Cream - Tales of Brave Ulysses



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Alice Ormsby Gore - Legendary Celebrity



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O MAIS HUMANO DOS ROCK STARS. ERIC CLAPTON, A AUTOBIOGRAFIA.

   Ler a bio de Clapton não é ler a bio de um rock star. Muito menos a de um guitarrista. É a biografia, muito sincera, de um homem. Desde o começo de sua vida Eric teve apenas uma coisa em mente: construir uma vida. Jamais ele desejou ser uma estrela. Nesse processo, doloroso, ele se desconstruiu sempre. Fugiu do estrelato, fugiu do virtuosismo instrumental e na pior das batalhas, fugiu de sua própria vida. Chegou a uma situação de absoluta destruição. E sobreviveu. O foco é na luta interior, o rock é a segunda, às vezes terceira linha.
   Clapton nasceu pobre no subúrbio. Mato e espaço. Sua timidez vem do sentimento de se estar sobrando. Quem ele pensava ser sua mãe era na verdade sua avó. A verdadeira mãe lhe foi apresentada como irmã. O jogo só foi revelado na puberdade. A verdadeira mãe, fria, nunca baixou a guarda. Mas por sorte os avós eram ótimos.
   Na escola Eric evitava brigas e fugia do centro das atenções. Péssimo aluno, melhorou quando foi estudar design. Bom desenhista, um dos assuntos favoritos de Clapton em todo o livro é a moda, as artes visuais. Ele descreve roupas, móveis, tapetes e quadros. Bom gosto, dom que se reflete nos acordes que ele sempre produziu em suas guitarras.
   O blues ele descobriu no rádio. Sentiu-se no paraíso. Com violões ruins aprendeu a tocar sózinho, copiando discos. Além do blues, Buddy Holly. Bandas de bar, de pub e então vêm os Yardbirds, uma banda de blues. Purista, caiu fora quando a banda estourou fazendo um tipo de versão de blues- pop. Eric não queria ser como os Beatles, queria ser Muddy Waters. Com 19 anos as ruas já apareciam grafitadas: Clapton is God.
   Grava com John Mayall. Os Bluesbreakers são puro blues. Mas ele adorava Jack Bruce e quando ele o convida para tocar se forma o Cream. Ginger Baker vem pra batera e Ginger e Jack se odeiam. Tocar é bom, e eles criam a jam session no rock. Por ter pouco repertório tocam versões de dez minutos de cada faixa. Os shows são hiper concorridos, sucesso em palcos, o Cream é a banda mais fashion em 67. Clapton começa a circular com Jimi Hendrix. Os dois vão a bares onde tocam juntos, de surpresa. Ao mesmo tempo Clapton circula com a nova invenção inglesa, os hippies de sangue azul. São os filhos de barões e duques que caem na estrada e se tornam um tipo de ciganos chiques. Para essa galera, Eric Clapton é a coisa mais "In" que existe. Ele se envolve com Alice Ormsby-Gore, uma das mais ricas herdeiras (há uma foto dela, fascinante ), mas já nesse tempo, o coração dele tem dona: Pattie, a esposa de George Harrison.
   O primeiro disco da The Band faz Clapton sair do Cream. Ele quer fazer aquele som. Simples, não uma ego-trip como o Cream se tornou. Forma com seu amigo Steve Winwood o Blind Faith, uma tentativa errada de ser The Band. Ao mesmo tempo toca com Lennon, Harrison, Stones e quem mais vier. Pattie o rejeita e ele vai pros EUA. Faz papel de músico de apoio na banda de Bonnie Bramlet e conhece muito pó, muita heroina e grandes músicos de lá. Namora a irmã de Pattie, traça várias fãs on the road. Vem Layla com uma nova banda: Derek and The Dominos, uma tentativa de zerar tudo. Afunda. Layla, dedicado desesperadamente a Pattie não faz com que ela largue George.
   Fica 3 anos em casa, entre álcool e drogas, casos vazios. Pete Townshend o obriga a sair e faz em 74 o show da sua volta. Grava o disco do retorno, o muito bom 461 Ocean Boulevard, onde descobre o reggae. Mas desde então ( 1974 ) até o fim dos anos 80 a vida de Clapton se resume a garrafas e mais garrafas.
   Nesse torpor de bebida se casa com Pattie. O que foi o desejo de sua vida se torna um inferno. Eric Clapton exibe coragem, conta tudo. A patetice, a idiotice. Ao contrário de Keith Richards ele nunca glamuriza: é o inferno. E se diverte. Eis a dificuldade: beber é divertido. E pior que isso, parar de beber significa abrir mão do que dá sentido a vida, beber.
   Começa a tocar mal, grava discos ruins, bate o carro, escala edificios, ofende amigos, perde tempo. Tenta um tratamento, falha. Tentará novamente bem mais tarde. Numa cena comovente, se ajoelha e se entrega. Desiste de lutar. Se salva nesse momento. A partir daí o livro é a reconstrução da vida de um doente. Eric diz, minha prioridade não é minha música ou meus filhos, é me manter sóbrio. ( Ele não bebe a mais de 25 anos ).  Tem um filho com uma italiana, esse garoto morre ao cair de uma janela. Tears in Heaven. Seus amigos do AA agradecem por ele não voltar a beber mesmo com essa dor. Eric passa a trabalhar pelos AA do mundo todo.
   Uma bela vida? Uma sábia vida.
   Guardo dois momentos de Eric Clapton comigo. O show para George, no aniversário de um ano de sua morte. E aqui no Brasil, recentemente. Olhar para ele é ver um homem são. Um cara que esteve lá e voltou. E que não se faz de "louco profissional". Sério. E agora, calmo, muito calmo.
   Nas amenidades, Carla Bruni foi namorada de Eric nos anos 90. E foi roubada dele por Mick Jagger. Desde então Eric passou a sentir aversão por Jagger ( Jagger é famoso por roubar namoradas de amigos ). Bob Dylan, que é descrito por Eric como um cara impossível de se conhecer. E que chegou a morar numa tenda num jardim, nos anos 70. Fala do quanto Paul e John esnobavam George. Sua praia sempre foi o blues, blues de Buddy Guy, John Lee Hooker, Muddy e BB King. Duane Allman e Stevie Ray. Há também belos elogios a Hendrix, e a JJ Cale, um cara que mudou seu som.
   Ao contrário do que acontece com a bio de Keith, esta dá vontade de conhecer o cara, de conversar com ele. Ele fala dos outros, não só de si, fala das artes ebulientes de 1960, de bandas como Small Faces, Who e Traffic, de pintura, de Ferraris, de muitas mulheres. E fala pouco de sua técnica, de como toca ou canta.
   Disse que em 1967, filhos de nobres, belos e ricos, começaram a se vestir como ciganos, a se entupir de ideias zen e cair na estrada. Disse que Eric era o rei entre eles. Foram sábios esses nobres. Eric Clapton é o mais nobre dos ciganos e o mais humano dos rock stars.

O QUE TEMOS DE MAIS MEDÍOCRE DENTRO DE NÓS?

   Qual o assunto principal de nossas vidas nos últimos 200 anos? Do que falam os filmes, livros, peças e a maioria de novas áreas de estudo? A resposta é tão óbvia que se torna até opaca: relações pessoais. De 1800 para cá, a impressão que temos é a de que viver se trata de se relacionar com alguém. Mas a questão que se deve colocar é: isso é verdade? O centro da vida é a relação pessoal, ou isso é mais um tipo de crença ideológica que nos foi imposta? Ian Watt, professor em Stanford e figura de centro dos estudos literários ingleses, vai fundo. Sua abordagem engloba história e filosofia, antropologia e arte. A resposta? Somos filhos de uma conjugação que une religião protestante, capitalismo e romance. E todas essas forças, alinhadas ao acaso, levaram àquilo que somos, seres ansiosos em busca de alguém. Porque? E quem é esse alguém?
   O primeiro romance: Robinson Crusoe. Um homem em sua ilha. A aventura de se virar sózinho. A técnica salvando um homem da miséria. Ele faz da ilha uma fábrica. Com ferramentas ele enriquece. E nunca sente a solidão. Seu medo é o de perder sua liberdade. O homem vencendo o meio natural. Sózinho. Daniel Defoe cria o romance de ação pura, de realização. Ele descreve a realidade. Nada é sobrenatural. Nada é obra de acaso ou de deuses. E Crusoe não é especial. Ele é como nós. Classe média.
   O romance é a primeira forma de narrativa que exalta o banal.
   O segundo romance. Clarissa de Richardson. Uma moça virtuosa que é seduzida pelo patrão. Mas ela vence, os dois se casam. Aqui nasce a descrição da vida interior. Homero, Petrônio, Bocaccio, e mesmo Cervantes pouco falam da vida interior. Pouco analisam sentimentos e motivações. Pouco descrevem, eles contam, narram, sem se preocupar com realismo. É fantasia sem culpa. Porque as coisas mudaram então? Com Clarissa, Richardson cria o romance como arte da feminilidade. Ou voce nunca percebeu que romances são coisa de mulher? Que mesmo machos como Tolstoi ou Faulkner observam a vida em detalhes e cuidados femininos? Homero é a hiper-masculinidade. A ação pura e direta. A aceitação sem observação. O romance é delicado.
   A indústria levou o povo para a cidade. E na cidade o que havia era medo e confusão. No campo todos sabiam de todos. Agora não mais. No campo se trabalhava e se via o resultado. Voce plantava e colhia, criava e comia. Fazia e vendia. Na cidade voce passa anos fazendo uma asa de xícara. Sempre a mesma. E na vida do campo voce via a vida, começo meio e fim. Na cidade não mais. O que voce vê são paredes. Sózinho, sem tempo para nada a não ser trabalho, solitário como jamais antes, sem parentes próximos ( no campo uma familia se compõe de tios, primos, avós ), o que voce faz? Cria sua ilha imaginária de auto-suficiência. Voce lê a vida que não pode ter. Ou melhor, lê aquilo que te dá sentido. Lê sobre voce.
   Mas vem daí um problema. Quem tem mais tempo livre? As mulheres. Romances desde o princípio são coisas comerciais, populares, com público alvo, e esse público é a mulher. Os romancistas que se destacam sabem falar à mulher. E mulheres gostam de sentimentos sutis, vida interior, a casa e o quarto.
   Outro fato: em 1700 há uma grande crise do casamento. Os homens não desejam mais se casar, ocupados que estão com o dinheiro. Solteiras se proliferam, mulheres que não sabem se manter, que são inuteis. Surge nessa época a ideia do casamento como coisa sublime, desejável, suprema. O calvinismo ajuda nesse processo. Pois veja: no catolicismo homem santo é aquele que se isola e vive para a alma. O homem sublime é solitário. No calvinismo o homem sublime é pai de familia, tem filhos e uma boa esposa. Solidão seria egoísmo para Calvino. Mas há mais. Para católicos a iluminação vem de Deus para o fiel, para os calvinistas ela vem quando encontramos Deus dentro de nós. Introspecção versus iluminação. Romances são introspectivos. Nada há de introspectivo no mundo pagão de Homero ou no catolicismo de Cervantes. Mas na Inglaterra de 1700 tudo caminhava para isso. Solidão nas cidades, vida ditada pelo trabalho  e pelo tempo, introspecção espiritual, e a transformação do casamento em ato sagrado e no único sentido para a vida. Tudo o que entendemos como romance está nesse perfil.
   Posso então voltar a pergunta: Porque os livros são como são? Porque somos criados a acreditar que tudo se resume a relações pessoais?
   Voce nunca teve a sensação de que um grupo de amigos falando e falando e falando sobre namoros, flertes e noitadas se parece com um bando de solteironas falando sobre noivados? Nunca pensou que isso é extremamente limitante? Que seja Proust, Conrad ou Mann, sejam filmes de Antonioni, Von Trier ou Lynch, a questão de fundo sempre é: eu e alguém. Voce não sente alivio quando vê ou lê alguma coisa que foge disso?
   Faz duzentos anos que oramos, estudamos, ganhamos dinheiro e fazemos ginástica ou terapia com apenas uma coisa em mente: a relação com o outro. E o que pergunto é: isso é nato ao ser-humano? Não, claro que não. É ideologia, como é o catolicismo e todo ismo que existe. A ansiedade por relação passa a existir apenas no momento em que o homem perde sua familia, a enorme rede de segurança de primos, tios, vizinhos etc. Passamos a colocar tudo no amor. O amor deverá ser nosso deus, nossa familia, amigos e prazer. O romance surge exatamente nesse momento crítico e se ocupa desse universo.
  Um grego iria rir de nós. Nos acharia débeis, atrofiados, feminilizados. Suas narrativas eram sempre sociais, o herói e a cidade, o estado e os deuses, a guerra e o destino. O homem para eles é parte de um todo. Ele não se interioriza e ansia por companhia porque ele vive sem solidão. Ele sofre, claro, chora, mas por outras razões. Por dores relacionadas a familia, ao estado e a injustiça. Nunca por solidão e muito menos amor de romance.
   Já nós somos capazes de num filme de guerra nos interessarmos muito mais pela mocinha e seu amor que pela Inglaterra e a Alemanha. É isso que temos de mais medíocre.
  

