ROBERT PLANT & the band of joy - JOOLS HOLLAND - house of cards live -...



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A MELHOR BANDA DO MUNDO

   Essa banda que toca com Plant... sei lá, o rock sempre foi meio preconceituoso. Lembro que em 1977 ninguém mais levava os Stones a sério, porque afinal, Jagger tinha mais de 30 anos. Assim como em 1965 já se deixava Johnny Cash de lado. Falo tudo isso pra dizer que essa banda é uma das melhores de seu tempo, 2010. E só a Arte-como-Iogurte, com prazo de validade, para negar isso.
  Assisti ontem um show deles no canal Bis. Em Basel, Suiça. Sublime. Eles conseguem misturar folk com psico, com progressivo tipo King Crimson mais Bryan Ferry em seu melhor. Tem ainda country, musica celta, e rocknroll. É fascinante. Uma amiga que vai a quase todos os shows disse que em SP ele fez o melhor show do ano. Talvez da década.
  Brian Eno dizia que o maior mérito do rock está sempre no timbre. O rock é pobre em melodia e em harmonia, mas é muito rico em timbres. E é isso que essa banda faz. O timbre das guitarras é sempre diferente. Tiram sons insuspeitos. É uma sublime música viajante.
  Robert Plant conseguiu o que quis. Se voce se choca com seu rosto envelhecido e seu jeito largado, saiba: ele sempre rumou para isso. Ele se torna cada vez mais seu ídolo, um menestrel celta. Poderia ter se solidificado em sua imagem de sex-symbol, mas não, ele estava em outra trip. Só agora notamos que a ansia do Led Zeppelin vinha dele e não de Page. Era ele que queria sempre o novo. Tanto que no tempo em que esteve doente, 1976, a banda lançou seu pior disco, Presence. O mais Page de todos eles.
   Da geração de Robert Plant, muitos se tornaram seres estranhos. Penso em Ozzy, Iggy, Tyler, como esses zumbis que fazem seu show, ótimo, mas o mesmo, desde sempre. Outros da geração dele se fizeram eternos stars deslumbrados, Rod, Elton.... Pois Robert Plant escolheu ser ele-mesmo. Nada há de fake, nada de junk ou de star. Ele faz música.
   Mágica música.

Robert Plant & The Band Of Joy "Somewhere Trouble Don't Go" (Buddy Mille...



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A ARQUITETURA DO FASCISMO

   O sonho de todo mal arquiteto sempre foi o de se livrar das pessoas em seu projeto. O desenho lhe parece perfeito, as pessoas estragam. Elas sujam, não ficam onde deveriam ficar, atrapalham o equilíbrio da razão.
   Ando pela Nova Faria Lima e vejo isso se realizar: o sonho do arquiteto ruim. A calçada morta. Nada de bares, padarias, lojas ou bancas de jornal. Ninguém anda em suas calçadas, que assim ficam perfeitas. Combinam com os prédios, todos espelhados e com janelas que não abrem. Jamais serão vistos rostos em suas fachadas. Fachadas que refletem o prédio em frente. Esses edificios jamais serão abertos, não receberão sons da rua ou o ar da manhã. Isolados, controlados.
   Houve tempo em que essas construções me intimidavam. Hoje sinto desprezo. Elas são menos que mortas pois jamais foram vivas. Nada há nelas que respire, que pareça se modificar, que cresça com o tempo. Aspiram a ordem tola do fascismo mais primário. Serão ruínas antes de serem história.
   Nas calçadas vazias ficaram as árvores de outro tempo. Inuteis, ninguém lerá em sua sombra ou namorará debaixo de seus pássaros.
   O ridiculo não possui limite e entranhada nos espelhos do maior dos edificios resta quieta a primeira casa do bairro do Itaim. Fizeram uma construção em forma de H e no meio dessa letra mora a casa antiga. Nunca derrotada, centenária, ela rí do gigante nunca nascido que a abriga de sol e de chuva. Ela espera, sábia, a ruina dos vidros, a transformação desse tolo presente em lixo.
   Ando pela Vila Olímpia e vejo as casas sendo transformadas em mais espelhos. Ruas de senhoras que andam à feira viram calçadas largas e vazias. Os bares caem e onde se paquerava agora se trabalha. Naquela esquina viviam 12 pessoas. Agora trabalharão 5000. E antes que essas 5000 criem algum afeto por seu canto, serão mais 30000. Pffff...
   Estranhamente nada disso me atinge mais. Porque sei que todos os espelhos virão abaixo e as largas avenidas serão tomadas. Por mais que os fascistas e os arquitetos ruins tentem, o futuro não será uma avenida perfeita com limpos e corretos prédios de cristal azul. Porque as pessoas sujam as coisas, o sol as corrompe, a chuva traz mofo e a inquietude quebra regras.
   A arquitetura do futuro será como a favela. Anarquia modular, criação jamais concluída, cada um por si. Voce fará seu "barraco" de material nobre ou de porcaria e restos, mas será uma coisa sua, viva, inacabada. Rirão de nossos espelhos. Ficará apenas um de pé, tombado como testemunho de tempos cruéis.
   E a casa centenária, rindo, dará boas vindas aos barracos luxuosos do futuro.
   Tá bom?

MENSAGEM DE ANO NOVO ( QUE É O MESMO )

Estava conversando com uma amiga e falávamos que amadurecer é como se despir. Voce vai jogando um monte de coisas fora. Vai vendo o que é supérfluo e se descartando. Por voce ter menos tempo diante de si, vai diminuindo a bagagem.
É engraçado lembrar que eu fui um dia doido por astrologia. Eu sabia o signo e ascendente de todo mundo que eu conhecia! Não falo hoje que astrologia é picaretagem. No mínimo ela é um belo saber intuitivo sobre os tipos de personalidade que são protagonistas deste nosso mundo. Mas é um assunto morto pra mim. Duvido que nestas mais de 1200 postagens exista algo sobre algum signo. E olha que numa recaída, tive uma tentação enorme de falar sobre a coincidência de Dante, Whitman, Pessoa, Yeats e Lorca serem todos de gêmeos.
O cinema não é mais o que já foi para mim. E isso é fácil saber porque. O cinema atual ainda produz bons filmes, mas são tão poucos... E o passado já foi todo visto por mim. Sim, assisti cerca de 2000 filmes nos últimos quatro anos. Os grandes filmes que não vi posso contar nos dedos da mão. Claro que sempre amarei o cinema, mas não é mais uma paixão. Ele se tornou um tipo de brinquedo antigo que amo mas que não me revitaliza mais.
Os livros continuam sendo a primeira coisa entre todas. O mundo é uma biblioteca e o mistério fica ao redor dela. Mas me cansei de certo tipo de livro, um tipo de literatura que chamo hoje de adolescente. É aquela literatura zangada, mal humorada, que tem enorme utilidade para os que começam a ler, mas que também mostra uma superficialidade asfixiante. Não consigo mais levar a sério autores que falam da falta de sentido da vida, do vazio do absurdo, da negação da liberdade. Blá!!! Já cruzei por esses caminhos e sei o que eles significam: uma enorme vaidade. O mundo pode ser muito cruel, a dor e o mal existem, mas não venha me falar de tédio ou de vazio. Tenha a humildade de aceitar o fato de que esse vazio que voce sente se chama miopia. A vida é muito maior do que voce consegue apreender. Portanto, Sartre, Moravia, O'Neill, Beckett, adeus! Não dou a minima para autores que vivem em becos. Quero aqueles que souberam sair.
Dou uma banana pra Nietzsche. Ele era apenas um ansioso. Nada há de racional em seu pensamento, nada de profundo em sua dor. Ele deveria ter sido um pastor. Ou um poeta. O que ele chama de filosofia é poesia fraca.
Se eu quero materialismo vou direto em Russell e Whitehead, se quero profundidade leio Espinoza e Pascal.
Perdi totalmente a fé em Freud e seus discípulos. Como aconteceu com Nietzsche, Freud foi um pastor que se imaginava ateu. Deveria ter sido um romancista. Na verdade o que ele fez foi escrever diários. Seu sucesso de público se deve a mistura esperta de sexo e escândalo. No Brasil e na Argentina ainda o levam a sério. Bem, aqui o espiritismo é levado a sério...
Religião é um assunto sobre o qual pouco falo. Creio que não exista uma lingua da alma. Mas concordo em tudo com Espinoza. Nada há de culposo ou de violento em Jesus. A luta pelo poder dentro da igreja destruiu o cristianismo. Os inimigos da mensagem de Cristo sempre viveram dentro da igreja, nunca foram os ateus ( que apenas querem ficar em paz ) ou hereges ( que sempre desejaram chegar a verdade ), os inimigos sempre foram a vaidade e a ambição. Usou-se a culpa para dominar e o medo para matar a crítica. Negou-se o amor .
O interessante é que ao contrário do que eu esperava, o interesse pela religião não me fechou num tipo de negação da vida. Ao contrário, me abriu para o outro. Nunca me senti tão próximo dos desconhecidos. Que agora não me parecem tão distantes. E nunca me senti tão apto a participar da vida material. Surpreendentemente, leio na Revista de Filosofia deste mês um artigo que fala exatamente isso. Se bem entendida, a religião te desperta para o outro e não o contrário.
Continuo maluco por bichos. Uma coisa que acontece com a idade é que o que te é verdadeiro fica mais forte. Meu amor pela natureza é do tamanho dela. Não consigo ver mal nela. Ela pode nos matar, seja um terremoto, seja um furacão, mas a morte é parte da natureza. Não pode haver mal na morte natural. Não natural é negar sua verdade. Não pensar nela.
Maldade é a ingratidão. Difamar a vida, blasfemar contra ela. Diminuir a vida, trancafiando esse milagre em fórmulas redutoras e em verdades que serão desmentidas. Toda maldade diminui a vida, a natureza é expansão eterna. Crescemos, desfazemos e continuamos a crescer. O sentido da vida é ser incapturável. Por mais que voce tente a explicar, ela nos foge.
A vida é luta? É desejo? É aprendizado? É absurda? Ela é tudo isso. E seu contrário também: ela é sonho, morte, fuga e razão. Ela é muito mais que nós.
Eu e minha amiga andamos na chuva. Na natureza, essa chuva do dia 27 de dezembro de 2012 é a mesma de 27 de dezembro de 1969. Ela cai igual, molha igual e faz seu mesmo caminho. Se expande, se esvai, se infiltra, cai. Nada é mal nela. Andamos amigávelmente por dentro dela.
Feliz 2013. Que voce saiba ser amigo da chuva.

O AFRICANO- LE CLÉZIO

   Tolstoi dizia que a maior surpresa que um homem pode ter é a chegada da velhice. Não sei, para mim ela tem chegado lentamente. Talvez pelo fato de amar coisas antigas ela me seja mais confortável, mas mesmo assim dolorida. Surpresa para mim, a maior da minha vida, foi uma foto 3/4 que tirei a três anos. Tirei numa dessas máquinas automáticas e fiquei chocado ao ver o resultado: aquele não era eu! Aquele rosto, aquele olhar, a boca, aquele era meu pai !!!
  Le Clézio começa este livro assim: " Todo ser humano é resultado de um pai e de uma mãe. Pode-se não amá-los, não os reconhecer, pode se duvidar deles. Mas eles aí estão, seus rostos, suas mãos, suas atitudes... " No livro, escrito em 2004, o autor vê fotos e pensa a história de seu pai.
  Francês nascido nas Ilhas Maurício, faz-se médico e vai clinicar na África. Nigéria, Camarões, o pai anda. O continente que se apresenta, como diz Le Clézio, não é aquele de Huston ou de Heminguay, é a terra de Karen Blixen, lugar cheio de gente, não de feras, continente humano, crianças, doenças, feiticeiros, fome, e de risos, conversas, danças, paisagens, da liberdade sem fim. O pai se apaixona, corre rios, sobe montanhas, único europeu entre africanos. Os nativos o aceitam, é o homem que ajuda. Apesar das amputações que ele opera, das mortes, da falta de tudo, faz-se um idilio, que é completo com a mãe de Le Clézio. O casal vive em cabanas na chuva, em raios que desabam. O autor é concebido na África. No fim da gestação a mãe vai à França ter o filho, o pai irá depois.
  A mão da história intervém: é 1940 e a França é invadida. O pai não pode ir. Tenta chegar a Europa pelo Saara, fracasso. O filho só será conhecido em 1948, oito anos mais tarde. Durante esses anos a África muda. A lenta agricultura, a indolência do tempo se parte. As companhias da Europa caem sobre a terra, as tribos conhecem a ganância, guerras, lutas. O pai se torna amargo, angustiado, aquela terra não é mais sua.
   Conhece o filho, enfim. São estranhos. O pai é rigido, disciplinador, severo, fechado.
   É 2004 então. E Le Clézio agora compreende o pai. Pode sentir o que ele sentiu. O horror da miséria, a África sendo destruída, a volta a França, nação que não é a de seu pai. Ele percebe que no rigor havia o desencanto, que na disciplina ele o educava. O pai morre em 1982. No bolso ele levava uma Vida de Jesus. Le Clézio pensa.
   O mundo cospe na África. Brinca com ela. Ele conta a história tenebrosa de Biafra, o maior inferno que a Terra viu. Recorda seus amigos africanos, as brincadeiras na terra, os cupinzais, as formigas, o pó. Chega a uma conclusão idêntica a de Chesterton: A criança nunca vive em mundo de fantasia, ela vive no absoluto real. Um cupim era um cupim. O ver, sentir, o presente é o cupim e nada mais que o cupim.
  Le Clézio leva a África dentro de si. Vive a meninice sempre. Todas as operações feitas pelo pai, todas as crianças que ele viu morrer, tudo está vivo nele. Mais, ele é aquilo que seus pais viveram antes dele, ele é a chegada do pai ao continente, ele é as Ilhas Mauricio, ele é o pai e a mãe.
  Curto, simples, pequeno, triste.

