçado. Tudo o que ele conta é auto-irônico, lê-lo é um prazer e uma alegria. Ele foi e é feliz, não tem vergonha disso, nunca tenta ser herói. Ele é o Rod do Faces, aquela que foi a mais feliz das bandas.
Cada capítulo usa o tipo de título que era usado por Swift, Fielding e Sterne..."Como nosso herói perdeu a virgindade e ao mesmo tempo foi descoberto por um olheiro de futebol". Roderick Stewart foi o caçula de uma familia grande. Era fruto de um acidente, sua mãe engravidou sem querer, seu irmão mais próximo era 9 anos mais velho. Rod nasceu, e como último bebê, foi mimado. Seu pai era um encanador, e longe de serem ricos, nunca passaram privações. Sempre vaidoso ( Rod sempre dá um jeito de falar de seu cabelo, e tira uma de si-mesmo sobre essa mania de arrumar os fios ), ele amava futebol. Desmistifica certas lendas tipo, não, ele nunca foi jogador profissional ( fez uma peneira, não passou ), nunca foi coveiro ( mediu túmulos por uma semana, aí foi demitido ), não era mal aluno...e nem bom...era quieto. E jamais pensou em ser cantor. O que ele gostava e gosta mesmo é de futebol e de carros esporte. O ato de cantar vem em quarto lugar, pois ainda existem as mulheres. Muito da má vontade de certos críticos com ele vem daí, na época dos heróis do rock, dos drogadões, dos "tudo pelo rock", Rod Stewart sempre disse que estava nessa para poder ter um carro novo.
A gente lê página e mais página adorando estar na companhia de Rod. Nesse sentido, sua escrita é como suas melhores músicas, amigas para toda a vida. Ele ganha um violão do pai, toca mal, e como é fã de Bob Dylan, canta suas músicas na praia, na escola. E todo mundo começa a dizer, "canta Rod!". Ele canta. Vai a shows em porões sujos, vira fã dos Stones, ( onde eles estarão? ), e meio por acaso canta em bandas de blues. Todas são absolutos fracassos. Os produtores acham sua voz ruim e sua figura pouco rebelde. Como aconteceu na mesma época com Bowie e Elton, Rod passa a década de 60 no segundo e terceiro times. Porque mesmo quando ele entra para o Jeff Beck Group, que em 68 estourou, toda a atenção era de Jeff, já então um mito da guitarra...e um cara sempre de mal humor.
É nesse grupo que ele faz amizade com um cara tão descabelado, desencanado, mod e engraçado quanto ele, um tal de Ron Wood. Quando Jeff despede Ronnie, Rod sai junto. E isso bem na véspera de tocarem em Woodstock. ( Rod sente alivio por ter perdido essa chance. Todos que tocaram lá foram congelados como "o cara que tocou em Woodstock").  É então que a gravadora Mercury lhe oferece um contrato para um disco solo. Disco que será gravado em 15 dias. E que eu considero maravilhoso! É o soberbo LP que tem Handbags and Gladrags...um disco profundamente emocionante.  Esse album faz sucesso de critica...e nada de público. Mas com o segundo, Gasoline Alley, vem o sucesso na América e com Maggie May nasce o fenômeno.
As pessoas não lembram, mas o single Maggie May foi o primeiro a ser número um nos EUA e Inglaterra na mesma semana. Nem os Beatles conseguiram isso. E o lp Every Picture Tells a Story também seria número um nos dois países ao mesmo tempo! Só Michael Jackson com Thriller faria isso de novo. Era, em 1971, uma luta nas paradas, Rod brigando com Imagine de Lennon que brigava com Simon e Garfunkel que brigava com My Sweet Lord que brigava com Led Zeppelin.
Volto no tempo e digo que aos 9 anos Rod foi levado pelo pai ao cinema. Ele viu AS FÉRIAS DE MONSIEUR HULOT, de Jacques Tati. Até hoje seu filme favorito. Ao mesmo tempo, Ronnie Wood, quilômetros longe, via o mesmo filme. E depois do Jeff Beck Group, os dois formam os Faces, o mais tatiano dos grupos!
O Faces era o anti-rock progressivo. Anti-art rock. Era uma banda de palhaços, de grandes amigos, de preguiçosos. Entravam no palco sem um set list. Conversavam com a platéia decidindo na hora o que tocar. Jogavam futebol, montavam um bar, traziam dançarinas de can can, tudo no palco. Riam. SE DIVERTIAM. E traziam todo esse bom humor aos fãs. E aproveitavam para também levar tietes, dúzias pro hotel. Rod sempre foi isso, sem disfarçar, um cara da classe trabalhista que se divertia com a fama e o dinheiro. "Missão social?", "Mártir da fama?"....não me faça rir!Mas escrevendo com essa falta de pretensão ( e ele confessa ter uma imensa dificuldade para compor ), Rod Stewart conseguiu nos dar algumas das mais lindas, poéticas, inesquecíveis, fantásticas músicas de toda a história. Com sua voz privilegiada, ele nos faz ver, sentir e estar nos lugares que ele descreve. Em seus primeiros seis anos de carreira, tudo o que Rod canta vira vida de verdade.
Nascido dos escombros do Small Faces ( Steve Marriott saiu deixando Ian, Laine e Kenney a ver navios ), o Faces é uma banda duca!!!!!
Mas como Rod conseguiria administrar a carreira solo e a banda? Sendo que como solo ele vendia 10 vezes mais que nos Faces?
Continuo em outro post!

TODOS OS DIAS NA TOSCANA

     Eu adoro esses livros sobre o bem-viver. Peter Mayle é o melhor, mas Frances Mayes não fica muito a dever. A maior diferença entre eles é que Peter tem muito humor, Mayes é mais poética. 
    Pra quem não sabe, Frances se mudou para a Toscana e reformou um velho casarão. Lá, ela descobre os mistérios do que seja "ser um italiano". Ela idealiza? Claro! Mas para um americano, a vida da Itália interiorana é mesmo uma revelação. Neste volume, Frances tem um tipo de crise com o país, percorre a trilha das obras de seu pintor favorito ( Signorelli ), e reconquista/ reafirma sua paixão pelo lugar.
   Tudo é uma questão de tempo. A relação dos italianos com o tempo é inversa a dos americanos. Eles só fazem aquilo que os diverte e se não for divertido faz-se ser. O tempo não manda, eles domaram o tempo há muito, o esticam, domesticam, subvertem. Muita comida. Italianos, como todo europeu, passam o dia planejando e pensando no próximo jantar ou almoço. ( Deve ser por isso que a Inglaterra não parece Europa ). Frances fala de comida e nos dá fome. Ela sabe descrever pratos, sabores, cheiros. Uma delicia!
   Perto do Natal, nestes dias de compras de vinhos, doces, peixes e legumes, frutos e prosecco, onde até grappa consegui encontrar, é inspirador ler os relatos de seus banquetes e das longas conversas a mesa.
   Boa leitura e bom apetite!

A GRANDE BELEZA, UM FILME DE PAOLO SORRENTINO

   Jeanne, era esse seu nome, juro que era, saía da escola e andava poucos passos. Entrava no carro e ia embora. Eu, dentro do Caravan de meu pai, olhava. Ela passava olhando para o chão. O vidro do carro embaçava, frio. Beleza. A vida, cedo, me exibiu a beleza. Se desnudou para mim. Eu vi, antes de saber dominar palavras, teorias, formulações, ou seja, antes de aprender a morrer, que a vida era beleza. Quando muda.
   Nua quando vi os pombos, nua quando percebi a teia da aranha, nua na manhã em que me perdia entre eucaliptos. Eu olhava, olhava, olhava e via, via, via. A menina loura espetando o pé numa tachinha no chão. Arrancando a tacha da sola do pé e continuando a passar o rodo no cimento. Fazia sol e ela vestia um leve vestido branco. Eu olhava e sem palavras a via. A nudez da vida e a nua beleza.
   Então, ao aprender a escutar as conversas, os discursos e ao ler as máscaras, notei que a vida não era aquilo que a gente vive. A vida era além. Que falamos para matar o tempo, trabalhamos para matar o tempo, amamos um amor de discurso e amor não se fala. E veio o meu outro eu, longe e sempre aqui. Incomunicado, em comunhão. Daí o para que...
   A verdade está fora do Homem. Nos bichos, na luz, no mar e na Serra. No silêncio dos sentimentos. Essa a verdade e a beleza. Um pássaro, o escuto agora, é um Bem-Te-Vi, fala direto ao dizer nada. Livre das amarras dos nomes ele fala. O Homem é livre quando se cala e percebe. A beleza.
   Roma é uma velha freira-santa. Explorada por gente que fala demais. Roma é vaidade. Paolo dialoga com Fellini. A Doce Vida fala do momento em que um jovem percebe o vazio absoluto. Paolo continua e conta de um velho cansado do vazio.A Roma de Fellini é uma puta explorada. Paolo mostra a velha matrona vivendo a base de drogas. Toda civilização desaba ao viver apenas em função do prazer. Quantas vezes Roma caiu?
   Ninguém nunca filma rostos como Fellini filmou. E milhões tentaram. Paolo não consegue. Ninguém cria beleza como Fellini. E finais fortes. Paolo pelo menos tenta, ambicioso. O personagem central, sempre dandy, vaidoso, exibido, viu a beleza cedo demais. Passou a vida sabendo que nunca mais iria a reencontrar. Ceticismo, disfarce dos desencantados. Italiano, tem humor, ama as mulheres, mas sabe, a fala esconde a vida.
  O filme, cenas belas sobre cenas belas, Roma, a mais bela das cidades, chafarizes insuspeitos, cor do sol sem outra igual. As pessoas fazem coisas, pulam, viajam, correm, flertam, e falam, falam, falam. Doce Vida que azedou faz tempo. Mastroianni tinha desespero, aqui tudo aborrece.
   Paolo conseguiu. Estou comparando o filme a Fellini, Truffaut ( linda cena com Ardant ), Antonioni. Ele perde, mas fica muito acima de tudo que se tenta hoje. Beleza triste, saudade vazia de motivo.
   Disseram ( quem? Eco? Paz? ), que a beleza, a estetica poderia salvar o mundo. Filmes como este podem salvar o cinema.