ABBEY ROAD, 1969

   John vai á frente. E em sua postura se percebe a vontade de ir sózinho. Branca é a cor do luto no oriente. Os outros são crianças pra ele. Ringo está pensando em seus filmes. E no alivio que seria não mais ter de tocar bateria. George olha para o nada. Azul cor de céu, a longa perna esticada. O caminho lhe parece reto e certo. Tudo é promessa.
   Mas Paul... vai descalço e olha fixamente para a nuca de John que se afasta. Ele parece pequeno, solto, estranhamente só. Ao fundo a rua não acaba. Há um fusca e um senhor que olha. Um grupo a esquerda e as árvores. George Best jogava bola. Muhammad Ali soltava golpes. E Pelé socava o ar. Os 4 cruzam a rua. Que bela história eles fizeram! E na foto podemos ver: o terrível peso que oprimia essas quase crianças. Foram apenas seis anos! De 63 a 69. Uma era em seis verões. ( Que privilégio ser de uma geração cantada pelos quatro...e por Dylan e por Jagger...Não, a minha não é essa, a minha foi lamentada por Morrissey, Michael Stipe e Prince ).
   O primeiro acorde desse que é meu disco favorito dos Beatles já mostra o estilo: Clássico. Estou falando em termos de "arte", pintura e literatura. Os Beatles vivem numa época romântica, mas nunca deixam de ser clássicos. Como Mozart e Velazquez, eles são perfeitos, geniais, completos e ao contrário dos românticos, nunca se deixam levar pela emoção. Por mais que suas canções nos emocionem, elas não são "emocionais". Tudo neles é "bem feito". O acaso, o desleixo, o rascunho lhes é estranho. Cada som é puro, é definido, o prato da bateria soa disciplinado, e até quando Paul grita é um grito bem acabado. Polido, clássico.
   Outra definição do classicismo é o de jamais ser confessional. Mozart compunha coisas alegres mesmo desesperado. O clássico fala através de personagens. Repare como eles criam personagens, como quem fala é sempre alguém, nunca são os Beatles. Claro, isso mudará quando a romântica Yoko faz com que John comece a se revelar. John se torna confessional, centrado no Eu, se torna um romântico. O grupo, clássico em forma e em atitude não poderia o segurar. Quando John diz que cresceu e que eles eram infantis a coisa é mais complicada. John descobriu a alegria de ser Beethoven, Goethe ou Hugo.
   Mas Paul... Paul vai morrer sendo clássico. Ele é educado. Ele não se revela. Tem pudor. Música não é confessionário. Não fica bem. E a arte deve ser polida, acabada, o objetivo é o EQUILÍBRIO. Há um belíssimo equilíbrio nos Beatles. Mesmo um disco "doido" como o Album Branco é equilibrado. Os sons, os efeitos, os ruídos têm definição, as faixas se completam, o todo é coeso em sua variedade. Nada, nem mesmo John, parece acidental. Nunca nada é feito "nas coxas". Comparar os Beatles com românticos narcisistas extremados como os Stones ou The Who é uma experiência muito rica. Tudo em Keith ou Townshend parece improvisado, mal feito, parece jorro de inspiração. ( Só parece ). Os Beatles trabalhavam duro. Nunca pareceram boêmios. Por isso pararam de fazer shows. Palco não é lugar de perfeccionismo. Principalmente em 1967.
   Something é perfeita. Os acordes claptonianos da guitarra são claros como água e a bateria soa como percussão de peça erudita. E os violinos de fundo, o famoso dom de Paul para fazer tudo se harmonizar. Deus às vezes parece gostar de música.
   Sim, eu tenho algumas restrições aos Beatles. São espirituais demais, bonzinhos demais, neles não existe sexo, carne ou diabo. Mas o que falar diante daquilo que eles fazem no lado B do vinil? Alguém pode reclamar de Pascal ou de Montaigne por eles não serem sexy? Quando Carry that Weight está terminando tudo clama: eis a perfeição no rock. Nada nunca mais será tão "belo".
   Dizem que os Beatles temiam se soltar por suas origens plebéias. Havia neles o desejo de agradar típico das classes mais pobres. Músicos de origens privilegiadas tendem a ser mais românticos, a ter uma atitude mais "foda-se". Jagger perto de Paul era rico. Além do que eles eram de fora de Londres. Caipiras. OK. Pode ser verdade. Mas isso não poderia ser visto como uma dádiva a mais? Proletários que se firmam costumam ter muita fibra.
   Mas Paul... Muita gente desde 1970 ficaria cobrando dele "o grande disco". Sua obra-prima final. Queriam que ele fosse o Cole Porter de sua geração, que ele deixasse uma coleção de radiografias ferinas e bem-humoradas sobre uma época. Hoje sabemos, sua grande obra é o conjunto de tudo o que ele fez. Ele não deixa um grande disco genial. Ele deixa um monte de momentos de gênio.
   Olho a capa. Eles têm entre 28 e 26 anos na foto. Como seria ser um deles? Tenho a certeza que nem eles jamais souberam o que foi ser um Beatle...

OLIVER REED/ STEVE CARELL/ SCOLA/ NICHOLAS RAY

   DEPOIS QUE TUDO TERMINOU de Michael Winner com Oliver Reed, Carol White, Orson Welles
Um publicitário bem sucedido larga tudo e volta a seu emprego antigo, editor de uma pequena revista literária. No processo ele abandona esposa, filha e duas amantes. Mas antigos contatos são insistentes...Os primeiros 50 minutos deste filme são gloriosos! Winner filma com vida, calor, dá movimento a tudo, surpreende com cortes magníficos. Mas ele não é um gênio e portanto não pode manter esse ritmo. O filme cai em seu tempo final. Mesmo assim jamais se torna banal, é um dos grandes filmes de seu tempo. Belo retrato da Londres de 1966, tem montes de cenas nas ruas. Winner prometia muito em seus primeiros filmes, mas naufragou. Nos anos 70 filmaria coisas com Charles Bronson. Oliver Reed era um dos atores não-shakespeareanos da época. Ele e Michael Caine trouxeram as ruas inglesas para as telas. Carol White era adorável. O filme dá vontade de ver outra vez. Nota 9.
   A TERRA DO NUNCA-A ORIGEM de Nick Willing com Rhys Ifan
Conversei com um amigo sobre a "falta da mentira", teoria de Wilde que na verdade é de Ruskin. Veja: o realismo mata o futuro. Explico. Quando um cineasta faz um filme que é "real", ele comete dois erros: primeiro que o real é incapturável. Segundo que o real é estéril. Ele pode até ser impactante, mas não fertiliza mentes. Umberto D é magnífico, mas De Sica é eterno pela poesia real e mentirosa de Ladrões de Bicicleta. O cinema de hoje morre em realidades tolas. Veja este filme. Pegaram Peter Pan e resolveram reescrever. O que fizeram? Deram explicações para tudo. Mataram o mito. Acho que foi Jung quem disse que o mundo moderno caça e mata mitos. Aqui Peter é um ladrão de rua. Gancho é o chefe do bando. E Neverland é um globo que caiu do céu. Ou seja, tudo é explicado da forma menos "mentirosa" possível. O nome disso? Falta de coragem. O efeito? Pasmaceira. Peter Pan, o livro, o desenho, tem milhares de significados, de possibilidades. Aqui temos apenas uma verdade. É isso e fim. A nota? É Zero e cale a boca.
   O HOMEM DO SPUTNIK de Carlos Manga com Oscarito, Jô Soares e Norma Bengell
O satélite russo cai no galinheiro de um caipira. Ele passa a ser paparicado por todos, russos, americanos e franceses. Jô Soares, jovem, faz uma soberba imitação do que seria um americano típico. Quem rouba o filme é Norma. Imita Brigitte Bardot e compõe uma das mulheres mais sensuais que o cinema já mostrou. Suas cenas explodem de lascívia ( nunca usei essa palavra ). O filme vale por ela. Nota 5.
   A VINGANÇA DE MILADY de Richard Lester com Michael York, Faye Dunaway, Oliver Reed, Richard Chamberlain
É uma grande produção e é um grande desastre. Em meio a ação, Lester, diretor dos filmes dos Beatles, não consegue manter nenhum interesse. Além do que York é um herói fraco. Faye se salva, está bonita e transpira maldade. A impressão é que ela está no filme errado. Ah sim, o tema são Os 3 Mosqueteiros. O filme vale um zero.
   PROCURA-SE UM AMIGO PARA O FIM DO MUNDO de Lorene Scafaria com Steve Carell e Keira Knightley
Faltam 3 semanas para o fim do mundo. Steve, faz um cara down como sempre, é abandonado pela esposa. A população pira. Pessoas se drogam, crianças bebem, muita gente rouba. Ele conhece uma moça doidinha ( como sempre. Hal Ashby criou uma tradição ). Ela quer ir ver os pais, vão juntos. É um filme tipico dos anos 70, fala de estradas novas e de romper laços; mas claro, tem o estilo de 2012, é vazio e nada tem a dizer. Mas se mantém, por um fio não afunda. Triste, tem uma cena linda ao som de The air that i breathe dos Hollies. A moça é fã de vinis e fala uma frase bonita sobre o que eles significam. Mas é gozado: isso é tudo o que ela tem, seus discos, mais nada. O final não é feliz, é o fim. Este filme passou por aqui? Não lembro. Vale a pena. Nota 6.
   A VIAGEM DO CAPITÃO TORNADO de Ettore Scola com Massimo Troisi, Ornela Mutti, Emmanuelle Beart e Vincent Perez
Que lindas são Ornella e Beart!!!! O filme fala de uma troupe de atores, que em carroça se apresenta em meio ao kaos do século XVI. Todo filmado em cenários fechados, ele tem um clima de sonho. Troisi, que morreria jovem logo após fazer O carteiro e o Poeta, domina o filme. É um ator maravilhoso. Tinha o dom de parecer comum, o que é raro em atores. Nota 7.
   A BELA DO BAS-FOND de Nicholas Ray com Robert Taylor, Cyd Charisse e Lee J. Cobb
Voce se lembra de Os Intocáveis de De Palma? Lembra da cena do taco de beisebol? Foi tirada daqui. Lee J. Cobb numa reunião mata com um pedaço de ferro um dos mafiosos da familia. A cena é a mesma. Este fala de um advogado que trabalha para a máfia. Seu mundo muda ao se apaixonar por garota de programa. Taylor tem o papel de sua vida. Duro como pedra, amoral, vemos lentamente, dia a dia, sua consciência começar a rugir. Ray dirige de forma explêndida. O filme não cessa de caminhar em sua trilha feita de crueldade e de cinismo. De ruim, as cenas musicais, são 3 cenas chatas. Mas duram apenas dois minutos, os outros cem compõe um dos fortes filmes noir. O tema de Ray está todo aqui: seus filmes falam de gente torta no lugar errado. Nota 8.