CULTURA, CULPA, WONDER E CACHORRO

   Sempre pensei como Coutinho ( o Coutinho que escreveu ontem na Folha ). Ele atacou o novo livro de Vargas Llosa, livro tosco que fala da espetacularização da vida. Aviso que não gosto do peruano. Mas me parece que Coutinho meio que se atrapalha. Ele cita sua visita a Oxford. Lá, diz ele, a cultura humanista permanece viva, profunda, e nada tem de espetaculosa. Coutinho fala então de novos e impressionantes trabalhos. E que trabalhos são esses? Volumes, que eu adoraria ler, sobre Thomas Hobbes, sobre Leibnz, sobre a cultura dos últimos séculos. Sim, são trabalhos nada pop, nada midiáticos, nada "chocantes". Mas falam sobre autores "antigos". Isso não confirmaria a tese de Llosa? Coutinho escreve então algo que sempre senti mas que não podia formular. Produzir um texto sobre Dante ou Homero hoje é produzir cultura do presente. Quando falo de Wilder em 2012 estou falando do cinema agora. Estou preocupado com a qualidade da arte "hoje". De qualquer modo não deixa de significar decadência o fato de que os melhores trabalhos feitos em Oxford agora serem sobre filósofos dos séculos XVI e XVIII.
   Um pseudo-sábio escreve um textinho sobre culpa. E como todo estudante bem dogmatizado, ele formula um pensamento bem aprendido e se mostra incapaz de pensar por si-mesmo. Ele termina falando da tal culpa católica ao formular o ato de se dar a outra face. Claro que ele aprendeu bem. Dar a face é dar a culpa para o outro. Welll...Não queria estar na pele de seus pacientes...
   Quando voce leva um tapa voce tem 3 opções: revidar com força, tentar revidar e não conseguir, dar a outra face. Se voce revida com força voce vence. E automáticamente ganha um inimigo. Se voce tenta revidar e erra ( ou bate fraco ), ganha a suprema humilhação. Se voce dá a outra face surpreende o opositor e faz com que ele pense. É isso que o mal pensador não faz. Tem o chavão da culpa e vomita esse argumento surrado. O homenzinho é incapaz de pensar: "Ok, e depois da culpa? Quais as opções ao tapa?"
   Aviso que minha reação é sempre um bom pontapé na barriga. Estou certo?
   A India surpreendeu os ingleses ao dar a outra face. Os palestinos revidam cada tapa. Quem usa a inteligência? Quem obrigou o mundo a parar e pensar?
    Mudo de assunto: Músicos negros. Que show foi esse? Stevie Wonder deu uma aula de swing. O cara transpira inspiração! Jazz, soul, funk, bossa, reggae...tá tudo lá. E a banda!!!! Um monte de músicos swingando sem parar. Quem viu sacou. O show confirma outra vez: Se voce gosta de música mas ignora a black music ( isso é muito comum ), voce não sabe nada de nada do nada. Sorry baby...Stevie tocou por 3 horas..podia ter tocado por treze.
    A familia acabou. Compre um cachorro. Essa a grande evolução do século.

COLE PORTER/ BETTE DAVIS/ TRUFFAUT/ HUSTON/STANWYCK/ PETER SELLERS

   KISS ME KATE! de George Sidney com Howard Keel, Kathryn Grayson, Ann Miller
A música é de Cole Porter e este foi o show da Broadway que quebrou recordes de público e revitalizou a carreira do gênio musical.  Porter vinha de anos negros. O enredo é simples: um casal de atores que se detesta, monta uma versão musical de A Megera Domada, de Shakespeare. Musicais em seus melhores momentos são assim, mistura de alta cultura com pop sublime. As canções são fantásticas, Porter se supera em humor, e os atores têm todo o carisma necessário, a gente adora vê-los em cena. Foi neste filme que o gênio de Bob Fosse começou a aparecer. Bob faz um dos amigos de Petruchio, e pode coreografar suas danças solo. Vemos o nascimento de seu estilo Jazzy, o modo de usar as mãos e aquele estilo de jogar a cabeça para baixo que é sua trademark. O filme é absolutamente delicioso: chique, artificial, tolo, fantasioso, um imenso prazer. Nota DEZ.
   A BATALHA DOS SEXOS de Charles Crichton com Peter Sellers
Sellers antes de virar star-mundial. Aqui faz um quieto e recatado velhote. Ele trabalha numa muito conservadora empresa e irá sabotar uma americana que tenta implantar o modo americano de produzir. O filme não é engraçado, mas é interessante. Sellers era um gênio. Crichton faria décadas mais tarde o delicioso Peixe Chamado Wanda. Belas cenas da Londres de 1958. Nota 6.
   LOOPER de Rian Johnson com Bruce Willis, Joseph Gordon-Levitt e Emily Blunt
Lixo. Tenho preguiça de explicar o enredo, pobre, sobre viagem no tempo. O diretor é metido a artista, complica sua asnice tentando parecer complexo. É apenas uma besta que fala dificil. O filme, onde Willis não usa seu melhor que é o humor ( um dos sintomas da burrice é o mal-humor ), aborrece. Nota Zerinho.
   NASCIDA PARA O MAL de John Huston com Bette Davis e Olivia de Havilland
Após se revelar com O Falcão Maltês, Huston pegou este roteiro e fez seu segundo filme. E deu com a cara no poste. É um tema para William Wyler e nunca para Huston. Fala de uma egoísta, mimada e amoral, que rouba o noivo da irmã. Esse noivo morre após o casamento e então ela volta pra casa, ainda má. O filme, fosse feito por Wyler, seria correto e elegante, Huston exagera e quase cai no pastiche. Mas é bom de se ver. Os atores se divertem, a gente sente isso, e tudo é tão irreal que se torna um tipo de cartoon. O movimento nunca para.  Bette Davis nos dá raiva. É uma diva, a maior do cinema. Ela goza de prazer ao interpretar a maldade. Nós gozamos com ela. Nota 7.
   STELLA DALLAS de King Vidor com Barbara Stanwyck
Um grande sucesso e uma das cinco grandes atrizes americanas. É um super dramalhão. Stella é uma ambiciosa e nada maldosa periguete. Sim, fosse hoje ela seria uma periguete. Ela se casa com um milionário culto e fino e, é claro, eles se separam. Mas ela teve uma filha com ele e é aí que a coisa esquenta. Não, ele não tenta tirar a filha dela, os dois são amigos. O drama nasce porque a filha, que adora a mãe, frequenta o meio do pai e acaba por se retrair ao sentir vergonha da mãe caipira e exagerada-brega. O que vem depois fazia as platérias de 1942 uivarem de tanto chorar. Visto hoje ele soa noveleiro. Mas Stanwyck é tão maravilhosa!!!! O filme, escorreito e profissional, nos pega. Nota 7.
   SOLDADO UNIVERSAL de John Hyams com Jean-Claude Van Damme, Scott Adkins e Dolph Lundgren
Disseram que é a ressureição de Van Damme. Que é um bom filme de ação. Puff...é nojento! Sádico, ele explora a violência em closes de maldade. O filme é uma coisa macabra, ridicula, maldosa, que explora o pior dos piores. Se voce quer saber o que seria um pesadelo imaginado por um espertalhão....ZERO
   NOW, VOYAGER de Irving Rapper com Bette Davis e Paul Henreid
Ela é uma filha feia explorada pela mãe. Então um psiquiatra, Claude Rains, a ajuda, e num cruzeiro ela descobre o amor. Vira outra pessoa, quase segura, e enfrenta a mãe. Problema, o homem que ela ama é casado. Drama clássico que tem uma das frases mais famosas do cinema: "Para que pedir a Lua se temos as estrelas". Bette  dá um show. Parece ser duas pessoas completamente diferentes. A reprimida feia e gelada e depois a nova mulher, falante e quente. Bette muda voz, passos, mãos, olhar, tudo. Um show. Nota 7.
   LES MISTONS E AMOR AOS 20 ANOS de Truffaut com Léaud e Bernadette Lafond
O rosto de Jean Pierre Léaud...nunca foi bom ator, mas seu rosto é um símbolo de poesia. São dois curtas. No primeiro, um bando de garotos persegue um casal nas ruas. É o primeiro trabalho de Truffaut e já vemos eu estilo. Cortes rápidos, leveza, improviso. E crianças mais mulher. Lafond era linda! O outro curta, feito já na fama de Truffaut, é um episódio de Amor aos 20 Amos. Mostra Antoine Doinel apaixonado por uma vizinha. Ela não o ama. O episódio é melancólico. Nota 6.
    

A IDADE MÉDIA POR CARPEAUX ( DA HISTÓRIA DA LITERATURA MUNDIAL- OTTO MARIA CARPEAUX )

   Muitos consideram esta a melhor obra já escrita sobre a história da literatura. Em qualquer lingua. Lançada e relançada várias vezes, ela acaba de ser editada mais uma vez, agora em edição popular. Dividiram a obra em dez volumes, cada um deles falando de uma época. Escolho a idade média para começar. E escolho por vários motivos: é o tempo que menos conheço, em 2012 algumas das obras que mais me impactaram são desse período, idade média combina com Natal. O livro, delicioso, foi devorado como rabanada.
   Carpeaux era um gênio. Sabia tudo sobre a cultura humanista. É dele o melhor livro sobre música, e aqui, ao falar sobre poetas e prosadores, ele dá aulas de história, filosofia, arquitetura, religião, politica, música e até sobre armamentos. Dentro dessa erudição, ele jamais se faz dificil, é leitura simples, prazerosa, informal. Ao final da leitura acontece o mesmo que me ocorreu ao fim da História da Música Ocidental: uma enorme vontade de conhecer mais. Sua missão é plenamente alcançada.
   Não existe a idade média, esse é o primeiro mito que Otto derruba. Jamais houve uma época de paz e conformismo. A história do período é história de movimento. Conflitos entre camponeses e donos da terra, entre burgueses e nobres, entre bispos e monges, entre novas seitas e o papa. E em meio a esse turbilhão, uma produção literária que nunca cessou. Epopéias, liricas, prosas, história, lendas, aventuras, teatro, vidas de santos, pregações, panfletos, obras eróticas. Carpeaux analisa a produção de cada gênero, contextualiza no momento politico. Ele leu obras raras, manuscritos, e não teme falar de quais são obras mortas, ilegíveis, e quais são vivas, eternas.
   Não vou ficar aqui citando autores e repetindo frases de Otto. O livro é curto. E é barato. E qualquer leitor sério ficará encantado. O que direi é que ele lança nova luz sobre a época. Falando dos provençais ele não aceita apenas o culto a Virgem como explicação do nascimento do amor. A coisa, claro, passa também pelo culto, mas engloba bem mais. Carpeaux vai atrás das raízes célticas da literatura francesa ( que domina o período ), demonstra a presença bárbara nas letras alemãs, e fala do maior nome do período, Dante Alighieri, autor da Comédia, obra atemporal que se lê hoje como se fosse escrito agora. Dante era filho do único país que não conheceu um período bárbaro, a Itália, a sempre culta e refinada Itália.  E tem muito mais, a decadência da época a partir de 1400 e a vulgarização da guerra ( com a pólvora qualquer um pode lutar, não é preciso saber, ser nobre ), o nascimento da figura do intelectual, os monges pobres que criam a figura do viajante-poeta, a extrema internacionalização da cultura, estudantes em constante movimento entre Bologna, Paris, Cambridge, Toledo. O nascimento dos estilos: as literaturas e as linguas inglesa, espanhola, alemã.... E até dos best-sellers se fala, os livros que se tornaram febre.
   Carpeaux nasceu na Áustria e poderia ter sido famoso em qualquer país, escolheu o Rio. Sorte nossa. Mal posso esperar pelo próximo volume!

