Aretha Franklin - I Say A Little Prayer



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ARETHA E WHITNEY

   Belo texto no Estadão sobre Whitney Houston. O autor, que é americano, fala que nos EUA ele seria vaiado se dissesse o óbvio: Whitney era uma cantora ruim, fabricada, fria, sem qualquer sinal de verdadeiro talento. O canto que ela emitia nada tinha dela-mesma, era banal e poderia ser confundido com o canto de qualquer outra cantora de seu tempo. Pior, ela institui esse tipo de cantor hiper-produzido, exibicionista e vazio. Um canto sem emoção, sem pensamento, sem personalidade. O sonho da indústria: linha de montagem de vozes.
   O autor ( Lee...o que mesmo? ), conta que a madrinha de Whitney, Aretha Franklyn, não foi ao enterro e disse que Whitney era uma estrela. Só isso, uma estrela, não uma cantora. E como uma estrela moderna, ela torrou 100 milhões em drogas. Drogas usadas com o único objetivo de se drogar.
  Aretha Franklyn era/é uma grande cantora. Tem tudo aquilo que Whitney nunca nem sonhou em ter. Personalidade, sentimento genuíno e pensamento. Cada canção de Aretha traz a marca de tudo aquilo que ela pensa, vive e sente. Uma voz sem igual, única, como únicas eram as vozes de Ray Charles, Wilson Pickett ou de Otis Redding. Aretha canta, e canta e canta. Toda a saga negra na voz. Confundir sua voz com a de qualquer outra cantora é impossível. E essa marca se chama arte.
  Ouvir Whitney é uma experiência vazia de significado. Escutar Aretha é uma aprendizagem. Na morte de Whitney, pobre moça, os louvores são de sua madrinha, a inigualável Aretha Franklyn.

MORRISSEY

   Como aconteceu com Bob Dylan no rock dos anos 60, Morrissey é um belo talento nefasto. Se Dylan sem querer instituiu a praga do "rock relevante", Morrissey inaugurou o lixo do "rock em meu quartinho". Ele feminilizou o rock inglês e o transformou nessa coisinha fofa e sensível que suportamos até hoje. Mocinhos que amam seus ursinhos de pelúcia, com maço de rosas nas mãos e pensamentos "belos" na cabeça...Morrissey matou a virilidade do rock inglês.
   Mas assim como Dylan é infinitamente melhor que seus seguidores, Morrissey transcende a caricatura anódina que fazem seus seguidores. Ele é original, ele tem bom gosto, e ele tem um verniz de humor que seus fãs raramente percebem. Morrissey segue a linha de Oscar Wilde e de Evelyn Waugh, seus fãs são apenas seguidores do lado mais óbvio de suas letras. Chatos.
   Os Smiths eram ok. Mas eles dominaram a ilha de Thatcher. E criaram toda uma linhagem de meninos sensíveis. Chorosos e assexuados. Fico pensando que foram eles quem mataram a linha Clash-Jam-Specials, uma linha viril, anárquica, esperta, que foi engolida pela onda melancólica. Mas Morrissey não tem culpa nenhuma. Ele apenas fazia boas músicas. E era fã de Mott the Hoople e T.Rex. Pegou a Inglaterra num momento Culture Club e Duran Duran. Foi fácil dominar. Depois de Johnny Marr, nenhum guitarrista inglês ousou fazer pose de macho. Todos passaram a balançar a cabeça e a franja como Johnny Marr sempre fez. Nunca mais Mick Jones.
   Leio que João Gilberto, apesar de sua genialidade, trouxe uma maldição à MPB. Todos os cantores após ele se afeminaram. Passaram a cantar delicado, suave, feminino.
   Quem diria? Morrissey é o João Gilberto da Inglaterra.

OSCAR 2012, O ANO DA CRISE

   Pela primeira vez Hollywood admite que houve um filme falado em lingua estrangeira melhor que os feitos nos EUA/Inglaterra. Sempre existiram obras-primas em japonês, italiano ou suéco, mas Hollywood sempre acreditou que no fim das contas, seus filmes eram melhores. Porque isso acabou ontem?
   Um filme francês, de um diretor desconhecido, vence com facilidade aos velhos queridos da América ( Spielberg, Scorsese, Woody Allen e Malick ) e a novos queridos ( Alexander Payne, Brad Pitt e Clooney ). Como? Fácil entender.
   Quem vota é quem faz filmes. E essa premiação é um pedido de socorro. Hollywood, aquela que faz os filmes, e não a que contabiliza custos, aquela que ama o cinema, se encantou por um filme que faz tudo aquilo que eles não mais podem fazer. Um filme que não é parte dois de nada, que não é HQ, que não fala de gente doente ou doida, que não explora violência, que não tem efeitos. Mais que isso, é um filme que fala de amor, bondade, tempo e de cinema. Que lhes lembrou o que significa fazer parte dessa "arte".
   E acima de tudo: Que se pode fazer um filme de coragem. Pois nada pode ser mais arriscado que fazer um filme em P/B, mudo e sem tiros e explosões. Hollywood, sabendo que está num buraco, homenageia a si-mesma num filme estrangeiro.
   Porque o cinema como eu o conheci acabou. Os poucos bons filmes ainda feitos são irrelevantes. O que ficou são 10 monstros anuais que estouram nas bilheterias e um imenso resto que nada significa. Para minha geração ( a mesma de Alexander Payne, Todd Haynes e PT Anderson ), cinema era a arte mais importante. Kurosawa, Fellini ou Bergman eram mais geniais que os melhores escritores, poetas, pintores ou filósofos. Um grande filme era como uma igreja. Assim era para milhões de pessoas. Isso acabou. Cinema é hoje uma sala de emoções simples e baratas. Os filmes se tornaram vazios, bobos, nulos. E os atores choram por isso, os diretores suspiram pela liberdade perdida. Mas a culpa foi deles mesmos. Hollywood deseducou seu público e no processo o perdeu. Cinema já era.
   O Artista nos exibe o auge de uma crise. Em lindo filme que é como um ET no mundo atual. Bravo!
   Quanto a cerimonia....Excelente ver Billy Crystal de volta. Eles perceberam que o jeitão MTV dos últimos anos desmoralizava a festa. Billy foi engraçado, elegante e com timing perfeito. Jamais deveria ter saído.
   Thomas Langmann, produtor do Artista, citou Claude Berri. Claude foi um produtor e diretor excelente, mas Michel, o diretor, dedicou o Oscar a Billy Wilder. Ele falou: -Dedico o troféu a 3 pessoas, Billy Wilder, Billy Wilder e Billy Wilder.
   É um fato. Quando Fernando Trueba ganhou seu prêmio de filme estrangeiro também dedicou o Oscar a Billy. -Se eu acreditasse em Deus dedicaria o prêmio a Ele, como não creio dedico a Billy Wilder! Reza a lenda que Billy lhe ligou no dia seguinte: -Alô...é Deus falando...
   Europeus adoram Billy.
   Achei Angelina feia. Achei Natalie pavorosa. Milla estava bonita.
   Jean Dujardim tem a cara mais simpática do mundo. Espero que saibam honrar seu talento com roteiros que tenham a ver com ele. Já sei que não vai dar certo. Não se escrevem roteiros para atores simpáticos. Os poucos que surgem são todos de Clooney e Pitt. Então que Jean fique na França.
   Meryl tinha de vencer um dia. Pena que em filme tão ruim. E é sempre um prazer ver Colin Firth. De tudo que não vi, sinto vontade de ver apenas o filme sobre Marilyn e Olivier.
   Aposentaram a orquestra.
   A melhor coisa da noite foi a cena de Intriga Internacional no telão. O rosto de Cary Grant e o avião o perseguindo. Cinema em seu apogeu.
   Hugo é bonito mas O Artista é melhor. O Oscar tá pequeno. Hollywood passou trinta anos apostando em filmes idiotas. Namorando adolescentes. Adolescentes são infiéis por natureza. Agora é tarde. Os adultos ficaram adolescentes. O cinema errou.
   O Artista não.

NOITES TROPICAIS- NELSON MOTTA, UM CARA LEGAL

   Eu não havia percebido até então, mas Nelson Motta está em dois momentos muito rocknroll da minha vida. O primeiro é em 1973, quando o vejo apresentar o programa SÁBADO SOM na tv Globo à tarde. Foi o primeiro programa na tv brasileira com clips de rock estrangeiro. Nelsinho aparecia de cabelão, já trintão mas aparentando uns 18 anos. Apresentava a banda a ser exibida, dava um breve histórico. Era um cara sorridente, simpático, sempre de altíssimo astral. Nelson Motta jamais mudou. Continua sorridente, leve, e só se tornou "um coroa" após os 60 anos. Ah sim, o segundo momento rock foi em 1981, quando na tv Bandeirantes ele apresentava o moderníssimo MOCIDADE INDEPENDENTE. Um programa new wave, hiper editado, que apresentava grafiti, videos, poesia, sexo, funk e pirações nas noites de sábado, 21 horas. Foi um fiasco e durou só dois meses. Mas eu vi.
   Neste livro Nelson conta sua vida. Ou deveria. Na verdade ele fala de todo mundo que ele conheceu. E ele mesmo passa ao lado. Nelson sempre foi um grande conquistador. Do tipo passivo. As mulheres o pegavam, Muitas. Por ser sorridente, do bem, calmo e relax. E o livro é como ele: solar. Alegremente escrito, sedutor e despretensioso. Show.
   Tem tanta história boa que fica dificil pra mim falar de alguma. Começa lá no fim dos anos 50, a única época na história do Brasil em que a inteligência dava hibope. Os anos JK. Havia na música uma enorme distãncia entre a zona sul e a zona norte ( não que isso seja bom ). Na zona sul se ouvia jazz, na zona norte samba. E samba do tipo canção, de vozeirão. Na zona sul tudo era bossa-nova. Na zona norte nem se sabia o que era isso. E em apenas 3 anos essa primeira bossa se torna "velha". É chamada de elitista. Vem uma nova bossa, politizada, de esquerda. A mpb será marcada para sempre por essa divisão: direita e esquerda, politizada e alienada.
   Nelson conviveu com essas duas panelas. Na verdade conviveu com quase todas. Da bossa de esquerda veio Elis Regina e Chico Buarque. E ao mesmo tempo surgia no suburbio e em SP a Jovem Guarda, que era de direita e alienante. Imensa divisão: gostar de Roberto Carlos é ser burro. Só um cara quebra esse preconceito: Jorge Ben. Jorge, sempre quieto, calado, calmo, é o cara que é enigma. Para a turma da USP, ele é um "autêntico". O que ele faz é samba, é raiz, é Brasil. Mas para a Jovem Guarda ele é pop. Se apresenta no programa de tv de Roberto, é rock. Na verdade Jorge Ben é Jorge Ben. Um gênio intuitivo. Ele era o futuro. Mais que Elis, Edu Lobo ou Vandré. Mais que Eduardo Araújo ou Simonal.
   E houve Tim Maia. Amigo de rua de Erasmo Carlos, com 16 anos foi pros EUA. Lá foi logo preso e cumpriu pena. E enquanto isso seu amigo Erasmo se tornava estrela no Brasil. Recebendo essas noticias por carta, Tim em nada acreditava. Quando voltou viu que era real. Apareceu na Jovem Guarda mas ninguém gostou. Ele estouraria só em 1970. Tim Maia era soul, era funk, era a maior voz do país. As melhores histórias do livro falam dele.
  Uma delas: Quando moleque Tim trabalhava entregando marmitas na rua. Levava as marmitas numa vara, pendurada nos ombros. No caminho ele ia bicando todas as marmitas. Um feijão aqui, um bife lá, um doce...Vem daí seu problema de peso.
  Nelson fala da tv Record. Do marketing com a Jovem Guarda, da prisão de Erasmo ( corrupção de menores ) e das brigas com outro programa da casa, O Fino, de Elis Regina, que odiava Roberto Carlos. Aliás ela também abominava bossa-nova e foi rival feroz de Caetano Veloso. Só nos anos 70 ela reveria suas posições e até gravaria esse povo. Nos virulentos anos 60 o que mais se sentia era raiva.
   Belas histórias da Jovem Guarda, em que pela primeira vez patroas e empregadas eram vistas juntas num teatro. Depois do show as patroas iam com os cantores às boates dançar. Mas, puritanas e esnobes, não faziam sexo com eles. Erasmo e os outros iam aos lugares mais populares depois que as patroas se iam, onde aí sim, levavam as suburbanas à cama. O maior comedor era Jerry Adriani, que inclusive foi namorado de Maria Bethânia (!!!!!! ), e de Nara Leão ( que fazia parte dos inimigos da Jovem Guarda ).
   Nelson foi casado com Elis e com Marilia Pêra. E teve um zilhão de amores famosos ( que ele, elegante, não conta ). Nos anos 70 ele manda histórias hilárias de Raul Seixas e Paulo Coelho, dos festivais de rock desastrosos, da ditadura, dos Secos e Molhados e das casas noturnas que fundou.
   A Dancing Days foi a primeira disco do Brasil. Um Shopping na Gávea lhe cedeu o local de graça. Na casa ele cria garçonetes/cantoras que serão as Frenéticas. Com ingressos baratos e sem consumação, a casa une globais e surfistas, gente da zona norte e sambistas, playboys e modelos, domésticas e prostitutas. Depois a Dancing Days se muda pro morro da Urca e o sucesso aumenta. Se vai de bondinho, a pista é ao ar livre e se vê o Rio lá de cima.
   Em 1980 ele abre a PAULICÉIA DESVAIRADA em SP. Essa eu conheci. Julio Barroso de Dj, uma parede de telas de tv, zebras e onças, sujeira chique. Muuuuuito pó e new wave.
   Como tinha de ser, quando entram os anos 80 a coisa piora. Muita droga, muita ego trip, a explosão do rock. Nelsinho fala de Lobão, de Lulu Santos e da Gang Noventa. Ele namorou a estonteante May East. E lá no fim do livro ele volta a Tim, que fica como um tipo de espírito doidão que acompanha a história desde 1958 até 1998.
  Falo que todos deveriam ler este livro. É divertido, é informativo, é duca. Nelson Motta escreve fácil, leve, escreve ágil e a gente fica sabendo de um monte de porques, coisas que nos marcam até hoje, enquanto se diverte. Como ele falava no começo de SÁBADO SOM:
  - Alô Alô juventude animada!!!! Vamos ler que é de primeira!