O FIM DA ESCRITA EM JORNAL SE FAZ COM TEXTOS COMO O DE ONTEM

   Um cara escreveu uma coisa sem pé nem cabeça ontem. Foi tema da decadência da escrita jornalísitica, aula dada hoje. O pseudo-autor começa se lamentando pelo fato de uma guria de 13 anos não ter entendido um doc sobre politica e ter preferido uma fantasia de 007. Bem....Não ocorre ao autor que a guria não entendeu o dito "ótimo doc" simplesmente por não ter prestado atenção. E que sua atenção não foi capturada pelo fato mais óbvio ainda da falta de sedução do dito doc. Tudo bem, eu também me lamento quando um colega se revela insensível a um filme de Dreyer ou de Ozu, mas dái a viajar na maionese vai uma distância imensa. Lamento o fato desse colega viver em mundo que não é o meu e fim de papo. O que faz o dito autor? Tece toda uma teoria, ao mesmo tempo óbvia e ao mesmo tempo forçada, da loucura. O que ele tentou dizer com isso? Que não pensar como ele é ser doido? Ou que o mundo está doido e influencia a adolescente a não saber gostar do doc? Por favor!!! Falta de cultura não´é loucura! E doc ruim, talvez ele seja ruim, não é vitima dos tempos. Ozu e Dreyer se beneficiam de tempos ruins. Hoje eles se destacam com mais facilidade que em 1960. ( Aliás Dreyer era doido ).
 Estou estudando Ian Watt, Locke e Descartes. Metido sou né não? Mas o que importa é que até a época de René e de John, o tempo era ignorado e todos faziam parte de um tudo. Isso se prova na literatura. Um livro era escrito para o sempre. Não porque fosse durar, mas porque tudo era um sempre constante. Ninguém estava interessado em algo passado em 1510 ou em 1610, ninguém queria saber da vida de um Jim Davis ou de um Jean Molin. A vida era o geral, porque tudo era sempre o mesmo para sempre. Dessa forma, se lia sobre Aquiles porque Aquiles continuaria a ser sempre atual. Se escrevia sobre o que era "para sempre" e Aquiles era para sempre. Livros desses tempos falam apenas sobre o que é grande, único, atemporal, geral.
 Com a revolução industrial e a filosofia empírica o tempo nasce. Watt diz algo perfeito: Antes se escrevia para o pastor, agora é para um juri. E o juri quer detalhes, quer crer no que é contado. Detalhes físicos e psicológicos nascem. O relógio e a régua comandam a ação. Jim Davis tem de ser descrito e acreditado. Tudo deve parecer real. Sai-se então do mundo do geral e se chega ao mundo particular. Não se escreve mais um livro sobre o "tudo que há em todos", mas sim sobre "a originalidade de cada um". O caminho do mundo não mais mudou. Cada vez mais nos individuamos em auto-suficiência.
 Digo tudo isso para contar que a loucura em 1600 era aquele que se individualizava e se cria único e fechado em si. A loucura em 2012 é acreditar em ser parte de um cosmos simbólico, delirar e desfazer seu eu em fragmentos multi-facetados. Um homem típico de 1600 na NY de hoje seria trancado. Um homem de 2012 em Roma, 1600, seria enforcado.
 Deu pra sacar?

AS SOBRAS DO PORÃO

Ela estava na chuva sem saber se cruzava a rua. Olhava fixamente. Depois me seguiu até em casa. E eu na dúvida se deixava ela entrar na minha vida. Entrou.
Todo dia Henrique aparece na escola. Sem caderno nem nada ele vem pra comer e tomar banho. O cara já roubou um monte de gente. E está sempre rindo.
Ela aparece agora e noto que engordou. Vive entre lá e cá, sem familia e nem nada. Prestes a ir pra rua. E com um filho que não é como ter uma familia. Eu gosto do corpo dela. E ela enlouquece com seus planos doidos de ficar rica.
Ele diz que é gay mas namora uma menina bonita. Eu sei que ele é gay mas ele fala que é bi. E conta que começou aos dez anos. Com uma menina de 13. Mas ao mesmo tempo ele fazia ballet para estar no meio.
Ela nunca assiste aula e não gosta de ler. Mas mesmo assim fala de livros pra ver como é. Ela não tem dinheiro mas vive indo pra NY. E o tempo todo fica cantando uma frase dos Stones.
Fabio toca numa banda de blues e tem um filho de um casamento antigo. Ele fala da paz e tá sempre agressivo. O tempo escoou e seu baixo é o melhor. Percorre uma estrada longa que vai de lá pra cá. Sem fim.
Mas eu fico brilhando quando vejo os olhos dela que são cor de água. Os pés de dedos finos e o cabelo é uma bagunça. Ela é delicada e grande e uma mistura sem sentido. As roupas são só dela.
Outra tem calça rasgada. E anda aos pulos como se fosse um carneirinho. Tudo nela parece rasgado. Vive na casa de um amigo e de outro amigo e de outro e de outro...E finge gozar na escada.
Fernando cada vez mais se parece com o Grande Lebowski. Então devo dizer que ele conseguiu o que eu queria.
Caraca Velho! Da Bahia pra SP é uma longa viagem! Morando um pouco em cada vila do caminho ( só nas vilas ). Uma longa mudança!
Ela vende droga e parece ser tão bacana. O trabalho não faz o homem, né não? Eu adoro o modo como ela usa os peitos. Tem uma bomba dentro do corpo.
Um encontro num bar terminou numa ida à igreja. Uma dúzia de mulheres o deixam vazio. Ele não é Deus, mas tudo nele são linhas tortas. Cadê meu Big Pink?
Sabrina foi comida pelo namorado na frente da irmã. E pra deixar tudo ok ela aproveitou para dar um trato na irmã também. O que dá vontade a gente faz. Pega e leva. Ela é assim.
Aquela menina é a alegria da rapaziada. De repente ela cresceu. Um dia ela me mostrou sua tattoo. Pra ouvir sua voz encosta a boca no meu ouvido.
Meu amigo veio do centro do Nada. E casado cinco vezes descobiu a alma. Ele tem a certeza de que é negro como Marley. Mas seu pai era espanhol e a mãe italiana.
Molecada do rugby, molecada do funk, molecada do banheiro.
Tijolo a tijolo eu fiz uma torre de cristal. Olho a vida lá embaixo. Sobe aqui menina dos olhos de água. Me mostra de novo seus pés.
Dirigindo parado deu pra ouvir todo o disco.
Sami começou com uma briga. Então foi fazer pintura e descobriu Sinatra. Pulou o muro e foi com um amigo. Por um quarto. Agora ela faz hora na casa de uma amiga. E recolhe cachorros da rua.
Mi era a mais nerd das nerds. Mas escutou um som e foi pro fim do mundo. Montou uma banda no sertão da Paraíba. Todos de preto ela me pede novidades de Patti Smith.
Parada na chuva ela não sabia nada. Eu até pensei em ignorar, mas não. Hoje ela deixa minha mãe louca.
Minha torre de cristal é onde espero encontrar Deus. Enquanto isso olho e canto pra voce, olhos de água. Sobe aqui e vamos esperar juntos.
( Uma modesta saga ao estilo The Basement Tapes, quem escutou entendeu. É o único disco que se compara a Exile em riqueza. )

MANFREDO- LORD BYRON, O HOMEM COMO TENTATIVA DE SER SOBRE-HUMANO

Não poder morrer e não poder mais viver. Saber tudo o que é a vida, e saber que esse saber é nada. Definhar ficando cada vez mais forte. O tédio de viver, a vida como algo que nada tem a oferecer.
Obedecer apenas a si-mesmo. Sem igreja, sem governo e sem ciência. Criar sua igreja pessoal, seu governo próprio e sua ciência. E então descobrir que mesmo seu Eu Não é Seu.
Alma romântica, indestrutível alma atormentada. Ela morreu? Nunca mais. Somos todos, mais de duzentos anos passados, ainda românticos. Com apenas uma diferença, crucial: Somos acomodados. O tédio era combatido com a procura da loucura, do êxtase, da criação. Hoje esperamos que nos vendam essa experiência. Nada criamos. But...
Manfredo é de 1815. Byron fala em forma de teatro de um homem que tem o poder. Ele sabe tudo e invoca espíritos do universo. O que deseja Manfredo? Esquecer. E ninguém pode lhe dar esse esquecimento. Manfredo tem o desespero extremo. Mais que morrer, ele queria nunca ter sido.
Leio a peça e ainda sinto a febre. Ela se passa no alto dos Alpes, em solidão. A morte sempre perto, a dor mais dolorosa, o abismo e a vertigem. Byron. Leio e sinto a febre. A dor da minha adolescência. O tempo em que eu queria tudo, queria saber, queria sentir. A noite, o dia, a febre. Byron me faz sentir essa dor nessa hora e meia em que leio seu texto. Frases que entram em mim e me levam de volta ao lugar de onde nunca estive ausente.
Na Europa, no mundo, Byron foi o rei. Goethe, Napoleão, Beethoven e Hugo. Superstars. Cada época tem suas estrelas. Até em São Paulo, fim do mundo em 1820, jovens queriam ser Byron. E o que era ser Byron? Viver em absoluto limite. Provar venenos e néctar, amor suicida e sexo viciante. Românticos. Keats morreu doente. Shelley se afogou na Itália. Byron morreu na guerra, lutando como voluntário pela liberdade da Grécia. Drogas, sexo e poesia. A galéra dos anos 60 foi a última a tentar ser Byron. Ambiguidade. Hermafroditismo. Satanismo. Loucura. Em 2012 a gente assiste Crepúsculo e acha que Von Trier é o cara. No conforto de uma sala high-tech e com pílulas de "ficar doidão" à mão tentamos matar nosso tédio romântico, acalmar nossa ânsia por saber. 
Manfredo não é Fausto. Fausto faz um pacto com o diabo, Manfredo nem no diabo confia.
Byron tinha fixação por Prometeu, o deus que deu ao homem o fogo da inteligência. O deus que pagou por nós, pois Zeus raivoso o fez passar o resto dos tempos tendo o fígado comido por abutre. Manfredo é Prometeu. O abutre é ele mesmo. Ele se come.
Byron dormia com a própria irmã. Para ele era natural. Platão dizia que somos seres incompletos a procura da alma irmã. Byron teve zilhões de amantes ( apesar de coxo ), homens, mulheres, sexo grupal, hermafroditismo. Mas foi sua irmã seu grande amor. Mas até Byron sentiu culpa. Manfredo é essa culpa.
A linguagem de Byron é musical. Magnífica. Tchaikovski viria a musicar a peça. Schumann também. Em 2002 foi apresentada no teatro São Carlos em Lisboa. É essa tradução que li ( João Almeida Flor ), muito satisfatória.
Manfredo, o homem que não se sentia humano....Que sublime beleza fez-se aqui!

MINHA MOCIDADE- WINSTON SPENCER CHURCHILL

   Encontro este livro num sebo. Edição de 1941, tradução de Carlos Lacerda. Capa dura e uma lingua potuguesa que ainda chama "se" de "si". Espero que voces ainda saibam que Churchill foi o último grande politico inglês. Na primeira parte do livro o que ele mais diz é "o mundo mudou mais do que se poderia esperar". E é verdade.
   Churchill nasce no fim do ´seculo XIX e cresce no apogeu da confiança e do poder inglês. Se voce conheceu o pico do poder americano multiplique por dez e voce verá o que foi a Inglaterra de Vitória. Eles tinham a auto-confiança, o poder militar, a técnica, a vanguarda industrial que os EUA jamais tiveram de forma tão exagerada. Os EUA sempre foram inseguros, e sempre tiveram um rival a lhes cutucar. A Inglaterra não. De 1815 até 1914 foram cem anos de absoluto controle do mar, do comércio e das guerras. Tinham as melhores escolas, a mais desenvolvida democracia e colônias em todos os continentes. O mais importante: tinham a certeza de ser os representantes do bem e do futuro. Os EUA perto deles foram apenas aprendizes.
   Churchill nasce em berço importante. Seu pai foi ministro e sua familia era nobre desde os tempos de Elizabeth. Mas era uma familia "pobre" se comparada a outras de seu meio. A familia de Churchill tinha apenas 10 empregados. O jovem Winston se torna um militar. E isso por ter sido um péssimo aluno. O primeiro quarto do livro, que é o melhor, fala do jovem Winston na escola. Ele fala que a educação é anti-natural. Que crianças deveriam ser deixadas junto aos pais, trabalhando com eles, compartilhando de suas vidas. Só então, caso a criança demonstre interesse pelo estudo, curiosidade por algum fator da cultura, ela deveria ser conduzida a uma escola formal. Churchill seria primeiro- ministro duas vezes e diz que nunca saberia exatamente como implantar esse sistema. Mas o ensino como o conhecemos é absurdo.
   Churchill lançou este livro em 1930, quando estava próximo dos 50 anos. Nessa altura já lançara vários livros e futuramente seria um ganhador, justo, do Nobel de literatura. Seu livro é um bom livro de aventuras. Com um personagem central sincero e que revela para nós a mentalidade de um homem de seu tempo.
   Ele escreve uma bela homenagem aos jovens, diz que o mundo é deles, que eles devem tomá-lo, mudá-lo, roubá-lo dos mais velhos. O mundo é para eles.
   No texto abaixo falo sobre o resto do livro, sobre a guerra. Churchill escolhe ser soldado e jornalista. E lamenta a mudança que houve na guerra. Segundo ele, "antes ela era cruel e magnífica, agora ela é cruel e sórdida". Ela saiu da mão de soldados e profissionais da guerra, e foi para as mãos de burocratas, políticos e técnicos, gente que jamais esteve num campo de batalha.
   Ele vai a várias guerras, e corre entre gabinetes e quartéis pedindo para ser enviado a mais e mais batalhas. India, Sudão e principalmente África do Sul, onde ele luta contra os Boers.
   Sempre divertido, o livro não perde tempo com confidências. Ele é um homem de ação. Um filho que amava seu pai à distãncia e que tinha na mãe a melhor amiga.
   O que mais nos surpreende é imaginar que o Churchill maduro e vivido de 1930 ainda não havia se transformado na figura central do século XX. Diante dele viria a crise dos anos 30, a luta contra Hitler, a construção da ONU, a derrota nas eleições de 1946 e a vitória final no começo dos anos 50. Sim, ele tem a visão do colonizador e nem poderia ser diferente. Ele sempre foi parte da elite, da mais alta elite, mas nele havia um orgulho em ser inglês e com esse orgulho vivia um forte senso de obrigação, a obrigação de fazer do país e de seu povo uma ilha de harmonia e de paz.
   Um grande homem.
  