From This Moment On - Kiss Me Kate



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KISS ME KATE!, COLE PORTER

   Natal é tempo de agradecer. E de presentes também, como não? E todo ano aproveito esse tempo para agradecer a existência de gente como Cole Porter e dou presentes a mim mesmo vendo musicais.
   Essa tradição começou em 1991, quando, meio high, assisti na TV, de madrugada, dia 25, a Alta Sociedade. O filme, very classy, tem trilha de Cole ( além das presenças luminosas de Frank, Bing, Grace e Louis ). Natal feliz casa desde então com musical chique. But...agora lembro que já no muito alegre natal de 1980 eu assistia West Side Story na TV! Well...Eu não creio em Papai Noel, eu acredito em Fred Astaire.
   Kiss Me Kate foi o show da Broadway que tirou Cole de 10 anos de azar. Num resumo, Cole nasceu milionário, começou a fazer música em Yale, ficou famoso jovem, e passou a viver a fama e o glamour da Riviera. Passava férias com Picasso etc. Tudo muda quando ele sofre um acidente de equitação e tem as duas pernas esmagadas. Daí pra frente são dúzias de cirurgias e dor constante. Ainda vive mais vinte anos assim. Seus shows começam a fazer água, mas em 1953, Kiss Me Kate, baseado em A Megera Domada, de Shakespeare, estoura. Cole renasce. Irá morrer em 1964. Morrer em carne, suas canções, sofisticadíssimas, são pra sempre. Mesmo o mais besta dos ouvintes as conhece. ( Um adendo, em 66 muita gente dizia que Paul MacCartney era  um novo Cole...não foi. Paul é um gênio, mas não cresceu para o lado urbano chique de Cole, ficou sempre sendo um filho de Liverpool ).
   Então ontem começo a me dar presentes revendo este filme, de George Sidney, que leva fielmente o show para as telas. Em 3 D! Todas as músicas da Broadway foram mantidas, e Howard Keel faz Petruchio com maestria. Uma presença viril, irônica, magnética. Kathryn Grayson, linda, faz Catherine, uma fonte de ira. Adorável. Mas há mais! Números de dança estupendos, em vários estilos, com coreografia de Hermes Pan. Tommy Rall dá um show em ballet moderno e vemos a milagrosa e muito moderna estréia de Bob Fosse, ele faz um dos pretendentes de Bianca. Na tela vemos, já perto do fim do filme, o nascimento do estilo Fosse, o estilo que dá prioridade as mãos e ao chão. Corpo jogado no solo, dedos estalando, Bob Fosse, dançando com Carol Haney, estraçalha! 
   O filme não é só ele. É uma diversão deslumbrante. Tudo funciona e quando ele termina voce se pega cantando as canções, geniais, de Cole. O modo como ele faz rimas ainda não foi igualado. Kiss Me Kate é um grande e inesquecível presente.









SAGA DOS VOLSUNGOS- SAGAS ISLANDESAS.

   Feira de Livros da USP. Não ia desde 1999. Melhorou muito e valeu muito a pena! Rocco e Companhia das Letras não foram. Mas eu comprei 12 livros! Nos meus cálculos, em preços da Cultura, teria gasto mais de mil e quinhentos reais. Na Feira gastei 400. Comprei livros de luxo. Um com fotos de SP no século XIX. A bio de Matisse. Um livro com fotos de Doisneau. O livro escrito por Capa, com imagens raras. O recém lançado livro sobre o glitter rock. A bio de Bergman com intro de Woody Allen. A bio de Pete Townshend. E mais Chaucer, Marlowe, um livro catalão Tirant Lo Blanc, um álbum de Snoopy, Guerra e Paz em capa dura, um sobre decoração, e ainda este livro, sobre sagas medievais da Islândia.
   Porque Islândia? Na introdução de Théo de Borba Moosburger, fico sabendo que a Islândia ocupa um lugar privilegiado na história do romance europeu. Primeiro, foi o país que antes de qualquer outro escreveu em língua própria e não em latim; e segundo, escreveu em prosa e não em verso. Tolkien adorava essas sagas e muito de sua obra vem daqui. Do que trata? Da fundação da ilha islandesa, de seus primeiros reis e heróis. Um mundo que nos é quase incompreensível.
   A primeira coisa que salta aos olhos: A ausência de clemência ou de piedade. Matar é coisa absolutamente corriqueira. Mata-se por que se gosta de matar, pois para se poder ir para o céu dos vikings era preciso morrer em luta. Morrer de doença ou velhice era ir para o reino de Hel, o inferno, morrer lutando era ir para Asgard, onde se podia lutar mais. Pois a vida era isso, uma briga sem fim. Sangue e vísceras. Um homem vivia pela espada, por sua familia e por seu rei.
   Não posso nem discutir sobre sua coragem. Em barcos pequenos eles chegaram a Groenlandia e até a América!!! Eles eram mais que corajosos, não tinham noção alguma de preservação da vida. Tinham muitos medos, mas ao contrário de nós, seus medos não se ligavam a morte ou a dor. O maior medo era a desonra, ter o nome sujo, ser um fraco. Dor fisica e morte eram nada.
   Algumas cenas espantam. Além de assassinatos sem culpa ( e não falo de guerra, as mortes eram em simples passeios na floresta ), o reino começa com um filho que é fruto de um casamento entre irmão e irmã. Sem qualquer culpa, a irmã seduz o irmão e têm um filho que será um rei e um herói.
   Dragões, bruxas, adivinhações, tudo entra nessa saga como fato normal, conhecido, cotidiano. É um mundo pré-cristão e não-greco-judaico, é o mundo da mais pura raiz européia ( nos esquecemos sempre que Atenas e Judéia, Pérsia e Egito são reinos orientais. A Europa pura é a celta, ou seja, a dos vikings, suevos, francos, saxões, íberos ). Uma sociedade familiar, voltada para a guerra e para a magia.
   O estilo da escrita, sem qualquer adaptação, traduzida a crú, é rústica. As coisas são narradas de modo direto. Nada de descrições, nada de ambiente, nada de clima. É ação e mais ação. Briga e mais briga, viagem e mais viagem, mortandade sobre mortandade.
   Anti-europeus gostam de falar que a Europa e sua cultura são violentas, a mais violenta do mundo. Não sei. A China nunca foi um mar de rosas e Maias ou Incas estraçalhavam os inimigos sem dó. Talvez a velha cultura judaica, os cartagineses e os hindús tenham sido menos cruéis. Talvez. Mas nos choca muito ver um massacre inutil de crianças e mulheres ser louvado como ato heróico, o que ocorre todo o tempo aqui. Para passar o tempo, o herói vai a uma cidade para "saquear e matar um pouco".
   Jung estudava muito essas histórias medievais e via nelas a raiz de sonhos e de sintomas. Se ele estiver certo, chega a ser aterrador a imensa carga de violência que temos em nosso sangue. Porque neste mundo, o grande, o supremo prazer é o de matar. Se assim for, nosso mundo cristão e pós-cristão cometeu uma obra ainda maior do que eu pensava. A substituição da guerra pela convivência e do sangue pela fé. Mas o guerreiro, o doido e sem freio assassino, o irrefletido e puro impulso, o vaidoso e inconsequente está lá, está cá e está em todo canto. Desse duro ponto de vista, um moleque briguento e ladrão está muito mais perto da verdade humana que um dinamarquês hiper-civilizado e do bem. Não a toa o alto indice de suicidio na Suécia, o reino dos vikings tendo se transformado no país da paz e da sociedade justa.
   É um livro dificil.

Patrick Hernandez - Born to Be Alive - Official Video (Clip Officiel)



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O AMOR EM TEMPOS DE LENTIDÃO

   Que engraçado! Ontem numa festa, conversando com uma mulher da minha geração, lembrei de uma coisa que parece medieval...ou da renascença. Nas baladas de 1980, o objetivo era pegar o máximo de telefones possíveis! Ninguém beijava na balada, a não ser gente que voce já conhecia de outro dia. O que se fazia era chegar numa estranha, conversar e a muito custo pegar o telefone ( que muitas vezes era fake ). Daí voce voltava pra casa e no dia seguinte, após ensaiar um discurso que se perdia ao primeiro alô, telefonava para a menina. E então, se a conversa engrenasse, talvez se marcasse um cinema, uma lanchonete, ou um reencontro no mesmo lugar. Era a idade dos talvez. Andávamos no escuro, nunca sabíamos o que ia rolar.
  Então, depois de 3 telefonemas, voce a levava ao cinema. De rua. Pagava um drops e entrava. E sentia o medo. Que fazer? Conversar? Ver o filme? Assistia o filme e na saída tentava umas piadas. E andava com ela, a mão, de vez em quando, roçando de leve na mão dela. A acompanhava até em casa e dizia que queria repetir a saída, claro, se ela quisesse...
  E ela falava "claro, adorei conhecer voce!"" E então a volta pra casa, a pé, para durar mais, era a coisa mais feliz, mágica, exultante e louca do mundo! É aí que o abismo entre gerações se faz, porque a gente voltava cantando e dançando na rua, e é por isso que caras de menos de 40 nada entendem do que seja um musical, o mais real dos tipos de filme.
  O primeiro beijo ainda está na cabeça e no peito. A ansiedade é imensa. Quando vou beijar essa menina? Entenda, um beijo equivalia a um pedido de namoro. Beijar era compromisso. Podia durar uma semana, mas era um tipo de pacto, um estamos juntos, ISTO É UMA HISTÓRIA, que será recordada e contada mais tarde. Éramos loucos por histórias, sem saber, a gente compunha sagas todo o tempo. Éramos anti-práticos.
  Voce pode estar nos achando puritanos. Não era isso. Podia-se beijar duzias de meninas em um mês, mas uma história tinha de ser composta. Sair com prostitutas era a saída sem história, sair com meninas era contar um conto.
  Cartinhas com desenhos, o papel lindo que as meninas usavam! Com perfume, cheiro de quarto de menina! E afinal o beijo! No meio de uma frase, de sopetão, de loucura, um tipo de "não aguento mais segurar"...Beijo que vinha sempre com um "Voce é linda"e um Ëu te Amo!"...e saiba, todos foram sinceros.
   A gente era apaixonado por amor. Falava-se muito nele. Amor, amar, amava, o verbo era o mais usado. Nenhuma vergonha em amar. Um amor novo por mês, trabalhoso, dificil, contido, e sempre era pra sempre.
   Sei lá, me parece que a molecada hoje tem paixão por "catar"e um imenso medo de amar. Será?
   O tempo traz coisas boas e leva coisas boas. São trocas. E eu realmente não me lembrava de nada disso até ter ontem essa conversa. Em 1980 se faziam rituais para sair e para conhecer alguém. Talvez por nossa vida ser muito mais lenta, com menos coisas sendo oferecidas, menos apelos aos desejos, todo contato e toda aventura"tinha um valor de coisa única. A gente tinha a consciência ( ou seria a ilusão? ) de que tudo era só uma vez e nunca mais.
   Ontem de noite tocou a minha música, Born to be Alive, e foi ela que nos fez voltar no tempo.
   Eu tinha um diário. E todas elas também.
   Isso fazia muita diferença! As coisas eram para sempre. Sempre.