HISTÓRIA DE NATAL

   Cada um se vira com a história que lhe cabe. O homem precisa de narração, tanto como de ar. Perder o sentido da vida é perder a capacidade de narrar sua própria existência. Judeus que sobreviveram ao holocausto viam a dor como parte de uma saga. Indios morrem quando perdem o fio de sua narrativa.
   Há histórias para todos. O orgulho romântico nos faz "escolher" uma história. Criamos desde então a ilusão de que podemos "saltar fora" da linha e inaugurar uma nova história. Não é bem assim que a História funciona. Mas ok, é legal tentar...
   Na sede de narração, de sentido, o século XX criou centenas de novas histórias. Para todos os gostos. Nietzsche ressuscitou o paganismo e idolatrou o barbarismo. Os poetas celtas tentaram misturar fadas com cristianismo. Criaram-se mitos de raças, de revoluções definitivas, e até tentou-se criar uma história sem narração. Se fez muito jogo de palavras, negou-se muito. Hobbits, Batman, Arquétipos, Complexos de Édipo, Feiticeiras. Cada um criou sua historinha pessoal e lutou para fazer dela um credo universal. O Ocidente até importou sagas do Oriente para tentar se refundar.
   Mas a sede de narração não pode morrer.
   E temos a Grande História. A primeira história que nega a violência. Sim, o cristianismo reprime a violência que nos é natural. É a religião que tem um herói que é herói por não lutar e não matar. Um herói que vai ao meio do povo e lá ensina. Em meio a Hércules, Davi e César, Jesus é o primeiro a exaltar a doçura. Sua mensagem irrita os amargos e os violentos. Paz na Terra. Eis a história central do Ocidente. Hoje é o dia de recontar.
   Não estou falando como homem de fé. Essa graça não me foi dada. Falo como alguém que perdeu esse preconceito. O preconceito contra o que é do povo. Eu dizia, sem pensar: " A Igreja nos deu a culpa!", "A Igreja tem corruptos!"
   Temos a culpa se cometemos o mal. O remorso não é uma criação dos católicos. Eles apenas dirigiram essa dor para outro foco. Antes voce se culpava por não ser corajoso, cidadão ou viril. Agora o foco se tornou a bondade, o perdão e a placidez. Sim, sentimos culpa quando fazemos atos de bárbaros. Não podemos mais matar e roubar impunemente. A culpa nos persegue.
   Não sei se Jesus foi o Cristo. E na verdade isso não tem importãncia nenhuma. O que me causa maravilhamento é a força dessa história. A forma como ela penetrou em cada ato dos últimos 2000 anos. No modo como amamos, como vemos o que seja bom, em nossa arte, em nossa relação com o Cosmos. Dois mil anos atrás, no meio da mais pobre das colônias romanas, um homem veio do deserto e começou a falar. Nunca de vingança. Nada de guerra. Não formou exército. Falava de amor. Apenas de amor. E demonstrou em ato que se voce quer ser feliz voce deve simplesmente amar. E ser um filho. Um pai. E espírito.
   Deixar de admirar profundamente essa mensagem e essa história é jogar fora o que há de mais nosso.
   Um Bom Natal.

ENTÃO TÁ, JEEVES!- P.G. WODEHOUSE

   Wodehouse escreveu 90 livros. Na Inglaterra todos os seus livros estão em catálogo. No Brasil a editora Globo lançou três títulos em 2003/2004. E só. Mais que atestar a pobreza de nossos catálogos, essa miséria demonstra o quanto Wodehouse está distante de nós. O estilo em que ele escreve, o humor, a inteligência esparramada que ele esbanja, tudo isso me parece terrivelmente distante deste trópico. Ou não?
   Wodehouse viveu 93 anos. Morreu, rico e famoso, em 1975. Foi eleito pelos leitores o maior humorista do século XX. Como todo escritor famoso, foi chamado nos anos 30/40 para ajudar em alguns roteiros de Hollywood. Sua obra-prima é a criação dos personagens Bertie Wooster e Jeeves. Quando Ruy Castro elencou as personalidades principais de "seu" século XX, lá estava o nome de Wodehouse. Na época, 1993, eu não o conhecia e estranhei. Hoje ele é um dos meus mais queridos. Mas como diria aquele cara que não sei o nome, vamos aos fatos.
   Bertie Wooster é um jovem dandy que não tem consciência do quanto pode ser pateta. Segundo sua tia, trata-se de um completo asno. Elegante, vaidoso, vive se metendo na vida dos outros. Se alguém briga com a noiva, lá vai Bertie tentar reverter a situação. Se um gatinho se perde, Bertie vai procurá-lo. Claro que por se achar um gênio, Bertie fará tudo de um modo complicado, tirará as piores conclusões possíveis e não conseguirá ver um palmo além de seu ego. Jeeves é o mordomo de Bertie, uma rocha gelada que é o perfeito oposto do infantil Bertie Wooster.
   Wodehouse povoa os livros de personagens tirados dos mais representativos tipos da elite inglesa. Barões que nada falam, duquesas que gritam como estivadores, colecionadores de salamandras, virginais herdeiras sem cérebro. Os nomes são maravilhosos: Fink-Nottle, Augustus Basset, Byng-Styffy... Tudo isso com alguns dos melhores diálogos que já li. As frases voam em conversas que cintilam, rodopiam, bailam e fazem sorrir todo o tempo. Wodehouse tinha um talento para a frase esperta, leve, que invejo. Se eu pudesse escolher um modo, um estilo de escrita, seria o dele. Dizem que ele chegou a terminar livros em quatro dias. Isso é talento natural.
   Neste livro tudo começa com uma temporada em Cannes e um paletó branco. Paletó que Bertie adora e que o sóbrio Jeeves não aprova. Logo teremos casais que se separam, salamandras, poesia barata e até uma corrida de bicicleta.  Personagens glutões, asininos, ingênuos ou simplesmente idiotas. Devo dizer, uma festa.
   A tradução é soberba! Beth Vieira verte as gírias da classe alta britãnica para um português meio anos 50 que é uma delicia! Exemplo de tradução que mantém ritmo, humor e muito calor.
   PS: Comento este livro após sua releitura, feita agora, entre 19 e 21 deste mês. Originalmente eu o lera em Janeiro de 2004. Não perdeu nada! Quero reler os outros dois!!!

ESPORTE, FILMES DO MAL, MILAGRES, ANOS 20

    Símbolo maior da decadência, esporte tem se tornado cada vez mais uma mera disputa, uma batalha pela honra. Quando na verdade ele foi sempre um prazer. A sensação que tenho é a de que as pessoas sofrem com o esporte. Porque?
    Um filme, banal e bastante elogiado pela Folha quando em cartaz, talvez dê uma pista. LOOPER de Rian Johnson ( é com i ), como todo filme de agora, pega um tema pobre e o complica para parecer complexo. Mas o que salta aos olhos é a extrema feiúra do filme. Cores podres, atores sujos, muita violência e nenhuma esperança. O comum de hoje. Vamos pensar um pouco?
    O cinema dos anos 50 omitia sexo das telas. Fazia com que as pessoas acreditassem que sexo, drogas, sangue e taras não faziam parte da vida "normal". Era aceita a ideia de que a vida seria um drama, mas um drama onde apenas amor e dinheiro poderiam ter valor. Os filmes de então, hiper-coloridos, bem arrumados e muito clean, falavam todo o tempo sobre esses valores: amor, dinheiro e suas consequências, familia, honra, solidão. Esse é um exemplo. O cinema dos anos 30 nega a deselegância, o dos 60 começa a desconstruir o mundo e o dos 70 exagera no fel.
    Se hoje todo filme dito sério tem sempre uma postura de pesadelo, com cores cinzas, sombras, gente miserávelmente solitária e violência cotidiana, mais que ser um retrato da vida de agora, ele passa a ideia de que a vida é isso mesmo e que tudo o que fica de fora é bobagem. Nos acostuma a pensar o mundo como um lixo, o homem como uma besta e a vida como uma luta sem fim. O que fica de fora desses filmes, beleza, elegãncia, civilidade, humor, passa a ser considerado futil, irreal ou pior, datado.
   O mal existe baby. Esses filmes são obras do mal. E da burrice também.
   Uma amiga me liga chorando. Um amigo fala comigo após um porre de bourbon. Uma amiga chora on line. Todos têm menos de 20 anos. Todos vêm neste old man Zorba, o Grego. Não percebem eles que tudo o que lhes falta é humor?
    Mick Jagger é um milagre. Aos quase 70 anos ele pulou e cantou, muito bem, por duas horas. Continua tendo suprema energia. Claro que não é mais sexy, mas é vivo, muito vivo. A banda está em excelente forma. Sua versão de Jack Flash é a melhor em anos. E que surpresa! Lady Gaga canta bem! Gimme Shelter foi revitalizado por ela. E que bela homenagem a Mick Taylor! Afinal, dos 5 melhores discos da banda, quatro tinham Taylor. É o maior show da Terra.
    Sempre falam, sem pensar, que o capitalismo muda tudo sem parar. Depende. Tem coisas que o capitalismo preserva em eterno agora. Não, não falo apenas de Stones e de Disney. Repare no livro que acabei de ler: ACHADOS DA GERAÇÃO PERDIDA de Suzanne Rodriguez-Hunter. Fala do que a geração que vivia em Paris, entre 1909-1930 comia e bebia. Tem até receitas. Estão todos lá:  Man Ray, Kiki, Picasso, Cocteau, Cole Porter, Heminguay, Gertrude Stein, Joyce, Fitzgerald....Pois é, mais anos 20 pra galera.
    Os loucos anos 20 viraram moda na década de 60 e desde então só tem crescido. Assim como o glamour dos anos 50, a rebeldia dos 60 ou a doideira dos 70, tudo foi empacotado e preservado. O capitalismo não é uma destruição sem fim, é um museu que vende lembranças.