A GUERRA. WINSTON SPENCER CHURCHILL.

   Joseph Conrad escreveu Coração das Trevas sobre a guerra do Congo na mesma época em que Churchill vivia as guerras do Sudão e da África do Sul. E são visões opostas. Conrad mostra o horror puro da guerra. Churchill nos exibe o outro lado. Ler Conrad hoje é maravilhoso, mas é como conversar com um amigo. Ler Churchill é travar contato com uma visão diferente. Ele nos mostra o mundo dominante pré-Primeira Guerra. Exibe aquilo que se foi para sempre.
   No começo do livro ele conta que muito do que lá está ele contaria de outra forma hoje ( esse hoje é 1930 ), a maturidade e a primeira guerra mudaram sua opinião sobre muitas coisas. Mas, sabiamente, ele mantém as palavras do jovem Winston Spencer Churchill intactas. Aqui não falarei de toda a primeira parte, falarei sobre a guerra e as mudanças que nela se operaram.
  Alegria. Todos vão à guerra alegremente. Procuram lugares mais perigosos, querem ir ao centro do furacão. Ele chega a ver 20.000 mortos numa batalha, mas após lamentar o azar dos que se foram, continua adiante, sem medo ou dor de consciência. Porque? De onde vem essa admiração pela beleza da guerra? Como era possível assistir a tanto sangue sobre o chão e continuar adiante? Continuar amando a guerra sem nenhuma culpa, nenhuma vergonha, sem precisar esconder isso. O que mudou?
   O próprio Churchill maduro dá a resposta ao lamentar o fim dessa época em 1930.
   A guerra era coisa de profissionais. Amadores não se envolviam e nunca eram alvo. Guerreava quem era guerreiro, quem desejava lutar. Winston lamenta o envolvimento de cidades, de civis, de amadores.
   Batalhas eram feitas em campos de batalha e em meio a complicadas táticas. As tropas se moviam em batalhões bem ordenados. Pode-se dizer que havia uma racionalidade na guerra. Povos civilizados demostravam sua civilidade numa batalha.
   O inimigo era visto olho a olho. Voce conhecia quem te feria e escolhia seu alvo. A destruição tinha um rosto, era um homem contra um homem. Churchill lamenta o fato de que a guerra se tornou uma máquina contra outra máquina. A morte dos soldados se tornou um detalhe, anônimo.
   A guerra era vista como um esporte. Sim, um esporte. Tinha regras, dois times e juízes. O objetivo, marcar pontos, caçar, dominar o terreno. Capturar a bandeira do adversário.
   O principal: Havia a crença no país. Churchill vai a India. Lá, ele participa de uma guerra punitiva. Uma tribo ousou desafiar o dominio do rei. Eles vão a essa tribo e a punem. Destroem suas plantações e matam seus animais. Hoje isso seria imoral. Churchill tem absoluta fé de que ele está certo. Afinal, os ingleses estão salvando a India da barbárie. Trouxeram medicina, tolerancia religiosa, estradas, leis, advogados...eles devem ser agradecidos. Para Churchill isso é indiscutível: O mundo é dividido entre civilizados e bárbaros. A civilização é o bem supremo.
   Mas isso não impede que Churchill admire certos soldados inimigos e ele até se torna amigo de alguns ex-inimigos. Acima de tudo há a consciência de que tudo é um esporte. O que mais estranhamos é que são guerras sem ódio ( claro que na visão dele. Imagino como os Boers se sentiam ).
   Com seus belos uniformes ( ele passa linhas e linhas descrevendo a beleza dos uniformes ), seus cavalos caros ( ele ama os cavalos ) e toda sua sofisticada tática, a guerra era um tipo de teatro onde a morte era vista como um preço, baixo, a se pagar. Um jogo.
   Penso que hoje toda essa beleza está nos aviões e nas armas... pobres soldados.
   O homem era o centro da guerra, e em mundo que vivia a plena industrialização, a guerra era o lugar onde ele ainda podia se afirmar.  Lá ele era rei.
   Em tempo.... O livro começa em 1885 e segue até as vésperas de 1914. Churchill, que escreve muito bem, continuaria a escrever até o fim da vida, em 1965. Foi primeiro-ministro duas vezes e segundo Paulo Francis, ele salvou a Europa de Hitler. Era o mais odiado dos inimigos do nazismo. Penso, não penso, tenho a certeza, de que jamais teremos novamente lideres no Ocidente com tanta fibra, tanta certeza naquilo que defendem. Churchill acreditava na civilização européia, acreditava na Inglaterra, tinha fé plena em tudo que era inglês: na cultura, na religião inglesa, no homem inglês, nas instituições. Essa crença inquebrantável nos é impossível. Se ele tivesse um momento de dúvida em 1940, uma hesitação, Hitler teria vencido.
   Outro adendo: Quando em 1808 Napoleão invade a Espanha e Portugal o que ele encontra? A quebra de todas as regras da guerra. A guerrilha é inventada nessa guerra. Os Ibéricos jogam sujo. Crianças, mulheres, velhos, todos sabotam Napoleão. Não há um exército para enfrentar. O inimigo é qualquer um. A Europa se escandaliza. Passam a considerar Espanha e Portugal reinos pouco civilizados. Vem dái nossa guerra moderna. Vem daí a sensação de que Espanha e Portugal não são Europa. Lutavam com enxadas, foices e pedras. Escondidos. Não reconheciam o jogo.
   Ler este livro é ler um mundo perdido.

LISTA: AS 100 MAIORES BILHETERIAS DA HISTÓRIA ( EM VALORES CORRIGIDOS, QUE É O QUE VALE )

    Vamos falar a real? Nessa lista raramente tem um filme ruim. Alguns podem até ser bobinhos, mas abacaxi, nenhum. No final falo de alguns dos maiores fiascos da história do cinema. E aí sim, abundam os filmes execráveis.
    A maior bilheteria, disparada, é E O VENTO LEVOU. Provávelmente nunca será batido. Pra quem nunca viu: é muito bom.
    A segunda é o primeiro STAR WARS, o de 1977. É engraçado ver a grande quantidade de hits dos anos 70 que há na lista. Este foi tão visto que até meu pai aceitou ir ao cinema com a gente para ver. Foi a única vez.
    A NOVIÇA REBELDE é o quarto. E então voce começa a perceber que não tem Avatar, Homem-Aranha, Harry Potter ou Vingadores aqui. A propaganda é foda!
   O quarto é ET. Que eu nunca vi. Porque? Eu não sei.
   TITANIC é o quinto. E acho que muita gente pensa que é o primeiro. Se Titanic foi tudo aquilo em 1997, bem, imagina o que foi Star Wars ou A Noviça em 1965. O sexto é OS DEZ MANDAMENTOS, de Cecil B. De Mille.
   O sétimo é TUBARÃO, que é o filme que criou o cinema moderno. Ele afirma a maestria em bilheteria de Spielberg. Só Disney pode igualar.
    Para mim a maior surpresa está no oitavo lugar: DOUTOR JIVAGO de Lean. Ele depõe a favor do público de 1965.
   Como voce pode ver, continuamos com nada de Batman e que tais.
   Nono: O EXORCISTA e em décimo BRANCE DE NEVE E OS SETE ANÕES.
   Esse é o top ten. Destaco dos cem algumas curiosidades:
   O 11 é OS CENTO E UM DÁLMATAS, realmente um fenômeno em 1963. STAR WARS, O IMPÉRIO CONTRA-ATACA em 12. BEN-HUR é o décimo terceiro e enfim, AVATAR em décimo quarto.
   Bons tempos em que inteligência dava fenômenos de bilheteria: GOLPE DE MESTRE, a maravilhosa diversão com Paul Newman e Redford está em décimo sétimo!!! A frente do REI LEÃO, que é o 18.
   CAÇADORES DA ARCA PERDIDA, o primeiro de 1981 é o 19 e JURASSIC PARK o vigésimo. Como disse Steven é um midas. Veja só, A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM está em 21, foi um fenômeno!
   Bonito é dizer que uma das maiores obras-primas da história foi um sucesso maior que qualquer franquia dos anos 2000: O PODEROSO CHEFÃO está em fenomenal 23.  MARY POPPINS é o segundo musical mais visto: 25. E finalmente eis OS VINGADORES. Está em 27.  Se em 1972 o grande hit era O CHEFÃO, agora temos Stan Lee. ( Atenção: eu adoro Stan Lee...nos quadrinhos ).
   Jamais imaginei que os GHOSTBUSTERS tivessem feito tanto sucesso! São os 33, imediatamente a frente de LOVE STORY e de BUTCH CASSIDY.
   O primeiro HOMEM-ARANHA vem agora, é o 36. PINÓQUIO vem na cola.  BAMBI está na frente de PIRATAS DO CARIBE, eles são 46 e 48.
   O SENHOR DOS ANÉIS 3, é o melhor colocado da franquia: 52. E que doce deleite!!!! Meu adorável MY FAIR LADY vem na cola dos Anéis!!!!! Então em 1964 ia tanta gente ver Audrey e Rex dizerem texto de Bernard Shaw quanto em 2004 foram ver as lutas e a saga de Frodo? Acho que alguma coisa piorou na educação.
   Agora a maior das surpresas é saber que um filme árido como UM ESTRANHO NO NINHO foi não só um estouro de bilheteria, como foi em 1975 tão popular quanto TOY STORY 3 ou HOMEM-ARANHA 2, que estão logo atrás.
   Prefiro rever Toy Story que o filme de Milos Forman, mas o que se coloca aqui é o fato de que filmes adultos já foram hits, conseguiam ser um fenômeno. Um tempo que teve não só o Chefão e O Ninho, mas também MASH em 85 ou LAWRENCE DA ARÁBIA em 71# me parece um tempo bem mais adulto.
   Ah!!! Ia falar dos fiascos! Bem, o que choca é a imensa maioria ter sido feita de 1980 em diante. Algumas bombas até fizeram falir o estúdio. Bem... o maior fracasso da história é A ILHA DA GARGANTA CORTADA, um filme de piratas de 1986 com Geena Davis. Esse filme, hiper caro, faliu a Carolco, uma das empresas mais interessantes da época. Logo depois vem O PORTAL DO PARAÍSO western de Cimino de 1980 que quebrou a saudosa United Artists. E temos ainda SPEED RACER, O DÉCIMO TERCEIRO GUERREIRO, ALEXANDRE, HERÓI DE BRINQUEDO, HUDSON HAWK e um vasto etc. Como podem ver, a maioria feira muito recentemente. Aliás, é de 2007 a menos bilheteria da história. Não o maior fiasco, pois é um filme barato, mas há um filme policial com Michael Madsen e Katherine Hegl que rendeu absurdos 60 dólares! Isso mesmo! 60 dólares!!!!! Eis um recorde que ninguém vai querer ter.
  