HUGO- MARTIN SCORSESE, BALADA DE AMOR AO CINEMA ( MAIS UMA )

   Na verdade se trata de um filme de divulgação. Scorsese cria toda uma "moldura" para apresentar a quem nunca viu, as imagens dos filmes de Georges Méliés. Contextualizando as películas que nos restaram desse mágico/poeta francês, Martin torna Méliés palatável`aos não-cinéfilos. Eu adoraria que ele fizesse isso com Michael Powell também...
   Recordo de ter assisitido "Viagem à Lua" em 2000, deitado no chão da Oca, no Ibirapuera. Era uma exposição sobre Picasso e eles projetavam o filme de Méliés no teto da construção. Deitados em almofadas, eu e mais 60 pessoas nos deixávamos sonhar. Foi bacana.
   Vamos ao filme.
   Ele é chatinho, e é maravilhoso. É chatinho em todo seu miolo. Se insiste demais em repetitivas cenas do policial atrás do menino e há uma lentidão exagerada em muitas ações. Martin se aproxima perigosamente do pior de Spielberg, parece se deixar envolver pela obra que faz e se apaixona por seu set e por seus personagens. Mas... dito esse "mal", vamos ao "bem".
   Todas as cenas com Ben Kingsley são ótimas e gostaríamos que fossem em maior número. Notamos então que o problema é de escalação. O ator que faz o menino é fraco. Nunca nos deixamos levar por ele. De qualquer modo, os primeiros vinte minutos do filme, sem diálogos, são excelentes, e toda parte final é irretocável. Emociona. De verdade. E acredite, este filme é quase "silencioso".
   Ninguém poderia prever que 2012 seria um ano "francês" para o Oscar. Temos Woody Allen, este filme e Jean Dujardim com O ARTISTA.  Mais que isso, um ano de saudades da década de 1920. Mas Martin, espertamente, usa a mais moderna tecnologia para nos levar ao passado. O filme tem um visual rebuscado. É bom de se olhar.
   Harold Lloyd tem um trecho de filme mostrado. E há uma sequencia soberba com cenas de Buster Keaton, Douglas Fairbanks e Chaplin. Scorsese é um educador. Nos faz ver a mágica alegria dos filmes desses gênios.
    Na história do orfão que deseja consertar um boneco para entender sua vida, temos muito do próprio diretor deste filme. Martin Scorsese tem passado os últimos trinta anos consertando filmes que se estragaram. Salvando películas de se transformarem em vassouras ou saltos de sapato. E como o menino, foi seu pai que lhe deixou a semente da cinefilia. Scorsese tem tirado do limbo autores geniais, tem revitalizado carreiras, tem nos revelado memórias. Exatamente como Hugo faz com Georges.
   Quando o cinema surgiu ( e estamos falando de 1900 ), duas vertentes logo se apresentaram. Aqueles que viam no cinema um modo de exibir "o real", e os mágicos, que viam na tela um caminho para o sonho. Méliés foi o rei da magia. Para ele uma câmera não era um instrumento de reportagem, era uma máquina que produzia alucinações. Seus filmes são loucos, festivos, inquietos. Com a guerra ( 1914 ), seu tipo de cinema saiu de moda, foi taxado de alienado. Morreu pobre e esquecido. Ao lhe prestar tributo, Scorsese homenageia o veículo, a origem francesa do cinema, o ambiente onde ele foi gerado, o poder da magia. Não nos esqueçamos: o cinema nasce no mesmo meio que nos deu Proust e Renoir. A Belle-Époque.
   Há no filme uma fascinação pelo mecânico, pela engrenagem, há a despedida, o adeus a um tipo de técnica, ao filme do século XX, mecânico/químico. Martin Scorsese diz adeus ao velho filme, e adentra o cinema digital do nosso tempo.
   É um belo e muito imperfeito filme. O ARTISTA é bem mais ousado e em sua proposta muito mais "perfeito". Mas Hugo, mesmo com sua chatice, fica em nossa memória como algo de bonito e de nobre. Para tempos de cinema tão cínico e vazio, não é pouca coisa.

Caribbean Moon - Kevin Ayers (1973)



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Boney M - Ma Baker 1976



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ALMANAQUE DOS ANOS 70- ANA MARIA BAHIANA ( FOI DE VERDADE? )

   Como diz a autora, os anos 70 dão a sensação de que jamais existiram. Para quem viveu neles, as lembranças se parecem com sonho, são todas irreais, como se tudo aquilo tivesse acontecido em um não-mundo e em um não-tempo. E para quem nasceu depois, fica a impressão de que a década foi um tipo de parque de diversões brega. Foi. Nenhuma década se parece com ela.
   O que se pode dizer de um tempo que teve o punk rock e o Abba? A seleção da Holanda e Fio Maravilha? Idi Amim Dada e Margaret Thatcher? Foi no minimo divertido pacas! Não que Idi Amin fosse divertido, mas a diversidade de lideres era absurda e absorvente. Aliás, ainda existia essa coisa chamada liderança. A crise da Europa é acima de tudo uma crise de homens. Um Churchill ou um De Gaulle dariam jeito na bagunça. Depender de um playboy francês e de uma burocrata alemã é o kaos.
   Os anos 70 foram tão esquisitos que Stanley Kubrick era sucesso pop. E as pessoas iam no cine Iguatemi ver filmes com sexo explicito. Lixos como Caligula ou Histoire D'O. O cinema da década é muito esquizo. Hoje existem filmes esquisitos ainda, mas nos 70 eles eram sucessos de público. A década ia de Star Wars e Inferno na Torre a Taxi Driver e Um Dia de Cão. Woody Allen, Al Pacino, Coppolla e Scorsese são a cara da época. Assim como Jack Nicholson, De Palma e Spielberg. O cinema ali virou um cada um por si.
   Foi a década do eu. É quando as pessoas deixam de seguir gurus e passam a fazer "análise". Os analistas nunca foram tão pop. E os astrólogos também. Foi o tempo que criou a ditadura do desejo. Liberar os seus quereres. Transar o sexo numa boa. E tome swing e gay power.
   O que dizer de um tempo que criou a pornochanchada e os Secos e Molhados? Que tinha Clint Eastwood e os Dzi Croquettes? Na verdade os anos 70 inventaram o século XXI. Do mundo interligado à música sintética, tudo foi criado aqui. Inclusive os anti-depressivos.
   Topless nas praias e a praga da cocaína. Tanguinhas e as primeiras celebridades que são famosas por serem famosas. Mas ao mesmo tempo havia Milan Kundera, Italo Calvino e Saul Bellow. Escritores sérios eram ainda muito pop. Philip Roth era uma estrela. John Updike também. E Capote era uma celebridade.
   No Brasil a TV´passou a ser rei. E os enlatados dominavam. Enlatados eram séries made in USA. O futebol do Rio ainda era o melhor e o basquete brasileiro era um dos top 5 do planeta. Tempo das costeletas de Emerson Fittipaldi e de várias mortes nas pistas.
   Uma década onde se usava sapato plataforma e camisa justa pinky não pode ser séria. Lapelas imensas e saias de cigana. Não se procurava a elegãncia sóbria, se desejava o fun. O exuberante excessivo.
   Os Z-Boys criaram o skate profissional e os australianos o surf moderno. Mark Richards, Cheyne Horan, Ian Cairns. E o rock de estádio nasce com o Queen. E o Aerosmith. E Van Halen. O que dizer de um tempo que criou Bruce Springsteen e o Village People? Kraftwerk e Kiss.
   Drogas eram tudo. Mesmo para quem não sabia o que era droga. Porque nas cores dos móveis ( minha mãe tinha um quarto todo roxo com luminárias vermelhas, voce ficava doidão só de entrar nele ), e nos desenhos infantis ( os Bugaloos ou Hardy Boys ), tudo era como uma viagem drogada. A década parecia ser escrita por algum roteirista junky.
   E nessa levada, as pessoas viviam da pura euforia à mais absurda deprê ( que se chamava bode ). E ficavam muito na rua. Era a época em que balada era ficar caminhando pelas ruas cheias de bares, a pé, entrando em todos e não ficando em nenhum ( quando saio eu ainda hoje tento fazer isso ). No fim da década, com a disco, é que veio essa coisa de se enfiar num clube e passar toda a noite trancado.
   O que dizer de um tempo que teve Benito di Paula e Raul Seixas? Lixo nunca foi tão luxo. E arte nunca foi tão profana. O grafiti e o rap nascem aqui também.
   O primeiro filme "sério" de HQ ( Superman ) e o primeiro filme adulto de sci-fi ( Aliens ); e na TV o Saturday Night Live. Além do Muppet Show e Columbo. Que mais voce pode querer? Chacrinha !
   Ainda não havia silicone. As mulheres tinham o corpo da Rose di Primo, cheio de curvas e muuuuuito bronzeado. E os homens mais desejados eram como Robert Redford, magros e nada malhados.
   A autora lembra de uma coisa esquecida: brinquedos eram pra fazer a criança se mover. Nada de coisas pra ficar parado. Brinquedos pra ir pra rua. Ou pelo menos pro quintal. Foi a última década de quintais.
   O que dizer de um tempo em que as torcidas nos estádios não eram divididas? E em que o comunismo ainda era "o futuro"? A giria mais usada era "um barato". E eu pegava carona na avenida Paulista. Era um barato, um sarro, alucinante, odara. Voce parava na janela do carro e dizia: " E aí cara? Vai uma carona?"
   Quem viveu os anos 70 se apaixonou pelo tempo. Taí esse monte de filmes passados naquela época, filmes de diretores apaixonados por aquilo tudo. Desde Boogie Nights passando por Quase Famosos, Dazed and Confused e Crazy. Aliás Tarantino vive nela até hoje, Todos os seus filmes são 70's.
   Ter tido 12, 14 anos em 1976, 1978, e ter ido às bancas comprar Mad ou Homem-Aranha, montado numa Caloi 10, usando uma camiseta Hang Ten, com tênis Bamba e os longos cabelos descoloridos ao vento... De bermuda de calça jeans cortada e com More Than a Feeling na cabeça... Que baratão!
    Mas....aquilo tudo foi real??? Um presidente como Jimmy Carter, ele existiu? Clóvis Bornay e Asdrúbal Trouxe o Trombone, foram pra valer? Não foram delirios de mentes cheias de peyote?
    É doido isso. Para todos nós, os anos 70 parecem sempre ontem, enquanto os anos 80 parecem muito antigamente e a década de 90 se parece com algo muito distante. Os 80 e os 90 têm um aspecto de vida muito real, de coisa sólida, e portanto mortal. Já os 70 ao se parecer com delirio escapam dessa temporalidade. Não foi um tempo, foi como um parente maluco. Ele morreu, mas tá aqui.
   Que bem louco!

   Uma década que nos deu Boney M e Kevin Ayers.... dizer o que? Viva o excesso!
  