What's New Pussycat? (1965) Trailer



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PETER O`TOOLE/ ALFONSO CUARÓN/ SINATRA/ ROBERT RODRIGUEZ/ FELICITY JONES/ OS DOUGLAS

   GRAVIDADE de Alfonso Cuarón com Sandra Bullock e George Clooney
Ao contrário do que fez Isabela Boscov, não vou comparar este filme de aventuras com a peça de arte conceitual chamada 2001. O filme de Kubrick está no mesmo saco dos filmes de Malick, são refelxões sobre a vida. No caso, 2001 talvez seja o mais profundo dos filmes. Este belo filme do muito bom Cuarón, está na senda de Star Wars ou de Alien, apuros espaciais. E eu adorei isto aqui. Há alguns anos escrevi que o cinema moderno nada mais era que um retorno ao cinema mudo. Primeiro tivemos a era de imagem e ação, filmes de Keaton, Chaplin, Murnau e Lang. A pureza do visual, as elaborações de cenários, atores que eram acrobatas e mestres em maquiagem. Depois veio a época do falado, a arte dos grandes diálogos, das belas vozes, de Mankiewicz, de Wilder, Bergman e Woody Allen. Gênios continuaram a misturar os dois, o visual e a voz, Fellini, Welles, Kurosawa etc. E hoje o que temos, já desde algum tempo, é a primazia da imagem sobre a voz. Os filmes que não revisitam o passado, que não tentam reviver Altman, Scorsese, Godard ou Peckimpah são visual e movimento a serviço do deslumbramento. Quem quiser entender o cinema de hoje deve procurar, e levar a sério, esse tipo de filme. São eles que contam nosso testemunho sobre este mundo. A verborragia dos anos 50 e 60 está viva apenas nos pseudo-novos cineastas cultores de um passado muito distante. Cuarón sabe disso. Seu filme, de uma simplicidade de A General, mostra uma habilidade com a câmera ( Emmanuel Luzbecki, Oscar certo ), raras vezes igualada. Os rodopios no espaço são um ballet dos mais apurados, belíssimos. A Terra é linda! A luz angelical do Sol banhando todo nosso organismo, tudo o que existe na nossa morada. E há o final, claro. Sandra Bullock na cápsula como um bebê com seu cordão umbilical, o parto, dificil, que é a queda na Terra e a saída da água, um nascer, um estar vivo. Ela anda hesitante, e o que sentimos é a alegria pelo nosso mundo existir. O filme atinge seu alvo, ao final estamos gratos pela vida. Confesso que chorei, um lago e uma árvore nunca me pareceram tão lindas. Esse final, uma simplificação do bebê de 2001, é perfeito. O filme, símbolo nobre daquilo que só o cinema ainda pode ser, é um filme anti-tv, deve e precisa ser visto. Nota DEZ.
   MACHETE MATA! de Robert Rodriguez com Danny Trejo, Michelle Rodriguez, Charlie Sheen, Sofia Vergara, Antonio Banderas e Mel Gibson
Uma decepção. O primeiro é uma divertida festa de violência camp e nudez alegre. Este é mais sério e bem menos inspirado. De bom só o presidente feito por Sheen e o vilão, ótimo, de Gibson. Chega a ser bem chato e parece looooongo....Nota 3.
   UM NOVO FÔLEGO de Drake Doremus com Guy Pearce e Felicity Jones
Um músico, cello, recebe em intercâmbio uma aluna inglesa ( ele dá aulas ). Óbvio que os dois vão se apaixonar. Óbvio que a familia vai vencer e os separar. E um diretor que se chama Drake Doremus!!! se acha um artista e vai filmar como tal. Ou seja, é um filme lento, triste, frio, mal filmado e silencioso. Há um desejo imenso de ser Bergman, mas o roteiro nada tem a dizer, então fica sendo um Bergman burro. Os atores estão muito bem, Felicity tem uma beleza de gente de verdade.Não passou aqui, mas deve passar lá por março ou abril. Nota 3.
   OS 4 HERÓIS DO TEXAS de Robert Aldrich com Sinatra, Dean Martin, Ursula Andress
Aldrich foi um grande diretor de filmes de ação. Mas aqui, a serviço da turma de Sinatra, ele nada pode fazer. Sinatra filmava só para se divertir, e ás vezes ele se esquecia do público. Acontece isso aqui, ficamos vendo Frank e Dean, como dois cowboys, se divertirem com tiros, piadas, muitas mulheres e cavalgadas. Mas nós não nos ligamos em nada! Parece com assistir uma festa pela janela. Nota 1.
   AVATAR de James Cameron
Reassisti Avatar. Belo visual, história sem emoção. O filme é gelado como um picolé...de xuxú. Não há nada com que se apegar e a história é a mesma de milhares de westerns pró-indio dos anos 50. Belas imagens a serviço do tédio. Nota 4.
   DESBRAVANDO O OESTE de Andrew V. McLaglen com Kirk Douglas, Robert Mitchum, Richard Widmark e Sally Fields
Uma Sally Fields adolescente faz aqui sua estreia em tela grande. Bonita e com rosto de caipira do sul, ela enfrenta um trio de atores muito fortes. Kirk faz um deputado rico, que leva bando de colonos para o Oregon. No caminho, indios, desertos, montanhas e neve. Mitchum faz o guia, um mestiço cool que está ficando cego. Widmark é o explosivo rival de Kirk, um cara do povão. Os cenários são maravilhosos, faz com que a gente pensa nos estragos que tais lugares devem ter causados em europeus de 1800 acostumados aos cenários civilizados de sua terra. Tudo aqui é vasto, sem fim, extremo. O roteiro não dá conta de tanto assunto. Coisas se perdem sem serem desenvolvidas. Dá pro gasto e esses atores são como parentes queridos, é bom os ver na sala de casa. Nota 6.
   A ESTALAGEM VERMELHA de Claude Autant-Lara com Fernandel
Fuja. Nota 1.
   A JÓIA DO NILO de Lewis Teague com Michael Douglas, Kathleen Turner e Danny de Vito.
Continuação do ótimo Tudo Por Uma Esmeralda, um dos grandes sucessos dos anos 80. Este é bem pior. Turner é raptada por um árabe e Douglas vai atrás. A dupla é ótima, Douglas nasceu para ser um herói safado e Turner foi a maior estrela do inicio dos anos 80. Mas o roteiro tem aquele que é o pior defeito dos anos 80, é metido a ser mais chique e engraçado do que é na verdade. Nota 4.
   WHATS NEW PUSSYCAT?de Clive Donner com Peter O`Toole, Romy Schneider, Peter Sellers
Revi como homenagem ao grande Peter O`Toole. Roteiro de Woody Allen e uma trilha sonora espetacular de Burt Bacharach. Um retrato do que era o tal espirito groovy da época. Peter estava no auge da fama, e o cinema inglês nunca mais teve tantas estrelas ( e bons atores ). Alan Bates, Michael Caine, Sean Connery, Richard Burton, Richard Harris, Oliver Reed, Terence Stamp, Peter Sellers, Tom Courtenay, James Mason, Laurence Olivier, Michael Redgrave, John Hurt, Albert Finney, todos em forma e trabalahndo muito.  O Oscar esnobou todos eles. Boa diversão ingênua. Nota 6.