AUTOBIOGRAFIA- GILBERT KEITH CHESTERTON, UM PERFEITO RETRATO DA INFÂNCIA

   Nada de datas aqui. Esta biografia é mais um tipo de conversa que um relato de uma vida. Chesterton vai falando de seus amigos, conta um ou outro acontecimento e só. Se voce quer ler uma bio convencional, esta não. Porém...não me diga que voce não sabe quem é Chesterton? Acima de tudo foi um polemista. Jornalista, mantinha na imprensa polêmicas com Shaw e Wells. Chamava-os de amigos, amigos que tinham só um problema: não sabiam pensar.
 Chesterton começou a se destacar na guerra dos Boêrs. Toda a nação, inclusive Shaw e Wells, eram pró-Inglaterra, pró-guerra; pois Chesterton foi pró-Holanda. Ele dizia que a guerra só era justa quando defensiva, guerra colonial jamais. Ele se dizia um nacionalista anti-imperialista. O império destruiria a alma do povo inglês, do gentil e calmo povo inglês.
 Chesterton em politica tinha uma posição original, era a favor da propriedade, da propriedade do pobre. O pobre deveria ter seu corpo, seu mundo preservado. Ter direito ao tempo, a sua tradição, a seu modo de viver. Ele odiava a ganância, a americanização, o acúmulo de coisas que traziam mais coisas que tentavam consertar as outras coisas. Percebia a morte da fruição, do prazer com aquilo que se tem. Para ele o maior dos temas filosóficos era o da satisfação: conseguir ter satisfação com a satisfação. Saber usufruir da satisfação no momento presente. Para ele, como penso também, o materialismo, de forma perversa, fechou nossos olhos para a realidade. Estranho não? O que deveria ser uma filosofia ancorada no real, nos cegou para a realidade do visível e do agora. Somos incapazes de ver uma flor como aquilo que ela é. Vemos uma espécie, uma metáfora, um ser mortal, um orgão, um detalhe insignificante, um nome, mas jamais uma simples e bela flor.
  Autor policial, contista, romancista, jornalista, radialista, Chesterton foi famoso, feliz, otimista, péssimo aluno. Odiava escolas, honrarias e agnósticos. Para ele a religião era o centro do humano, todos os valores que definem o que é ser homem sendo herdeiros de verdades da religião. Mas, negando a moda de seu tempo, Chesterton não idolatrava religiões exóticas, espíritas ou mágicas, ele se converteu ao catolicismo romano, certo de que nada pode ser melhor que uma fé que nos renova a cada missa. Ele via na confissão, ato que só existe no catolicismo, a oportunidade maravilhosa de remissão, de retorno a pureza, algo que nenhuma outra fé ou ciência pode ousar prometer. O catolicismo ousa, é a mais ousada das práticas. E liberal. Chesterton graceja, afinal ele é um humorista, ao contar que católicos podem fumar, beber e comer carne. Mas não se iluda, sua fé é verdadeira, séria e bastante lógica.
  O começo do livro tem impressões vagas sobre a infância. Nunca li nada que descrevesse melhor o que recordo da "minha" infância. A ideia é simples e contrária ao estabelecido: crianças nunca vivem num mundo de fantasia. Adultos moram no mundo das ideias, num mundo de padrões pré-moldados e de modas filosóficas. A criança vive no aqui e no agora. Ela vê cada coisa como ela é e tem plena presença no tempo que dura. Adultos que perdem o contato com esse mundo perdem o contato com a realidade. Imagem que recordo de minha meninice: a luz branca de que fala Chesterton, luz que banha as coisas de uma presença definitiva e inquestionável. É na adolescencia que enlouquecemos e perdemos a realidade. Passamos a descrer de tudo, dos sentidos, da lei, da história, das crianças e dos adultos. Para ele, ser teen é ser snob ( e ele foi um teen muuuuuito teen ), é se achar superior a tudo, não se interessar por nada.
  Chesterton diz que adultos felizes brincam. Sabem que o mundo adulto nada significa diante da infância. Lá estão os fatos, não como raízes da vida adulta, mas como fatos mais verdadeiros.
  Ele foi um aluno preguiçoso, péssimo. Desconfiava de tudo, inclusive da desconfiança. E cedo descobriu o prazer da discussão. E de Zola e Flaubert, de Wilde a Baudelaire, ele percebeu que ser moderno é simplesmente ser um ingênuo pessimista. Todo modernismo está cheio de tristeza e de pessimismo, mas, e daí vem a ingenuidade, o artista moderno não crê no mal, ele vê o mundo em relatividade, o bem e o mal como coisas sem valor. Chesterton vai contra isso. Ele afirma que o mal existe, e mais que isso, que somos livres para escolher. Que se escolhemos o mal, a culpa é toda nossa. Ela não é da familia ou do meio, é de quem a executa.
  Chesterton tem uma hierarquia de bens, sendo a familia o bem supremo. Para ele, não roubamos e não mentimos por honra da familia. Sem ela, tudo rui e tudo se torna relativo. Como eu, ele se coloca contra os pessimistas, percebendo que eles fogem da realidade ao afirmar uma ideia a priori. O pessimismo é uma capa de covardia que traveste um assustado e espantado ser em artista moderno.
  Uma observação de Chesterton: toda criança brinca dentro de limites e de regras. Cria um espaço. A liberdade deve ser assim, a liberdade sem limites "dentro" de nós e fora, a segurança de um limite. Cidades grandes fazem exatamente o oposto, criam limites internos no cidadão e acabam com as barreiras corporais.
  Ele lamenta a Inglaterra numa bela imagem: ela deixou de ser um país de casas e jardins e se tornou uma nação de lojas e de bancos.
  Bedford Park, bairro londrino onde viviam os excêntricos. Casas tortas, disformes, gente com roupas cuidadosas vestidas descuidadamente, bairro que deveria ser o futuro, onde vivia seu amigo Yeats. Chesterton fala que a era vitoriana foi a era do agnosticismo, onde Thomas Huxley percebeu que todos acreditavam no Império por não ter mais nada em que acreditar. É no século XIX que surge a figura do ateu respeitável: centrado, pessimista, descrente do homem, sem entusiasmo, muito cheio de talentos mas sem gênio. Participante e bastante monótono. Entediado. Em oposição a esse homem vitoriano, Chesterton coloca Willie Yeats, o homem medieval, que seria encantado, vagando otimista, crendo no homem, cheio de entusiasmo, individualista e usufruindo A EXPERIÊNCIA DE VIVER: MEDO E ÊXTASE.
  Ele ainda falará de seus amigos, de politica, do que seja a maturidade e de sua obra. Mas o melhor é essa primeira parte. Um homem que amava comer, beber, fumar e sua familia, um humorista, um católico inglês, um patriota que era pró-Irlanda, e que temia a Alemanha ( um país bárbaro para ele ) e amava a França. Uma bio caótica, gorda, vagueante, sinuosa.
   ATENÇÃO: Cuidado com essa edição, nova, da Ecclesiae. Ela é péssima! Tem erros e mais erros de pontuação, de concordância e de tradução. Uma segunda edição será bem vinda.
 

12.12.12, O SHOW DE SANDY

   Pra variar, The Who roubou o show. E também para variar, os Stones foram muito antipáticos. Entraram, tocaram duas músicas e ciao. Nada de gracinhas, de piadinhas ou de "amo voces". Porém, como aconteceu no rocknroll Circus, em 1969, Pete e Roger roubaram a noite de Mick e Keith.. Em meio a Dave Grohl, Kanye West, Alicia Keys, Clapton, Roger Waters, Paul MacCartney, Bruce e Chris Martin, o duo Who disparou fogos de emoção e de verdade numa noite so boring. Why?
   Ficou muito claro ontem: eles sempre dão o máximo. Todo show deles parece ser sempre decisivo. Os Stones desde a excursão de 1981 repetem os mesmos gestos, só o cenário muda. O Who também, repete seu show desde a morte de Keith Moon. Mas há uma diferença: O Who parece de verdade, os Stones parecem frios. Lá está Roger rodando o microfone, Pete girando o braço e Baba O'Riley mais uma vez. Mas puta que pariu, há emoção genuína ali! E é soberbo ver aquele bando de ricos executivos e vips em geral,  pularem e cantarem em coro sobre a "waste land".
   Chesterton fala que deixou de ser agnóstico, crença oficial da Europa moderna, quando percebeu que todo agnóstico, e ateu também, permanece envergonhadamente a ter sua experiência de religião.  Mesmo sem perceber, o desejo por religião, por contato divino, está presente, por exemplo, no fanatismo de um petista por Lula, nos delirios de sentido que um apreciador de arte vê em Kafka ou em Baudelaire. Esse impulso, humano e tão só humano, se revela nas experiências com drogas, em viagens de "descoberta", em fãs de Dylan ou de Thom Yorke, em corintianos e boquistas. Há religião desvirtuada, religião sofista, em livros de auto-ajuda, em sociologia, e é bastante óbvia no existencialismo. O sucesso de filmes como Avatar ou  Hobbits revela esse impulso, mas qualquer ser sem preconceito percebe que um ateu como Trier passa todo o tempo pregando à moda de um pastor.  Não conheço psicólogo ou psicanalista que não se pareça com um padre ( essa série da tv, chata de doer, se passa numa igreja, voce nunca notou? ).  Toda a obra de Freud é mera tentativa de tomar o lugar dos profetas. Pois um show do Who é isso. Religião para ateus. Igreja para pessoas "inteligentes e modernas". Chesterton diz que esses ateus , homens de boa intenção mas sem visão, estão mais próximos de Deus que ratos de sacristia, espertalhões que usam a igreja.  Um show do The Who emociona por essa proximidade com o Bem.
   No mundo de 2012 existem 3 coisas imperdoáveis.
   Uma é parecer velho. E ter orgulho desse parecer.
   A segunda é desvalorizar o sexo.
   E a terceira é se confessar como um "estúpido" católico.
   É bacana ser budista, feiticeiro, ateu ou agnóstico. Católico nunca!
   Amar o sexo sobre todas as coisas, ou ver nele o maior dos problemas é sinal de inteligência.
   Estar sempre de olho no futuro e ligado ao agora é demonstrar vitalidade.
   The Who é velho, nada sexy e chega a ser quase papista. Libera em nós aquilo que reprimimos: nosso impulso humano.  Nosso olhar para o céu.
   Sim baby, sou um pecador em seu mundo. Sou velho e tenho valores velhos. Achei até que Roger Daltrey é bonito. Acho que amor nada tem a ver com sexo. E que voce pode viver sem um e nunca sem o outro.
   Não baby, ainda não consigo me ajoelhar numa igreja. Meu orgulho me impede. Mas me ajoelho diante de Pete e Roger.
   Sacou?

TED/ MIIKE/ ON THE ROAD/ ASTAIRE/ CLINT EASTWOOD

   PRIVILÉGIO de Peter Watkins com Paul Jones e Jean Shrimpton
Jean era linda. O grande David Bailey diz que foi a única modelo com alma que ele conheceu. Fora isso, nada mais importa neste filme. Envelheceu mal, envinagrou. Fala de um astro pop que é usado pela midia como um tipo de messias. E depois é descartado. Chatésimo! Nota 1.
   13 ASSASSINOS de Takashi Miike
Ao estilo de Kurosawa, Miike faz seu filme de samurai. O sangue abunda, as imagens são bonitas, mas em sua tentativa de ser Kurosawa, ele erra no principal: não consegue criar vida. Seus personagens são menos que nada. Muita gente hoje imita Hitchcock, Ford e na Escandinávia há uma praga Bergman. Mas se esquecem de criar gente, de dar caráter aos tipos. Imitam o mais fácil, a fotografia e o tema. E dentro desse pacote nada encontramos. Fuja. Nota 1.
   ON THE ROAD de Walter Salles com Sam Riley e Kristen Stewart
Como desgostar deste filme? Ele faz a lição de casa direitinho. Tem bons atores, cenas de estrada excelentes, jazz, sublimes canções de blues. Só não tem o principal, loucura. Salles é um nerd do cinema, o filme mostra sua alma de bom moço. Não há maldade. O filme tem a cara de um filme, dos mais comuns, feito em 1970. Vanishing Point, que é incomum, é mais beat que isto. Não gosto do livro. Não gosto de Ginsberg e muito menos de Burroughs. Os beats criaram a ideia, boba, de que escrever tudo seria escrever bem. O grande filme da geração beat foi feito cinco anos atrás: Não Estou Lá, de Todd Haynes. Mas este filme está longe de ser ruim. Aliás, Salles não consegue fazer filme ruim. Como bom nerd, ele faz tudo direitinho. Nota 5.
   PAPAI PERNILONGO de Jean Negulesco com Fred Astaire e Leslie Caron
Um milionário adota uma menina sem que ela saiba. Hoje ele seria um pedófilo. Não é um bom musical. Só uma das canções é boa e Fred dança menos do que seria desejável. O roteiro é simples demais, nada excita ou surpreende. Porém, tem duas cenas com Astaire que provam, mais uma vez, sua absoluta genialidade. Nota 5.
   TED de Seth MacFarlane com Mark Wahlberg e Mila Kunis
É um desses filmes que parecem bobos, mas que falam de algo de muito sério. Afinal, a maioria dos namoros termina por causa de um "ursinho" malvado, que o cara carrega desde sempre. Velho problema, a namorada força a que ele se torne adulto, e depois sente falta do jovem que ele fora um dia. Ted é personagem maravilhoso. A gente quer mais é ver suas cenas. E aquela da festa com Flash Gordon é do caramba! O filme começa devagar e me incomoda essa mania americana de piadas com puns e com fezes. Mas do meio pro fim o filme cresce e posso dizer: que boa diversão! Nota 7.
   O DOMADOR DE MOTINS de Edwin L. Marin com Randolph Scott
Voce que tem preconceito contra westerns. Este filme confirma seus pensamentos. É chato. Esse tipo de western, que nada tem de livre ou de verdadeiramente cowboy, mata toda a chance de novos amantes desse gênero. Socorro! ZERO
   ESCALADO PARA MORRER de Clint Eastwood com Ele e George Kennedy
Ridiculo. É um dos filmes esquecidos de Clint. Feito um ano antes do ótimo Josey Wales, tem jeito de James Bond. Clint tem o pior desempenho de sua carreira como um assassino que também é professor e alpinista. Nada interessa, as mortes são sem sentido e a aventura dá tédio. Nota 1.

LADIES AND GENTLEMEN...

Ontem vi Dionisios em minha sala
jogando pétalas de rosas vermelhas sobre meu chão
E vi o sonho de Robert Johnson
sorrir ao fim de minha festa.
Dionísios se encarnara em moleque perigoso
que mexia os braço em compassos de blue.
E sorria onde tudo parecia anarquia e solidão
berrando yeah ao cair da gota do sacrifício.

E o sonho de Yeats era a perfeição do fim dos dias
refletindo beleza irreflexiva nas pontas dos cabelos doidos.
Jogando olhares de elfo em desejos desobedientes
desafiando as caras entediadas ( óh chatos! ), em poses de pavão.

Ontem fui com Dionisios em toda a noite
e prometi mais uma vez a prece nunca perdida.
Eis minha vela acesa vertendo a cera do verso e da confissão
a vida me beija e o sonho alcança minha asa que se abre.