RECONCILIAÇÃO E UM CHORO MUSICAL

   Para a felicidade faz-se necessária a reconciliação. Sem ela não há como.
   Acordar ouvindo a música que vem do quarto. A luz entra pela minha janela e no vizinho um cachorro preto dá um latido. O galo canta no meu quintal. No teto do meu quarto há um friso de madeira. Imagem de Cristo com um coração vermelho.  E vem música do quarto de meu pai.
   Ele sempre acorda com o rádio ligado. Chorinho. O despertador dele faz um tic-tac ensurdecedor.
   Da cozinha vem cheiro de café. Coado em coador de pano velho. As xícaras são de louça verde-água. Meu pai bate a colher na xícara após mexer o café. Pela porta aberta da cozinha entra sol. Estou de pijama. Móveis de fórmica verde e fogão vermelho. Na parede de azulejo branco há um termômetro com um desenho de uma baleia: SFC, Campeão Paulista de 1969.
   Nas gaiolas dos canários meu pai sopra as cascas do alpiste. E troca a água dos bebedouros. Ele os pega nas mãos e beija suas cabeças.  Quem não teve pai que cuida de canários nunca vai saber o que é ter um pai que cuida de canários.
   Voltar pra casa. Tantas canções falam de voltar pra casa. Essa casa de canários e de chorinhos não existe mais. Esse país de canários e de chorinhos não existe mais.
   Andando pela rua escuto chorinho vindo da mercearia. A cadência malemolente do pandeiro casando com o dedilhar suave das cordas. E a flauta que voa entre as notas. Música que tem perfume e cor. E da rua entro no barbeiro. Ele coloca uma lata de açúcar sobre a cadeira. Sento sobre a lata e ele corta meu cabelo. Descubro que isso não dói.
   Em casa meu pai bota graxa na bomba do poço. Com um pincel. Enquanto faz isso ele assobia um chorinho alegre.
   Quem não teve um pai que assobia um chorinho alegre enquanto põe graxa na bomba do poço não sabe o que é ter um pai que assobia enquanto põe graxa na bomba do poço. Que tem 14 metros de fundura e onde jogo pedras pra ouvir a água fazer "tchum".
   O paraíso que ansiamos é o retorno á casa. Ao lar. Que é impossível, eu sei. Mas a reconciliação com esse mundo é o único modo de se começar a ser feliz. Abraçar o menino de pijamas e admitir o amor ao homem que cuida dos canários.
   Sobre as parreiras que se entrelaçam numa armação de ferro, ele joga uma lona pesada. A sombra se faz sobre a terra seca. Entro agachado.  Aqui dentro a sombra que refresca e as folhas das parreiras. Lá fora o sol forte castigando as alfaces e as couves altas. Deito sobre a terra e afasto as pedras. Do vizinho vem a narração de uma novela de rádio. As vozes do narrador, do mocinho e da namorada sofredora. Fecho os olhos e nada penso. Minha mãe começa a estender lençóis brancos. Eles voam ao vento. Olho as mãos dela esticando lençóis. Faz-se uma parede de pano branco que voa. Vela de navio. Volto a fechar os olhos e deitar sobre a terra. Uma lagartixa preta corre entre as barras de ferro que sustentam a parreira. A lona esquenta e começa a cheirar como lona quente.
   Se eu ganhar um bilhão e namorar as vinte mulheres mais lindas e interessantes do mundo, ainda assim, sonharei com essa tarde. Porque o homem é o único bicho que tem infância. Mais que isso.
   E uma enchadada na lama faz com que milhões de minhocas gordas apareçam. E os filhotes de pato correm e começam a engolir todas elas. Alguns deles comem tanto que o papo incha e toca na lama preta. Patos são burros. E os pombos brancos voam em formação no céu. Meu pai cria pombos de pés rosa. Pombos do mato, limpos e de bicos claros. Gordos.
   Começa a amanhecer. Meu pai liga o rádio. Um pandeiro e uma flauta.
   Eu pensei que a vida fosse sempre assim.
   Ela é.

PERFEITA TRADUÇÃO DO QUE SEJA O DESEJO: A TUA PRESENÇA, FAIXA DO DISCO QUALQUER COISA DE CAETANO VELOSO

  É uma batida só. Que se repete e se repete e não muda e não sai. Não se transforma. Bumbo e um toque de violão. A voz. A voz é como um lamento ou uma prece. A voz é uma voz que sabe-se presa do desejo. Porque o desejo prende. E é um não.
  Ele fala da presença. Pois o desejo faz da pessoa que se deseja uma presença que a tudo mata. Pois ela está em todo lugar e todo lugar deixa de ser todo lugar. Tudo vira uma única coisa: o desejo.
   E a batida cresce e o desejo cresce.
   Mas é arte, então o desespero é prece e a canção é quase uma espécie de reza. O desejo absoluto sempre chega a ser religião. E faz dessa negação de si uma confirmação de ser. Contradição.
    Uns violinos zumbem. Negra e morena.
   Quanto desejo pode um homem sentir?
    Uma canção linda mais que bela linda e bela, desejo.
     Mas quero falar de mais....
     Depois tem Jorge da Capadócia. Que é uma prece de Jorge Ben e que pede proteção.
     E tem surpresas: Eleanor Rigby em ritmo de samba.
                               For No One em ritmo de bossa-nova.
                               E Lady Madonna como MPB.
     Não é homenagem aos Beatles. É pra Paul e pra Tom Jobim. Mostra que a Bossa cabe em tudo. E mais: as 3 ficaram muito, muito boas. For No One chega a ser genial.
     Um PS: Minha mãe me disse para minha imensa surpresa que ela adora Seu Jorge. E eu nem sabia que ela sabia quem é o cara! Ela pede uns cds dele. Seu Jorge, devo admitir, sacou a coisa certa. Tudo aquilo que tenho escutado de mpb Seu Jorge misturou. Quem escutar a versão Caetano de Lady Madonna vai entender.
    PS 2: Qualquer Coisa foi a primeira canção de MPB que gostei. Tem aquele tipo de rica orquestração que só aqui se fazia. Ela decola e voa. Eu tinha 11 anos. Mas só comprei o disco e fui o entender aos 18.
    Sem PS agora: O cara canta muito! Este disco é quase só voz e violão.
    É pra ouvir no escuro. E assobiar. Entre 1972 e 1982 Caetano foi infalível.
    Tá dito.

SEGREDOS SUBMERSOS DO ATLÂNTICO- EDUARDO MEURER

   O melhor neste livro é o bom-humor com que tudo é descrito. Problemas com tubarões, cabos que se partem, tempestades, motores quebrados, nada tira a graça do texto de Eduardo Meurer. Ele enche as páginas de piadas, palavrões, rimas, causos e remembranças que dão sabor e cheiro ao livro. O único senão é que às vezes ele se torna didático demais. Os termos náuticos não precisavam ser tão "traduzidos".
   É um grupo de amigos, dentre eles Lawrence Wahba, que partem de Santos rumo à Cabo Verde. Acompanhamos a captação de patrocínio, a formação da equipe, a manutenção do barco ( uma escuna ), e por fim a expedição. Eduardo conta a história dos fortes mal conservados, dos faróis, dos naufrágios. Mas o objetivo é mergulhar, e então peixes, moluscos e seres misteriosos são as estrelas do livro. E pássaros também.
   Ao contrário da narração de Geraldo Linck, que dá mais ênfase ao sul e sudeste do Brasil, aqui o nordeste é descrito mais detalhadamente. É uma região de águas claras, de peixes coloridos. Muito rock rola naquele barco, e a amizade entre os caras é o que permanece na memória após a leitura.
   Eles alcançam o Cabo Verde, isso após aportarem em várias ilhas do alto oceano. É uma chegada bonita, alegre, exultante. Como é todo este agradabilíssimo texto de Eduardo Meurer.

POSEIDON/ SHAMPOO/ DARJEELING/ ELVIS/ DORIS DAY/ OLIVIER

   O DESTINO DO POSEIDON de Ronald Neame com Gene Hackman, George Kennedy e Shelley Winters
Imenso sucesso em 1972, foi refilmado por Wolfgang Petersen sabe-se lá porque. Este é um filme ok. Isso porque os atores são ótimos e Neame não era um diretor medíocre. Se formou no cinema inglês na equipe de David Lean. A história é aquela: um navio é pego por onda gigante e fica de cabeça pra baixo. Um grupo tenta escapar. Leslie Nielsen é o capitão, e a gente fica esperando uma trapalhada. Hackman, no auge de seu sucesso, é um padre progressista. Boa diversão produzida por Irwin Allen, que empolgado com o sucesso deste filme fez logo Inferno na Torre e Terremoto.  Nota 6.
   RICARDO III de Laurence Olivier com Laurence Olivier, Ralph Richardson, John Gielgud e Claire Bloom.
Olivier faz Ricardo quase como um humorista. Ele gosta do personagem e nos incomoda isso. Ricardo é um monstro. Mata sobrinhos, primos, destrói irmão, tudo pelo trono. Ao final, feito rei, é derrotado em batalha magnifica. Não é das peças de Shakespeare que mais me fascinam. Mas Richardson está brilhante e Olivier, maquiado e quase irreconhecível, é sempre um prazer. Este filme, feito em 1955, foi o primeiro grande espetáculo a estrear primeiro na TV ( na NBC ) e depois nas salas. Foi exibido em toda a costa leste numa noite de sexta-feira. Não tem a ousadia de Hamlet ou a beleza de Lear, mas ainda assim vale ser visto. Nota 6.
   DONNIE BRASCO de Mike Newell com Al Pacino e Johnny Depp
Agente do FBI se infiltra na vida de pequeno mafioso. Esse agente começa a se sentir como parte da máfia e cria uma relação afetiva com Pacino, um mafioso mal sucedido. Não sei o que pensar desse filme. Tem seus momentos, mas nada nele tem algo de novo ou de ousado. Pacino está ótimo, mas tudo o que ele faz aqui é trabalho já visto. Tem Michael Madsen fazendo o papel que fez por toda a vida. Quantas cenas de clube de strip e tiros com Madsen no meio voce já viu? Johnny Depp faz Johnny Depp. É um filme muuuuito longo..... Nota 4.
   VIAGEM À DARJEELING de Wes Anderson com Owen Wilson e Adrien Brody
O que tem Owen Wilson? O cara faz montes de filmes e não tem nada de tão especial. Falta de opções para os produtores??? Wes Anderson, que percebemos nos extras do DVD ser um cara beeem estiloso ( no bom sentido ), diz ter feito este filme inspirado pela obra de Satyajit Ray. O legal é que ele nunca tenta se parecer com o gênio indiano. Usa algumas músicas de seus filmes, mas o estilo deste filme é "Wesandersoniano". Ele faz clips lindíssimos, o filme tem cenas muito interessantes, mas todas são mal alinhavadas. Anderson não sabe narrar. O filme é como um trailer de hora e vinte. Um belo trailer. Algumas cenas são desonestas: qualquer coisa filmada com o som de Play With Fire ao fundo, parece ser genial. Wes Anderson também coloca três músicas ótimas dos Kinks e vemos o velho cineasta doidão Barbet Schroeder fazer um papel. Jason Schwartzman, que tem as melhores cenas, disse em entrevista que seu cineasta favorito é Hal Ashby. Faz sentido, muitos filmes atuais têm um jeitão de Ashby. Jason fala que "SHAMPOO" é seu filme mais querido. Para este dou nota 6.
   SHAMPOO de Hal Ashby com Warren Beaty, Julie Christie e Goldie Hawn
Se voce leu o livro sobre os tempos loucos de Hollywood, aquele de Peter Biskin, já conhece a fama deste filme. O roteiro de Robert Towne sendo muito disputado, a importância do produtor Warren Beaty e o imenso sucesso de bilheteria que esta produção conseguiu. Aparentemente é um filme banal. Fala de um cabeleireiro, na Beverly Hills de 1968 ( o filme é de 1975 ), que é desejado por várias mulheres. Ele transa com todas, mas na verdade só poderia ser feliz com aquela que ele não mais pode ter. Warren faz então algo muito próximo daquilo que ele era na época, o mais voraz dos garanhões de Hollywood. Beaty tem a fama de ter tido "todas" as atrizes que valiam a pena. Todas. No elenco deste filme temos duas delas, Goldie que foi um caso rápido e Julie, que foi uma conturbada relação de cinco anos. Só com a idade e Anette Bening é que Warren Beaty relaxou. Sua interpretação aqui é absorvente. Um belo homem perdido, dominado pelas mulheres, cheio de medo. Ótimo. Julie Christie, minha musa da adolescência, faz a paixão de Warren. Uma mulher que usa os homens, que ansia por segurança. A leitura mais profunda do filme mostra a eleição de Nixon como a vitória do cinismo.  Todos os libertários do filme se dão mal. O ricaço poderoso sai por cima. O filme é cheio de ameaças, é como se uma tempestade estivesse se armando. Não é um grande filme. Ashby não chegou a fazer sua obra-prima. Mas é invulgar. Nota 7.
   JÁ FOMOS TÃO FELIZES de Charles Walters com Doris Day e David Niven
Um desastre. Doris Day era ótima, mas este roteiro é indigno de seu talento. Niven também está sub-aproveitado. Não merece um zero por Doris e David. Nota 1.
   UM ESTRANHO CHAMADO ELVIS de David Winkler com Harvey Keitel e Bridget Fonda
Juro que já não lembro deste filme. Algo sobre um cara em crise e uma carona que ele dá pra um cara que pensa ser Elvis. Keitel tá ok e Bridget era luminosa, mas o filme é raso. Winkler é filho do excelente produtor Irwin Winkler, produtor que fez alguns dos melhores filmes dos anos 70. O talento de David desmerece o pai. Nota 2.