SEAN CONNERY/ TOM CRUISE/ BURT LANCASTER/ STEVE MARTIN/ STENO/ O MORRO DOS VENTOS UIVANTES

   OS DIAMANTES SÃO ETERNOS de Guy Hamilton com Sean Connery e Jill St.John
Pagaram uma grana preta para fazer Connery voltar ao personagem. George Lazenby tinha dado errado e com medo de perder a série convenceram Sean. Mas pluft! o filme não dá certo. O roteiro é confuso, a ação sem suspense e até as bond girls são fracas. Sean está contrariado e dois anos depois teríamos a estréia de Roger Moore e um novo Bond. Em tempo, todos falam do novo Bond de Craig...Ora! Todo Bond quando troca de rosto é um novo Bond. O 007 de Roger nada tem a ver com o de Connery. O antigo era tenso, nervoso, quase mal-humorado, o de Moore será suave, fanfarrão e pouco sério. Quanto a este, é de longe o pior da série original. Nota 3.
   ROCK OF AGES de Adam Shankman com Tom Cruise, Alec Baldwin, Catherine Zeta-Jones e Paul Giamatti
O que falar de um filme muito bobo que nos faz rir? E que usa uma trilha sonora que voce nunca escutaria em casa, mas que funciona no filme? Tem Cruise fazendo Axl Rose, Baldwin ( excelente ) de peruca e com cena gay e mais Giamatti como um produtor do mal. OK. admito, é divertido. Nota 5.
   ABRAHAM LINCOLN CAÇADOR DE VAMPIROS de Timur Bekmanbetov
No mundo do mercado/propaganda o que importa é: isso funciona? Não existe nesse mundo a palavra verdade. Se a mentira for agradável ou se ela vender, dane-se a tal verdade. Desse modo, pode-se inventar que Lincoln foi um caçador de vampiros. Se essa nova versão cair no gosto do público ela se tornará uma "nova verdade". O filme é de uma idiotia atroz. Nota Zero.
   AMOR À QUEIMA ROUPA de Tony Scott com Christian Slater, Patricia Arquette, Gary Oldman, Dennis Hopper, Christopher Walken, Brad Pitt, Samuel L. Jackson
Todo o mundo de Tarantino está aqui, neste seu roteiro brilhante: filmes de kung-fu, westerns, conversas espertas, citações pop, bandidos de HQ, rock, musas perigosas e sofridas. Scott, diretor que tem estilo radicalmente oposto ao de Quentin ( Scott é tipico dos anos 80, pseudo-sofisticado, brilhoso e vazio, Quentin é anos 70, exagerado, colorido, vivo, viril ), não conseguiu estragar de todo o roteiro. Mas bem que ele tenta.  Adoraria ver Tarantino o refilmar em 2020. Uma festa para olhos, ouvidos e imaginação. Foi este o filme que em 1994 me fez voltar ao cinema. Nota 9.
   ZONA PROIBIDA de William Dieterle com Burt Lancaster, Peter Lorre, Paul Henreid
Um belo filme noir. Se passa na Africa do Sul. Lancaster é um homem perseguido por policial. Motivo: ele teria tentado entrar em zona de minas de diamantes. O filme, tenso, é esse combate entre um vilão policial sádico, feito com maestria por Henreid, e o herói sonhador e teimoso, feito por um Lancaster magnético como sempre. O filme, rápido, forte, bem narrado, é delicioso. Dieterle foi um desses alemães que ao fugir do nazismo ajudaram a dar caráter ao cinema americano. Muito do que conhecemos como cinema tipico da Hollywood clássica é feito por alemães, austríacos e húngaros. Nota 8.
   RATOS E HOMENS de Lewis Milestone com Burgess Meredith e Lon Chaney Jr.
É o texto de Steinbeck em versão famosa. Temos dois miseráveis. Um deles é deficiente mental, um gigante de coração de criança. O outro toma conta dele. Eles andam pelos empobrecidos EUA da depressão. Arrumam trabalho numa fazenda, onde têm de lidar com tipos estranhos. O filme, tipico da esquerda americana dos anos 30, é muito, muito original. Não parece ser de 1939 e nem de tempo nenhum. Ele é cruel, tristíssimo, amargo ao extremo. Tem trilha sonora de Aaron Copland. Milestone, que dirigiu o melhor dos filmes de guerra ( Nada de Novo no Front ), era um diretor muito corajoso! O filme não tem a menor concessão. Sua falha é ser teatral demais. Temos a impressão de estar vendo uma peça. Nota 6.
   CIDADE NEGRA de William Dieterle com Charlton Heston e Lizabeth Scott
Seria um grande filme se a atriz central não fosse tão ruim. Ela estraga com sua canastrice a estréia de Heston na Paramount. O filme, noir, fala de um otário que ao ser surrupiado no poker por grupo de malandros, se mata. O irmão doido desse suicida surge e começa a matar os malandros. Heston é um dos que deram o golpe no trouxa. O filme tem bom suspense e consegue o ponto certo. É crível. Pena a péssima Scott. Heston, muito jovem, está bem. Consegue ser frio e cinico. Mais um acerto de Dieterle. 6.
   CLIENTE MORTO NÃO PAGA de Carl Reiner com Steve Martin e Rachel Ward
Mesmo não sendo uma grande comédia ( é pouco engraçada ), eu sempre a revejo. Como todo cinéfilo, adoro o filme por ter conseguido unir pedaços de velhos filmes noir com a história moderna. A produção construiu cenários como o dos filmes originais e insere cenas desses filmes na trama de Steve Martin. Temos Cary Grant num trem contracenando com Martin ( a cena é de Suspeita, de Hitchcock ), e além dele há Ava Gardner, Burt Lancaster, Alan Ladd, Veronica Lake, Vincent Price, James Cagney, Bette Davis, Ray Milland, e claro, Humphrey Bogart, que domina o filme inteiro. É engraçado ver Bogey como empregado de Steve Martin e levando bronca dele! Deveriam fazer isso hoje em dia. Com os recursos técnicos que temos os resultados seriam fabulosos!!! Mas talvez jamais será feito, o público, grande, que reconheceria os velhos ícones não frequenta cinemas. Os atores modernos teriam de contracenar com, no máximo, Nicholson e Hoffman, dái para trás seria o analfabetismo em cinema. Adoro Steve Martin, Rachel Ward foi a mais bonita atriz do começo dos anos 80, mas o roteiro é bem fraco. Nota 5.
   O MORRO DOS VENTOS UIVANTES 2012 de Andrea Arnold
Espero que seja/tenha sido um fracasso. Tivemos muitas versões da obra-prima de Emily Bronte. Todas erraram. A mais famosa é a de William Wyler, com Olivier, mas essa é também falha. Fria demais, muito sóbria. sem paixão e loucura. Há uma de Bunuel que é sem sentido. Aquela com Juliette Binoche é doce e bobinha e agora temos mais esta. ( Falo só das que já vi ). Uma versão analfabeta. Escrevi recentemente que o cinema do futuro será mudo e barulhento. Pois este é um filme mudo. Ninguém fala e quando fala nada é dito. A diretora tenta ser poética. Ela pensa que poesia é filmar no escuro  em big close. A câmera nunca deixa de tremer, Heathcliff agora é negro e Cathy é feia. Um pavor. Nota ZERO.
   MINHA AVÓ POLICIAL de Steno com Tina Pica e Ugo Tognazzi
A Itália, no auge de sua produção, chegou a lançar por ano quase tantos filmes quanto os EUA. Eram filmes de horror, épicos, westerns, filmes politicos, de arte, documentários. E muitas comédias. Steno começou dirigindo em dupla com o grande Mario Monicelii. Depois se separaram e logo deu pra notar que Monicelli era o gênio dos dois. Os filme de Steno são simples e envelheceram mal. Aqui temos uma avó mal-humorada que ao ter uma jóia roubada atrapalha o casamento do neto e a vida da policia. O filme não é ruim, os atores são ótimos, é apenas banal. Nota 3.

UMA HOMENAGEM A UMA GRANDE DAMA DO MAR

   È bonito demais quando voce encontra uma nova poesia. Acidental, acaso, é como topar com um amor novo. Voce escuta um sinal e olha para certa direção, e lá voce encontra a revelação.
   A gente pensa às vezes que nada no amor nos pode ser novo. Já sofremos muito e já gozamos o bastante. O amor parece um planeta conhecido. Mas não, nunca é.
   Com a poesia é assim também. Voce ama seus poetas e viveu suas revelações. Conhece a lingua de cada um deles e sabe suas trilhas de cor. Uma grande poesia é inesgotável, assim como a lembrança de um amor é memória que sempre aumenta.
   Mas voce sem esperar encontra uma voz que é nova. E essa voz é poesia. Fala tudo o que voce queria falar. E que voce nem sabia que queria falar. Diz coisas novas. Conhecidas desde o dia em que voce pensou pela manhã original.
   E ela fala do mar e de deuses. E ela sabe que saber é pra sempre.
   Como todo grande poeta, mesmo aqueles que teimam em não ser, ela é mais que uma realidade. Sua voz é a possibilidade de possibilidades e de verdades improváveis. Cria universos que são desde sempre incriados.
   Sophia de Mello Breyner Andresen é uma aristocrata. Se foi em 2004 sem que eu a conhecesse aqui. O mar que separa Brasil e Portugal é maior que o tempo. Sophia tinha a certeza de que a vida é a criação da eternidade. O que cá criamos e pensamos será nosso sempre. ( O que é um pensamento assustador ). Meu medo será para sempre meu.
   Sophia, existe o mar! E tudo nela é mar. Ilha, pirata, mapa, onda, azul, tempestade, maré, peixe, dentro, água, vida, sonho, tudo.
   Nascem pessoas que conjugam em sua vida verbos que não conjugamos. São verbos que deixamos ir. Conjugamos eu sou, eu faço, eu tenho, eu quero. Sophia conjuga eu fluo. Eu mareio. Eu ondeio. Eu chovo. Vago, evaporo, pirateio, eu peixeio.
   Pois então meu coração, deixe esse mar entrar e fazer do meu sangue um oceano. E me dê, deus do Olimpo, a felicidade de ter na eternidade a palavra de Sophia.
  Salgue-me e flutue-me.
  Não saberei onde vou.

CORAÇÃO, CABEÇA E ESTÔMAGO- CAMILO CASTELO BRANCO

   Interessante como formamos opiniões preconceituosas sem perceber. Eu pensava ser Camilo Castelo Branco um grande chato. Um romântico à novela das seis. Um meloso autor vencido e datado. Pensava.
   Então devo ler Camilo. Assim como tive de ler Sá de Miranda, Bocage, Lorna e Vieira. Alexandre Herculano também. Todos portugueses, todos para mim inéditos. Não gostei apenas de Sá de Miranda, ilegível. Mas estou querendo falar de Camilo.
   Silvestre Silva é o nome do "heroi". Ele manda a um editor as suas memórias e esse editor as publica. Temos então o relato de Silvestre e os comentários do editor. Esse editor nos mostra as mentiras e os erros de Silvestre. E Camilo narra tudo. Ironia sobre ironia sobre ironia. Tem mais... Silvestre é um inocente. Como um tipo de Quixote, ele crê naquilo que lê. Sivestre lê romances e acredita que a vida é um conto cheio de paixão e de heroísmo. Se dá mal. Apaixona-se dúzias de vezes e sempre faz papel de tolo. Vê em toda mulher uma pureza que nenhuma delas tem. Vê nos outros rivais que eles não são. Rimos de sua pseudo-saga. O que ocorre é vulgar, banal; o que Sivestre vive é para ele trágico.
   Toda essa parte corresponde ao coração, a primeira parte da vida de todo homem, a época em que tudo é sentimento e impulso. Vem a cabeça depois. Aqui temos  a dúvida, a indecisão e o desejo de saber a verdade.  Sivestre se mete na politica, ama com a cabeça, pensa demais, se enrola e fracassa em tudo o que faz. Escreve em jornal, pensa em revolução. Cai.
   E vem a felicidade possível: o estômago. Silvestre se enamora de uma moça grande, farta, do campo. Uma moça que cozinha bem, que cuida dele, que o apoia. Silvestre cria sua filosofia: a felicidade só pode vir do estômago porque é ele o mais importante. Tudo fica bem quando a barriga está feliz.
   Minha mestra me ensina que o romantismo é sempre irônico, o autor está sempre falando algo que jamais sabemos se é a sério ou se é uma irônica construção. Nunca devemos ler um romântico ao pé da letra. Outra coisa. Portugal odiava a mania francesa de ser ditadora em tudo aquilo que se referia a arte. A relação de Portugal com a França era péssima ( no Brasil não se sabe, mas Napoleão matou 25% da população do país. ) Dessa forma, quando Camilo fala do coração e da cabeça ele fala da França, do romantismo francês e da racionalidade francesa. O estômago é Portugal, o campo, a rapariga simples, a comida e o vinho.
   Breve, vivo, fácil de ler, alegre e engraçado. Tudo aquilo que eu imaginava que Camilo não fosse. Vale!

Filme Sophia de Mello Breyner Andresen - Parte 2 de 2 ( ELA DIZ AQUI A MAIS BELA DESCRIÇÃO DO QUE SEJA ETERNIDADE... )



leia e escreva já!

CRENÇA NO IMPROVÁVEL, O AMOR.