Ver todos em completo êxtase carnal
penetrando dentro da seiva que pulsa entre os cinco
Quatro sentidos e uma intuição
como cinco pedras vão cinco espinhos.

Abra-me e leve-me estrela das vagas noites
Vagabundeie-me.

       escrito sobre a influência de Rolling Stones em 1972.
       Jagger e Richards aos 28 anos. Amém.

PARA MEU AMIGO LÉO, 461 OCEAN BOULEVARD-ERIC CLAPTON, NA BEIRA DO OLHO

   Amigo, a gente sabe que não dá pra passar pela vida impune. E que enquanto a corda não aperta forte, enquanto a gente não vê o diabo cara a cara, acordar e viver pode ser uma coisa adiada. Tem quem nunca acorde, e se distraia com doces  e amargas construções de desocupados. Mas a vida é uma coisa muito séria.
   Eu acho que voce viu o diabo muito cedo. E que desde então voce faz hora. Cara, seu negócio está na estrada! Voce nasceu pra viajar. Todo o resto, trabalho, mulheres, teses, filosofices, são mata-tempo. Voce sabe disso.
   Vi o demo com 23 anos e desde então tento travar trégua com o dito cujo. Não faço a menor ideia de qual seja a minha estrada. A vida é maravilhosa, um inexplicável milagre, o que me aflige é ela ser tão curta. Voce sabe, eu posso ver elfos na Paulista porque eu sou um elfo.
   Eric Clapton tem a alma de quem optou pelo encontro. Foi lá no cú do Judas e voltou. Ele não foi um desesperado por ter lido Sartre ou ter estudado demais. Não. Ele esteve lá, cara a cara e desabou. Voce conhece esse desabamento. Se não conhecesse não seria fã de Whitman.
   Vivemos em tempos tristes. Tristeza é confundida com inteligência.
   Este é o disco de 1974, de quando Eric voltou após os quatro anos de heroína. Mal ele sabia o que ainda iria ocorrer. Well...se Layla é o mais apaixonado dos discos, aqui temos uma pausa na vida. O disco é uma prece, calma, um pedido de paz, sem mais dor.
   Eu o comprei em 1991, e após o doloroso ano de 1990, ele veio como uma canção de recomeço. É isso! O disco tem espirito de retorno. Ele acalma, ilumina.
   A primeira música é uma tradicional canção folk, aqui com percussão, teclado, e a guitarra "feminina" de Eric. Seu timbre é sempre sinuoso, suave, relaxado. Give Me Strenght, a segunda canção, composição de Clapton, é sublime. Não há como a descrever. Religiosa. E assim segue o resto do disco. Blues quase alegres, canções pensativas, um reggae quebrado, um hino à esperança, e ao final um rock que tem um solo que te enlouquece.
   É o disco mais "The Band" de Eric. Tem a simplicidade sincera da banda canadense. A alma que parece se erguer, que ilumina. Um modo sem afetação de cantar e de tocar.
   Amigo, acho que voce vai conseguir entender do que o disco trata.
   É sobre a espera.

OSCAR NIEMEYER, SCOLA E MONTAGEM

   Niemeyer odiava tudo o que fosse natural. Em seus projetos, e o Memorial é um belo exemplo, tudo é exato, concreto, árido. Ele fez projetos que não respiram. Minha opinião é a mesma de Robert Hughes, Niemeyer era um arquiteto ditatorial. Seus enormes templos de cimento, sem árvores, esmagam a individualidade. Equivalem a uma tropa unida. Pior, são velhos, secos, enrugados. Temos de conviver com a feiúra de Brasilia, com seu futurismo fascista, suas linhas racionais, a ausência de acaso, de arabescos. Niemeyer abominava a cor, é sempre o cinza, o branco, o nada.´O Sambódromo chega a ser cômico de tão ruim. E a marquise do Ibirapuera tem um peso que nos esmaga. Não é preciso falar da leveza da Ópera de Sidney para mostrar a verdadeira boa arquitetura. Basta olhar para o Rio e ver como o espírito da capital era outro. Tudo questão de cor, de natureza, de curvas ao acaso. Niemeyer fez uma cidade no árido, árida. Chamo isso de burrice.
   Ettore Scola diz que o cinema da Itália está tão ruim porque o italiano não ama mais a Itália. Talvez. Scola fez alguns filmes maravilhosos, mas acho que ele exagera. Amar o país não é condição para boa arte. O ódio também inspira.
   Leio numa revista de matemática um artigo sobre cinema. Matemáticos falando de cinema pode ser uma coisa bem interessante. Falam de montagem. Que hoje cada tomada tem em média 5 segundos. E que 5 segundos, matematicamente, é o tempo que uma pessoa leva para ver sem pensar. Se a cada 5 segundos voce faz um corte, uma mudança de tomada, o público fica num estado de quase hipnoze, não raciocina, acompanha sem perder o interesse "na própria montagem." Qualquer coisa montada em tomadas de 5 segundos "parece interessante". O que faz com que "os filmes ruins de hoje sejam mais fáceis de ver que os filmes ruins de antigamente."
   Pra mim filmes ruins são sempre ruins e insuportáveis. E o excesso de montagem não me prende, pelo contrário, não poder pensar e apreciar uma cena me desliga, fico ausente da ação. Talvez seja pela minha idade, mas penso que é uma questão de costume. De qualquer modo é um texto muito bom. Porém, eles erram feio ao falar que "hoje essa montagem é feita conscientemente. Cortes de 5 segundos são espalhados igualmente por todo o filme. Antigamente os cortes eram aleatórios, em alguns momentos eles eram acumulados e em outros eram raros."
   Eis a diferença entre ciência e arte. O autor não percebe que os cortes são irregulares no cinema antigo, porque são feitos em função do roteiro. Quando a história pede muitos cortes eles acontecem, quando não são necessários, não são feitos. Hoje o roteiro é escravo da montagem. Até em cenas "paradonas", como uma conversa num trem, temos milhares de movimentos de câmera e de cortes. Tudo para prender o cara na poltrona.
   Dado interessante no texto: Goldfinger, de 1965, tem mais ação que Solace. Mas Solace "parece" mais movimentado. Ação é uma atividade que ocorre no filme: luta, tiro, correria, Goldfinger tem mais disso. Movimerto são os cortes. Solace é então mais "fácil" de assistir.
   Conclusão do texto: um filme dito dificil de 2012 é muito mais fácil de se assistir que um filme fácil pop de 1950.
   Será?

FLORENÇA, UM CASO DELICADO- DAVID LEAVITT

   Em 1966 houve uma grande enchente em Florença. O Arno transbordou e pinturas, esculturas, livros, todos ficaram debaixo das águas barrentas. Na época o senador Edward Kennedy estava lá. Ele ficou abismado com o que viu: milhares de jovens, voluntários vindos de todo o mundo, debaixo d'água, em fila, salvando a arte de Florença. No frio de novembro, sob chuva, eles vinham de todo lugar, sem dinheiro e sem planos, para tentar dar vida ao que se perdia. Acampavam no campo, comiam o que os italianos lhes podiam dar, eram aventureiros. O livro de David Leavitt termina narrando essa saga. E começa com um dado: apesar de ser uma cidade média ( em termos brasileiros ela tem o tamanho de Santos ), Florença possui um quarto de toda a arte superior do mundo. Isso mesmo, em pintura, arquitetura e escultura, de cada quatro obras-primas do mundo, uma está na pequena Firenze. Daí a ocorrência da Síndrome de Stendhal, mal que foi descrito em 1980, tendo por base uma lembrança do autor francês quando lá esteve. Que sintomas são esses? Falta de ar, vertigens e confusão mental. Às vezes, desmaio. Confundido pela profusão de obras acachapantes, a personalidade do pobre visitante, acostumado a mediocridade segura, se aturde e como que se desfaz. A pessoa tem então uma cruel percepção de sua insignificância. Perde  a persona.
   David Leavitt é um autor quarentão gay militante. Seu livro não é a história da cidade. O que ele conta é o porque dela atrair tantos ingleses "esquisitos". O motivo é simples. Na época vitoriana, ser gay era crime na Inglaterra. Voce podia incluisve ser dedurado e preso. Na Itália, desde sempre, atos homossexuais eram tolerados. Dessa forma, levas e levas de ingleses, desde 1860, aportaram na cidade. Dentre 800.000 habitantes, 200.000 têm origem ou cidadania inglesa ou americana.  É a vida desse mundo, feito de fofocas, arte e vagabundagem que Leavitt trata. Se na Inglaterra, arte era o que tinha utilidade ou relevância social, na Florença dos estetas, arte é gozo.
   O livro mostra, deliciosamente, a vida de seus duques e condes italianos, amorais que se unem aos ingleses desbundados. Festas e decadência. Tudo a sombra do David de Michelangelo.
   A mais bela cena do livro é sobre a segunda-guerra. A população da cidade escondeu as obras de arte em sitios e palácios da periferia para as salvar dos bombardeios. Leavitt nos conta a história de um grupo de soldados americanos, que ao adentrar um palácio vazio, para pernoitar, se surpreende. Um deles entra num quarto e grita: "Giotto!!!", outro da cozinha berra: "Há um Donatello aqui!!!", e por fim o sargento, lá do porão, ri e comemora: " A Primavera de Botticelli!!!!!"  É uma história verídica.
   Aldous Huxley odiou Florença. Reclamava dos sodomitas e das lésbicas. Logo se mudou para Roma. Forster escreveu seu melhor livro lá. Mas ficou pouco tempo. Henry James tinha uma relação de amor e ódio com a cidade. Mas também preferia Roma. Lawrence idem. O que Leavitt nos revela é que a cidade tem um efeito maléfico sobre a inspiração. Cercado de tanta arte, o autor desiste de produzir com uma sensação de não valer a pena tentar. Daí a grande quantidade de "artistas" que "quase" foram grandes que lá moraram. Os realmente grandes logo partiam.
   Florença viveu duzentos anos de grandeza e cinquenta de soberba genialidade. E depois, apenas lembranças. Tudo na cidade é melancólico. Há nela um ar de "perda de inocência". Os ingleses, que mesmo após décadas na cidade continuavam com seus chás e jardins sem história, viviam como em teatro, criando tipos e compondo um cotidiano que logo seria feito biografia. Uma imensa quantidade de auto-biografias saiu da cidade. De certo modo o livro de David é mais uma. Pequena e boa.
   PS: O jardim inglês é sem história porque ele é feito de grama, arbustos e rosas. O jardim italiano é feito de fontes, estátuas e caminhos. O percurso narra uma história dentro do jardim. Quando os ingleses compravam uma villa a primeira coisa que faziam era destruir o jardim italiano e fazer um inglês. Esse foi o maior sintoma de seu auto-encarceramento. Eles fugiam das prisões inglesas, mas carregavam a Inglaterra na cabeça. Transavam com adolescentes italianos, mas detestavam alcachofras, azeite e saladas, e aniquilavam vinhedos para construir uma quadra de tênis. 
   Bem, uma coisa os britãnicos trouxeram de melhor: os cães. Italianos achavam estranhíssimo o amor que os ingleses davam a seus cães. Para italianos, cães só prestam se forem úteis. Não são melhores que um burro ou uma cabra. Para ingleses, e alemães, são seres que devem ser amados. E amados por serem companheiros. Nessa visão conflitante se revela toda a diferença entre saxões e latinos. Os individualistas saxões e os hiper-sociáveis latinos, uns com suas etiquetas e cachorrinhos, outros com suas festas e grupos de amigos. Firenze vive essa mistura. Fascinante.