CARNAVAL COMPLETO PORTELA 1981 GLOBO



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CARNAVAL

   Não existe mais samba enredo que vire sucesso popular. Eu ainda peguei o tempo de "Nesse palco iluminado/ Só dá Lalá/ És presente imortal....", ou então, "É hoje o dia/ Da alegria/ E a tristeza/ Nem pode pensar em chegar..." E eu adorava uma que dizia, "O carnaval é a maior caricatura/ Na folia o povo esquece a amargura...."
   Samba enredo é hoje apenas um tipo de marchinha militar com a única função de fazer o povo evoluir. Desfiles de escolas de samba perderam qualquer traço de espontaniedade. Os desfiles se tornaram competição, têm tática, meta e planejamento; o deslumbre visual se aprimorou, o maravilhoso kaos dionisíaco se foi. Apolo é o deus do carnaval das escolas e dos trios da Bahia. A estupenda e estúpida comunhão de suores e de alegrias foi substituída por uma organizada e burocratizada bebedeira geral.
   Acompanhei os desfiles dos anos 70/80. Sem sambódromo, eram feitos na avenida. As toscas arquibancadas de madeira podiam ruir e o povo invadia o asfalto e não deixava a escola andar. Para isso existia o abre-alas, para abrir caminho na multidão. A platéia assistia a escola como se estivesse dentro dela, se podia tocar as fantasias. Um kaos que fazia com que sempre houvesse atraso e lembro de um desfile ( 1977? ) que acabou às 15 horas de segunda-feira!!! Era menos bonito que hoje, mas era lindo. Havia suspense, voce nunca sabia o que podia acontecer. Carros quebravam, a bateria atravessava ( não havia sistema de som ), se chovesse a pista alagava, tudo de errado podia vir. Mas em compensação, quando dava certo, voce via o povo entrar na escola e levar o samba junto. Eram palmas e cantoria vindo da arquibancada para a escola e vice-versa. Por estarem passando muito perto tudo era uma coisa só. Era lindo. A escola passava e o povo ia atrás.
   Quem desfilava era da comunidade, poucos famosos desfilavam, e esses poucos frequentavam a escola o ano inteiro. E o legal é que cada uma tinha seu estilo. A Portela era metida a aristocrata, toda séria e cheia de pose; a Mangueira era a falida, de uma digna pobresa, a rainha da tradicionalidade, brega e de raiz; o Salgueiro era excêntrico. A mais ousada, inovadora, doida de pedra. O Império Serrano sempre comia pelas beiradas, vinha na empolgação, caprichava nos sambas. A Mocidade tinha a melhor bateria e a Imperatriz era a mais fria e sem carisma. Quando veio o furacão Beija-Flor, em 1976, todas entraram em crise e perderam o rumo. O carnaval mudava para sempre com Joãozinho Trinta. O luxo se fazia rei, mulheres nuas e destaques sobre os carros. Todas as outras se beijaflorizaram e a diversidade foi pras cucuias. Que pena...
   Comecei a me interessar pelos desfiles pra ver mulheres sem roupa. Mas depois comecei a achar aquilo tudo muito emocionante. E lembro de até ter chorado com os desfiles da Portela em 81 e da Mocidade em 89. Mas desisti faz tempo. Tá tudo exatamente igual.
   Na Tv, 1981 foi alucinante. Algum maluco na TVE do Rio teve a idéia de cobrir todo o carnaval do cidade ao vivo, sem interrupções, todos os quatro dias. É isso mesmo: de sábado à terça, 24 horas no ar, só carnaval e só na cidade. Isso fazia com que eles passassem blocos da zona norte e desfiles de fantasias de todo clube metropolitano. Eram bastidores de festas, ruas sendo preparadas, rodas de samba em botecos, desfiles de escolas do grupo 3. Voce imagina o que era arriscado transmitir carnaval às nove da manhã de segunda-feira? Sempre ao vivo. De noite voce ouvia os narradores esgotados, avisando que iam dormir quatro horas para logo voltar à folia. Era uma maratona de revesamento, era uma das coisas mais loucas e soberbas que a TV já ousou. E deu certo. Lembro de Clóvis Bornay comendo uvas... Isso que voce leu, Bornay comendo uvas e falando abobrinha, pois não havia mais nada de interessante para passar às 18 horas de terça-feira, então tome Bornay na sua sala e tome desfile de fantasia infantil em Paquetá. Carnaval tem de ser assim: cheio de erros, de desafios, de bobagens, e sempre lindo. A equipe de Fernando Pamplona deu um show!!! 76 horas no ar sem parar, sem nada pré-gravado, nas ruas, correndo para onde houvesse folia. Mesmo os que estavam nas ruas do Rio não se sentiram tão dentro do clima de carnaval do Rio como aqueles que sintonizavam a TVE.
   Carnaval é também guerra de água nas ruas quentes de meu bairro, são os bailes do Flamengo que a TV passava, e que com seus exageros de sexo ajudaram a derrubar a censura. Foram os desfiles que eu via em Santos, na rua, bestificado pela força que uma bateria tem ao vivo. Que show de rock que nada, a zueira é uma bateria completa. Voce fica dias com aquela batida dentro da cabeça. Carnaval era também se fantasiar para correr pelas ruas, jogando confete nos poucos carros e rir e rir e rir...
   E pra voce que odeia carnaval mas adora Keith Richards ou Ozzy, saiba que se eles aqui estivessem estariam na rua, vendo, ouvindo, fazendo. Se perdendo entre as curvas da mulata e alucinando com o ritmo do surdo. O Carnaval verdadeiro não é pra amadores.
  
  

Ive Brussel - Jorge Ben Jor Con Caetano Veloso



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SALVE SIMPATIA! - JORGE BEN. PARA ANIMAR A FESTA...

   É comum se dizer que Jorge Ben foi melhor em sua fase "violão". Que ao começar a tocar guitarra elétrica Jorge Ben nunca mais se mostrou o mesmo. Concordo em parte. Os 3 primeiros discos elétricos são maravilhosos! Ben arranha a guitarra, usa-a como um tipo de percussão, faz com que ela bata, repique, ribombeie. E atrás dele, toneladas de bumbos, caixas e pandeiros, e mais tamborim, pandeiro, reco-reco. Um naipe de metais, um baixo suingante e os backing-vocals espertos e sexy de algumas meninas insinuantes. Uma receita unida pela voz de Jorge, voz que faz samba, que funkeia, que derrama letras que são simples, mas que também são retratos perfeitos do momento, de um movimento, de alguém que passa e que vem.
   Salve Simpatia é o segundo disco elétrico de Jorge e dessa fase foi o que mais vendeu. De suas oito faixas, cinco se fizeram hits. Ele fala de boiadeiros, mulatas sensuais, reencontros, jornalistas de botequim, moços simpáticos e tem até mesmo letras em latim. Jorge Ben sempre se interessou por filosofia hermética, alquimia, magos medievais e qual o sentido da vida. Ele às vezes divaga sobre os porques e os praques, mas sempre dá a impressão de que tudo se resume a uma questão de simpatia.
   Em janeiro de 1981, no Guarujá, Jorge Ben tocou sobre a areia para um mar de pessoas. Era o segundo verão do desbunde e as pessoas se beijavam e se abraçavam debaixo de um céu que parecia o mais lindo de toda a história do planeta. Lembro que muita gente subiu no palco e cantou com Jorge, assim como houve uma alegre guerra de areia. Era o quarto show de Jorge que eu assistia em poucos meses e eram todos absolutamente idênticos. Na época ele divulgava o conceito de simpatia. Não posso explicar o que isso seja, mas posso garantir que sei o que é. É o mais perfeito caminho para ser feliz.
   Da primeira canção, que vem em crescendo de ritmo grave, até a última faixa, intimista, tudo no disco é simpático, é união que transforma. União que transforma, encontro que faz diferença.
   Adelita é uma das minhas canções favoritas de sempre. Ela é como fim de tarde em praia e sol se pondo vermelho. É festa que se aproxima. Fala de moça bonita como uma rosa. Ive Brussel foi um sucesso imenso. Descrição de flerte, descrição de reencontro, ritmo de verão. Sempre me lembrou sorvete de limão e garotas de shorts.
   Dentre todas as músicas, Valdomiro Pena é das melhores. Tem um encadeamento de palavras que por si só já é coisa genial. Jorge usa as sílabas como naipes de percussão, células ritmicas. Quando em seguida explode a faixa Salve Simpatia, voce vê a vida simpática diante de seus olhos. O ânimo está presente.
   Ninguém é menos indicado para uma geração frouxa que o vivo Jorge Ben. Ele é esperto, ele é alegre, ele é sempre pra cima. Mesmo quando fala sobre qual o sentido da vida. Na verdade o que ele faz e sempre fez é samba. Música pra cintura e pro coração. Simpática!

VELEJANDO O BRASIL- GERALDO TOLLENS LINCK

   Estrangeiros quando conhecem o Brasil, principalmente australianos e americanos, estranham o fato de como os brasileiros ignoram o mar. Não estou falando da praia, falo do mar. O brasileiro adora ficar sobre a areia, torrando ao sol, jogando bola ou bebendo, mas ele não faz nada com o mar. Esses turistas se surpreendem. O brasileiro, e 3/4 de nós moramos à beira-mar ( até 100 km de distãncia é beira-mar ), não mergulha, não surfa, não faz esqui e não navega. Franceses, americanos, australianos, alemães e suecos têm o mar como amigo, irmão e o usam como o melhor dos playgrounds. O brasileiro, que tem mar que não acaba mais, o ignora. Prefere o asfalto.
´ É como se o mar não fosse nosso. Como se o Brasil terminasse na beira da areia e as águas fossem terra estrangeira. Se temos a tendência histórica de ver a terra brasileira como algo fora de nossa posse, o mar é então um continente "do outro", dele não queremos saber. Dessa forma, todo navegador de águas brasileiras logo percebe que 90% dos veleiros e iates que ele cruza são de navegantes estrangeiros. Europeus deslumbrados, australianos aventureiros e americanos livres. Brasileiros ficam na areia.
  Lojas náuticas, iates clubes e clubes de mergulho ainda são vistos como coisa de imigrante rico. Não há país no planeta que ignore de forma mais estúpida aquilo que ele tem de mais precioso, o mar. Pessoas que deveriam estar adquirindo saúde, experiências e independência no mar, preferem gastar tempo e dinheiro em bares de cidades grandes e academias de malhação fechadas. Burrice.
  Linck sai do Rio Grande do Sul e margeia a costa até o Oiapoque. Leva um ano no percurso. É um livro escrito em 1977, e dá dor no coração ler a descrição que ele faz do mais belo litoral do mundo : Aquele que liga Bertioga a Angra dos Reis. O trecho antes de São Sebastião é descrito como "virgem", sem dono, um paraíso de praias desertas, de rios de cristal e cachoeiras magníficas. Pescadores e aventureiros vivendo à beira mar. Linck diz que nada é mais belo que esse trecho de mar, que atinge seu apogeu na Ilha Grande e em Angra. No caminho ele vai falando de piratas que lá viveram, de descobertas e dos peixes e pássaros. O barco é descrito em seu cotidiano, nas noites de estrelas, nas manhãs quentes e nas tempestades sem fim. Voce se sente dentro do barco, navegando, indo história adentro, vendo os fortes dos holandeses em Pernambuco, os areais do nordeste, a foz do Amazonas, os sons das ondas e as dicas sobre navegação. 
  Indios ainda havia no nosso litoral, e jangadas, assim como ermitões alemães e franceses. Linck prevê que se o homem for sábio, lá por 2007 não se usará mais petróleo no mundo...Mal ele poderia adivinhar que em termos de energia não mudamos nada desde 1977.
  Um delicioso livro ideal para o verão. E que além de dar prazer, nos faz pensar naquilo que podemos viver e não percebemos. Na liberdade que podemos ter e ignoramos. No que de melhor possuimos e esquecemos. Rumo ao mar, Brasil !