   É lógico que o amor não existe. O que chamamos de amor é uma invenção artificial, mera fantasia criada por poetas. O que existe e pode ser provado é a excitação do sexo e o desejo de procriar. O que nos une a alguém é nossa vaidade e nosso medo de estar só.
   Mas o amante continua amando apesar da lógica.
   É lógico que Deus não existe. Criação artificial, fantasia de gente infantil com medo da vida e do vazio que é o mundo. Vaidade e medo, apenas um consolo.
   Mas o homem de fé continua acreditando.
   Digamos que voce seja dono de um carro. E que voce saiba tudo sobre esse carro. Como ele funciona, de onde ele veio, como ele deve ser guiado. Voce até mesmo leu um manual de direção. E sabe imaginar a sensação de dirigir.
   Mas digamos que voce nunca dirigiu.
   Esse é o erro básico de ateus falando sobre religião. Leram tudo sobre ela, sabem o que é e como funciona. Até mesmo imaginam o que seja a fé. Mas jamais estiveram dentro dela. Sabem toda a teoria, desconhecem qualquer tipo de prática. Seus textos, para quem conhece o que seja fé, são irrelevantes.
   Escrevo isto porque Marcelo Coelho me surpreendeu com um texto extremamente superficial. Ele fala sobre um grupo antirreligioso inglês que anda escrevendo nos metrôs: "Provávelmente Deus não existe. Então, pare de se preocupar e aproveite a vida."
   O que seria aproveitar a vida? Coelho fala de Francis Spufford, um autor inglês que rejeita esse grupo. Diz que a frase é tipica daqueles que têm o mercado como religião.É a fé da propaganda: Joguemos fora o que é velho e sejamos felizes!!! Coelho também acha a frase idiota, mas se perde ao mostrar, para ser fiel a sua fé no ateísmo, afinal, intelectuais são proibidos de crer, que um deficiente crer no bondoso Deus seria também uma crueldade. Deus bondoso? Desde quando? Jesus tentou ensinar a bondade. Tentou e foi traído. Deus não é bondade. Ou maldade. É o todo. Essa ideia é inalcansável para aquele que só leu o manual.
   Esqueçamos o texto de Coelho e vamos a frase. Ela diz, "pare de se preocupar..." Mas não são os ateus que se preocupam com Deus? Crentes não se preocupam com Deus. Eles obedecem dogmas. Não se preocupam. Aproveitar a vida. O que é aproveitar a vida? Ateus aproveitam a vida? Como e porque? Não crer em Deus é aproveitar a vida? Que tipo de vida? É outro conceito tipico de quem nunca esteve dentro da fé e apenas a conhece em imaginação. Para esses, ter fé é ser limitado, quando na verdade não ter fé é deixar de ter uma das maiores possibilidades que a vida oferece, a crença na própria vida. Naquilo que ela tem de eterno, de atemporal, e sim, de mágico.
   Voltando a Coelho.
   Ele diz que se pode viver sem crer. Será? O amor é tão "improvável" quanto Deus, e crer no amor é viver mais completo. Há quem creia em Marx, em Darwin ou em Freud. E como ocorre com as religiões, essa crença ajuda o fiel a suportar a vida e a perceber algum sentido na confusão. Me parece que viver sem crer é impossível. O completo descrente não existe. E toda crença é improvável para quem não crê.
   A grande questão nunca é colocada por qualquer e por todo ateu:
   Se Deus existe ou não é irrelevante. O que importa é crer no improvável. Ter a força de acreditar em algo que é improvável, essa é a graça da fé. E é esse tipo de sentimento que é incompreensível aos ateus.
   Gostaria de colocar outra questão.
   Porque existe uma militância antirreligiosa? Qual seu objetivo? O que incomoda tanto em toda religião?
   Termino falando do texto de Pondé de segunda-feira ( mal escrito esse texto...)
   Pondé fala de intelectuais como seres especialmente arrogantes. Todos eles com suas quedas por ditaduras, pensamento único, todos pensando ter a chave da verdade única.
   Concordo. Intelectual, por mais que isso lhes doa, é como padre: Está sempre no púlpito pregando. Anda pela rua em silêncio de igreja, ou falando e nunca escutando. Dono da verdade única. O padre é o primeiro intelectual da história do ocidente.
   Bem... Pondé então critica os marxistas e os cristãos, que têm a mania de explicar tudo pela sua crença e a desprezar quem não compactua com ela. Verdade. Mas Pondé espertamente "esquece" de evolucionistas e de psicanalistas, seitas que também crêem poder explicar tudo por uma única e "genuína" fé. Óbvio que aqui faltou honestidade a Pondé. Se é para criticar intelectuais, vamos criticar todos, inclusive a si-mesmo.
   Pondé coloca a culpa da decadência da família e das relaçõea afetivas nas costas de sociólogos e sexólogos. "Esquece" que essa decadência começa com os antirreligiosos. A igreja foi a base da familia, do poder do pai e da comunidade. Quando Deus foi morto a familia morreu junto. Pondé culpa as aulas de educação sexual...Ora, quando essas aulas são instituídas a familia já se fora, já era perdida.
   Ele chora também a transformação do bandido em vitima. Culpa o marxismo por isso. ( Não sou marxista, mas Pondé o demoniza tanto que dá até vontade de ser um fã de Fidel...), a culpa tanto pode ser do marxismo, que sim, viu o bandido como vitima e vingador, como da incompetência da autoridade, que ao mostrar sua desorganização e suas corrupções, deixa os bandidos menos bandidos.
   Pondé critica os que sobem em púlpito e bradam a verdade. Mas o que ele faz? O que fazem aqueles "pensadores" que vão ao café filosófico? ( Aliás nunca vi café por lá. Muito menos filosofia. Deveria se chamar Água e Alunos ).
   O que faço eu aqui a não ser expor, vaidosamente, minhas teorias chupadas de tudo aquilo que li? E que talvez eu nem tenha entendido...
   Respeito o intelectual que não tem certezas, assim como o artista que não funda movimentos. Por isso é que me interesso por religião e abomino igrejas.
   Voltando a crença. Sim  Marcelo Coelho, voce está errado. Todos precisamos de crenças para viver. E na verdade essa crença é a fé no amor. Precisamos nos unir por amor a alguma coisa da vida. Seja improvável ou não. Seja o amor ao sexo, ao dinheiro ou a filosofia e a arte. Mas entenda, por ser improvável, o amor se expande em amores improváveis. Ilimitados.
   Amar a Deus seria então amar tudo aquilo que é divino e improvável, secreto e incomunicável: a vida.

AMOR À QUEIMA ROUPA É UM DOS MEUS FILMES

   Em 1995, num vhs, assisti este filme seis vezes em 3 meses. E ainda escrevi uma peça baseada no filme. ( Só Brancaleone e A Vida de Brian também mereceram essa duvidosa honra ). Em 1995 cinema era pra mim uma coisa muito secundária. Não havia ainda acesso aos clássicos e após a chatice do cinema feito em 1985/1990 eu havia desistido. Cinema era coisa morta.
   Mas um amigo me deu a dica e vi o filme. Lembro exatamente da hora e do dia. E do que senti: uma enorme alegria. O filme era jovem, pop, esperto, muito inteligente, e o melhor, possuia falas e persoangens inesquecíveis. Tive a certeza de que o cinema americano renascia. E ele renascia como uma mistura de rock, cartoon, western, filme noir e cultura pop; ele renascia com o melhor da América.
   Há uma cena nesse filme que deixou os criticos com a pulga atrás da orelha. Eles diziam como podia um roteirista iniciante escrever um diálogo tão bom. E ter a ousadia de prolongá-lo ao extremo. É a cena com Dennis Hopper e Christopher Walken. Hopper apanha e chama Walken de negro. A conversa se estica, flui, a bola passa de um para o outro, a violência ameaça, o humor surge, e tudo se resolve na hora exata. Aqui nasce o estilo Tarantino, uma mistura de Godard com Hawks com Huston e com Leone. Tudo temperado por um cara que cresceu amando toda a cultura popular dos 70's. Foi maravilhoso encontrar então a voz da MINHA Geração nas telas. Ele amava o que eu amava, tinha visto o que eu vira. E desde então ele nunca me decepcionou.
   Na sequência assisti Assassinos por Natureza, Pulp Fiction ( um dia escrevo sobre ele ), Um Drink no Inferno, Fargo, Ed Wood. E pensei: o cinema renasceu! E ele fala a minha língua ( em 2000 eu perceberia que esse renascimento era marginal. O grosso continuaria dividido entre apelação rimbombante e artistazinhos sem nada pra falar de novo ).
   Tarantino odeia este filme. Claro, Tony Scott destruiu quanto pode do roteiro. Luzes azuis de publicidade de luxo, musiquinha de synth ao fundo, manias de estética chique...mas o roteiro é tão forte que mesmo assim ele sobrevive. Na sequência viriam os Cães de Aluguel.
   Preciso falar da história? Alguém não o viu? Ter mais de 30 anos e não ter visto este filme é não ter entendido nada do que seja o melhor cinema desde então. Uma louca e luxuriante festa pop onde se coloca tudo o que importa no mundo de hoje: violência, sexo, consumo e sonhos tolos. Tudo com a ironia de quem sabe que nada disso tem peso. Tudo é parte da fantasia.
   Já que voce conhece a história prefiro falar dos personagens.
   Samuel L. Jackson morre no começo. E dá pra notar que ele já é o cara.
    Val Kilmer faz Elvis. Virou mania na época imitar a mão que aponta: "Confio em voce Cara!"
   Gary Oldman está inesquecível como o trafica que pensa que é negro. De dreads, calção, sujo, cicatriz e um sotaque ridiculo.
    Brad Pitt faz um super maconheiro. Nunca esteve tão bonito. É um maconheiro muito real. E gosto de pensar que Tarantino o deixou guardado para ser futuramente o cara que domina Bastardos.
    Christopher Walken é um mafioso italiano. Elegante, frio e que tem o diálogo maravilhoso com
     Dennis Hopper. Sublime. É impressionante a quantidade de atores cool.
    Christian Slater faz o herói. Um caipira sonhador que se revela eficiente em sua ação. O óculos a Las Vegas foi item caçado por amigos meus.
    E tem a musa Patricia Arquette. A mais deliciosa das musas de Tarantino. Uma Monroe de rocknroll.
    Slater, que é a voz de Tarantino, fala à um produtor de cinema, que os filmes de 1993 são um lixo. Que o Oscar só premia lixo. Que bom era Rio Bravo, The Good The Bad The Ugly, Amargo Regresso... digo agora que O bom é Tarantino, mas o cinema prefere dar atenção a Batmans, Harrys e Vingadores. Quando não a posudos filósofos da insignificância.
     Não revia o filme a mais de 15 anos. Revi ontem. Adorei. Não envelheceu, claro, mas já é peça estranha no cinema de agora. Ninguém mais faz esse tipo de cinema. Pena.
     PS: Para arrasar, tem 2 Hearts de Chris Isaak nos créditos finais. Lindo.
     Devo dizer ainda que se centenas de filmes são muito melhores que True Romance ou Pulp Fiction ( filmes como Rio Bravo por exemplo ), True Romance é meu, é da minha geração, tem as minhas referências e meus gostos. Assim como Lebowski, Wonder Boys ou Quase Famosos, tenho a sensação de que eles falam por mim. E isso é muito bom.

Movie Trailer - 1993 - True Romance



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Motley Crue - Girls, Girls, Girls [HD]



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ROCK OF AGES- CADA GALERA TEM O FILME QUE MERECE.

   Eu estive em 1987, e ao contrário do que diz o filme, 1987 foi um lixo! Só no século XXI tivemos anos tão ruins como 87. Para voce ter uma ideia, nesse ano Bon Jovi era a maior banda do mundo, e seus concorrentes atendiam por nomes como Whitesnake, Poison, Def Leppard e o velho U2 eterno. Eu em 1987 me entupi de The Cult, Inxs e John Mellemcamp. Como voce pode ver, foi um ano lixo. Aerosmith sempre foi bom, e retornou triunfalmente nessa época. Claro, todos eram clones de Steven Tyler e Joe Perry.
   Se ganhou dinheiro como nunca antes e nunca depois. Ainda se comprava vinyl, e o cd já existia. Foi o auge do show em estádio. Aliás, nunca a América nadou em tanto dinheiro. Os russos tentaram acompanhar e quebraram. As roupas das bandas exibem isso, o exagero de Eu Posso e Eu Acredito em Mim: Engula-me! Tudo era grande, cabelos, carros, shows, drogas e peitos.
   Ok, ok, era divertido pacas! Mas eu duvido que voce consiga ouvir um disco do Journey inteiro agora.
   Históricamente, a parte mais real do filme é quando ele mostra a moda das boy-bands. Em 1988 elas tomam conta de tudo e a gente ouvia mais uma vez: O Rock Morreu. Bem...na verdade desde 1982 não era o rock a coisa mais interessante, era outra viagem. Kraftwerk, Prince, Madness, Style Council, Public Enemy. E os endiabrados Red Hot Chili Peppers, a melhor coisa e totalmente estranho no ninho.  Era por aí que voce achava o que valia a pena. E os campeões de venda eram Michael Jackson e Madonna.
   Então em 1988 explodem os boys band e o acid-house, fim do rock. Necas! Guns and Roses seguram a onda. Mais um filho do Aerosmith. Wellcome to the Jungle me deixou de quatro! Mas creia-me, o rock só voltou a ser dominante em 1993, Nirvana.
   Eu tava lá, eu vi. Em 1987 voce ligava a tv e era um monte de Sade, Sting, Simply Red e argh, Mariah Carey!!!! E as bandas do filme, já em seu ocaso. Foi um excelente ano pros esportes, o surf e a NBA no auge e o skate em seu crescimento monstruoso. Mas ninguém merecia ter de conhecer o disco solo de David Lee Roth!!!
   Bem,,, eu adoro Lee Roth, o cara é O cara e os clips são ótimos, mas o Van Halen começa a acabar em 1987. E eles eram os melhores dessa galera. Foi em 87 que o rock começou a parecer velho, muito velho.
    O filme? Preciso falar do filme? É aquele tipo de filme tão ruim que é bom. E me comove ver Tom Cruise. Sei lá porque me comove!
    O período glitter teve seu filme. Os hippies têm vários. A disco teve Saturday Night Fever e a invasão inglesa de 1966 teve os Piratas do Rock. Cada época tem o filme que merece. A melhor época do rock teve o melhor filme: Quase Famosos.
    Até o Abba teve Mama Mia!
    E o rock poser farofa de 1987 tem aqui seu retrato. Exatamente como eles eram: vazios, bobos, divertidos e caipiras. Sem qualquer pretensão. E sem querer, hilários.