FICAR VELHO É FODA

Passei todo o ano doente. Com a sensação de que a gripe ia me pegar. E me escondia. Nos banheiros, na biblioteca, na praça. Foi a mais forte experiência de inadequação que vivi. O inferno na Terra. Um tipo de anjo caído do paraíso. Porque apenas seis meses antes eu morava no céu. Era percebido, desejado, respeitado. E agora eu virara um tipo de pária. Só, ignorado, auto-sacrificado. Odiava tudo com todas as minhas fés.
No banheiro eu rabiscava as paredes. Na biblioteca eu me perdia nos longos corredores de livros mofados. Meus cabelos, longos, estavam sempre sujos e por mais que eu lavasse eram oleosos. Eu teimava em usar um paletó de couro, gelado. E naquele inverno apavorante, cheio de vento e umidade, ele era como um tipo de placa de aço. Minha garganta doía toda manhã.
No mundo inteiro eu tinha só dois amigos. Um era um garoto ansioso, sujo e fedido, que tinha o rosto cheio de espinhas e a expressão mais masturbatória que já vi. A gente ia ao cinema, um pulgueiro, ver filmes de sexo e olhar pras vagabundas da rua. Depois ficava conversando de madrugada, na calçada. O outro amigo era um idealista. Ele adorava Jimi Hendrix, adorava tanto que se parecia com ele. Caminhávamos pela cidade, com pressa. Sonhávamos em montar uma loja de discos. E bêbados, imitávamos uma banda de rock. Com uma vassoura na mão ele era Jimi, e eu, com um tubo de desodorante como microfone, copiava todos os trejeitos de Mick Jagger em It's Only Rocknroll. Todo esse universo de fantasia era destruído quando eu chegava em minha nova escola- um lugar que era a ilha da disco music. Menos pra ela...
Ela gostava de exibir a calcinha. E o namorado, um magrelo com cara de raposa, estava sempre rindo, com os dentes amarelos. Ela não era bonita. Era sublime. Baixava um pedaço do jeans justo e mostrava o começo da calcinha roxa. Eram duas aberrações naquele ambiente tão banal. E eu, tímido, seguia os dois, calado, sempre por perto, sombra. Matavam aula para beber nos botecos do centro. Eu não ia. Andava pelas ruas geladas e esperava. Uma manhã ela me deu um beijo. Seco e breve. Desandei.
Suado e cheio de raiva eu chegava em casa. Um lugar sempre vazio, minha mãe ia à ginástica e meu irmão estudava todo o dia. Botava os discos e delirava. Ouça:
Existe uma época pra tudo. A gente aprende quando fica velho- O tempo pra amar por exemplo. A gente pode amar a vida toda, claro, mas tem um tempo que é o melhor tempo de amor que voce terá. Assim como há o melhor tempo de ter raiva, de odiar ou de sonhar. E acontece na vida também o grande tempo de leitura, de ver filmes e de ouvir música. A vida toda eu fiz tudo isso, mas jamais existiu época melhor pra escutar um disco que esse ano de 1979. Eu tinha um tipo de alucinação com os discos. Enquanto escutava criava histórias, via cenas de romance, me inspirava e fazia parte do que ouvia. Não acontecia de ser 'eu' ouvindo o disco, era 'nós' na música. Meu mundo era aquilo, e doía. Escutava com raiva.
Sticky Fingers é doente. Cheira a ampolas usadas, a algodão com álcool. E é todo desespero. Os solos de Mick Taylor são todos sublimes- e voce sabe- sublime é a beleza terrível. Se na capa há uma pistola escondida num jeans justo ( Warhol ), aqui, nos sulcos, há a tentação da morte. Não só em Sister Morphine, a mais seca das canções drogadas, mas em Moonlight Mile, a mais triste canção de Jagger.
Por isso é dificil escutar isso agora, em 2012. Porque minha raiva se foi. minha solidão virou conforto e a menina da calcinha foi esquecida.
Ficar velho é foda. Voce percebe que a vida é uma sucessão de traições. Ouvir os discos daquele tempo, e são poucos, dói muito. Porque em todo esse tempo eu traí aquele moleque. Todos os sonhos e todas as raivas foram despedaçadas. E as ruas geladas nunca mais foram visitadas...
Ou não.
Talvez ter feito o moleque sobreviver, e hoje, aqui, poder escrever isto para voces, seja uma vitória. Meu compromisso em 1979, agora percebo, era com Brian Jones, e ele morreu. Eu queria ser ele, na verdade eu o era. A vitória foi ter passado por aquele inferno e ter vencido.
PS: Hoje eu sei- e sei por ter lido a bela bio de Eric Clapton.

Cream - Tales of Brave Ulysses



leia e escreva já!

Alice Ormsby Gore - Legendary Celebrity



leia e escreva já!

O MAIS HUMANO DOS ROCK STARS. ERIC CLAPTON, A AUTOBIOGRAFIA.

   Ler a bio de Clapton não é ler a bio de um rock star. Muito menos a de um guitarrista. É a biografia, muito sincera, de um homem. Desde o começo de sua vida Eric teve apenas uma coisa em mente: construir uma vida. Jamais ele desejou ser uma estrela. Nesse processo, doloroso, ele se desconstruiu sempre. Fugiu do estrelato, fugiu do virtuosismo instrumental e na pior das batalhas, fugiu de sua própria vida. Chegou a uma situação de absoluta destruição. E sobreviveu. O foco é na luta interior, o rock é a segunda, às vezes terceira linha.
   Clapton nasceu pobre no subúrbio. Mato e espaço. Sua timidez vem do sentimento de se estar sobrando. Quem ele pensava ser sua mãe era na verdade sua avó. A verdadeira mãe lhe foi apresentada como irmã. O jogo só foi revelado na puberdade. A verdadeira mãe, fria, nunca baixou a guarda. Mas por sorte os avós eram ótimos.
   Na escola Eric evitava brigas e fugia do centro das atenções. Péssimo aluno, melhorou quando foi estudar design. Bom desenhista, um dos assuntos favoritos de Clapton em todo o livro é a moda, as artes visuais. Ele descreve roupas, móveis, tapetes e quadros. Bom gosto, dom que se reflete nos acordes que ele sempre produziu em suas guitarras.
   O blues ele descobriu no rádio. Sentiu-se no paraíso. Com violões ruins aprendeu a tocar sózinho, copiando discos. Além do blues, Buddy Holly. Bandas de bar, de pub e então vêm os Yardbirds, uma banda de blues. Purista, caiu fora quando a banda estourou fazendo um tipo de versão de blues- pop. Eric não queria ser como os Beatles, queria ser Muddy Waters. Com 19 anos as ruas já apareciam grafitadas: Clapton is God.
   Grava com John Mayall. Os Bluesbreakers são puro blues. Mas ele adorava Jack Bruce e quando ele o convida para tocar se forma o Cream. Ginger Baker vem pra batera e Ginger e Jack se odeiam. Tocar é bom, e eles criam a jam session no rock. Por ter pouco repertório tocam versões de dez minutos de cada faixa. Os shows são hiper concorridos, sucesso em palcos, o Cream é a banda mais fashion em 67. Clapton começa a circular com Jimi Hendrix. Os dois vão a bares onde tocam juntos, de surpresa. Ao mesmo tempo Clapton circula com a nova invenção inglesa, os hippies de sangue azul. São os filhos de barões e duques que caem na estrada e se tornam um tipo de ciganos chiques. Para essa galera, Eric Clapton é a coisa mais "In" que existe. Ele se envolve com Alice Ormsby-Gore, uma das mais ricas herdeiras (há uma foto dela, fascinante ), mas já nesse tempo, o coração dele tem dona: Pattie, a esposa de George Harrison.
   O primeiro disco da The Band faz Clapton sair do Cream. Ele quer fazer aquele som. Simples, não uma ego-trip como o Cream se tornou. Forma com seu amigo Steve Winwood o Blind Faith, uma tentativa errada de ser The Band. Ao mesmo tempo toca com Lennon, Harrison, Stones e quem mais vier. Pattie o rejeita e ele vai pros EUA. Faz papel de músico de apoio na banda de Bonnie Bramlet e conhece muito pó, muita heroina e grandes músicos de lá. Namora a irmã de Pattie, traça várias fãs on the road. Vem Layla com uma nova banda: Derek and The Dominos, uma tentativa de zerar tudo. Afunda. Layla, dedicado desesperadamente a Pattie não faz com que ela largue George.
   Fica 3 anos em casa, entre álcool e drogas, casos vazios. Pete Townshend o obriga a sair e faz em 74 o show da sua volta. Grava o disco do retorno, o muito bom 461 Ocean Boulevard, onde descobre o reggae. Mas desde então ( 1974 ) até o fim dos anos 80 a vida de Clapton se resume a garrafas e mais garrafas.
   Nesse torpor de bebida se casa com Pattie. O que foi o desejo de sua vida se torna um inferno. Eric Clapton exibe coragem, conta tudo. A patetice, a idiotice. Ao contrário de Keith Richards ele nunca glamuriza: é o inferno. E se diverte. Eis a dificuldade: beber é divertido. E pior que isso, parar de beber significa abrir mão do que dá sentido a vida, beber.
   Começa a tocar mal, grava discos ruins, bate o carro, escala edificios, ofende amigos, perde tempo. Tenta um tratamento, falha. Tentará novamente bem mais tarde. Numa cena comovente, se ajoelha e se entrega. Desiste de lutar. Se salva nesse momento. A partir daí o livro é a reconstrução da vida de um doente. Eric diz, minha prioridade não é minha música ou meus filhos, é me manter sóbrio. ( Ele não bebe a mais de 25 anos ).  Tem um filho com uma italiana, esse garoto morre ao cair de uma janela. Tears in Heaven. Seus amigos do AA agradecem por ele não voltar a beber mesmo com essa dor. Eric passa a trabalhar pelos AA do mundo todo.
   Uma bela vida? Uma sábia vida.
   Guardo dois momentos de Eric Clapton comigo. O show para George, no aniversário de um ano de sua morte. E aqui no Brasil, recentemente. Olhar para ele é ver um homem são. Um cara que esteve lá e voltou. E que não se faz de "louco profissional". Sério. E agora, calmo, muito calmo.
   Nas amenidades, Carla Bruni foi namorada de Eric nos anos 90. E foi roubada dele por Mick Jagger. Desde então Eric passou a sentir aversão por Jagger ( Jagger é famoso por roubar namoradas de amigos ). Bob Dylan, que é descrito por Eric como um cara impossível de se conhecer. E que chegou a morar numa tenda num jardim, nos anos 70. Fala do quanto Paul e John esnobavam George. Sua praia sempre foi o blues, blues de Buddy Guy, John Lee Hooker, Muddy e BB King. Duane Allman e Stevie Ray. Há também belos elogios a Hendrix, e a JJ Cale, um cara que mudou seu som.
   Ao contrário do que acontece com a bio de Keith, esta dá vontade de conhecer o cara, de conversar com ele. Ele fala dos outros, não só de si, fala das artes ebulientes de 1960, de bandas como Small Faces, Who e Traffic, de pintura, de Ferraris, de muitas mulheres. E fala pouco de sua técnica, de como toca ou canta.
   Disse que em 1967, filhos de nobres, belos e ricos, começaram a se vestir como ciganos, a se entupir de ideias zen e cair na estrada. Disse que Eric era o rei entre eles. Foram sábios esses nobres. Eric Clapton é o mais nobre dos ciganos e o mais humano dos rock stars.

O QUE TEMOS DE MAIS MEDÍOCRE DENTRO DE NÓS?