Dorival Caymmi "O que é que a bahiana tem"



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Maracangalha - Tom Jobim e Dorival Caymmi



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O REI DA RAÇA. ( ORGULHO DE MEU PAÍS ).

   Era um verão triste. Fim de mais um romance, solidão e vontade de não estar onde se está. Janeiro de 1987? Ou seria 88? Era tarde de absoluto tédio. Então na TV tem uma entrevista com Caymmi. E eu lá queria saber de Caymmi?
  Ia mudar de canal, mas antes olhei a cara de Caymmi e resolvi dar uma chance pra entrevista.
  O homem tava de branco e com uma malinha na mão. E se falava da mania que ele sempre teve de andar com aquela malinha. O que há na malinha? Ele sorri. E ninguém no mundo sorri como Caymmi sorri. E então, na beira do mar, ele toca O Mar.... e eu recordo que num verão sublime, em 1973, eu ainda criança, cantara O Mar na praia de Santos. A letra estava no meu livro de português. ...Quando quebra na praia é bonito....
  Virei fã e sorri durante toda a entrevista. Salvou meu verão ruim. Ter 70 anos e ser Dorival Caymmi... nada pode ser melhor. Espero chegar lá...
  Todo país tem um cara que sintetiza o gênio da raça. Não falo do cara mais criativo ou importante, falo do melhor. O ser que é tudo aquilo que a nação tem de mais particular, de mais secreto, que é só dela. Caymmi é o Brasil em seu melhor. Tudo de bom que ainda se imagina ser o Brasil, é na verdade lembrança de Caymmi. Numa biografia que li sobre ele ( livro dado de presente por meu amor num dia de namorados caymmiano ), Caetano diz que as músicas de Caymmi parecem não ter autor, parecem ter existido desde sempre, como se fossem parte do lugar, coisas criadas pela natureza. Dorival Caymmi é a natureza do Brasil em seu melhor. Ele é a Serra e a praia.
   Ele cresceu ouvindo sambas e Debussy, roda de capoeira e Ravel. E apesar do pai músico, aprendeu a tocar violão só. Em 1938 já era rei na Bahia, foi pro Rio e em meses era rei do Rio e do país. O QUE É QUE A BAIANA TEM? Estourou com Carmem Miranda nos EUA. Foi convidado por Disney em pessoa a ficar por lá. Não aceitou. Tempos mais simples e menos ambiciosos, não queria ficar longe do mar e dos amigos. Algumas músicas de Caymmi rodam o mundo. MARACANGALHA tem versões em alemão, em francês e até existe uma gravação israelense.
   Dizem que Caymmi é preguiçoso, lento, que compôs pouco. É verdade. Levou oito anos para finalizar uma música. Mas suas letras são depuradas ao extremo. Cada sílaba é cuidadosamente casada à melodia. EU VOU PRA MA RA CAN GA LHA EU VOU, tudo matemáticamente ajustado, a sonoridade da letra percutindo na boca, sendo parte do ritmo. O MAR QUAN DO QUE BRA NA PRA IA É BONI TO É BO NI TO.
  Acabo de reouvir EU VOU PRA MARACANGALHA, o quarto disco de Caymmi. Sambas baianos malemolentes, a rica tessitura de arranjos com violinos e metais, vocais de fundo quentes e malandros. E a voz grave, articulada, solar de Dorival Caymmi. Voz que causou espanto nos anos 40 por não ser um "vozeirão", por ser natural. Como são naturais VATAPÁ ( UM BO CADINHO MAIS...), 365 IGREJAS, O SAMBA DA MINHA TERRA ( QUEM NÃO GOS TA DE SAM BA, BOM SU JEI TO NÃO É ), SAUDADE DA BAHIA ( AH QUE SAU DA DE EU SIN TO DA BA HIA...AH SE EU ESCU TA SSE OQUE MAMÃE DI ZIA ... )  e a estupenda ACONTECE QUE EU SOU BAIANO.  Todas essas canções, inexplicáveis, parecem ser parte do folclore nacional, são como o Corcovado e o Pantanal, estão lá, imensas, invencíveis, eternas, filhas de Deus. Voce as escuta e lembra de quem voce é, de onde vem e onde está. Pandeiros macios, o violão cheio de marés e sais, a voz que parece de pajé, de gurú e de irmão mais velho que sabe tudo. Os pescadores e as moças bonitas, os fins de tarde e a noite sem fim, a comida e a Bahia...É tudo tão bonito que até dói. Mas é dor boa, dor de beleza, dor de amor. Um disco que nos ensina a viver relembrando o que na verdade sempre somos.
   EU VOU SÓ EU VOU SÓ EU VOU SÓ....
   Li ontem no jornal que no futuro todos viverão sós, serão auto-suficientes e ensimesmados. Esse já é meu mundo. Ah... Quanta saudade teremos da Bahia... Ah se escutassemos o que mamãe dizia....
   Dorival Caymmi nunca mais. O Brasil era um bairro e vinte ruas. A rua Rio, a rua Bahia a rua São Paulo... Todo mundo se conhecia, se visitava, se via. Mulher, Mar e Canção. Eu realmente amo esse tal de Caymmi. O risonho, feliz, malandro e muito zen Dorival. Que os deuses do mar e do tempo me concedam a graça de ser cada vez mais próximo a sua verdade.
  

Sylvester - You Make Me Feel Mighty Real (Promo Clip)



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A MAIS ODIADA DAS MÚSICAS

   Tom Smucker dá uma versão perfeita do porque de a disco music ter sido a mais odiada das formas musicais. Sim meu menino inocente, voce pode odiar rock progressivo, country, axé ou funk do Rio, mas saiba que em 1978 as pessoas faziam cerimônias para a queima de vinis de discoteque. Num estádio de beisebol, em Cleveland, milhares de fâs do The Who levaram toneladas de discos e os destruíram. Odiar disco music era uma atitude politica, voce era o tanto de ódio que tinha.
   Entrando na adolescência, comigo acontecia algo de muito esquizo. Eu amava rock como jamais amei de novo. Vivia para ele. Mas ao mesmo tempo, e morrendo de vergonha, eu adorava SATURDAY NIGHT FEVER, aprendia passos de disco e me sentia feliz ao escutar YOU AND I ou DISCO INFERNO. Vergonha, vergonha, vergonha...
   A versão de Tom Smucker a tanto ódio é certeira.
   Primeiro: Disco é o primeiro tipo de música, surgida desde o nascimento do rock, que nada tem a ver com o meio rural. Não tem nenhuma raiz aparente em blues ou country, é urbana, tem cheiro de asfalto, neon e calçadas.
   Segundo: Tudo no rock e derivados sempre teve a marca do sofrimento e da raiva. Nada no disco é triste ou raivoso. A alegria no rock sempre tem um jeito de "paz após a tempestade", na disco essa alegria se parece com puro hedonismo. É uma alegria desde sempre. Quanto a raiva, até as canções de amor no rock têm algo de superação do ódio, na disco não existe ódio, o amor é apenas sexo e sexo é celebração. Essa alegria da disco music é insuportável para o rocknroll.
   Terceiro e mais importante: A disco nasce do gueto urbano, num meio que mistura negros, chicanos e gays. O rock sempre foi negro, mas o que os brancos amavam é que eram negros revoltados, sofridos, segregados, aqui, como no funk de Sly Stone, há uma negritude feliz, sem raiva, e mais estranho, misturada. A disco music é a primeira música a misturar raças e sexos, a pregar a promiscuidade total. Isso para o rigido e crispado mundo do rock era inaceitável.
   Quarto: Smucker diz que a atitude básica do rock é sempre a do macho selvagem. É um comedor enlouquecido ou um macho impotente, mas a visão é sempre centrada na potência. Vikings, cowboys e poetas boêmios, não importa a máscara, a atitude diante das mulheres é sempre a do conquistador. Na disco isso não existe. É surpreendente, mas aqui o homem se feminiliza e tenta seduzir sem conquistar. Ele nunca pega uma mulher, ele a envolve.
   Em 1980 comemoraram o aparente fim da disco e não perceberam que ela era pra sempre. Os discos com versões de meia hora se tornaram os remix de sempre, o euro-disco se transformou em Madonna e suas clones, a ênfase na dança e na boate se fez o mundo das raves, e a mistura de raças e sexos fez nascer o pop de agora e de sempre.
   Se o punk acelerou e fez simplificar o rock ( mas sendo ainda rock ), a discoteque ignorou todo o rock e deu vida a um novo mundo. Lembrou a todos que música é pra dançar e pra celebrar. Lembrou que ela é festa da taba, da aldeia, é voodoo. Dando toda a ênfase em baixo e arranjos, ela se fez inimiga dos cintura dura e dos cabeças pensantes. Só podia ser eleita inimiga.
   Como tudo que vende muito e se faz sempre presente, toneladas de lixo foram produzidas. Mas em meio a todo aquele material insuportável, existe muita coisa genial e que dura desde então, é música de altíssimo nivel. O que me faz lembrar de uma história.
   Em 1977,  Eno e Bowie viviam em Berlin onde começavam a pensar em gravar. Um dia Eno liga para Bowie e pede para ele sintonizar a rádio .... Bowie sintoniza e Eno lhe diz: "-Preste atenção nisso...esse é o som do futuro". O que Eno e Bowie ouviam era I FEEL LOVE de Giorgio Moroder com Donna Summer.
   Nunca um músico teve um palpite tão certeiro.