SOM E IMAGEM ( DUBLAGEM E DESENHO )

   Uma pessoa razoávelmente inteligente costuma estar aberta a mudanças. Falo isso porque uma das coisas mais mal pensadas que já falei foi a de que o que mais me interessa num filme é a fotografia. Bem, pode até ser que vinte anos atrás eu adorasse sobretudo o visual de um filme, mas agora, amante que sou da palavra, são os diálogos que me fascinam. Talvez isso tenha surgido pelo fato dos diálogos serem hoje tão bobos em quase todos os filmes. Fácil exemplificar isso. Pegue um filme que tenha te impressionado. Agora tente lembrar de uma frase desse filme. Voce vai lembrar de imagens, de cenas gráficas, mas não de um diálogo. Claro que há excessões. Os filmes de Tarantino têm muito cuidado com as falas. Mas se voce pensar num roteirista inteligente, como Kauffman por exemplo, verá que sua criatividade é aquela do artista plástico e não do escritor. Ele cria imagens, no máximo climas, todos nascidos do visual, e não diálogos. Idem para Wes Anderson ou Sofia Coppolla. Cinema da França, Espanha etc é outro caso. Eles ainda falam. O sucesso na década de 2000 da Argentina se devia muito ao dom de falar.
   Os filme do futuro serão mudos. E cheios de barulho. Nesse sentido, os filmes de porrada dos anos 80 eram o futuro.
   Falo tudo isso para citar uma conversa que tive com uma amiga. Lembrávamos velhos desenhos e no meio do papo notei uma coisa: Décadas depois conseguíamos recordar diálogos desses desenhos. Estáticos, de animação tosca ( são da época "Linha de Montagem" da Hannah-Barbera ), as falas garantiam a diversão. As crianças que os viram adquiriam assim "ouvido para falas". A paciência de escutar. Muitos desses desenhos não tinham ação, e penso que para uma criança barulhenta de hoje, assistir a Manda-Chuva ou a Joca e Ding-Ling é o equivalente a um filme de Tarkovski para mim.
   Os dubladores eram geniais. A AIC São Paulo, a Odil Fono Brasil, eram fábricas de criação. Quem os viu se lembra das vozes. E das linhas de diálogo. Eu poderia ficar aqui citando centenas de falas que toda criança sabia. Foram essas frases que nos despertaram para a beleza da lingua e da memória.
   Já nos anos 90, eu acompanhei A Vaca e o Frango, Johnny Bravo, Eu Sou o Máximo e Pinky e Cérebro, e via em todos eles uma bela tentativa de resgatar a forma dos diálogos. Nesses desenhos se falava muito, e eram falas ótimas. Mas não consigo encontrar alguém que recorde um diálogo. Lembramos das músicas, dos caracteres, do visual, mas não das falas. Pena.
   O que me faz pensar não ser à toa que o filme do Oscar seja mudo. Por mais que eles explodam, murmurem, discursem e atirem, os filmes são todos mudos. Ou melhor, Ruidos que nada significam.

CARY GRANT/ KEN LOACH/ LUBITSCH/ INGRID BERGMAN/ GARBO/ NON

   DON JUAN de Alan Crosland com John Barrymore
O grande Barrymore faz o grande Don Juan. Enorme produção da Warner, cenários gigantes, milhares de figurantes. Cinema mudo pop, quem desejar se iniciar nesse tipo de cinema tem aqui um bom começo.
   FATHER GOOSE de Ralph Nelson com Cary Grant, Leslie Caron e Trevor Howard
Despedida de Cary Grant do cinema. Em 1964, ano deste filme, Grant tinha 60 anos e se achava velho demais para as telas. Ainda no auge da fama, ele encerra sua glória sem conhecer a decadência. Aqui ele faz um beberrão solitário, morador de ilhas isoladas nos mares da Austrália. Mas esse ranzinza é obrigado a tomar conta de ilhota na segunda-guerra. Por lá surgem alunas de colégio feminino e sua professora. O filme se deixa ver. Tem bons diálogos e consegue criar empatia. Mas o romance é forçado. Cary consegue ser elegante até neste papel desglamurizado. Vê-lo é uma alegria. Sempre. Nota 6.
   PARA ROMA COM AMOR de Woody Allen
Um dos filmes mais preguiçosos de Woody. O roteiro é pífio, os atores estão á toa, diálogos pobres, e o pior de tudo, nenhuma das histórias tem um mínimo de interesse. Uma delas poderia dar um belo filme, aquela do cantor de chuveiro. Mas é tudo travado pela falta de inspiração. Salva-se a beleza da cidade. Roma é uma mulher. Nota 1.
   SÓCIOS NO AMOR de Ernst Lubitsch com Miriam Hopkins, Fredric March e Gary Cooper
Delicioso. Num trem, uma mulher conhece dois amigos, um pintor e um escritor. Ela amará os dois, ao mesmo tempo, e todos serão amigos sempre. Ernst destila seu jeito alegre e fluido de filmar. O texto é de Ben Hecht baseado em Noel Coward. E os três atores são tudo aquilo que os anos 30 pediam: reis do charme. March tem talento e verve, Cooper foi o ator mais bonito da história do cinema. Ernst Lubitsch junta as partes com seu modo "vienense" de orquestrar.  Uma diversão admirávelmente alegre. Nota 9.
   VIAGEM À ITÁLIA de Roberto Rosselini com Ingrid Bergman e George Sanders
Casal viaja pela Itália. A crise entre os dois irrompe. Este filme, um absoluto fracasso em seu tempo, é tido hoje como uma das obras-primas de sempre. Rosselini filme on the road, há improviso, há desglamurização. É um filme adiante de seu tempo. Nota 5.
   OS SINOS DE SANTA MARIA de Leo McCarey com Bing Crosby e Ingrid Bergman
Ingrid foi eleita em 2010 a segunda maior estrela da história do cinema. Suéca, estourou com Casablanca e até 1949 foi a queridinha do público americano. Viam-na como a perfeição, a moça simples, culta e casada com um médico suéco. Mas em 49 ela conhece Rosselini, casado, e os dois abandonam seus lares para viver juntos. A carreira de Ingrid quase acabou. Voltaria triunfalmente em 1956, com Oscar por Anastácia. Aqui ela faz uma freira durona. Bing Crosby repete o padre de Going My Way. O filme é todo relax, sem grandes dramas. Parece filmado em ritmo de oração. Bem-humorado, assistimos ao cotidiano comum de gente sem nada de muito especial. McCarey foi um dos mais famosos diretores da época. Seu cinema anda meio esquecido hoje. Nota 6.
   ROTA IRLANDESA de Ken Loach
Um ex-soldado irlandês procura entender o que houve com um amigo que foi morto no Oriente. Tudo é uma trama de grupo que controla negócios no país árabe. Não é um dos grandes filmes de Loach, mas mesmo assim é um bom filme de ação. Os atores se entregam, a violência está no ponto certo. Ken Loach continua sua carreira de independência e de consciência social. É um mestre. Nota 7.
   SANGUE E AREIA de Rouben Mamoulian com Tyrone Power, Linda Darnell e Rita Hayworth
A história de um toureiro arrogante. O filme tem pouco touro e muito espanholismo da Fox. Tyrone convence como espanhol e como macho, mas o filme é enjoativo. Tudo é muito over, muito colorido demais. E pior, a Espanha se parece com um tipo de fiesta mexicana para turista. Nota 3.
   NON OU A VÃ GLÓRIA DE MANDAR de Manoel de Oliveira
Soldados em Moçambique. São os últimos dias de Portugal na África. Eles conversam. E cenas da história de Portugal são revistas. A história portuguesa é fascinante. Tem fatalismo, derrotas, vitórias impossíveis e desencantos às toneladas. O filme é surpreendentemente bom. Para quem odeia o cinema de Manoel, este filme pode fazer com que voce mude de ideia. Ou pelo menos vai te deixar acordado. Nota 5.
   O VÉU PINTADO de Richard Boleslawski com Greta Garbo e Herbert Marshall
Baseado em Somerset Maugham, tem as marcas do autor: exotismo e amor frustrado. Uma mulher se casa com médico. Mas logo ela se enamora de outro. O marido descobre e a castiga a fazendo o acompanhar a região chinesa onde o cólera domina. Todos sofrem, e o filme compensa isso com imagens de sombras e de beleza. Garbo é incomparável e isso pode não ser um elogio. Ela é grande, forte, masculinizada, tem um sotaque forte. Mas domina a tela, a ilumina. Eu adoro o melancólico Herbert Marshall. Um dos atores ingleses fetiche da época, com sua voz nebulosa e seus modos lentos e pesados. Nota 6.
  

VIVE, LOUIS, LUDWIG, MIA, KANDINSKY

   VIVE LA FÊTE tocou em SP. Tenho um amigo que criou uma boa definição sobre 99% das bandas de 2012: Compõe bons covers. O VIVE abusa da chupação sobre o sublime VISAGE. Bom, pelo menos eles têm bom gosto em suas cópias. A maioria plagia lixo.
    Mia Couto transbordou simpatia no Roda Viva. Pena os entrevistadores variarem entre uma bobissima atitude blásé, tipo "Somos de um país maior" ( E há quem ainda pense que só a América tem arrogância ), e algumas tietes vazias. Mas o gajo tirou de letra. Esperavam discurso contra Portugal, não veio; esperavam traumas sobre a raça, nada a declarar. Couto é doce, sóbrio, poético e falou uma coisa lapidar: "Comecei a desistir da biologia ao perceber que explicava a vida pela poesia e não pela biologia". Ah sim, ele é biólogo. Que belo sotaque!
   Louis Malle tem justa homenagem em SP. Malle é melhor que Godard e Truffaut? Posso dizer que Malle não fez nenhuma obra-prima, mas também percebo que seus filmes são mais profissionais, mais atemporais, caem mais no gosto daqueles que esperam do cinema algo de "bem feito". Malle sobrevive melhor que os mais radicais. Mas atenção! Os filmes de Malle nada têm de careta ou de banais. Ele filmou em 1971 o incesto sem culpa, em 1977 a pedofilia sem discurso. Ele não tem obras-primas mas tem uma grande quantidade de filmes excelentes. E nenhum filme ruim. Mesmo Black Moon tem seu charme doido.
   Ando estudando pintura e começo citando uma frase de Wittgenstein que sintetiza toda a arte feita de 1910 em diante: "Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar."  Wittgenstein começou como um tipo de linguista e terminou descobrindo que a lingua é apenas um código que nos é imposto. Ela não revela a vida, a vida é que foi compactada para caber na linguagem.
   Pois eu não sabia o que era o abstracionismo. Rothko, Mondrian, Malevich, toda a pintura abstrata é uma tentativa de se capturar aquilo que está além do concreto, da linguagem da imagem, a pintura sentida como religião. Kandinsky e uma frase de Wittgenstein, outra vez ele: " O mundo é tudo o que é o caso". Caso: natureza e sociedade, as estruturas da religião, da arte e da ciência. Todos os atos, todo pensamento, toda emoção e toda imaginação. A pintura abstrata se apropria do todo, do caso. Olhar uma tela e ver nela aquilo que ela te faz sentir. Experimentar.
   Mas o mundo agora não é abstrato. Muito menos é impressionista ou surrealista. A cidade acostumou-se a guerra. Entramos nela suavemente. Toques de recolher não nos ofendem, aceitamos. A arte que criou este mundo está toda no expressionismo.

