ORSON/ RESNAIS/ WC FIELDS/ JAMES STEWART/ CLINT/ DON SIEGEL

CIDADÃO KANE de Orson Welles com Joseph Cotten e Agnes Moorehead
Em termos estritamente racionais este é o melhor filme do cinema americano. Porque? Porque jamais outro filme usou tanto em tão pouco tempo. Todas as linguagens são usadas sem nunca ter aspecto de citação. É cume soberbo de cultura e jamais parece pedante. Tudo é usado em termos superlativos: roteiro, fotografia, estilo de atuação, música. Há uma exuberancia infinita, exuberancia que só pode ser comparada a certas obras de Goethe e de Shakespeare. Mas veja bem, emocionalmente ele é frio como Thomas Mann ou Góngora. Kane se coloca em Olimpo gélido. Nós o admiramos mas não o amamos. Nota DEZ.
GENGHIS KAHN de Henry Levin com Omar Shariff, James Mason, Stephen Boyd
Grande produção que nunca tenta contar a história de Genghis Khan. O que se conta é uma fábula bastante tola sobre um mongol que aspira unir todas as tribos sob sua liderança. James Mason faz um chinês hilário. O filme é de uma babaquice absoluta. Nota 1.
O ANO PASSADO EM MARIENBAD de Alain Resnais com Delphine Seyrig e Giorgio Albertazzi
Certos críticos dizem que hoje não existem mais filmes dificeis. O que existe é filme desagradável. Explico: os filmes ditos dificeis de hoje, não são dificeis por sua forma ou por sua impenetrabilidade. São dificeis de ver por sua desagradibilidade. Este filme deixa essa questão mais clara. Fora os filmes de Tarkovski, é este o mais dificil filme já feito. Do que trata? O que é? Resnais disse uma vez que se trata de cinema puro. Mas o que é cinema puro? O que vemos é um casal num hotel imenso. Pessoas ao redor. Não há interpretações, os atores posam e declamam ( de um modo chic que seria muito imitado pela publicidade ). O texto, de Alain Robbe-Grillet, fala algo sobre memória. Mas será isso mesmo? Talvez seja o único filme feito em que os protagonistas são os objetos: espelhos, móveis e tapetes. Um filme intransponível. Nota enigmática.
O CAMINHO DE SANTIAGO de Emilio Estevez com Martin Sheen
Emilio poderia ter sido uma estrela nos anos 80. Sheen, que é seu pai, poderia ter sido uma super estrela nos anos 70. Aqui eles se encontram e o filho dirige o pai num filme que fala de filho que morre no caminho de Santiago. O pai vai buscar suas cinzas e resolve fazer o caminho pelo filho. Parece choroso e bobo? Não é. Trata-se de um simples e despretensioso filme de estrada. No caminho o pai faz amizade com holandês doido, irlandês chato e americana neurótica. Nada de muito original, mas o filme se deixa assistir. O final é muito bom. E pasmem! Um filme americano recente que fala sobre a morte!!!! Nota 5.
SE EU TIVESSE UM MILHÃO de vários diretores com estrelas da Paramount
Filme em episódios. O que os une é um milionário que resolve dar um milhão para uma série de estranhos. Vemos o que acontece então. Os melhores episódios são aquele do empregado da casa de porcelana, que de oprimido passa a agressor; do bandido que não tem como gastar o cheque e principalmente o episódio do gênio do humor, WC Fields, em história de um casal que ao ter seu carro abalroado no trânsito compra vários carros para poder bater à vontade em motoristas irresponsáveis. Fields é hilário. Lógico que o filme é desigual, mas esses 3 episódios valem sua restauração. Nota 5.
SORTILÉGIO DE AMOR de Richard Quine com James Stewart, Kim Novak e Jack Lemmon
É sobre uma feiticeira que resolve namorar um mortal. O filme tem um erro terrível: James Stewart. Um ator brilhante, mas que está totalmente deslocado como objeto do desejo de Novak. Sua figura é a de um velho professor de latim, Kim parece louca em amar figura tão pouco sexy. O filme tem aquele visual chic-meio-louquinho de sua época ( 1960 ) e Kim é linda de doer, mas o romance soa falso todo o tempo. Nota 5.
MEU NOME É COOGAN de Don Siegel com Clint Eastwood e Lee J. Cobb
Um ensaio para Dirty Harry. Clint, aos 38 anos, volta da Itália e estrela este policial. Fala de um xerife caipira que vai à New York de 1968 capturar um bandido doidão. A graça do filme está no contraste entre um cowboy violento e a geração de drugs-sex e rocknroll. A melhor cena é a da festa hippie: mulheres nuas, beijos gay, drogas e psicodelismo, e Clint, andando em meio aquilo tudo com chapéu de cowboy e botas. O rosto de Eastwood diz tudo o que ele pensava dos loucos anos 60: lixo. Pauline Kael sempre disse que ele era um fascista, um republicano. Se era ou não isso não importa, mas que o cara tem caráter, tem uma crença, isso ele sempre teve. Nota 6.
VELOZES E FURIOSOS 5 de Justin Lin com Vin Diesel e Paul Walker
O primeiro era divertido. Boas corridas, boa trilha sonora, mulheres legais. Os outros já não eram grande coisa. Este é o fim da picada! O que se passa? Eu não sonho com a volta de filmes como O Poderoso Chefão ou Taxi Driver. Isso seria pedir demais. Mas uma simples aventura como aquelas com Charlton Heston ou James Coburn, seria pedir demais??? Ninguém consegue mais escrever meia dúzia de bons diálogos e criar um herói gostável? Um Duro de Matar, um novo Mel Gibson, um Charles Bronson ! Nada disso aqui. Apenas burrice, podridão e tédio. Nota ZERO.