BURT LANCASTER/ GEORGE CLOONEY/ EWAN MCGREGOR/ BURT REYNOLDS/ KIM NOVAK/ CHRISTOPHER PLUMMER

   SERVIDÃO HUMANA de Ken Hughes com Laurence Harvey e Kim Novak
Baseado no famoso livro de Somerset Maugham, eis um filme onde tudo dá errado. O diretor teve todas as chances em sua carreira e nunca as aproveitou e Harvey é um dos piores atores da Inglaterra. A história fala do jovem estudante de medicina que se apaixona por uma mulher falsa e interesseira. Ele procura ver só o lado bom dela, mas isso se faz cada vez mais dificil. O filme é completamente desinteressante, chato, arrastado. E tem um visual muito feio. Kim Novak, a deslumbrante beleza de Vertigo e de Pic Nic, está irritantemente deslocada. Não é papel para ela, força um sotaque cockney tolo. A carreira dela começava a desabar. O filme é nada. Nota ZERO.
   A FILHA DA PECADORA de Lewis Allen com Lizabeth Scott, John Hodiak e Burt Lancaster
No recente livro de entrevistas de Scorsese, ele e o entrevistador elogiam este obscuro filme de 1947. É um dos mais esquisitos filmes que já vi. Com certeza muito adiante de seu tempo, ele se parece com coisas que Douglas Sirk faria dez anos mais tarde e tem ecos de Almodovar e de Lynch. A história já é bizarra. Uma garota rica e mimada, que tem relação estranha com a mãe divorciada, se enamora de misterioso e durão forasteiro. Esse homem vive a anos com um "amigo", amigo este que cuida dele e morre de ódio da tal garota. Lancaster, em começo de carreira, é um policial impotente. Como a censura rígida de 47 deixou passar este filme é um mistério. É óbvio que os dois forasteiros são gays, como é claro que a garota não gosta de homens. O diretor foi sempre de classe B, mas aqui ele faz um filme perturbador e de colorido maravilhoso ( Charles Lang ). Mary Astor, no papel da mãe rouba o filme. Lancaster já tem todo o jeitão do astro que viria a ser: o sorriso vibrante, a postura elegante, a simpatia esfuziante. Nota 7.
   COLOMBIANA de Olivier Megaton com Zoe Saldana
Produzido por Luc Besson, é um filme de Jason Statham sem Jason Statham. O que faz com que não tenhamos nínguém para torcer. Tem tudo aquilo que Besson sempre usa: velocidade nas cenas, gente com cara de HQ, ambientes sombrios e metálicos. Mas a mocinha é um zero e os vilôes não nos dão raiva. Ah sim... fala sobre tráfico na Colombia e menina que vai vingar o pai. Nota 1.
   OS DESCENDENTES de Alexander Payne com George Clooney
Procurei mas não achei uma só crítica que demonstrasse ter entendido o filme. Visões ralas, superficiais, tolas até. A maioria dos criticos, assim como o público, começa a só entender o que é explicito. A forma dissociada do conteúdo é algo que desapareceu da critica. Quando topam com um filme como este, discreto, elegante, todo centrado no formato e não no conteúdo, os criticos se perdem. Preguiçosos, não se dão ao trabalho de pensar. O filme de Payne é primoroso. Uma aula de bom cinema, ele evita todas as armadilhas do óbvio e jamais cai na tentação do modernismo afetado. Sabe mostrar e sabe conduzir. Clooney brilha em papel sem grandes lances. É um homem perdido. Me causa espanto ninguém ter falado do fato de termos um conjunto de personagens adultos. Aqui ninguém parece personagem de cartoon ou tipo de manual de casos psiquiátricos. Gente, gente como eu e como voce. Isso ainda existe. Nota 9.
   TODA FORMA DE AMOR ( BEGINNERS ) de Mike Mills com Ewan McGregor e Christopher Plummer
É o filme que provávelmente dará a Plummer um merecido Oscar de coadjuvante. A não ser que o mito Max Von Sydow estrague sua festa. Plummer faz um homem de 75 anos que assume sua condição gay após a morte da esposa. Ewan é o filho desse homem, que sofre com o câncer do pai. Um cãozinho comenta o filme. Uma ruiva esquisita se torna o amor desse filho. Weeellll..... eis um filme que é a cara destes tempos frouxos. Ele é tristinho, fofinho, bacaninha, delicado, moderninho e antenadinho. Tem até hospital e imagens que lembram clips de cantores folk. Ewan fala baixinho e ama a menina como se tivesse 12 anos ou menos. Já a mocinha, tão alternativa, vive como se fosse uma fadinha num mundo tristonho. Milhares de filmes são como este. É feito para os fãs de Michel Gondry. Mas ele tem duas coisas que o salvam da absoluta chatice. O cão, que é a coisa mais inteligente do filme, e a atuação de Plummer. O pai se torna o único humano viril de todo o filme. Ele sabe escolher, sabe decidir, luta para ser feliz. É um homem de outra época em tempos de cinzas passivos e flores pálidas. Ah geração Morrissey..... O filme serve como retrato da atual geração de vampiros bonzinhos que infesta o planeta e de filmes fofinhos e docinhos que são como coisas de outro planeta para alguém como eu. Devo estar muito velho, esses seres me são completamente incompreensíveis. Seu modo de falar e de viver são como lingua marciana pra mim. Nota 4.
   ENCONTROS E DESENCONTROS de Alan J. Pakula com Burt Reynols, Jill Clayburgh e Candice Bergen
Burt leva um pé na bunda de Candice, que é uma cantora bem sucedida e bonita. Deprimido, ele conhece Jill, um tipo de Annie Hall de Boston. Burt fica na dúvida quando Candice volta. O roteiro é de James L. Brooks. E ele é que deveria ter dirigido. Brooks é o cara que na TV fez Mary Tyler Moore, Cheers, Taxi e os Simpsons. No cinema dirigiu Laços de Ternura e Melhor é Impossível, campeões de Oscar. Pakula era um diretor triste. O filme é todo escuro, silencioso, travado. Jill Clayburgh era a atriz da moda em 1979. Uma Diane Keaton mais feinha. Burt tentava se tornar um ator "sério". Pra quem não sabe, na década de 70 ele e Clint Eastwood eram os astros campeões de bilheteria. Com Charles Bronson e Steve McQueen formavam a nata dos atores de ação. Nos anos 80 seriam suplantados por Harrisson Ford, Bruce Willis e a dupla Stallone/ Schwarza. Este filme, completamente chato, não fez de Burt um "novo" ator. Nota 2.

LET'S GET IT ON / MARVIN GAYE



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LET'S GET IT ON- MARVIN GAYE, NASCER/TRANSAR E MORRER

   Para Marvin Gaye, sexo é vida e viver é transar. Todo o resto é sombra e pó. Se em WHAT'S GOIN' ON, disco anterior, Gaye analisava a luta das ruas, aqui ele prega a paz do sexo. Em tempo, nos anos 80 WHAT'S foi considerado pelos ingleses o maior disco já gravado.
   LET'S GET IT ON é sedução do começo ao fim. Lembro de um crítico que disse em 1995 que ainda não nascera uma mulher que resistisse ao apelo sexual de Marvin Gaye neste disco. A voz, sempre no cio, se enrola no corpo da mulher, a embala em camas de violinos, guitarras, baixos sinuosos, percussão, gemidos e multidões de notas. Música de motel? Muito mais que isso. Gaye leva a música ao sexo e sabe que isso é mais que cama e lençol, é questão existencial. Ele tem o talento para isso.
   Bryan Ferry, Rod Stewart, David Bowie, Rolling Stones... todos tentaram ser Marvin Gaye. Todos erraram o alvo, mas conseguiram no processo refrescar seu som. Ferry criou aquele tipo de som cheio de detalhes, miríades de instrumentos transitando pela canção e correndo ao redor da voz, Rod se pacificou e se fez um tipo de sedutor insaciável, Bowie se enamorou da dance music e rearranjou sua carreira e os Stones ficaram ainda mais negros com Jagger incorporando o falsete a sua voz. Nenhum deles conseguiu ser Marvin Gaye. Ferry não tem voz pra isso, Rod não tem finésse, Bowie é frio demais e Jagger se exalta onde deveria ser elegante. Mas tiveram todos a percepção de entender que em Gaye havia, mais uma vez, um caminho a ser seguido. A geração dos anos 80 também se apaixonou por seu som. De Paul Weller á George Michael, uma legião de branquelos ingleses sonhou em ser Marvin Gaye.
   A maravilhosa beleza do som negro.... As pessoas, inconscientemente centradas em sua raça ( não é bem racismo, é algo muito mais profundo ), ficam falando bobagens do tipo "qual o melhor cantor", "qual o cara mais influente" etc e tal. E se esquecem de que o melhor cantor nunca foi Plant ou Rod ou Paul ou Roger ou Van. Sempre foram os negros Ray Charles, Otis Redding, Wilson Pickett e Marvin Gaye. E que o cara mais influente é James Brown, mas poderia também ser Sly Stone ou George Clinton. A coisa é lógica, a opinião de um critico que se "esquece" dos artistas negros não tem valor. Perto do poder transformador que o Rap possuiu, coisas como Brit-Pop e Grunge são apenas surtos de saudades. E nada é menos saudosista que o som dos blacks. Eles não têm do que ter saudade.
   As pessoas inclusive erram ao dizer que os rivais dos Beatles eram os Beach Boys ou os Stones. Paul MacCartney já disse em "N" entrevistas que os discos que os "assustavam" eram aqueles que a Motown produzia às toneladas. Eles ficavam bestificados com os arranjos, os vocais, e Paul cita James Jamerson como o melhor baixo do planeta ( James é o cara do som de Gaye ). Mas tendemos a esquecer disso, e voltamos a falar a ladainha de Beatles X Beach Boys.
   A Motown tinha além de Marvin, Aretha Franklyn, Stevie Wonder, Temptations, Supremes, Miracles, Smokey Robinson, e quando os caras de Liverpool terminaram soltaram um tal de Jackson Five. Comandada por negros, era uma gravadora hollywoodiana, luxuriante, chique, e muito sensual. Nela, Gaye, casado com a filha do dono, era o Rei. Desde 1962 lançava hit sobre hit e era regravado por Van Morrison, Who e Stones. Aliás, o primeiro disco dos Beatles tem faixa da Motown.
   Acabei me alongando e deixei de falar do disco em si. LET'S é da fase cabeça da Motown, de quando os artistas da casa se lançaram em aventuras mais autorais, tocados que foram pelo clima barra pesada do começo dos anos 70. Após este disco Gaye começaria uma lenta decadência. Cocaína, depressão e falência financeira. Seu público descobriria Al Green como o novo Marvin Gaye ( Green era excelente, mas nunca foi Gaye ). Em 1984, de volta ao sucesso e prestes a ser feito o gurú da nova geração inglesa, Marvin Gaye foi morto pelo próprio pai...
   Em 1986, num número da revista Bizz, citava-se uma matéria britânica em que se dizia que o pop havia deixado apenas seis coisas que viveriam para sempre. Marvin Gaye era um dos seis. Ouvir seus discos é ser feliz.
PS: Cometi um erro nesta postagem que faço questão de não apagar. Aretha Franklyn e Otis Redding NÃO eram da Motown!!!! Eles eram da Stax, gravadora do sul dos EUA que foi o outro lado da música negra da época. Se a Motown era Hollywood ( luxuosa, sexy, glamourosa ), a Stax era mais "crua". O som da Motown tem como marca registrada os arranjos "ricos". A Stax dava ênfase maior a bateria e guitarra. O engraçado da história é que esse som "crú" da Stax, que a princípio parece mais "negro", era na verdade feito por alguns músicos brancos com origens country ( gênios como Steve Cropper e Duck Dunn ). Já o som da Motown, que poderia parecer mais pop, é 100% black.

MÚSICA DE CINEMA

   Em 1962, MOON RIVER de Henry Mancini, em 63, CHARADE, em 64 MY KIND OF TOWN com Sinatra, 1965 tem WHATS NEW PUSSYCAT de Bacharach com Tom Jones, em 1966 temos BORN FREE de John Barry e ainda ALFIE de Bacharach, em 1967 vem SOMENTE O NECESSÁRIO de Mowgli e ainda THE LOOK OF LOVE de Bacharach, 1968 tem THE WINDMILLS OF YOUR MIND de Michel Legrand e em 69 RAINDROPS KEEP FALLIN ON MY HEAD, 1970 tem LET IT BE dos Beatles e em 1971 o TEMA DE SHAFT, 72 tem THE MORNING AFTER e ainda BEN com Michael Jackson, em 1973 temos THE WAY YOU WERE e ainda LIVE AND LET DIE  de MacCartney. Em 1974 WE MAY NEVER LIKE THIS AGAIN e em 1975 I'M EASY e ainda o TEMA DE MAHOGANY com Diana Ross. 1976 traz EVERGREEN com Barbra Streisand e 77 YOU LIGHT UP MY LIFE e NOBODY DOES IT BETTER com Carly Simon. Em 1978 vem LAST DANCE com Donna Summer e mais as músicas de GREASE, e em 79 IT GOES LIKE IT GOES. Vem 1980 e temos FAME e ainda NINE TO FIVE com Dolly Parton. Em 81 TEMA DE ARTHUR com Christopher Cross e ENDLESS LOVE com Lionel Ritchie. 1982 tem UP WHERE WE BELONG com Joe Cocker e ainda IT MIGHT BE YOU  de Tootsie e o EYE OF TIGER de Rocky III . Em 1983 WHAT A FEELING de Flashdance mais MANIAC. 1984 é um absurdo: vence I JUST CALL TO SAY I LOVE YOU com Stevie Wonder, mas ainda há TAKE A LOOK AT ME NOW com Phil Collins, GHOSTBUSTERS com Ray Parker, FOOTLOOSE com Kenny Loggins e PURPLE RAIN com Prince.
  Em 1985 SAY YOU SAY ME com Lionel Ritchie e THE POWER OF LOVE de De Volta Para o Futuro e em 1986 TAKE MY BREATH AWAY além de GLORY OF LOVE de Karate Kid e em 1987 THE TIME OF MY LIFE de Dirty Dancing, em 88 veio LET THE RIVER RUN da Secretária de Futuro e em 1989 a música da Pequena Sereia... E de repente, o fim.
  Desde então nós temos a música de Titanic ( Celine Dion ), uma do Guns para um filme do Schwarza e só. Vem Pulp Fiction com sua trilha de sucesso mas toda com músicas velhas e fim. O cinema deixa de tornar big hit uma canção feita para aquele filme específico. Temos velhos rocks e pops regravados, rearranjados, revividos, mas não sucessos de rádio nascidos em um filme.
  É claro que essa lista não se preocupa com qualidade, falo de sucesso. A primeira música citada é a vencedora do Oscar daquele ano, e a que cito depois esteve entre as 5 finalistas de então.
  Poderia ainda citar um monte músicas de James Bond que não chegaram a concorrer ou ao tema da Pantera Cor de Rosa, que também nunca foi indicado. O que aconteceu? Será que até na canção de um filme a preocupação  é tanta que só se joga no já testado????