SHAKESPEARE, WHISKY E MULHERES, PETER O`TOOLE PARTIU E FOI PARA UM NOVO PUB

   Meu amigo Nelson Granja tem The Ruling Class como filme mais importante da vida. Que sensacional Nelson, isso só demonstra o quanto voce é diferente. O filme é uma ousada e brilhante celebração da originalidade. Postei cenas do filme abaixo.
   Eu já havia avisado, os tempos daqui em diante serão cruéis. Todos aqueles que fizeram este mundo, em seu melhor, começariam a partir. Mesmo que voce pense que o cinema começou em 1999 com Matrix e Magnólia, ou que o rock foi inventado pelo Oasis, saiba que esse mundo, de PT Anderson e Liam foi feito alguns anos antes. Por gente como Robert Altman, Lou Reed, Raymond Carver, e um vasto etc.
   Peter O`Toole se foi ontem. E não me doi, ele já estava semi-aposentado desde os anos 80. Seu interesse principal era a bebida. E em segundo lugar a bebida. Depois vinham as mulheres, Shakespeare, e mais bebida. Foi um dos atores mais famosos nos anos 60. Teatro e cinema. Mas, como aconteceu com tantos, um excesso de filmes ruins destruiu seu desejo de fazer mais filmes. Uma pena...
  Peter me conquistou quando o vi, na tv, por volta de 1988, em O Assalto de Um Milhão de Dólares. Um filme de William Wyler, com Audrey Hepburn. Ali ele fez um papel tipo Cary Grant de um modo inglês e dandy. O filme, sim, sobre assalto, foi refilmado nos anos 2000, e colocaram Matt Damon para fazer o papel de Peter...Isso diz muita coisa sobre o cinema de hoje...
  Peter, que era irlandês, brilhou em O Leão no Inverno, uma das maiores atuações que já vi, dor e violência em cada gesto e no olhar sempre sombrio; e em Becket, talvez seu grande papel. Nesse filme, ele e Richard Burton, grande amigo de copo, duelam sem parar e apesar da genialidade de Burton, quem vence é Peter. O tormento de um rei mimado é exibido com vigor. O filme marca como ferro em brasa.
  Eu, apesar de minha veneração por Olivier, Steve McQueen, Bogart, Flynn e Cary Grant, tinha Peter como ator favorito. Porque ele unia em si, nos seus grandes momentos, a classe de Cary Grant com a arte de Michael Redgrave.
  Os anos 60 fizeram mal, ao fim das contas para Peter. O sucesso o estragou. Se tornou um playboy colecionador de casos e figura assídua em bares e festas. Ele e Burton destruíram copos. E durante o processo ele bateu, também com Burton, o recorde de indicações ao Oscar sem vitória nenhuma. Se não me falha a memória foram sete. Até dá pra aceitar sua derrota em Lawrence da Arábia, pois Peck estava imbatível naquele ano. Mas Becket foi sacanagem! E O Leão no Inverno era vitória certa!
  Não faz mal, Chaplin também perdeu todas.
  Peter O`Toole, como todo bom whisky, é para poucos. Sempre será.
  Saudades e Descanse em paz.

Peter O'Toole in "The Ruling Class": an unofficial, spoiler-free trailer...



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Lawrence of Arabia (1/8) Movie CLIP - A Funny Sense of Fun (1962) HD



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Doctor Faustus - Marlowe - Shakespeare's Globe Theatre



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A HISTÓRIA TRÁGICA DO DOUTOR FAUSTO- CHRISTOPHER MARLOWE

   A primeira versão em teatro moderno é esta, de 1589, feita por este genial e misterioso dramaturgo inglês. Marlowe foi espião, beberrão, assassino, erudito, scholar, lenda, poeta, e morreu assassinado ainda em inicio de carreira. Um rival de Shakespeare? Claro que isso é bobagem, pois quando Marlowe morreu, apesar de ele e Shakespeare terem a mesma idade, Marlowe já era um autor considerado grande, enquanto William Shakespeare era um autor ainda médio. O crescimento de WS começa após a morte de CM.
   Fausto, um intelectual que sabe tudo, vende a alma ao diabo. Como bem diz Dirceu Vilella, Goethe trata o satanismo de um modo muito mais infantil que Marlowe. O Fausto de Marlowe ambiciona o poder e só o poder, o de Goethe deseja o conhecimento. Traços românticos abundam no texto do alemão, já o autor de Canterbury é muito mais seco, direto e sem piedade alguma. Fausto se dana, se perde, tenta se arrepender, não consegue e termina no inferno, sem remissão. Marlowe crê em sina, em responsabilidade, o Fausto de Goethe já é um homem dúbio, duvidoso, sem decisão, pós-Hamlet.
   A peça inglesa tem o estilo elizabetano, estilo que seria levado a perfeição por WS. Mistura horror e comédia grossa, poesia e filosofia, diversão e dor. Em seu original, nas apresentações da época, o palco era invadido por raios, fogo, explosões e monstros. Cinema de 1600. A fascinante era do exagero.
   Muito se diz, e Burgess é um deles, que Marlowe, se tivesse morrido após os 50 seria maior que WS. Como saber? Existem autores que dão tudo no começo e depois murcham. E existem aqueles como WS, que crescem sem parar até o final.
   O que sabemos é que Marlowe foi invulgar, grande, ousado e um homem de seu tempo.
   Vale!

O MELHOR FUTEBOL DO MUNDO

   E descubro que ainda dói. Numa noite de sábado, em 2013, revejo, mais uma vez, o jogo da minha geração, Brasil 2X3 Itália, na ensolarada e muito alegre Espanha, julho de 1982.
   A ESPN tem reprisado jogos de Copa inteiros. Esses jogos fazem com que alguns mitos vão por terra. Por exemplo, Brasil e Holanda em 74 foi um dos piores jogos da história. Uma violência imensa e um jogo onde o que se viu foram discussões, provocações e entradas para matar. O pior jogo da Holanda de então. Outro mito? Este jogo, em 82.
   Dizem que o Brasil não sabia defender. O que vejo é o oposto. Todo o time defende. Os atacantes marcam, de verdade. E logo percebo que o time de 82 jogava o futebol mais moderno do mundo. Até hoje. Não a toa é modelo do Barcelona e agora do Bayern. O gênio Telê Santana fez a ponte do futebol da Holanda para o Brasil. Na concentração ele exibia lances de Cruyjff, atacar bem e defender bem. Foi o que o Brasil fez. Leandro entra pela esquerda, Cerezo de centro-avante, Sócrates de zagueiro, Oscar de meia, Junior na ponta direita, eles giram e giram e giram... Perdeu porque a Itália foi nossa Alemanha. Jogou muito bem, uniu vontade com habilidade e nunca errou. O Brasil errou duas vezes e nas duas os italianos estavam ligados. Aproveitaram.
   Antero Greco comenta o jogo e diz ao final que o jogo foi tão eletrizante que ele se pega ainda torcendo, achando que vai dar, que a bola vai entrar. Eu torci de novo, parece que o tempo ficou parado, vai dar, vai dar, tem de dar!
   Revendo o jogo percebo que aquele foi o melhor time do Brasil. Muito melhor que o sortudo time de 2002 e melhor que o aplicado time de 94. Tirando Pele, talvez melhor que o de 1970, sim senhor! Cerezo foi melhor que Clodoaldo, Falcao equivale a Rivellino. Gerson ganha de Socrates, Zico perde de Pele e Tostao foi muuuuuuuuuuuuuuito maior que Eder. Mas a defesa toda de 82 era bem melhor que a de 70. E Tele vence Zagalo...Basta olhar. A bola rolando redonda, mesmo em meio a um mar de marcadores. O futebol de Brasil e Italia se parece, muito, com o de hoje, muito mesmo, não é lento e sem defesa como se pensa, os dois jogam como o melhor futebol de hoje joga. Velocidade e movimentação, simplicidade. Com uma diferença em relação a 2013, a técnica brasileira ainda é refinadíssima, e a seleção italiana é a melhor de sua história. Perto desta a campeã de 2006 fica como um bando de pernas de pau. Ninguém dá chutão.
   Naquele dia, em 7 de julho, fazia muito calor em Barcelona e sol no inverno daqui. Todo mundo sabia que o Brasil ia ganhar, o que importava era saber de quanto. O campeonato era nosso. Certeza que nunca mais tive. Nem agora, em casa. Foi a mais bela copa, com jogos que nunca esqueci, com 4 times que tinham futebol digno de vencer. Afinal, foi uma copa que tinha Zico, Socrates, Falcao, Rossi, Cabrini, Zoff, Scirea, Platini, Giresse, Rummenigge, Breitner, Boniek, Milla, Maradona, Passarela, jogadores lembrados ainda agora.
   Perdeu.
   E a derrota mudou todo o nosso futebol. Ficamos cada vez mais italianos. E os europeus, encantados, eu fui pra lá em julho, dia 18, ouvi os comentários, se tornaram alunos aplicados de Falcão, Zico, Junior, Cerezo e Sócrates.

MEMÓRIA PAULISTANA, EDIÇÃO DE CARLOS AUGUSTO CALIL

   No final de 1974 o acervo fotográfico de SP foi transferido para o recém inaugurado MIS, na avenida Europa. Ao se mexer nos arquivos, descobriu-se, ao acaso, um tesouro, fotos de 1862, da cidade de SP, tiradas por Militão Augusto de Azevedo. E mais, fotos da década de 1890, de Valério Vieira. Editou-se um livro em 1975 com esse material. Trinta e cinco anos mais tarde, em 2010, o livro é reeditado.
   Lindo, bem feito, ele traz além das fotos, pequenos textos que comentam a cidade. Lemos uma deliciosa descrição de SP por Castro Alves. O poeta fala que a cidade, fria, úmida, escura, é uma Heildelberg misturada a Andaluzia. Um acidente hediondo. O mesmo diz Alvares de Azevedo. Reclama do frio, do céu sempre cinza e do tédio, o tédio paulista.
   Depois lemos reclamações de sua feiúra, das calçadas ( já em 1900!!! ), das casas feias, da vocação para o triste e o cabisbaixo.
   Fotos dos emigrantes. Não há como não sentir pena daqueles italianos e japoneses sem esperança. Sim, desesperançados, pois eles chegavam sem grandes planos e sem grandes chances. E logo eram pegos por malandros e agenciadores. Viravam escravos, nada mais que isso.
   Fotos das guerras de 24 e de 30. Barricadas, fachadas metralhadas, mortos. Textos sobre o crescimento. Em 1930 já se reclama do fim das praças, da derrubada de árvores, da fumaça fedida.
   Na avenida Paulista, uma guerra de socos entre uma multidão de comunas e uma tropa de integralistas. E fotos, lindas, de familias ricas. A mais bela é a de meninas e meninos tocando piano e cordas numa sala chic. Paulista? Higienópolis? Não tem o endereço.
   Tivesse sido planejado e hoje teríamos uma cidade melhor que Buenos Aires ou Chicago. Mas em 1920 um autor reclamava que se abriam ruas sem se pensar onde elas iriam dar. O mapa da cidade se fazia torto, derrubavam-se palácios e igrejas, abriam avenidas, atolavam rios.
   Fotos de moças jogando tênis no Paulistano. Em 1919. E moços ricos fazendo pic-nic as margens do Tietê. Dezenas de barcos passando pelas águas. Era o ano novo de 1921.
   Nas últimas fotos, de Rosenthal, década de 40, a cidade já se parece com aquilo que é agora. O centro tomado pela sombra de prédios feios. O trânsito sendo a única prioridade desde sempre.
   Este foi um dos livros que comprei na ótima Festa dos Livros da USP. Paguei menos da metade de seu preço. Vale ouro. Uma beleza.