MORTE NA CATEDRAL- T.S. ELIOT

   Talvez as pessoas tenham hoje vergonha de gostar de Eliot. Gostam, mas vem sempre um "porém..." Why?
   Eliot dizia ser anglicano, monarquista e clássico. Ou seja, dizia crer em Deus, escolher a rainha e amar o período da arte clássica. Americano de St.Louis, como aconteceu antes com Henry James, Eliot foi mais inglês que qualquer inglês. Isso não é raro. Filhos de ex-colônias costumam ser mais metropolitanos que os naturais da metrópole. Além do que, Eliot era filho de uma familia rica dos USA. Seus antepassados podiam ser encontrados no navio que trouxe os peregrinos ingleses.
   Ele começa como modernista radical e logo cedo lança o poema símbolo do século XX, THE WASTE LAND, imagem de niilismo absoluto. O mundo para Eliot é um monte de fragmentos sem sentido. Quando aos 40 anos ele se converte á religião, o mundo passa a lhe parecer conjunto de fragmentos com sentido oculto. Em que pese a fama de Waste Land, que eu venero, a crítica atual prefere sua fase tardia, aquela de 4 QUARTETOS. Em 1948 Eliot ganha seu Nobel, justo. Falece em 1965.
   Mais que seu conservadorismo ( que não se reflete em sua arte sempre moderna ), o que irritou a crítica foram suas opiniões sobre poetas e romancistas. Eliot foi crítico muito lido e atacou Lawrence, Yeats, Wells e Shaw. Poeta, crítico, dramaturgo, conferencista. Eliot domina as letras inglesas entre 1922/1960.
   CRIME NA CATEDRAL fala do assassinato de Thomas Beckett, bispo de Canterbury, em 1170. Thomas foi o grande amigo do rei, Henrique II, mas ao ser alçado pelo rei ao bispado, passou a levar a religião "MUITO A ´SERIO",  obedecendo apenas a Deus. Logo o rei passa a tramar sua morte. Essa história foi usada num dos maiores filmes ingleses da história, BECKETT, que não se baseia nesta peça. O texto de Eliot, curto, litúrgico, tentativa de se fazer um novo Ésquilo em plena época de segunda guerra, tem uma beleza linguística genuína. Os poucos personagens ( Thomas, um coro, tentadores e soldados ), falam com poesia, declamam com precisão. Nada há de choroso, Thomas Beckett jamais pede nossa pena. E, de forma desconcertante, ao final os assassinos se explicam a nós. É uma peça fria, seca, ou seja, clássica.
   É a melhor peça de Eliot.

ENSAIOS- OSCAR WILDE

    Tudo o que vale a pena saber não pode ser ensinado.
    O trabalho é o refúgio daqueles que não têm nada para fazer.
    A ação é o último recurso dos que não sabem sonhar.
    A beleza revela tudo porquê não exprime nada.
    A natureza é a matéria que luta por converter-se em espírito, a arte é o espírito que se exprime sob as condições da matéria.
    São cinco frases de Oscar Wilde tiradas de O CRÍTICO COMO ARTISTA. Há como corrigir algo em sua escrita ou em seu pensamento? Eu não sei se Oscar foi um grande escritor. Talvez não. Compará-lo aos grandes de seu tempo é injusto com Oscar. Mas ele foi inteligente, excessivamente inteligente, incomodamente inteligente. Aliás, uma das suas frases diz que o mundo odeia o gênio. TUDO AQUILO QUE É ACEITO O É POR MEDIOCRIDADE. Nos tempos modernos claro. Oscar sabia que o popular dos gregos ou da renascença é o genial de hoje.
    Comprei uma edição digna de Oscar Wilde. Capa de couro preto, detalhes em ouro, folhas de papel Bíblia made in Yorkshire. Toda a sua obra em 1200 páginas. 60% eu já havia lido, do que nunca li começo pelos ensaios.
    A DECADÊNCIA DA MENTIRA discorre sobre a falta que a mentira faz ao mundo. Não a mentira do político ou do advogado, mentiras que são "mentiras aceitas como mentiras", mas a mentira que de tão mentirosa se torna verdade. A arte, para Oscar, e para mim, só vale quando é mentirosa. Arte que imita a realidade? Não é arte, é jornalismo. Jornalismo feito para agradar os sem gosto. Arte é mundo de mentira, fantasia absurda, imaginação extremada, criação. Essa arte se dirige aos artistas. ( Nosso mundo é tão tolo que até aquilo que poderia ser pura fantasia tenta ter ares de verdade. Homem-Aranha se acanha e mostra a verdade de Peter Parker e o Batman luta para ser simbolo da angústia do mundo real...Blá!!! )
   A grande sacada de Oscar é perceber que essa fantasia cria a vida material. Sim, a imaginação cria a matéria e nunca o contrário. Como???? Te irritas ó pobre filisteu???
   Simples explicar: Nós vemos aquilo que selecionamos e é a arte que seleciona antes de nós. Veja São Paulo. Se voce está cheio de arte expressionista voce verá uma cidade cinza, feia, expressionista, se voce é impressionista verá luz e cor, e se voce anda no mundo de HQ moderna, verá em SP uma metrópole de bandidos e prostitutas. A arte te dá como ver, o que ver e o que procurar. Lembro que após assistir TODOS DIZEM EU TE AMO vi SP como lugar romântico e de sonho. De forma mais profunda, HAMLET criou gente Hamletiana e FAUSTO os Faustianos. Não foi a natureza ou a história que os criou, foi Shakespeare e Goethe, sózinhos e com sua mentira. A arte cria o mundo que virá, então esses filmes "geladeira" com seus tipinhos flácidos, mortos, imbecis, cria um mundo de gente lesma- de- luxo. Assim como filmes catástrofe preparam o clima para a destruição de civilizações. O rock criou o mundo de 1968.
    Outro ensaio que leio é PENA, LÁPIS E VENENO onde Oscar cria um escritor e fala de sua vida. O dandismo impera no texto, retrato de um autor-assassino que vive apenas pela beleza e pela preguiça.
    Depois temos O CRÍTICO COMO ARTISTA em que ele diz que a crítica é mais importante que a arte. Como???? Ora, é muito mais dificil entender a arte que fazer arte. Com um detalhe, todo grande artista é um crítico. O que o faz criar é o desejo de criticar o que existe em seu tempo. Essa vontade critica nasce antes da criação.
    Quanto ao mediocre, ele faz arte e nada critica.
    Ler Oscar é uma critica a nós-mesmos. É um dos autores, poucos, que nos melhora como gente.

Chet Baker "Almost Blue" (complete video)



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Pet Shop Boys - Being Boring (1990) HD



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DECADÊNCIA E ELEGÂNCIA

   Haverá um grande evento na USP. Convidados irão palestrar sobre seu "livro de cabeceira". Minha jovem professora de semiótica tem como livro favorito NO CAMINHO DE SWANN de Proust. Porque ela "tem fascinação pelo momento de virada do século XIX para o XX. A decadência..." Bem, ela sintetizou maravilhosamente o porque do meu amor pelos autores daquele momento. A decadência, a paixão pela decadência, a exuberãncia triste, a beleza maculada, a saudade do que ainda é. Henry James, Tolstoi, Tchekov, Thomas Mann, Yeats, Eliot, Joyce, Wolff, esse sentimento que vem desde 1880 e repercute até 1920... Os quarenta anos decisivos de Oscar Wilde, de Rilke, de Eça, de Machado, de Mansfield...
   Penso se nossa virada foi digna dessas viradas ( 1780/ 1820... )...1980/ 2020....O que ficará e como nos irão ver?
   Mudando de assunto. Ou não. Nessa minha revisitação a década de 80, a mais odiada, revisitação motivada por Ruskin, Pater e Wilde, topo com os videos de Bruce Weber. Bruce foi um super fotógrafo de moda. E que fez um doc sobre Chet Baker sublime. Além disso fez um video très chic com os Pet Shop Boys e um outro que todos conhecem com Chris Isaak ( onde Bruce transforma Chris em Chet Baker ). Jovens deselegantes, vejam esses videos e tentem entender o que desejo de volta para a culturinha pop. Coisas bonitas.
   Eu realmente creio que o convivio com a beleza faz de nós seres melhores. Ou pelo menos seremos infelizes cercados de beleza. Uma cidade de arquitetura fria nos faz frios e lugares agressivos aumentam nossa raiva. Essa ração de arte mesquinha, pobre, tosca e rasa faz de nós um bando de boçais sem gosto e sem senso. A arte antecipa o que virá. Essa burrice feia afundará o mundo ocidental numa pasmaceira idiota. E pior, feia. Sim, estou repetindo as teorias de John Ruskin. Não conheço melhores.
   Aproveitem a beleza que sobreviveu. E a que ainda nasce. São Heróicas.

PORQUE AS BANDAS DE HOJE SÃO TÃO FEIAS?

   A minha é uma geração que em música deu tanto valor à roupa como a destreza. Afinal, John Taylor dizia que no palco se preocupava muito mais com o caimento do tecido de suas calças do que com sua performance ao contra-baixo. Não à toa, é minha a geração do nascimento do video-clip.
   Interessante observar hoje, que mesmo bandas "de esquerda", como The Clash ou Gang Of Four, tinham um cuidado com o visual que ninguém antes ou depois teria. Uma das coisas que mais me decepciona no rock atual é a falta de ambição visual. Não falo de gosto, falo de arrojo; o rock de agora é absolutamente convencional em visual. David Bowie dizia em 1972 que o público deveria ser tão "star" quanto o artista sobre o palco. O que se vê desde os anos 90 é o palco imitar o público. O artista sobre o palco tem um visual tão pouco interessante como o do garoto suburbano da última fila.
   Os Sex Pistols tinham um visual maravilhoso, assim como Jimi Hendrix, Sly Stone ou Mick Jagger em 1974. Quando minha geração surgiu, por volta de 1982, viemos elegendo Bowie como nosso Oscar Wilde e Bryan Ferry no papel de Walter Pater. Pouco importava a música, o que importava era ser artista. Esse o credo de Wilde, a arte era a vida, a obra era apenas um detalhe. Então procurávamos viver em "estade de arte". Isso se revelava numa atitude diante da vida, o "tentar algo novo". Recordo do modo como eu pintava e repintava minhas paredes, meus móveis e refazia os objetos que eu tinha. O estado era de constante criação, e mesmo que essa invenção fosse tola ou banal, não importava, o objetivo era a atitude criativa, fazer sem pensar no quê.
   As informações eram preciosas: Pollock. Cocteau, Matisse, Man Ray, Gaudi. Soul Music, Jazz, rock de garagem e "as novidades". Como dizia Wilde, a beleza atemporal. A turma que havia surgido imediatamente antes, Blondie, The Cars, Talking Heads, Ultravox, Japan, eram usinas de ideias visuais, tanto quanto musicais. Por um breve período, as artes plásticas eram o centro do mundo outra vez. Basquiat, Keith Harring e Beuys eram nomes de star. Não a toa é esta a era de filmes como Fome de Viver, Blade Runner ou Oito Semanas e Meia de Amor. O visual sobre o roteiro nasce neste tempo.
   Recordo das loucuras em video-clip de Goude, dos elegantes videos de Bruce Weber ( 1991 é o último ano dessa atitude ), e das estréias de Julien Temple.
   Há quem vá dizer que por detrás desse endeusamento do visual se esconde a absoluta falta de inspiração. Não sei. O que posso dizer é que os jazzmen já tinham essa ligação com a imagem ( como afirmação de negritude ) e que nos anos 60 todas as bandas davam um grande show de informação novidadeira. Eram momentos musicais que se ligavam a fotografia, a pintura e a um certo clima boêmio chic. Víamos o Velvet Underground no centro do mundo hiper-excitante de Andy Warhol e os Stones sendo ícones do mundo fashion de David Bailey. Quando o Blondie veio com suas poses à la New York anos 50 o recado foi prontamente entendido. O visual era o centro da coisa.
   Penso, e vejo, que os grupos de agora, ou pelo menos 90% deles, não dão uma foto de Helmut Newton ou um tratamento de Gaultier. Há excessões...quais?
   Posto abaixo um video de Miles Davis, o mais elegante dos ícones do jazz e que em 1986 lançou Tutu. Vi esse video na época e pirei. Lembro de passar a pintar meu quarto com cartas de tarot e de sair na noite imitando o jeito frio e brilhante do clip. Se ele te parecer "muito anos 80" é porque ele conseguiu exatamente o que queria, ser um manifesto daquele momento. Há nele a ambição de ser "interessante". E claro, chic.
   Coldplay, Dandy Warhols, Franz Ferdinand... nunca um deles me deu vontade de fotografar, de pintar ou de me vestir "como eles". Acho que essa geração perdeu muito com essa pobreza.