OS DESCENDENTES- ALEXANDER PAYNE

    Alexander Payne. É um diretor que acompanho desde 1998. Não faz parte do hype, portanto não tem a fama pop de Nolan, Fincher e Trier. Com Payne, nada de psicoses diabólicas, firulas de câmeras moderninhas ou temas ousadinhos. Payne conta histórias, de um modo elegante, adulto, simples. E voce sabe, ser simples é a mais dura das artes.
   Barcinski acertou ao dizer que este filme lembra os filmes dos 70's de Hal Ashby. A mesma sutileza. Mas como estamos em 2012, ele não tem a intenção reformista dos filmes da década da inquietação. Payne é um pacificador. Seus filmes são sempre do bem. Mas não o bem idealizado, é o bem que nos resta, o possível.
   Com os irmãos Coen, mais Tarantino, Curtis Hanson e PT Anderson, ele é dos poucos cineastas atuais que despertam minha curiosidade. Se Coen é o cineasta da surpresa e Tarantino o da diversão, Payne é o da finura. Veja este filme:
   Voce pensa que a mãe em coma será o centro do filme. E que teremos mais um lixo em que o pai ausente passará todo o filme em crise de consciência e a mãe será vista em flash-backs como um tipo de musa. Não. Payne, sem grandes alardes, inverte as expectativas. A mãe é apenas um objeto inanimado e o pai não é um homem ruim em crise para ser bom. A mãe é que errou e ele é apenas um homem tentando acertar. O mesmo sucede com as duas filhas. Pensamos que vamos ter de aturar mais um filme com uma pequena criança geniosa e chorona, não, a criança apenas vive sua vida de criança. E quando surge a adolescente achamos que haverá uma série de crises entre ela e o pai. Não, ela ajuda o pai. É assim todo o filme. Uma expectativa é não-confirmada, sempre. Mas tudo sem grandes lances autorais, sem tiques de "olha como sou criativo", sem frescuras de "artista".
   O centro não é a mãe, aliás. É a ilha. Ao contrário do que é dito, lá existe um paraíso sim. Eu amo aquela humidade, as plantas brotando de cada canto, a vida abundante. Mas assim como a mãe está morrendo, nós sabemos que todas as ilhas estão em coma. O centro do filme é a visão do imenso terreno que está a venda. É o paraíso. Quando a filha diz: -Mas eu quero acampar...", entendemos que a dor de Clooney pela infidelidade da esposa é supérflua. Essa raiva o moverá para fazer o certo. Não vender o paraíso.
   George Clooney é o grande ator deste inicio de século. Apesar de detestar seu apreço por politica, é um ator que tem tudo. Sabe fazer drama sem parecer patético e tem um dom fantástico para comédia. Dom que Payne também tem. O filme não tem uma só cena de pastelão, mas o diretor/roteirista consegue extrair humor das situações mais dramáticas. Além de tudo raras vezes eu vi neste século a morte ser tratada de modo tão adulto. Jean Dujardim tem uma atuação de mais "gênio" em O Artista, mas se Clooney for premiado nada haverá de injusto nisso.
   Destaque também para a maravilhosa trilha sonora feita de canções havaianas. São o contraponto daquilo que os homens vivem e daquilo que a ilha é.
   Delicioso, bonito, simples, elegante. Alexander Payne deveria filmar mais. Faz poucos filmes, mas todos são interessantes e discretos. Os dois primeiros são os melhores, mas este é o mais ambicioso. Elegantemente ambicioso. Alexander Payne ainda crê na vida.
   Sem familia, sem religião, sem aventuras e sem heróis, tudo o que fazia da vida uma experiência transcendente nos foi tirado. A única coisa que se colocou no lugar foi a ciência. Mas a ciência não pode nos ensinar a viver. No máximo ela nos ajuda a não morrer. Clooney é esse homem sem nada. Ele não sabe ser pai, não tem religião, nada percebe de aventuroso em seus dias e está longe do mundo de heróis. Tudo o que lhe resta é o frio caminho racional: deixar morrer, deixar vender. Mas mesmo assim, ao ser tomado pela ira, pela surpresa, pela dor, ele faz algo. E esse algo é a última das transcendências, ele protege a vida, nega o caminho óbvio, faz sua escolha.
   Como aconteceu no ano passado com O DISCURSO DO REI, as pessoas desacostumadas a pensar não irão perceber a complexidade embutida na simplicidade. Verão aqui como lá, apenas um filme comum, bem feito, quase banal. Mas se no filme de Tom Hooper e Colin Firth havia uma profunda reflexão sobre a fragilidade humana; neste filme de Payne e Clooney temos uma visão sobre tudo aquilo que ainda pode nos salvar.
   Em meio a crimes em série, heróis mascarados e efeitos sensacionais, é mais do que ótimo. É uma esperança.

Louis armstrong & Ella Fitzgerald - Cheek to Cheek



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ELLA E LOUIS, UMA QUESTÃO DE SABER OUVIR

   Nos anos 50 Norman Granz produziu uma série de discos clássicos do melhor jazz. Se a Blue Note e a Prestige lançavam o jazz mais de vanguarda, Granz gravava standards em versões definitivas. Louis Armstrong se juntou a Ella Fitzgerald para gravar este disco com canções irretocáveis da tradição americana. Mais que um item de classe e de perfeição musical, o disco é uma aula de audição.
   Aqui tudo é sutileza. Desde a voz de menina que Ella sempre manteve, até a rouquidão de Louis. Mas é ainda mais. A respiração de Louis é audível nas faixas que são como cristal. Voce percebe o ar entrando pela garganta de Louis e a voz saindo, suave, grave, rouca, do mais profundo vazio do diafragma. E ao mesmo tempo há a dicção impecável de Ella, cada sílaba tinindo e sibilando, letra e melodia sendo emitidas e produzidas dentro de nossos ouvidos. É um disco que nos salva da surdez.
  Oscar Peterson traz seu piano delicado e Herb Ellis dedilha uma guitarra harmônica. Na batera o mítico Buddy Rich, aqui contido. Isn't This a Lovely Day vale sózinha por toda uma carreira. Canção lançada em filme de Fred Astaire, ela transmite a sensação de frescor e de luxo que os filmes de Astaire e de Ginger passam. É uma alegria absoluta. Mas há também Cheek to Cheek, talvez a mais sublime das canções americanas. Linda como amar, inspiração altíssima de Irving Berlin.
   Impossível saber qual a melhor faixa, They can't Take That Away From Me poderia ser ela. Dos Gershwin, tem uma melodia tão bonita que o prazer de a escutar faz com que nos enamoremos dela para sempre. Aliás é bom eu ter citado a palavra prazer. Valor tão desvalorizado nos dias de hoje ( há quem goste de discos que fazem sofrer e sentir dor ), é esse prazer o objetivo e o ganho da carreira tanto de Ella como de Louis. Eles cantam com prazer, e nos oferecem o mesmo prazer. Após uma noite perfeita ( ou mesmo média ), colocar este disco para tocar é amplificar esse momento vivido e usufrui-lo por tempo maior.
   Como acontece com os bons musicais de Hollywood, saber apreciar esta obra é mostra de se saber escolher. Um presente dado a si-mesmo. Generosamente feliz.

O FUTURO DO CINEMA É AGORA

   O crítico do Estadão, LC Merten, excelente, publicou uma bela análise sobre O Artista. Elogiosa, diz que o filme levou 12 anos para ser iniciado, que ninguém queria produzir. Fico sabendo que Robert de Niro é fã do filme ( agradeceu em Cannes pelo prazer que lhe foi dado ), e que Jean Dujardim é desde muito uma estrela na França ( o que atesta nosso desconhecimento sobre o país do filme ).
   Mas o mais interessante é que Merten faz um paralelo entre o momento que o filme mostra, a mudança do cinema silencioso para o sonoro, e o momento atual.
   O cinema sonoro encerrou a época aventurosa do cinema. Produtores improvisadores, diretores cowboys e atores "deuses" desaparecem. Estúdios vão a falência, astros se tornam desconhecidos e o público muda. Ao mesmo tempo, críticos e a maioria dos envolvidos desaprovava o cinema sonoro. O público logo se apaixonou por filmes falados, mas diretores e produtores pensavam ser aquilo um tipo de vulgarização do meio. Merten diz que hoje vivemos um momento idêntico. É o fim da película, o que faz com que a fotografia não seja mais tão preciosa; o fim das grandes companhias, que torna toda produção muito mais arriscada ( a Paramount por exemplo, ao produzir setenta filmes podia se dar ao luxo de arriscar em dez, ganhava no atacado. Hoje a produção tem de lucrar em 100%, cada filme é como se fosse o primeiro ).  Mas a maior mudança é a digital. O futuro se apresenta com a não-necessidade do trabalho de centenas de técnicos ( figurinistas, carpinteiros, iluminadores, sonoplastas ) e mais que isso ( e já falei isso aqui ), o cinema tende a não mais precisar de atores ( o que seria o sonho de Hitchcock ).
   Ninguém mais vai ao cinema só para ver "um filme de Jim Carrey ou de Brad Pitt". Eles têm muitos fãs, mas sózinhos não garantem um sucesso. Precisam de história, produção e principalmente de divulgação. Antes qualquer lixo de John Wayne ou Gary Cooper tinha a garantia de lucro, pois já faz tempo que não há um ator que garanta seguramente o sucesso de um filme. Quem precisa deles? TinTin anuncia o futuro.
   Não demorará dez anos para que clones de Bogart ou de Steve McQueen sejam usados. Veremos um sonho realisado: Audrey Hepburn contracenando com Cary Grant mais uma vez. Atores que não serão vistos farão movimentos imitativos de Bogey ou de Marlon Brando e digitalmente as feições do "personagem"  James Dean ou Bette Davis serão inseridas sobre os modelos. Bonito e simples assim.
   Vamos mais longe: festivais de cinema, Oscar, não têm mais respeitabilidade. Perderam a décadas seu caráter de "Nobel". Apelativos, se fazem show de TV por saber de sua leviandade. Perderam a realeza no momento em que sua nobreza morreu ( o Oscar era sagrado porque era a única chance de vermos James Stewart ou Akira Kurosawa ao vivo. Hoje vemos na festa atores desconhecidos e estrelas cada vez mais raras e banais ).
   O Artista nos recorda então da outra grande mudança, que também parecia temporária, mas que se mostrou definitiva. Já existem pessoas que não se interessam mais por filmes normais, e isso será regra. Pessoas que não suportam takes com menos de dez cortes, cãmera parada ou cenários reais. Gente que está pouco se lixando para os atores ou a fotografia do filme. Que só procuram aquilo que lhes recorda o mundo onde vivem: o mundo digital. O filme deve se parecer com imagens de câmara de celular, video-game e internet. Histórias fracionadas, sem grandes pausas, frenéticas e não-sutis. Adrenalina eterna e em doses cada vez maiores. Cavalo de Guerra é um filme anti-novo mundo. A Arvore da Vida já vive dentro desse novo universo. É o tipo de ousadia que ainda será possível. Uma salada pseudo-filosófica cheia de imagens digitais. A pausada narração de Spielberg jamais encontrará público.
   O medo desse novo mundo faz com que a nostalgia de O Artista seja desejável. Quem vive do cinema, ou ama os filmes se sentirá grato ao filme francês. Mas todos sabemos que a arte que nos deu narrações poderosas como aquelas de Kurosawa, Ford ou Wyler está morta e enterrada. O que nos resta é torcer por mais Wall E e por menos Matrix e Spirit.
   Felizmente existem os DVDs...