NOS CONFINS DO MUNDO- HARRY THOMPSON, UMA GRANDE AVENTURA!

   Qual o segredo de um grande best-seller? Mais que isso, qual o grande segredo de um best-seller que se revela boa leitura? Olhe este livro. Lançado em 2005, logo se tornou um campeão de vendas. E, além disso, foi indicado ao Booker Prize. O autor, jovem, infelizmente faleceu de câncer em seguida. O cara sabia contar uma boa história!
    Acompanhamos as aventuras do novato capitão FitzRoy, que no meio do século XIX, conduz seu barco, o Beagle, pelas águas terríveis do sul do Atlântico. Tempestades, fome, doenças, morte, solidão. As cenas são desenvolvidas com precisão, mas onde o autor se revela melhor é nos diálogos. Acertam a mosca. Correm. O livro cheira a mar.
   Mais para frente, o Beagle recebe a bordo um tal de Charles Darwin, e então, o que era bom fica ótimo! Thompson faz com que a gente creia na verdade de sua criação. O livro não é histórico, é romance. Dos bons!!
   Diacho! Eu queria ter esse dom para criar personagens, personagens que interessam, que nos conquistam.
   Leiam! É um prazer.

HOME, SWEET HOME

   O mundo tem destruído progressivamente nossa noção do que seja LAR. Talvez porque estar em casa significava estar fora do mundo e hoje somos impedidos de ficar fora daquilo que rola NAS RUAS, sem parar.
   Porque a casa encolheu, ela se tornou nada mais que uma cama, uma geladeira e algumas telas. Tudo dirigido para o descanso do trabalho e para o contato com o mundo de fora. A vida do lar, daquilo que era HOME, adeus! Morte da secreta interioridade.
   Nada de janela para a paisagem. A função prática da janela agora é proteger da rua e deixar entrar alguma luz. Nada mais de espaço interno para as crianças brincarem. Elas devem desde cedo interagir com o mundo, o quarto de brincar onde ela criava um universo próprio morreu. Criança não fica mais sonhando a toa. Ela faz coisas. Em grupo, sempre.
   Jardins e quintais se foram. Todo jardim, onde se plantava vida e se olhava o tempo transformar, foi trocado por mais vagas para a coisa de lata chamada carro. Jardim é luxo maior que um Audi. Poucos percebem isso.
   Minha casa é um mundo de segredos. É cheia de velhos brinquedos, livros, fotos, quadros e muitos objetos. Cada um é uma história, um amigo, um incentivo. Minha casa é reflexo e parte daquilo que eu sou e só eu sou. Não é impessoal, tem memória, tem particularidades.
   Jamais poderia viver num apartamento já decorado com 80 metros quadrados. Cadê a minha sujeira? O cheiro de  minhas marcas? Eu sou bicho e bicho marca território!
   O Lar morre porque o mundo moderno odeia tudo o que ele é. Isolamento, individualidade, proteção e memória. O ideal para esse mundo é que estejamos todo o tempo no Shopping, num Resort, num Aeroporto ou na Balada. Consumindo em grupo. Todo o tempo on line.
   A vingança do Lar vem. Cada vez mais a imagem do Lar Vitoriano se faz um tipo de sonho paradisíaco. Então as pessoas compram baús antigos, brinquedos quebrados, sofás de couro, porta guarda-chuvas e armários envelhecidos. Tentam recuperar o que perderam, história pessoal, individualidade. Compram as memórias de gente que não conheceram ou memórias que nem sequer existem. Esquecem que uma velha escrivaninha só poderá ser reconfortante se ela envelhecer com voce. Ou com sua tia. Ter seu cheiro.
   Nesse mundo desmemoriado e oco, cada vez venderemos mais a história de outros. Memórias inventadas. Ilusões. Amaremos cada vez com maior ilusão o passado que nunca vivemos. E pagaremos cada vez mais caro por isso.
   Feliz Natal.

Benjamin Britten - War Requiem



leia e escreva já!

BILLE AUGUST/ DIRK BOGARDE/ GUY RITCHIE/ BERTOLUCCI/ COLIN FIRTH/ SOPHIA LOREN

   TREM NOTURNO PARA LISBOA de Bille August com Jeremy Irons, Charlotte Rampling, Tom Courtenay, Melanie Laurent e Christopher Lee.
Em outro filme seria um elenco de tirar leite de pedra. Aqui, neste roteiro flácido, nada pode ser feito. É menos que pedra, é lama. Jeremy Irons foi um grande ator. Nunca me esqueço de sua melancolia em Brideshead Revisited. Nos anos 80 ele era considerado maior que Day-Lewis. Courtenay é mais velho e igualmente grande. Da geração genial de O'Toole, Finney, Hurt e Holm. Este filme é lixo. Parece novela das 9. Os atores, coitados, parecem quase fazer comédia. A gente não consegue crer em nada do que vê. E olhe que o tema é ótimo: a repressão salazarista em Portugal. Deve entrar em cartaz, afinal, um filme que vi a meses com Bill Murray que fala da visita do rei inglês a Roosevelt durante a guerra. Vejam! Eu já escrevi sobre ele e não vou escrever outra vez. Isto aqui, esqueçam. Nota zero.
   DUAS NOITES COM CLEÓPATRA de Mario Matolli com Sophia Loren e Alberto Sordi
Foram filmes como este, chanchada para o povão, que criaram o capital para que Fellini ou Pasolini pudessem filmar. O cinema funcionava assim. Hoje o dinheiro do cinema pop vai para o bolso dos acionistas. Evitem este dvd. A imagem está estragada. Não dá pra ver.
   JOGOS, TRAPAÇAS E DOIS CANOS FUMEGANTES de Guy Ritchie com Jason Statham, Vinnie Jones, Jason Flemyng e Sting
Ainda é o melhor filme de Guy Ritchie. E acho este filme melhor que Transpotting de Boyle, feito quase na mesma época. Puro Tarantino, menos cabeça ( Guy não tem nada de Leone ou de Godard ), muito menos violento. A trama, boa, fala de armas colecionáveis, dívida de jogo, roubo e vingança. O clima é quase de Monty Python. Ótima edição, ótima trilha sonora, os atores estão excelentes. Já dá pra ver o futuro, bom, de Statham. Um Steve McQueen de segunda. Quero mais filmes de Vinnie!!! Nota 8.
   BELEZA ROUBADA de Bernardo Bertolucci com Liv Tyler, Jeremy Irons, Rachel Weisz, Sinead Cusak e Jean Marais
Como é bom ver o grande Jean Marais! Pra quem não sabe, ele foi o muso de Cocteau, ator em seus filmes. E o vemos aqui, gloriosamente forte em 1996! Fora isso não há muito mais o que ver aqui. ( Talvez apenas a discreta nudez de Rachel Weisz ). Liv foi péssima escolha e o filme é arrastado, chato, sem porque. Não o via desde os anos 90. Continua o mesmo. Chato. Nota 2.
   ARTHUR NEWMAN de Dante Ariola com Colin Firth, Emily Blunt e Anne Heche.
Adoro Firth. É meu ator favorito de agora. Então consegui o filme, novo, pra ver. O tema prometia, um cara que abandona sua vida antiga, muda de nome, sai pelo mundo e encontra um mulher doida-down no caminho. Mas...o pretensioso diretor estraga tudo! Não há uma única cena que não grite em nossa cara: "Vejam! Isto é Arte!" O caramba de arte!!! É um lento, bobo, silencioso, vazio, sonolento filme. Blunt está bacana, mas fazer o que com um papel que já foi feito milhares de vezes só neste século? Firth fica sonolento em meio as falas ralas e vazias. Nota? Nada.
   A SOMBRA DO PECADO de Lewis Gilbert com Dirk Bogarde e Margaret Lockwood
Um pequeno filme inglês sobre um odiável malandro que mata sua esposa rica e muito mais velha. Se casa de novo e quer repetir a dose. Suspense e clima. Bogarde foi um ídolo do cinema inglês dos anos 50. Quando assumiu sua homossexualidade passou a filmar coisas como Morte em Veneza de Visconti. Gilbert iria dirgir alguns dos melhores James Bond. Nota 6.
  

AOS 7 E AOS 40- JOÃO ANZANELLO CARRASCOZA

   O menino narra, em primeira pessoa, sua história. O homem tem narrada sua vida. O fato do menino dizer tudo como um "eu", e o homem como um "ele" já dá a pista. A vida do menino é agora. É o fazer sem questionar. Estar e ver tudo sem a distância da análise. O homem vive longe das coisas. E para nós, adultos, o agora é sempre um depois.
   Cada capítulo tem por centro uma voz. Fala o menino. Fala o homem. ( Que é o menino aos 40 anos ). O menino faz amigos, vai à escola, tem contato com a morte. Alguns capítulos beiram a magia. O do vizinho com suas gaiolas de passarinhos é de antologia. Aos 40 o homem se separa da mulher. Sem brigas, apenas um desgaste. A dor da solidão e da distância do filho. O final é um retorno que não se faz. As coisas não voltam. Morreram. Ou não?
   O autor é grande. No Brasil ninguém escreve hoje assim. Ele sabe olhar. Nada de neuroses. O homem sofre, o menino tem medo, a mãe chora, o pai é humilhado, mas tudo é "normal". Não é a tal literatura da falta de sentido. Não existe exagero, hiper-drama e também não há a pequenez de gente morta-viva. São pessoas como eu, como voce, gente comum, simples, da média. E na visão de João, elas são dignas, fracas, grandes, bonitas, banais, únicas.
   Tem de ler.