   Qual o assunto principal de nossas vidas nos últimos 200 anos? Do que falam os filmes, livros, peças e a maioria de novas áreas de estudo? A resposta é tão óbvia que se torna até opaca: relações pessoais. De 1800 para cá, a impressão que temos é a de que viver se trata de se relacionar com alguém. Mas a questão que se deve colocar é: isso é verdade? O centro da vida é a relação pessoal, ou isso é mais um tipo de crença ideológica que nos foi imposta? Ian Watt, professor em Stanford e figura de centro dos estudos literários ingleses, vai fundo. Sua abordagem engloba história e filosofia, antropologia e arte. A resposta? Somos filhos de uma conjugação que une religião protestante, capitalismo e romance. E todas essas forças, alinhadas ao acaso, levaram àquilo que somos, seres ansiosos em busca de alguém. Porque? E quem é esse alguém?
   O primeiro romance: Robinson Crusoe. Um homem em sua ilha. A aventura de se virar sózinho. A técnica salvando um homem da miséria. Ele faz da ilha uma fábrica. Com ferramentas ele enriquece. E nunca sente a solidão. Seu medo é o de perder sua liberdade. O homem vencendo o meio natural. Sózinho. Daniel Defoe cria o romance de ação pura, de realização. Ele descreve a realidade. Nada é sobrenatural. Nada é obra de acaso ou de deuses. E Crusoe não é especial. Ele é como nós. Classe média.
   O romance é a primeira forma de narrativa que exalta o banal.
   O segundo romance. Clarissa de Richardson. Uma moça virtuosa que é seduzida pelo patrão. Mas ela vence, os dois se casam. Aqui nasce a descrição da vida interior. Homero, Petrônio, Bocaccio, e mesmo Cervantes pouco falam da vida interior. Pouco analisam sentimentos e motivações. Pouco descrevem, eles contam, narram, sem se preocupar com realismo. É fantasia sem culpa. Porque as coisas mudaram então? Com Clarissa, Richardson cria o romance como arte da feminilidade. Ou voce nunca percebeu que romances são coisa de mulher? Que mesmo machos como Tolstoi ou Faulkner observam a vida em detalhes e cuidados femininos? Homero é a hiper-masculinidade. A ação pura e direta. A aceitação sem observação. O romance é delicado.
   A indústria levou o povo para a cidade. E na cidade o que havia era medo e confusão. No campo todos sabiam de todos. Agora não mais. No campo se trabalhava e se via o resultado. Voce plantava e colhia, criava e comia. Fazia e vendia. Na cidade voce passa anos fazendo uma asa de xícara. Sempre a mesma. E na vida do campo voce via a vida, começo meio e fim. Na cidade não mais. O que voce vê são paredes. Sózinho, sem tempo para nada a não ser trabalho, solitário como jamais antes, sem parentes próximos ( no campo uma familia se compõe de tios, primos, avós ), o que voce faz? Cria sua ilha imaginária de auto-suficiência. Voce lê a vida que não pode ter. Ou melhor, lê aquilo que te dá sentido. Lê sobre voce.
   Mas vem daí um problema. Quem tem mais tempo livre? As mulheres. Romances desde o princípio são coisas comerciais, populares, com público alvo, e esse público é a mulher. Os romancistas que se destacam sabem falar à mulher. E mulheres gostam de sentimentos sutis, vida interior, a casa e o quarto.
   Outro fato: em 1700 há uma grande crise do casamento. Os homens não desejam mais se casar, ocupados que estão com o dinheiro. Solteiras se proliferam, mulheres que não sabem se manter, que são inuteis. Surge nessa época a ideia do casamento como coisa sublime, desejável, suprema. O calvinismo ajuda nesse processo. Pois veja: no catolicismo homem santo é aquele que se isola e vive para a alma. O homem sublime é solitário. No calvinismo o homem sublime é pai de familia, tem filhos e uma boa esposa. Solidão seria egoísmo para Calvino. Mas há mais. Para católicos a iluminação vem de Deus para o fiel, para os calvinistas ela vem quando encontramos Deus dentro de nós. Introspecção versus iluminação. Romances são introspectivos. Nada há de introspectivo no mundo pagão de Homero ou no catolicismo de Cervantes. Mas na Inglaterra de 1700 tudo caminhava para isso. Solidão nas cidades, vida ditada pelo trabalho  e pelo tempo, introspecção espiritual, e a transformação do casamento em ato sagrado e no único sentido para a vida. Tudo o que entendemos como romance está nesse perfil.
   Posso então voltar a pergunta: Porque os livros são como são? Porque somos criados a acreditar que tudo se resume a relações pessoais?
   Voce nunca teve a sensação de que um grupo de amigos falando e falando e falando sobre namoros, flertes e noitadas se parece com um bando de solteironas falando sobre noivados? Nunca pensou que isso é extremamente limitante? Que seja Proust, Conrad ou Mann, sejam filmes de Antonioni, Von Trier ou Lynch, a questão de fundo sempre é: eu e alguém. Voce não sente alivio quando vê ou lê alguma coisa que foge disso?
   Faz duzentos anos que oramos, estudamos, ganhamos dinheiro e fazemos ginástica ou terapia com apenas uma coisa em mente: a relação com o outro. E o que pergunto é: isso é nato ao ser-humano? Não, claro que não. É ideologia, como é o catolicismo e todo ismo que existe. A ansiedade por relação passa a existir apenas no momento em que o homem perde sua familia, a enorme rede de segurança de primos, tios, vizinhos etc. Passamos a colocar tudo no amor. O amor deverá ser nosso deus, nossa familia, amigos e prazer. O romance surge exatamente nesse momento crítico e se ocupa desse universo.
  Um grego iria rir de nós. Nos acharia débeis, atrofiados, feminilizados. Suas narrativas eram sempre sociais, o herói e a cidade, o estado e os deuses, a guerra e o destino. O homem para eles é parte de um todo. Ele não se interioriza e ansia por companhia porque ele vive sem solidão. Ele sofre, claro, chora, mas por outras razões. Por dores relacionadas a familia, ao estado e a injustiça. Nunca por solidão e muito menos amor de romance.
   Já nós somos capazes de num filme de guerra nos interessarmos muito mais pela mocinha e seu amor que pela Inglaterra e a Alemanha. É isso que temos de mais medíocre.
  

ABBEY ROAD, 1969

   John vai á frente. E em sua postura se percebe a vontade de ir sózinho. Branca é a cor do luto no oriente. Os outros são crianças pra ele. Ringo está pensando em seus filmes. E no alivio que seria não mais ter de tocar bateria. George olha para o nada. Azul cor de céu, a longa perna esticada. O caminho lhe parece reto e certo. Tudo é promessa.
   Mas Paul... vai descalço e olha fixamente para a nuca de John que se afasta. Ele parece pequeno, solto, estranhamente só. Ao fundo a rua não acaba. Há um fusca e um senhor que olha. Um grupo a esquerda e as árvores. George Best jogava bola. Muhammad Ali soltava golpes. E Pelé socava o ar. Os 4 cruzam a rua. Que bela história eles fizeram! E na foto podemos ver: o terrível peso que oprimia essas quase crianças. Foram apenas seis anos! De 63 a 69. Uma era em seis verões. ( Que privilégio ser de uma geração cantada pelos quatro...e por Dylan e por Jagger...Não, a minha não é essa, a minha foi lamentada por Morrissey, Michael Stipe e Prince ).
   O primeiro acorde desse que é meu disco favorito dos Beatles já mostra o estilo: Clássico. Estou falando em termos de "arte", pintura e literatura. Os Beatles vivem numa época romântica, mas nunca deixam de ser clássicos. Como Mozart e Velazquez, eles são perfeitos, geniais, completos e ao contrário dos românticos, nunca se deixam levar pela emoção. Por mais que suas canções nos emocionem, elas não são "emocionais". Tudo neles é "bem feito". O acaso, o desleixo, o rascunho lhes é estranho. Cada som é puro, é definido, o prato da bateria soa disciplinado, e até quando Paul grita é um grito bem acabado. Polido, clássico.
   Outra definição do classicismo é o de jamais ser confessional. Mozart compunha coisas alegres mesmo desesperado. O clássico fala através de personagens. Repare como eles criam personagens, como quem fala é sempre alguém, nunca são os Beatles. Claro, isso mudará quando a romântica Yoko faz com que John comece a se revelar. John se torna confessional, centrado no Eu, se torna um romântico. O grupo, clássico em forma e em atitude não poderia o segurar. Quando John diz que cresceu e que eles eram infantis a coisa é mais complicada. John descobriu a alegria de ser Beethoven, Goethe ou Hugo.
   Mas Paul... Paul vai morrer sendo clássico. Ele é educado. Ele não se revela. Tem pudor. Música não é confessionário. Não fica bem. E a arte deve ser polida, acabada, o objetivo é o EQUILÍBRIO. Há um belíssimo equilíbrio nos Beatles. Mesmo um disco "doido" como o Album Branco é equilibrado. Os sons, os efeitos, os ruídos têm definição, as faixas se completam, o todo é coeso em sua variedade. Nada, nem mesmo John, parece acidental. Nunca nada é feito "nas coxas". Comparar os Beatles com românticos narcisistas extremados como os Stones ou The Who é uma experiência muito rica. Tudo em Keith ou Townshend parece improvisado, mal feito, parece jorro de inspiração. ( Só parece ). Os Beatles trabalhavam duro. Nunca pareceram boêmios. Por isso pararam de fazer shows. Palco não é lugar de perfeccionismo. Principalmente em 1967.
   Something é perfeita. Os acordes claptonianos da guitarra são claros como água e a bateria soa como percussão de peça erudita. E os violinos de fundo, o famoso dom de Paul para fazer tudo se harmonizar. Deus às vezes parece gostar de música.
   Sim, eu tenho algumas restrições aos Beatles. São espirituais demais, bonzinhos demais, neles não existe sexo, carne ou diabo. Mas o que falar diante daquilo que eles fazem no lado B do vinil? Alguém pode reclamar de Pascal ou de Montaigne por eles não serem sexy? Quando Carry that Weight está terminando tudo clama: eis a perfeição no rock. Nada nunca mais será tão "belo".
   Dizem que os Beatles temiam se soltar por suas origens plebéias. Havia neles o desejo de agradar típico das classes mais pobres. Músicos de origens privilegiadas tendem a ser mais românticos, a ter uma atitude mais "foda-se". Jagger perto de Paul era rico. Além do que eles eram de fora de Londres. Caipiras. OK. Pode ser verdade. Mas isso não poderia ser visto como uma dádiva a mais? Proletários que se firmam costumam ter muita fibra.
   Mas Paul... Muita gente desde 1970 ficaria cobrando dele "o grande disco". Sua obra-prima final. Queriam que ele fosse o Cole Porter de sua geração, que ele deixasse uma coleção de radiografias ferinas e bem-humoradas sobre uma época. Hoje sabemos, sua grande obra é o conjunto de tudo o que ele fez. Ele não deixa um grande disco genial. Ele deixa um monte de momentos de gênio.
   Olho a capa. Eles têm entre 28 e 26 anos na foto. Como seria ser um deles? Tenho a certeza que nem eles jamais souberam o que foi ser um Beatle...

OLIVER REED/ STEVE CARELL/ SCOLA/ NICHOLAS RAY

   DEPOIS QUE TUDO TERMINOU de Michael Winner com Oliver Reed, Carol White, Orson Welles
Um publicitário bem sucedido larga tudo e volta a seu emprego antigo, editor de uma pequena revista literária. No processo ele abandona esposa, filha e duas amantes. Mas antigos contatos são insistentes...Os primeiros 50 minutos deste filme são gloriosos! Winner filma com vida, calor, dá movimento a tudo, surpreende com cortes magníficos. Mas ele não é um gênio e portanto não pode manter esse ritmo. O filme cai em seu tempo final. Mesmo assim jamais se torna banal, é um dos grandes filmes de seu tempo. Belo retrato da Londres de 1966, tem montes de cenas nas ruas. Winner prometia muito em seus primeiros filmes, mas naufragou. Nos anos 70 filmaria coisas com Charles Bronson. Oliver Reed era um dos atores não-shakespeareanos da época. Ele e Michael Caine trouxeram as ruas inglesas para as telas. Carol White era adorável. O filme dá vontade de ver outra vez. Nota 9.
   A TERRA DO NUNCA-A ORIGEM de Nick Willing com Rhys Ifan
Conversei com um amigo sobre a "falta da mentira", teoria de Wilde que na verdade é de Ruskin. Veja: o realismo mata o futuro. Explico. Quando um cineasta faz um filme que é "real", ele comete dois erros: primeiro que o real é incapturável. Segundo que o real é estéril. Ele pode até ser impactante, mas não fertiliza mentes. Umberto D é magnífico, mas De Sica é eterno pela poesia real e mentirosa de Ladrões de Bicicleta. O cinema de hoje morre em realidades tolas. Veja este filme. Pegaram Peter Pan e resolveram reescrever. O que fizeram? Deram explicações para tudo. Mataram o mito. Acho que foi Jung quem disse que o mundo moderno caça e mata mitos. Aqui Peter é um ladrão de rua. Gancho é o chefe do bando. E Neverland é um globo que caiu do céu. Ou seja, tudo é explicado da forma menos "mentirosa" possível. O nome disso? Falta de coragem. O efeito? Pasmaceira. Peter Pan, o livro, o desenho, tem milhares de significados, de possibilidades. Aqui temos apenas uma verdade. É isso e fim. A nota? É Zero e cale a boca.
   O HOMEM DO SPUTNIK de Carlos Manga com Oscarito, Jô Soares e Norma Bengell
O satélite russo cai no galinheiro de um caipira. Ele passa a ser paparicado por todos, russos, americanos e franceses. Jô Soares, jovem, faz uma soberba imitação do que seria um americano típico. Quem rouba o filme é Norma. Imita Brigitte Bardot e compõe uma das mulheres mais sensuais que o cinema já mostrou. Suas cenas explodem de lascívia ( nunca usei essa palavra ). O filme vale por ela. Nota 5.
   A VINGANÇA DE MILADY de Richard Lester com Michael York, Faye Dunaway, Oliver Reed, Richard Chamberlain
É uma grande produção e é um grande desastre. Em meio a ação, Lester, diretor dos filmes dos Beatles, não consegue manter nenhum interesse. Além do que York é um herói fraco. Faye se salva, está bonita e transpira maldade. A impressão é que ela está no filme errado. Ah sim, o tema são Os 3 Mosqueteiros. O filme vale um zero.
   PROCURA-SE UM AMIGO PARA O FIM DO MUNDO de Lorene Scafaria com Steve Carell e Keira Knightley
Faltam 3 semanas para o fim do mundo. Steve, faz um cara down como sempre, é abandonado pela esposa. A população pira. Pessoas se drogam, crianças bebem, muita gente rouba. Ele conhece uma moça doidinha ( como sempre. Hal Ashby criou uma tradição ). Ela quer ir ver os pais, vão juntos. É um filme tipico dos anos 70, fala de estradas novas e de romper laços; mas claro, tem o estilo de 2012, é vazio e nada tem a dizer. Mas se mantém, por um fio não afunda. Triste, tem uma cena linda ao som de The air that i breathe dos Hollies. A moça é fã de vinis e fala uma frase bonita sobre o que eles significam. Mas é gozado: isso é tudo o que ela tem, seus discos, mais nada. O final não é feliz, é o fim. Este filme passou por aqui? Não lembro. Vale a pena. Nota 6.
   A VIAGEM DO CAPITÃO TORNADO de Ettore Scola com Massimo Troisi, Ornela Mutti, Emmanuelle Beart e Vincent Perez
Que lindas são Ornella e Beart!!!! O filme fala de uma troupe de atores, que em carroça se apresenta em meio ao kaos do século XVI. Todo filmado em cenários fechados, ele tem um clima de sonho. Troisi, que morreria jovem logo após fazer O carteiro e o Poeta, domina o filme. É um ator maravilhoso. Tinha o dom de parecer comum, o que é raro em atores. Nota 7.
   A BELA DO BAS-FOND de Nicholas Ray com Robert Taylor, Cyd Charisse e Lee J. Cobb
Voce se lembra de Os Intocáveis de De Palma? Lembra da cena do taco de beisebol? Foi tirada daqui. Lee J. Cobb numa reunião mata com um pedaço de ferro um dos mafiosos da familia. A cena é a mesma. Este fala de um advogado que trabalha para a máfia. Seu mundo muda ao se apaixonar por garota de programa. Taylor tem o papel de sua vida. Duro como pedra, amoral, vemos lentamente, dia a dia, sua consciência começar a rugir. Ray dirige de forma explêndida. O filme não cessa de caminhar em sua trilha feita de crueldade e de cinismo. De ruim, as cenas musicais, são 3 cenas chatas. Mas duram apenas dois minutos, os outros cem compõe um dos fortes filmes noir. O tema de Ray está todo aqui: seus filmes falam de gente torta no lugar errado. Nota 8.