CLINT/ BOB FOSSE/ FORD/ WILLIAM POWELL/ SPIELBERG/ STEVE MARTIN

   O DESAFIO DAS ÁGUIAS de Brian G. Hutton com Richard Burton e Clint Eastwood
Tudo dá errado. Pelo menos este filme serve pra valorizarmos ainda mais a Dirty Dozen. Fala sobre grupo de soldados que deve invadir a Alemanha para resgatar general. Burton está passivo, com expressão de completo tédio. Clint nada tem a fazer. Seu personagem é apenas um enfeite, um americano bonitão zanzando pelo set. Uma aventura que não tem suspense, não tem humor, não tem nada. Nota 1.
   LENNY de Bob Fosse com Dustin Hoffman e Valerie Perrine
A vida do humorista Lenny Bruce é contada como uma febre de jazz. Em luxuoso P/B, Dustin Hoffman dá uma interpretação frenética, se entrega ao personagem. O filme tem uma falha: não revela a alma de Lenny. Mas suas qualidades, a criativa ousadia de Fosse, homem que conhecia o ambiente de cabaret onde Lenny viveu. Valerie Perrine tem uma atuação à altura, sexy e vulnerável. Belo filme. Nota 8.
   SANGUE POR GLÓRIA de John Ford com James Cagney
Talvez seja o pior filme de Ford. Não se decide entre drama e comédia. Passado na guerra, brinca com situações espinhosas, nunca convence. Nota 3.
   O RAPTO DA MEIA-NOITE de Stephen Roberts com William Powell e Ginger Rogers
O diretor é fraco, mas Powell e Ginger são excelentes, e então se torna um prazer ver o filme. Feito em 1935, ele lembra muito Thin Man, sucesso de Powell na época. Ele é um advogado que desvenda um rapto. Ginger é sua namorada. Powell desfila seu humor fino, sua classe, a voz que baila pelos diálogos. Ginger, o rosto cheio de ironia, é sexy em todas as cenas. Os olhos zombeteiros e a voz em desafio constante. O filme é para os dois. Nota 6.
   O ARTISTA de Michel Hazanavicius com Jean Dujardim e Bérenice Bejo
Ele é corajoso, excêntrico e tem uma atuação genial de Dujardim. Ele faz uma mistura de Douglas Fairbanks com Gene Kelly que é comovente. Mas tem suas falhas, a foto em P/B é pobre e a história é simplória. De qualquer modo, é um filme realmente diferente, que ousa não apostar em efeitos, em sexo e violência. O Oscar 2012 toma partido, tenta valorizar filmes de bons sentimentos. Missão inglória, nosso tempo é de bad feelings. Nota 7,
   O GRANDE ANO de David Frankel com Steve Martin, Owen Wilson e Jack Black
O diretor fez o Diabo veste Prada e Marley e Eu. Se esses dois filmes eram ainda agradáveis, este é irritante. Consegue se deslocar do Alasca até o Texas e mesmo assim não ter uma só imagem memorável. Isso porque tudo é feito em close e com uma insistência ridicula em cortar e cortar e mover o foco. Todos os cortes são exagerados, eles são errados todo o tempo. E tome movimento, tome mudança de cena, tome narração de fundo ( pelo Monty Python John Cleese ). Histerismo, nulidade. A história, que fala sobre 3 homens apaixonados por observar pássaros, é desperdiçada. O que dizer de um filme sobre a natureza que exibe muito mais celulares e carros que paisagens e bichos? Steve Martin, que foi um talento imenso, destruiu seu rosto: as plásticas eliminaram seu talento facial. Jack Black faz as mesmas caras e bocas de sempre e Owen é o mais esforçado, o que não significa muito aqui. Eis um filme que demonstra o tipo de cinema televisivo que está matando o cinema cinema. Nota ZERO.
   CAVALO DE GUERRA de Steven Spielberg
Careta, conservador, pouco ousado, e delicioso. Um mestre fazendo um filme de mestre. Há idiotas que reclamaram da guerra ser "mal mostrada"... Como? É coisa daquela gente que só consegue se emocionar às porradas. Precisa de visceras e sangue para sentir. Coitados.... Outra crítica é ao encontro do soldado inglês com o soldado alemão. Para mim é uma cena belíssima. Fantasiosa, hilária, corajosa. Viagem de Steven? Sim! Que bom! É um prazer assistir esta história. Plenamente satisfatória, seu não-sucesso atesta a decadência do público de cinema e não de seu diretor. Ele nos relembra o prazer de se ver e ouvir uma história bem contada. Nota 9.

CAVALO DE GUERRA- SPIELBERG, CINEMA PURO

   Como é bom assistir um mestre em ação! Um diretor que sabe desenvolver sua história, sem atropelos, pausando as imagens, mostrando as paisagens, longe de qualquer estética que não seja a da tela grande. Gente filmada à distância, corpos inteiros, grandes multidões, cenas com vários personagens agindo ao mesmo tempo, céu e chão no mesmo take. Ah.... que coisa boa....um filme que se parece com cinema!
   Steven Spielberg adora David Lean, mas apesar de alguns criticos muito mal informados falarem que este filme lembra Lean, ele na verdade é puro "Hollywood Clássica". David Lean faria cenas muito mais longas, colocaria a ênfase no pacifismo e usaria menos diálogos. O que vemos aqui é um filme como os de Clarence Brown ou Sam Wood, competência e entertainment.
   O filme é lindo e satisfatório. O fato de não ser um big sucesso mostra onde estamos. Hoje ET seria um fiasco. Bons sentimentos não fazem mais bilheteria e Spielberg ainda acredita no ser-humano. Ele insiste em ver beleza na vida e em tentar compreender as pessoas. Não tem medo de parecer careta ( sempre foi ), infantil ou piegas. Ele é tudo isso, e hoje em tempos de cinismo chique, Spielberg se torna um original, um diferente. Daí seu não-sucesso. Seu filme, hiper-pop, parecerá de outro planeta para quem cresceu com video-games e Guy Ritchie. Ele fala de familia, de bondade e de nobreza. Alguém se importa?
   Plasticamente o filme é o mais belo do ano. Não há sovinismo, ele mostra e sabe mostrar. Poucos closes, sem efeitos modernosos, sem frescuras. Desde a primeira cena voce sabe do que se trata: uma narrativa, uma clássica e bela narrativa, com começo, meio e fim, simples e bem contada, e eu percebo: como isso é hoje raro!
   Adorei o filme! Fiquei absorvido por cada minuto. Queria que ele durasse mais. Mas vamos à história.
   Ela vai de uma fazenda pobre da Inglaterra à França durante a primeira guerra. E tudo é brilhantemente mostrado. O cavalo, que jamais é humanizado, é testemunha passiva da loucura dos homens. Vítima. Como também são os alegres soldados. Aquela guerra foi a pior por ter sido a primeira guerra mecanizada. Foi uma guerra em que os soldados e as defesas eram ainda de 1880, mas o armamento e as crueldades já eram as do século XX. Quando os soldados ingleses avançam à cavalo, de surpresa, contra as metralhadoras alemãs, vemos toda a tragédia. A quebra de um código de conduta ( ataque sem aviso ), e o absurdo de se usar espada e cavalo contra metralhadora e canhões. É um massacre. É patético. Spielberg consegue ser veemente sem mostrar uma só cena de sangue jorrando ou de membros voando. Isso é arte.
   O cavalo vive então quatro etapas: na fazenda com arreios, na guerra, numa fazenda francesa e na guerra de novo. Em todas ele sofre como um animal. Mas repito, nada há de humano nele, é sempre um cavalo, e isso faz dele algo de muito mais terrível: ele nos acusa. Seu olho natural nada pode entender, ele apenas sofre, e vai em frente. Ao contrário de O ARTISTA, que é um filme nobre mas com uma história muito pobre; aqui temos nobresa com história, o roteiro é bem articulado, sabe criar tipos críveis, sabe avançar. E temos o belo animal.
   Fato estranho acontece no Oscar deste ano. Temos dois filmes radicalmente antiquados, que optam corajosamente por não ser "como se deve ser agora". Nada de cortes e mais cortes e de cenas com dois personagens no máximo. Bennet Miller e o filme sobre beisebol com Brad Pitt é a antitese deste filme. Mundo minúsculo, pobre, nervoso e labirintico, versus o universo vasto, rico, observador e observado, cheio de história.
   Volto a dizer: Como é bom ver um filme assim. Observe a casa onde Joey, o potro, nasce. Como ela é rica em detalhes e em como Spielberg a exibe com calma, carinhosamente. Depois veja as trincheiras, os jovens soldados. Eles têm chance de se tornar gente, o diretor permite que eles falem, que seus rostos sejam conhecidos. O mesmo com a fazenda na França. Vemos a menina e seu avô por apenas vinte minutos. Mas Spielberg consegue fazer com que os conheçamos, entendemos quem são e o que fazem. Como Steven Spielberg consegue isso? Porque ele ama os personagens, ama aquele cavalo, ama o cinema. Onde a câmera toca ele cria vida. O filme se torna admirável.
   Há uma cena ao final. A silhueta do cavalo e do jovem,  finalmente de volta pra casa. O que vemos é um imenso horizonte amarelo. Isso me lembrou John Ford. É o tipo de cena que um diretor televisivo jamais fará. É o tipo de cena que fica grudada na memória de quem a vê.
   CAVALO DE GUERRA não ganhará o Oscar. Mas ficará como etapa belissima da história do cinema. Um dos últimos filmes a contar um conto à beira da fogueira. Tem de se ver. É de verdade.

ÁGUA, SOL E ARQUITETURA

   Wallace Stevens, um dos 3 melhores poetas do último século, tem uma imagem maravilhosa. Ele imagina o fim do pensamento. O que haveria no fim. A maioria das pessoas falaria numa parede. Ou uma porta. Um abismo. Depende da criatividade de cada um. Stevens imagina que ao fim do pensamento, no final do novelo de ideias, lembranças, possibilidades, medos e desejos, existe uma Palmeira balançando ao vento.
   Pense então. Em meio ao siêncio o suave barulho das folhas e do vento. O azul do céu ao fundo e a sombra dessa palmeira sobre a areia que é amarela. E ela está ao final de tudo.
   Sol e água, Água e sol. Eu penso que toda a felicidade da vida pode se resumir nessas duas entidades. Toda a alegria vem do sol e toda vida da água. Sem o sol e sem a água, a morte.
   No livro de arquitetura que leio o autor diz que toda a história da arquitetura se resume à combinação de luz e de sombra. Edificar bem é saber usar essa combinação. Ele cita os árabes, os palácios e mesquitas da Espanha como o mais elevado grau arquitetônico atingido. Colunas criando sombra nos jardins que jorram água e alimentam plantas. Deleite para os olhos ( sol e sombra ), deleite para os ouvidos ( água ) e para o olfato ( plantas e água ).
   Um pedaço de parede de Pompéia. Azul claro celeste e vermelhos ocres. Cores nas paredes que abriam a vida de seus moradores para o que está lá fora. Arquitetar é abrir para fora, é deixar a vida entrar. Sol e água. Sol e chuva. E lagos e fontes e córregos. As paredes de Pompéia anunciam sol e oliveiras e palmeiras e muita água. Anunciam gente que bebe vinho e carrega água em garrafas grandes. Peles que se bronzeiam entre panos claros. E aqueles azuis únicos nas lascas das paredes preservadas.
   São Paulo esconde a água debaixo do asfalto. E emporcalha o rio que resta. São Paulo ensombreia o sol nas sombras dos prédios que matam o céu. Feio, sujo, escuro, e muito seco.
   E a Palmeira dança ao fim de tudo.

Ronnie Von - Cavaleiro de Aruanda



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RONNIE VON É UM CARA MUITO INTERESSANTE

   Uma bio sobre Ronnie Von seria muito interessante. Ele nasceu no Rio, em berço de ouro e viveu várias etapas de uma vida complexa. Aviador, ator, cantor e compositor, apresentador de Tv, brega e chique, doido e andrógino. E sempre um gentleman. Bonito como Alain Delon, namorou várias e encontrou uma no caminho que quase o matou ( e é a única de quem ele não fala o nome ). Mas resolvo escrever isto porque ontem um amigo me mostrou o disco psicodélico que ele lançou nos 60's. Cheio de surpresas, inclusive uma vinheta de rádio e uma conversa ao telefone, as músicas têm influências de Beach Boys, Love, Who e claro, Beatles. Guitarras ácidas e baixos estourados, é um grande disco. Com a voz de Ronnie, que em meio a toda aquela zoeira soa sempre sob controle, distanciada, um Bowie antes de Bowie ser Bowie.
  Ouço falar de Ronnie a exatamente 46 anos. Quando eu tinha dois anos, minha mãe é quem fala, eu já cantava "Meu Bem", a versão dele de "Girl" dos Beatles, um hiper sucesso por aqui. Fui uma criança que cantava, os vizinhos vinham em casa me ouvir cantar. Eu ficava cantando o dia todo e pra mim sempre foi natural me exibir. Com a entrada na puberdade perdi a voz e a confiança. Bem.... E lá estava Ronnie Von na TV, com seu cabelo Chanel e terninho justo "feminino". Eu o achava intrigante e meu pai o detestava. Sei hoje que ele foi um dos primeiros caras no Brasil a escutar Hendrix e Doors. Ele tinha acesso a importações, numa época em que coisas importadas no país eram mais raras que ladrão em Ipanema.
   Depois, nos anos 70, ele entrou numa viagem de ser ator e começou a gravar músicas muito adocicadas. Mas mesmo assim existem coisas de interesse, como a faixa que posto acima, que é de 1974. Eu a escutava na rádio Difusora e gostava pacas. Mas cheio de vergonha, pois ouvir Ronnie Von em 74 já era uma vergonha. Na virada pros anos 80 ele tinha um programa de Tv e lançava músicas à Roberto Carlos, como o hit "Tranquei a Vida". Ficou doente, paralisado na cama, e quase se foi. Deu a volta, e me acredite, o cara é um sobrevivente.
   Hoje ele é um digno representante de sua geração. Conseguiu não ser um tio-doidão e nem um saudosista chato. Se empolga com Bossa Nova e Soul Music, Beatles e Blues. Seu programa de TV é uma coisa totalmente alienigena, tentativa de ser sóbrio e familiar num meio que é hoje histérico e individualista. Ele leva as coisas com seu jeito de bom filho e bom marido, sem baixarias e sem apelações. O ibope é ignorado.
   Caraca! 46 anos ouvindo falar do cara! 46 anos vendo o tempo passar nele e em mim. Falar mais o que? Respeitem o homem. Ele não é pouca coisa.