BENJAMIN BRITTEN

   Assisto meio sem querer um doc na tv Cultura sobre Benjamin Britten. 30 de maio de 1962, para os ingleses, a data mais importante da música do século XX. A estréia do War Requiem de Britten.
    Alegria ver aquilo tudo. Britten foi amigo de Isherwood, de Auden, daquela irriquieta geração de ingleses contestadores. Um pacifista radical, manteve sua militãncia a vida afora. Contra TODA forma de violência: guerras, matadouros, opressão. Uma posição dificil em plena segunda-guerra.
    O melhor é a música. Sempre divina, pois Britten foi o último músico a escrever para os homens e para Deus. Ele acreditava na parcela divina do homem, embora soubesse muito bem que ela estava sob perigo.
    Posto então um trecho dessa obra.
    É forte.

NO RASTRO DOS BICHOS GRANDES

    Havia chovido e o céu estava sem luz. Andando pelos caminhos, entre árvores que pingavam, fazendo força para não escorregar, vi uma familia de quatis entocados no oco do pé de um tronco apodrecido. A mãe me olhava de olhos arregalados, o pelo marrom brilhando e o rabo erguido. Dois filhotes se agarravam a ela, cuidadosos. Minha reação imediata: andar com cuidado, não fazer barulho, sair de fininho para não assustar aqueles que assustados já estavam. Porque era eu que não devia estar lá. Andei, afastei-me, sumi. Aliviados, espero, eles ficaram então. Para nunca mais.
   Essa cena foi no bosque do Butantã. Acho que em 1995. Em 1995 ainda vivia uma familia de quatis naquele oásis. Gente passava voando na avenida, pessoas falavam de coisas importantes, e os bichos, resistentes heróis de um tempo perdido, viviam sua vida em paz, vida que desconhece tempo, pois é a mesma desde antes de antes do começo. Quatis, voce sabe, não são vítimas do tempo e do movimento, como nós. ( Acho que as pessoas detestam bichos porque intuem que eles estão livres dessa escravidão. Acho que outras pessoas amam bichos porque sabem que eles são a experiência que consegue demonstrar a falsidade do tempo ).
   Nasci em 1963. Minha casa, em frente ao Morumbi sem muros e donos, ficava a uma caminhada de 30 minutos do bosque. Junto a minha casa eu encontrei bicho-preguiça e gambá. E milhares de sapos, cobras e escorpiões. Caranguejos nos lagos. E penso na felicidade disso tudo. Falo com genuino orgulho: nasci em 1963. No Morumbi. No mato. No que era "o fim do mundo". Minha casa tinha tartaruga, patos, galinhas, cachorrros e coelhos. Vi pinto sair do ovo. Vi coelha parir. Tripas de galinha ainda quentes de vida. E ia pra rua atrapalhar as caçadas de meus primos. Espantava os passarinhos e meu primo ficava doido. Isso me dá mais orgulho que diploma, carro novo, namorada bonita, bíceps ou texto escrito. Tive tudo isso. O pato nascendo foi melhor.
   Ao mesmo tempo em que eu olhava admirado a vida dos cupinzais e a cobra-cega sumir no chão, um lagarto-gigante morava entre as folhas podres e os tocos de pau do bosque. Ele esticava sua lingua viscosa e sentia o cheiro dos ovos e vermes que ia comer. O quati via seu rastro. O macaco via seu corpo. O tatú o evitava. Eu lá sobrava. Esse lagarto, vida que não acaba, viveu anos e anos na paz de sombras e de chuvaradas. Um tempo foi avistado por uma menina loura que pensou ter exagerado na bebida. Depois uma criança reteve sua imagem para nunca mais esquecer. E sumiu. Seguiu o rastro do quati. Sua vida de doce ignorância do que fosse tempo foi embora submersa pelo vingativo senhor dos homens. Esquecimento impera.
   Mas eu lembro. Alguém mais lembra. Da inocência dos seres que vivem sem contar a vida. Que reagem ao redor tendo a certeza sempre. Seres que viviam no que sempre lhes foi certo, perfeito, suficiente e eterno.
   Nós, homens, somos destruidores de eternidades.
   Saudades deles, pois. Jogamos fora para depois sentir a falta. Perdemos primeiro, depois queremos.
   Não voltarão. 1963 não vai voltar.
   Que a menina loura guarde seu lagarto para a vida afora. Sabendo que ele foi um não-tempo possível.
   E que os quatis tenham desaparecido sem medo. Dormindo naturalmente no reflexo das manhãs que nunca acabavam.
   A felicidade mora nessa união. Bicho-homem, vida-espaço livre, ser e fazer, querer e poder. Estar e não pensar muito.
   Esta escrita é a árida procura dos rastros.
   ps: É claro que o bosque é o do Morumbi. Bosque do Butantã não existe. Sorry.

AQUELA ÁGUA TODA- JOÃO ANZANELLO CARRASCOZA

   Lembrei de Katherine Mansfield lendo este pequeno-grande livro. São contos sobre coisas pequenas. Pequenas coisas que são as grandes horas da vida. Os momentos que ficam.
    Marcelo Coelho chamou minha atenção sobre este autor. Com 50 anos de idade, ele é um mestre. Logo na primeira narrativa ( todos são contos curtos, 3 ou 4 páginas pequenas ), um menino vai á praia. Senti toda a alegre ansiedade do garoto. A espera do sábado, a descida da Serra, a ida ao mar, as ondas. João descreve tudo como eu o senti. Fui um menino que ansiava pela ida a praia. E pegava onda de peito também. A felicidade do menino era a mesma-minha. Mas mesmo que voce não tenha essa memória, o conto vai te fazer entendê-la e mais que isso, senti-la. Os outros contos não são coisas que vivi, mas são tão bons quanto. Especialmente um, onde um menino vê a mãe em desespero após receber uma carta, e aturdido, não sabe o que fazer para ajudar a mãe a voltar a sorrir. Esse conto, inesquecível. é a obra-prima do livro. Aliás, raros autores atuais têm tanta habilidade para descrever a relação mãe e filho. Isso porque João não escreve apenas bonito, escreve delicado, escreve leve e mesmo nos momentos tristes, sua escrita é feliz. Apesar das dores, da morte, os personagens vivem, são gratos e poder existir e estar aqui. Isso porque eles sentem, olham e contam. João crê na linguagem, nisso ele é um clássico.
   Lançado em 2011 pela Cosac e Naify, vale muito a pena. E ainda tem ilustrações lindas.

LER É PRAZER, SEMPRE

   Tem muita gente que se esquece que ler é um prazer. Claro que existe a leitura de estudo, de trabalho, essas muitas vezes não são um prazer, mas ler tem de ser um prazer, sempre. Não pense que amo um autor dito dificil como Proust por esnobismo. Nunca li Proust ou Henry James por dever de currículo. É puro prazer. Lê-los é ouvir música. Tem ritmo, harmonia, dom de fazer sonhar e muito prazer. São belos. Uma beleza que não exclui a dor, a melancolia, mas é arte que dá sentido e beleza à dor e a melancolia. É por isso que não consigo ler autores que sei serem grandes, como Dostoievski ou Kafka, eles não me dão prazer. Os admiro, muito, reconheço sua genialidade, mas me guio pelo prazer. O meu prazer. E se Stendhal e Tolstoi me dão prazer, porque não preferir ler seus livros que ainda não li?
   No cinema me guio pelo prazer a anos. Se um filme, mesmo dito "bom", não me der algum tipo de prazer adeus! Não tenho tempo a perder com "obrigações morais". Foi-se o tempo em que via Resnais ou Rosselini por dever erudito. Blá! Não troco todo o Rivette por um Hawks. E creia, se elogio Bergman ou Ozu é porque sinto muito prazer em ver quase tudo o que eles fizeram ( mas não tudo ). Prazer não forçado, prazer sensorial, poético, prazer estético.
   Escrevo tudo isso para dizer que o verão voltou, e que no calor e nesse sol lindo, essa minha tendência se reafirma ainda mais. Livros e filmes que são festa, luz, alegria, calor. Prazer em ver, ouvir, ler e falar. Dolce far niente, joie de vivre. Nestes meses voces lerão sobre livros prazerosos, filmes que dão vontade de amar, cores, brilhos que nunca excluem a vida real, antes a amplificam.
   Porque o prazer aumenta a vida, a exagera, torna tudo extravagante. E o anti-prazer encolhe, diminui, apequena, deixa tudo mesquinho. A luta entre a força e o fraco.
    "Um Amigo Romano", escrito por um cara chamado Luca Spaguetti é o antipasti deste verão. O livro não é grande coisa. Mas tenho um fraco por tudo que fala de Itália. Ler esse livro é como conhecer um romano meio bobo. Fã da Lazio, de James Taylor e dos EUA. E de comida, claro. O cara tem prazer em quase tudo! Ah sim, ele é personagem de Comer,Rezar e Amar, aquele livro que virou filme. Como ninguém acreditava que ele fosse real, escreveu seu próprio livro. Romano até a medula, é legal saber que moleques romanos jogam peladas em São Pedro ou junto a Michelangelo. E o amor abismal que eles têm, ainda, pela América.
    Livrinho pra abrir o verão, lido entre malas, mudanças e correria. Vale.