O FIM DA ESCRITA EM JORNAL SE FAZ COM TEXTOS COMO O DE ONTEM

   Um cara escreveu uma coisa sem pé nem cabeça ontem. Foi tema da decadência da escrita jornalísitica, aula dada hoje. O pseudo-autor começa se lamentando pelo fato de uma guria de 13 anos não ter entendido um doc sobre politica e ter preferido uma fantasia de 007. Bem....Não ocorre ao autor que a guria não entendeu o dito "ótimo doc" simplesmente por não ter prestado atenção. E que sua atenção não foi capturada pelo fato mais óbvio ainda da falta de sedução do dito doc. Tudo bem, eu também me lamento quando um colega se revela insensível a um filme de Dreyer ou de Ozu, mas dái a viajar na maionese vai uma distância imensa. Lamento o fato desse colega viver em mundo que não é o meu e fim de papo. O que faz o dito autor? Tece toda uma teoria, ao mesmo tempo óbvia e ao mesmo tempo forçada, da loucura. O que ele tentou dizer com isso? Que não pensar como ele é ser doido? Ou que o mundo está doido e influencia a adolescente a não saber gostar do doc? Por favor!!! Falta de cultura não´é loucura! E doc ruim, talvez ele seja ruim, não é vitima dos tempos. Ozu e Dreyer se beneficiam de tempos ruins. Hoje eles se destacam com mais facilidade que em 1960. ( Aliás Dreyer era doido ).
 Estou estudando Ian Watt, Locke e Descartes. Metido sou né não? Mas o que importa é que até a época de René e de John, o tempo era ignorado e todos faziam parte de um tudo. Isso se prova na literatura. Um livro era escrito para o sempre. Não porque fosse durar, mas porque tudo era um sempre constante. Ninguém estava interessado em algo passado em 1510 ou em 1610, ninguém queria saber da vida de um Jim Davis ou de um Jean Molin. A vida era o geral, porque tudo era sempre o mesmo para sempre. Dessa forma, se lia sobre Aquiles porque Aquiles continuaria a ser sempre atual. Se escrevia sobre o que era "para sempre" e Aquiles era para sempre. Livros desses tempos falam apenas sobre o que é grande, único, atemporal, geral.
 Com a revolução industrial e a filosofia empírica o tempo nasce. Watt diz algo perfeito: Antes se escrevia para o pastor, agora é para um juri. E o juri quer detalhes, quer crer no que é contado. Detalhes físicos e psicológicos nascem. O relógio e a régua comandam a ação. Jim Davis tem de ser descrito e acreditado. Tudo deve parecer real. Sai-se então do mundo do geral e se chega ao mundo particular. Não se escreve mais um livro sobre o "tudo que há em todos", mas sim sobre "a originalidade de cada um". O caminho do mundo não mais mudou. Cada vez mais nos individuamos em auto-suficiência.
 Digo tudo isso para contar que a loucura em 1600 era aquele que se individualizava e se cria único e fechado em si. A loucura em 2012 é acreditar em ser parte de um cosmos simbólico, delirar e desfazer seu eu em fragmentos multi-facetados. Um homem típico de 1600 na NY de hoje seria trancado. Um homem de 2012 em Roma, 1600, seria enforcado.
 Deu pra sacar?

AS SOBRAS DO PORÃO

Ela estava na chuva sem saber se cruzava a rua. Olhava fixamente. Depois me seguiu até em casa. E eu na dúvida se deixava ela entrar na minha vida. Entrou.
Todo dia Henrique aparece na escola. Sem caderno nem nada ele vem pra comer e tomar banho. O cara já roubou um monte de gente. E está sempre rindo.
Ela aparece agora e noto que engordou. Vive entre lá e cá, sem familia e nem nada. Prestes a ir pra rua. E com um filho que não é como ter uma familia. Eu gosto do corpo dela. E ela enlouquece com seus planos doidos de ficar rica.
Ele diz que é gay mas namora uma menina bonita. Eu sei que ele é gay mas ele fala que é bi. E conta que começou aos dez anos. Com uma menina de 13. Mas ao mesmo tempo ele fazia ballet para estar no meio.
Ela nunca assiste aula e não gosta de ler. Mas mesmo assim fala de livros pra ver como é. Ela não tem dinheiro mas vive indo pra NY. E o tempo todo fica cantando uma frase dos Stones.
Fabio toca numa banda de blues e tem um filho de um casamento antigo. Ele fala da paz e tá sempre agressivo. O tempo escoou e seu baixo é o melhor. Percorre uma estrada longa que vai de lá pra cá. Sem fim.
Mas eu fico brilhando quando vejo os olhos dela que são cor de água. Os pés de dedos finos e o cabelo é uma bagunça. Ela é delicada e grande e uma mistura sem sentido. As roupas são só dela.
Outra tem calça rasgada. E anda aos pulos como se fosse um carneirinho. Tudo nela parece rasgado. Vive na casa de um amigo e de outro amigo e de outro e de outro...E finge gozar na escada.
Fernando cada vez mais se parece com o Grande Lebowski. Então devo dizer que ele conseguiu o que eu queria.
Caraca Velho! Da Bahia pra SP é uma longa viagem! Morando um pouco em cada vila do caminho ( só nas vilas ). Uma longa mudança!
Ela vende droga e parece ser tão bacana. O trabalho não faz o homem, né não? Eu adoro o modo como ela usa os peitos. Tem uma bomba dentro do corpo.
Um encontro num bar terminou numa ida à igreja. Uma dúzia de mulheres o deixam vazio. Ele não é Deus, mas tudo nele são linhas tortas. Cadê meu Big Pink?
Sabrina foi comida pelo namorado na frente da irmã. E pra deixar tudo ok ela aproveitou para dar um trato na irmã também. O que dá vontade a gente faz. Pega e leva. Ela é assim.
Aquela menina é a alegria da rapaziada. De repente ela cresceu. Um dia ela me mostrou sua tattoo. Pra ouvir sua voz encosta a boca no meu ouvido.
Meu amigo veio do centro do Nada. E casado cinco vezes descobiu a alma. Ele tem a certeza de que é negro como Marley. Mas seu pai era espanhol e a mãe italiana.
Molecada do rugby, molecada do funk, molecada do banheiro.
Tijolo a tijolo eu fiz uma torre de cristal. Olho a vida lá embaixo. Sobe aqui menina dos olhos de água. Me mostra de novo seus pés.
Dirigindo parado deu pra ouvir todo o disco.
Sami começou com uma briga. Então foi fazer pintura e descobriu Sinatra. Pulou o muro e foi com um amigo. Por um quarto. Agora ela faz hora na casa de uma amiga. E recolhe cachorros da rua.
Mi era a mais nerd das nerds. Mas escutou um som e foi pro fim do mundo. Montou uma banda no sertão da Paraíba. Todos de preto ela me pede novidades de Patti Smith.
Parada na chuva ela não sabia nada. Eu até pensei em ignorar, mas não. Hoje ela deixa minha mãe louca.
Minha torre de cristal é onde espero encontrar Deus. Enquanto isso olho e canto pra voce, olhos de água. Sobe aqui e vamos esperar juntos.
( Uma modesta saga ao estilo The Basement Tapes, quem escutou entendeu. É o único disco que se compara a Exile em riqueza. )

MANFREDO- LORD BYRON, O HOMEM COMO TENTATIVA DE SER SOBRE-HUMANO

Não poder morrer e não poder mais viver. Saber tudo o que é a vida, e saber que esse saber é nada. Definhar ficando cada vez mais forte. O tédio de viver, a vida como algo que nada tem a oferecer.
Obedecer apenas a si-mesmo. Sem igreja, sem governo e sem ciência. Criar sua igreja pessoal, seu governo próprio e sua ciência. E então descobrir que mesmo seu Eu Não é Seu.
Alma romântica, indestrutível alma atormentada. Ela morreu? Nunca mais. Somos todos, mais de duzentos anos passados, ainda românticos. Com apenas uma diferença, crucial: Somos acomodados. O tédio era combatido com a procura da loucura, do êxtase, da criação. Hoje esperamos que nos vendam essa experiência. Nada criamos. But...
Manfredo é de 1815. Byron fala em forma de teatro de um homem que tem o poder. Ele sabe tudo e invoca espíritos do universo. O que deseja Manfredo? Esquecer. E ninguém pode lhe dar esse esquecimento. Manfredo tem o desespero extremo. Mais que morrer, ele queria nunca ter sido.
Leio a peça e ainda sinto a febre. Ela se passa no alto dos Alpes, em solidão. A morte sempre perto, a dor mais dolorosa, o abismo e a vertigem. Byron. Leio e sinto a febre. A dor da minha adolescência. O tempo em que eu queria tudo, queria saber, queria sentir. A noite, o dia, a febre. Byron me faz sentir essa dor nessa hora e meia em que leio seu texto. Frases que entram em mim e me levam de volta ao lugar de onde nunca estive ausente.
Na Europa, no mundo, Byron foi o rei. Goethe, Napoleão, Beethoven e Hugo. Superstars. Cada época tem suas estrelas. Até em São Paulo, fim do mundo em 1820, jovens queriam ser Byron. E o que era ser Byron? Viver em absoluto limite. Provar venenos e néctar, amor suicida e sexo viciante. Românticos. Keats morreu doente. Shelley se afogou na Itália. Byron morreu na guerra, lutando como voluntário pela liberdade da Grécia. Drogas, sexo e poesia. A galéra dos anos 60 foi a última a tentar ser Byron. Ambiguidade. Hermafroditismo. Satanismo. Loucura. Em 2012 a gente assiste Crepúsculo e acha que Von Trier é o cara. No conforto de uma sala high-tech e com pílulas de "ficar doidão" à mão tentamos matar nosso tédio romântico, acalmar nossa ânsia por saber. 
Manfredo não é Fausto. Fausto faz um pacto com o diabo, Manfredo nem no diabo confia.
Byron tinha fixação por Prometeu, o deus que deu ao homem o fogo da inteligência. O deus que pagou por nós, pois Zeus raivoso o fez passar o resto dos tempos tendo o fígado comido por abutre. Manfredo é Prometeu. O abutre é ele mesmo. Ele se come.
Byron dormia com a própria irmã. Para ele era natural. Platão dizia que somos seres incompletos a procura da alma irmã. Byron teve zilhões de amantes ( apesar de coxo ), homens, mulheres, sexo grupal, hermafroditismo. Mas foi sua irmã seu grande amor. Mas até Byron sentiu culpa. Manfredo é essa culpa.
A linguagem de Byron é musical. Magnífica. Tchaikovski viria a musicar a peça. Schumann também. Em 2002 foi apresentada no teatro São Carlos em Lisboa. É essa tradução que li ( João Almeida Flor ), muito satisfatória.
Manfredo, o homem que não se sentia humano....Que sublime beleza fez-se aqui!