O MUNDO DOS FOFOS

   Querido caro Pondé...Voce voltou a ter 14 anos? Teu texto de ontem parece coisa de teen que levou fora da namorada! Nele, pra quem não leu, voce diz que os fodões se dão bem com as mulheres e que os fofos levam chifres. OK. Qual a nova? Isso é verdade, concordo, mas também pode ser mentira. Depende da mulher, depende do grau de fofura e de maldade, depende de tanta coisa! Entenda Pondé, sua teoria pode ser verdadeira, mas o que me decpciona é a forma como voce a formula. Posso desenvolver?
   Digamos assim: O mal desperta paixão, o bem desperta amor. A relação de bondade fica sempre perigosamente próxima a irmandade, e a relação maldosa, incerta, violenta, está mais próxima da nossa irracional vida instintiva. Sim, o tal do "bom marido" pode ser às vezes a imagem anti-masculina por excelência. Já fui namoradão e sei o que é se sentir "traidor" de seu lado mais masculino. Casamento é coisa de mulher, isso é verdade, ele castra o macho. Mas...não existe algo de heróico também na figura do amante fiel? E o grande pai ( tipo O Sol é Para Todos, o personagem de Gregory Peck ), ele não é um super de um herói pai-viúvo-bom cidadão?
   Sim, talvez o segredo seja o fato de ele ser viúvo...ou não?
   Garotas sentem um tesão irrefreável por caras maus. Mas será que depois de se machucarem com eles, elas ainda sentem o mesmo tesão? Ou elas apenas se conformam com o bonzinho disponível? Fêmeas amam predadores, mas somos humanos ou não? Para sermos machos temos de ser solteiros forever? Ou maridos ruins? Será?
   Fui muito mau, é fato, em dois relacionamentos e confesso, elas não me esqueceram. Fui muito legal em um outro, e tomei um pé nos fundilhos. Me contradigo? É isso que sinto falta em Pondé, ele fecha a questão, dá a resposta, que é sempre superficial. Ser um marido fiel, é coragem ou é medo? Ser um bom pai, é conformidade ou é heroísmo? Nunca abrir mão de sua liberdade e de seu estilo de vida, é virilidade ou infantilidade?
   E isso como se resolve? Não se resolve! Segurança mata o desejo, fofura transforma tudo em amizade, na verdade os homens se adaptaram a mulher ( achando que elas queriam isso ) e passaram a ter deprês pós-parto, cultivar rosas brancas e discutir relação. No passo seguinte começaram a "curtir" os babys, ficar em casa e depender do salário da patroa. Sejamos sinceros, qual a mulher que sente tesão por um cara que passa talco na bunda da filha? Me contradigo? Não ia ser contra o veredicto do Pondé? O que tento é não chegar a veredicto nenhum. O cara bacana e feminista, boa gente e sem agressividade é um fofo. Há quem goste. Geralmente por falta de opção. Mas o bom marido também pode ser atraente. Se ele mantiver algo do garoto tosco que um dia ele foi. E não expor certas áreas secretas de sua vida ( que podem nada ter de tão secreto ).  Na verdade nada mudou. Ela ainda quer o rapaz cheio de graxa nas mãos e de sonhos ousados na cabeça. E que pareça querer às vezes se ir. E ele quer ainda ter seu mundo de faroeste, duelos a vencer e amigos a quem ajudar. Mas principalmente com amplas estradas, terras de ninguém.
   Dá pra casar e não abrir mão desse mundo?

SONHEI

   ...minha garganta nâo é mais o que foi. Ao engolir o café e perguntar o preço sinto peso onde antes nada havia. Meu corpo possui sólida memória e isso é distinção..
   E no entanto tudo seria tão breve não fosse a garoa que volta às ruas onde vive a certeza de um gosto e a procura da verdade para sempre suspeita. O táxi preto de motor borbulhante e que nos bancos macios e bamboleantes dialoga o cigarro e o perfume entre o bafo gordo de um chauffeur sem voz. As chaves dançam suas correntes de prata dentro do meu bolso onde um lenço cinza vive úmido e amassado tocando a lembrança de meu nariz vermelho e as mãos que foram quentes enquanto o café esfriava.
   O amanhecer parece cantar fazendo suspiros ou talvez muxoxo, arroxeado, sendo a suspenção da garoa e do vento e a entrada da estática que nada mais pode ser: sem sol e sem chuva. Os cordões dos sapatos, firmes em seu nó patriarcal, recordam as mãos rápidas que se aninham nos bolsos das chaves dançarinas.
   Se Langue de Ventadour fosse mesmo assim ele teria partido a noite e não ferido o dia. A luz do sol não revelaria sua vida que manchava todo o caminho do meio ao final. Langue mereceria uma nova chance e teria então o prazer de rever a baía do Porto onde toda vontade se macula ao final dos tortos dias e as dores dos desejos entram sem entrecortar revanche. Hoje olho o ex-libris de monsieur de Ventadour, aquele, o homem do cabelo escuro saudando o disfarce onde mora a canção que do vento ao léu nasce. Nas dúvidas a voz cativante. Aqui vou te mostrar a face de Langue, esse jovem que é promessa de futuro incerto, movendo a vontade de ir mais longe onde tudo explode: onda, barco e peixe e a promessa. Langue desceu. E sobe.
   Se chumbo tornasse ouro, mais que notas, promessas ao futuro, frases escritas em aluviões sem mais pássaros no céu da tarde sempre maior que toda a breve vida. Formação solta na precisão do raio. Olho sem mar, guardar o movimento. O silêncio assombra todo horizonte que se completa.
   Para muito mais depois.
   Detrás do muro de cimento cinza árvores com cipós. Uma palmeira na tarde fria, se estica. Restos de uma casa e duas outras inteiras ao lado. Janela fechada e fachada observando a rua. A outra aberta exibe embrulhos. Mais ainda mais.
   Diálogo de coisas murmurando imagens. O que elas contam não pode ser contado. Trazem memórias de mais coisas ainda. Prometem mundos vários onde as variáveis respiram.
   Qual sementes.
   E no cesto de roupas sujas vivia um rato.
   Eu nunca vi esse rato mas sabia dele. E portanto o rato para mim existia.
   Abrindo o cesto lá entrei para o encontrar.
   Grande lençol branco, retalhos e aventais.
   Me perdi naqueles panos, nas dobras coloridas e nos odores suarentos.
   E eu lembro de tudo o que vivi naquele cesto.
   Onde morava um rato, onde ele existia, e eu, apesar de nunca ter achado o bicho, sei que lá ele estava.
   Pois.
   As roupas no varal e os braços que as esticam. Canta. O vento a alegra porque seca.
   Sabão voa até o limoeiro, nos espinhos as bolhas se espetam e lavam.
   O sol é claro e desliza pelas coisas, quieto.
   Sorri enquanto as roupas secam.
   Memória materna.
   Depois.
   Eu conheci um cachorro chamado Nicky.
   Entrou em casa como líder. Vontade dele sem verbo. Chorava debaixo da cama.
   Me falava de filosofia. Aquela que não se pensa. Ia direto ao centro, sem mais palavras. Desatava a coisa e sua sombra junto.
   E sabia que o melhor era o sono.
   Sonhei.

PORQUE OS HOLANDESES ERAM TÃO MAGROS?

   Quando em 1974 a seleção da Holanda, o mais revolucionário dos times, surgiu para o Brasil, o que mais me impressionou foi a magreza dos caras. Cruijff era cadavérico e Neeskens parecia um etíope branco. Logo depois, numa entrevista, o gênio do futebol europeu dizia que em sua infância ele aprendera a jogar bola nas ruas, entre as ruínas da guerra. O futebol holandês nada mais era que a lembrança daquela alegria do jogo de rua entre muros destruídos. Lindo não é?
   Leio então no livro de Alex Kershaw sobre Capa, que na Holanda pós-guerra, a ração diária a que cada um tinha direito mal daria para alimentar uma criança de 6 anos. De 1939 até a recuperação, que se dá apenas no meio da década de 50, europeus passavam fome. Manteiga, café, leite, carne ou ovos, eram artigo de luxo. A base era batata e pão preto. A falta de tecido é que originou a onda do vestuário mais simples, e não a inspiração de algum Dior. E a fome é que nos levou a magreza como beleza.
   As bios de, por exemplo, Keith Richards, MacCartney ou Peter O'Toole mostram isso: terrenos baldios, ruas em escombros, liberdade para andar e sumir, espaços de ninguém. Crianças nascidas entre 1935/1950, de poucos recursos, gripadas, sujas, famintas. Fabricando brinquedos, inventando jogos, sem conforto, usando a imaginação. Vendo os EUA como reino da fartura, sonhando com Hollywood e com Elvis.
   Todos eles ao crescer romperam radicalmente com esse passado miserável. Novos ricos, renasceram numa exuberância de sexo livre, drogas, sonhos, utopias e tempo em velocidade. Cresceram em meio ao caos, a carência material, mas por outro lado, conheceram a solidariedade entre vizinhos, a comunhão, sonhos de reconstrução, o ato de se dar valor a um pedaço de pão. Trouxeram para a vida adulta esse conhecimento. Saber o que seja nada ter. Saber o que é só poder contar com sua força e com a little help from my friends. Essa Europa, a Europa de quem hoje tem 80, 70, 65 anos, lhes vem a mente como pesadelo, pobreza "que parece ter sido irreal", ou nostalgia, saudade de "um lugar onde tudo era de todos e todos eram pobres. Juntos." Penso que essa geração, exatamente a que vem antes da minha, a de meus pais, foi a última geração européia a ter força e fé, por ser a última a ter conhecido o desespero e o horror na casa ao lado. A partir dos caras nascidos me 1955, 56 ( sou de 63 ), começa o mimo, a bundice, o não ter o que dizer por não se ter vivido. Tédio. É a geração flácida de Morrissey, a turma chic e esnobe, o povo que luta pela liberdade em um mundo que já liberou tudo.
   Leiam esse livro de Kershaw. É uma aula de história. Imperdível.

SANGUE E CHAMPAGNE-ALEX KERSHAW, A VIDA DE ROBERT CAPA, TRAGÉDIAS UTÓPICAS E CONCLUSÕES PRAGMÁTICAS.

   O livro é de uma beleza imensa. E simples. Cheio de suspense, a vontade é de o ler de uma vez só. Pode ser a melhor bio que já lí. Que me desculpe Richard Ellman.
   Capa nasce na Hungria e adota esse pseudômino ao se profissionalizar. Há uma lenda de que ele queria ser confundido com Frank Capra. Bobagem, Bob é um nome bem americano e ele quis parecer americano, e Capa era seu apelido de adolescência. Capa em húngaro quer dizer Tubarão. E como o tubarão, que nada e caça a vida toda sem parar, Capa viveu muito, sem endereço fixo, sem familia e nunca só. Ele tinha uma capacidade enorme em fazer amigos, estava sempre fazendo piadas e foi, entre seus amigos paqueradores famosos ( Picasso, John Huston, Gary Cooper ) o mais Don Juan de todos. Tinha jeito de criança levada, olhar de desejo, cheiro de aventura, humor, muito humor e bom gosto. Combinação irresistível para as mulheres. Não era bonito, era baixo, e nunca teve dinheiro, gastava tudo, mas era um rei. Fundou a agência Magnum ao fim da segunda-guerra, a primeira agência a defender e ser dona de todos os direitos dos fotógrafos, com Cartier-Bresson ( de origens nobres e sempre um cavalheiro ) e Seymour Chim ( de origem judaica e plebéia como ele ), fez da Magnum um novo capítulo na história das artes visuais. Chim fotografava a Europa, Bresson o oriente e Capa o que desejasse. Foi o mais famoso fotógrafo de guerra e o maior prêmio da fotografia de ação leva seu nome. O melhor do livro é observar as mudanças na vida de Capa, mudanças que contam a tragédia do mais triste dos séculos, o XX.
   O muito jovem Capa se faz promissor ao conseguir fotografar Trotski em comicio. Pouco antes de ser assassinado, o revolucionário russo faz um discurso. Capa sente cheiro de morte no ar e consegue fazer as únicas fotos do evento. Logo depois é mandado para a Espanha.
   A Espanha vivia então o sonho socialista em seu radicalismo total. Tudo era comunitário, a liberdade era absoluta. Uma mistura de solidariedade, sonho, idealismo e fé nos homens posto em prática. Mas logo a coisa azedou. O general Franco une tropas na África e avança sobre a Espanha. Hitler e Mussolini usam essa guerra como campo de provas, treinam tropas na ajuda à Franco e lançam novas armas. Socialistas de todo o mundo se alistam como voluntários para defender a Espanha livre. Orwell, Heminguay, Dos Passos, Steinbeck, todos se unem na luta. Capa fotografa e faz seu maior trabalho. Fotografa com paixão, toma partido, luta e corre riscos terríveis. Lança uma frase famosa: "Se uma foto não estiver boa é porque voce não chegou perto o bastante". Diz ele que as pessoas lutavam sorrindo. Iam alegremente para o sacrificio. Ainda acreditavam na morte por uma ideia. Crianças morrem nos primeiros bombardeios da história contra civis ( obra de Hitler ). Fome, dor, orfãos. Fogem espanhóis para a França. Cruzam os Pirineus na neve, morrem de frio aos montes. Capa junto. Na França são postos em campos de concentração para morrer. A França não quer se comprometer. Capa se aflige e faz piadas, dá humor para quem sofre, fotografa e divulga ao mundo a tragédia. Franco massacra espanhóis aos milhares. Vence. Será ditador por mais de 35 anos. A Espanha voltará a ser medieval. Os voluntários voltam chorando. Há uma cena explêndida no livro: A homenagem que o povo espanhol faz aos voluntários quando eles desfilam se despedindo. Capa chora. Pior que tudo, ele amava Gerda, uma grande fotógrafa que morre numa explosão. Capa nunca mais irá se recuperar. Começa aqui a nascer um novo Capa, mais cínico, mais mulherengo, muito mais ansioso.
   Vai à China. Guerra contra o Japão. Chiang-Kai-Chek e Mao-Tsé-Tung, ainda unidos, lutam contra o imperador Hiroito. Capa sente que a China consegue virar a guerra. A guerrilha de Mao. O povo sempre sorrindo. Bombas e mais bombas.
   Capa não suporta a vida comum. Viciado em adrenalina, viciado na guerra. Contradição: Capa odeia a guerra, mas ama o que ela traz de ação e de amizades. Nesse tempo, na guerra de campo, no chão, homens fazem amizades para toda a vida, compõe sagas biográficas e sentem a "Terrível alegria da ação".
   O que Capa faz? Joga. Joga muito, é uma geração do poker e da roleta, de enormes apostas. Capa perde muito. Não liga. Ele ama a adrenalina. E faz sexo. Traça atrizes ( Ingrid Bergman foi uma paixão real em que ele não investiu muito ), prostitutas, modelos, cantoras, nobres e pobretonas. Faz fotos de esportes. E vem mais uma guerra.
   Spielberg usou as fotos de Capa como base de todo o "Resgate do Soldado Ryan". Alex Kershaw faz do desembarque algo de eletrizante e inesquecível. Dor, sangue, suspense, pavor, crueldade. Capa é dos primeiros a pisar na praia e dispara a câmera. Balas zunem, todos morrem a seu redor. Mar cheio de sangue, de pedaços de corpos. Não tenho a arte para descrever a cena. Kershaw tem. "A deusa banalidade ainda não tomara o poder. O Horror absoluto era uma novidade."
   Capa acompanha as tropas na Itália depois. Anzio tem as cenas mais cruéis que ele viu. Ele vive. Os soldados vivem. "Voce vive de verdade quando sabe que daqui a um segundo pode estar morto. Então voce passa a beber muito, comer tudo, e a amar com volúpia plena. Assim era a Itália em 44." Nos bombardeios em Londres Capa percebe que os casais fazem amor em praças e em cantos escuros. No medo da morte todos se entregam ao sexo. Londres era cheia de gemidos de coito. Mas a Itália foi mais. Mortos demais, fome demais, medo demais. E a amizade. A imensa amizade entre aqueles que sofrem juntos.
   Após a guerra, Capa foi aos campos mas não os fotografou. Dor demais? Por ser judeu? Ninguém sabe. O homem famoso por fotografar a morte não tirou uma só foto de Auschwitz. E faz uma observação inteligente: "Americanos sabem vencer uma guerra. Não matam prisioneiros e não estupram ( muito ). Querem ser aceitos pela população. Russos, assim como os franceses, entram arrasando. Matam tudo que se mova. Nâo fazem prisioneiros. Subjugam o povo "liberto". Não sabem fazer politica."
   Capa após a guerra vai, sem vontade, à Hollywood. Faz amizade com Huston e namora Ingrid Bergman. Se entedia. Tem aversão ao estilo americano. Acha tudo vazio, futil, infantil. Vai a sua cidade favorita, Paris. Cobra desfiles de moda. Vê a controvérsia: o povo odeia a ostentação dos ricos. Dior usa pouco tecido, faz vestidos mais curtos e simples por falta de tecido. Capa, o cara que fotografou gente lutando por pão e liberdade, agora fotografa sedas e veludos.
   Vai a Israel. Mais uma guerra. Solidariedade e socialismo de novo. Hoje, em 2013 pouco se fala disso, mas Israel nasce como kibutz, e o kibutz é a experiência comunista extrema. Tudo é de todos e todos são da comunidade. Judeus chegam de todo o mundo. Judeus pobres, ricos, ignorantes, escuros, louros, famosos, famintos. Um país se faz do nada. E seis nações árabes se unem e atacam. Outra volta à Espanha de 36. Um povo lutando alegremente por terra. Bombas explodindo enquanto crianças brincam se se importar. Velhos e mulheres com fuzis. Israel vence. Derrota o Egito. Vence exércitos oficiais com um bando de civis. Mas Capa percebe e fala: "O que será dos Palestinos? Onde eles irão viver?"
   Esfarrapados de Israel sorriem na vitória. Esfarrapados da Palestina ficam aturdidos. Onde ir?  Logo em seguida o fim do sonho. A ultra-direita de Israel em guerra com seu próprio povo. Capa parte. Chega de guerra.
   Vai ao Japão, onde fotografa o país em reconstrução. Capa diz que o Japão é um país feito para ser fotografado. Ama o povo. A calma. O trabalho persistente.
    Mas Capa está falido. E por isso aceita mais uma guerra. A última. No Vietnã em 1954.
   A França luta contra os vietcongues. E pela primeira vez Capa vai a serviço do lado "errado". Seu coração está com o povo oriental, os muito inteligentes vietnamitas que humilham os franceses com derrotas inesperadas. Mas Capa acompanha as tropas colonialistas. É um trabalho sem coração.
    E é lá que ele morre. Capa pisa numa mina em meio ao arrozal. Será o primeiro fotógrafo morto no Vietnã. Com 40 anos de idade, ele já um mito, comove o mundo. A França será expulsa do Vietnã e os EUA tomarão seu lugar "na luta contra os vietncongues". 
    Robert Capa viveu do idealismo puro da Espanha ao cinismo do Vietnã. Esteve no dia mais glorioso do século ( o fim da guerra em 45 ), e no dia que segundo Eisenhower "Foi o auge dos EUA", o dia D. Capa viu a decadência do mundo, o fim da fé humana, o fim das ilusões. Cansou de lutas, de morte, e de correr. Mas dizia que jamais conseguiria ser pacato, pai de familia, comum. Precisava de adrenalina. Viu demais. Viveu demais. Partiu.
   O livro de Kershaw é maravilhoso.