CLINT EASTWOOD, O MORALISTA

Tudo em Clint Eastwood sempre foi uma afirmação moral. Ele jamais seguiu a corrente ( e isso te surpreende né? ) sempre manteve, inalterada, sua rota de descrença e de individualidade fria. O tempo, único crítico que nunca erra, mostrou seu acerto.
Ele é o astro de tv que mais deu certo na transição para o cinema. Sim, ele foi astro de tv nos anos 50. Rawhide era a série. Quando a última temporada chegou, ele partiu para a Itália e lá fez 3 westerns. Eis o primeiro ato contra a corrente de Clint: não tentou o western decadente americano dos anos 60. Rumou para Roma e trabalhou com o novato Sergio Leone. Acertou. Os 3 filmes mudaram o faroeste para sempre.
Em seguida ele volta à América e descobre que os tais westerns haviam feito sucesso em todo o mundo menos em seu país. Nos USA eles eram apenas cult. Mas vem Don Siegel e com ele faz Meu Nome é Coogan. Clint estoura aos 38 anos na América. E nesse filme ele já é Clint Eastwood, um solitário moralista.
Há uma cena no filme que revela quem é esse cowboy. Estamos na New York de 1968. O auge da contra-cultura. Numa festa onde todos se drogam, mulheres nuas dançam, gays se beijam e o rock lisérgico ecoa, Clint Eastwood passa em meio aos hippies indiferente, frio, distante. Olha tudo com evidente desprezo, vê naqueles moleques o que eles são: pseudo-rebeldes de araque. Estaria ele certo? Eu não sei, mas o que importa é que Clint marca posição, esposa uma moral e a mantém. Os críticos, no auge do cinema doidão, logo o chamam de fascista.
Country e jazz. Eastwood sempre foi desse mundo. Nos anos 70 seus filmes seriam os mais rentáveis e na era de Nicholson, Paul Newman e Steve McQueen ( e ainda Redford e Beatty ) era Clint o astro mais rentável. O povão caipira o amava. Uns poucos o levavam a sério. Esses poucos notavam aquilo que os outros só perceberiam a partir dos anos 90: que Clint fazia sucesso mas nunca flertava com o glamour. Jamais procurava parecer um autor. Seu amor estava nos filmes de Hawks, Huston e Ford. Os diretores invisiveis, os modestos geniais. Blasés.
Clint Eastwood começou a ser levado a sério não por ter mudado, mas quando o meio mudou. Cinema de arte e hippies sumiram do mapa, os filmes rebeldes dos anos 70 foram extintos e a droga destruiu toneladas de carreiras. O cowboy se manteve. Ficou de pé, fazendo os mesmos filmes simples e sem afetação. Grunhindo e vendo que todo cara moderninho é apenas um mero "punk".
Eu adoro seus filmes e adoro sua imagem. Me ensina o valor do tempo, a transitoriedade dos modismos e o fato de que um homem tem de escolher um caminho e se manter nele até o fim.
É a moral dos cowboys. Não há melhor.
PS: O principal: Ele me mostrou, e provei na vida real, o fato de que toda mulher procura uma rocha. Ele é o cara entre os caras.

WILLIAM BLAKE

Dependendo do comentador que voce ler, Blake poderá ser chamado de louco. Isso porque ele dizia ter visto um anjo em sua infancia. Ele mal teve tempo de ir a escola, todo seu treinamento foi para ser um desenhista, como seu pai. Acabou se tornando um dos mais interessantes desenhistas e pintores da Inglaterra e um de seus mais famosos poetas.
Blake surge em fins do século XVIII, faz parte da geração pré-romantica, geração que tentará revalorizar o folclore, a raiz do país. Temiam aquilo que a indústria poderia vir a causar, se irritavam com os horários de trabalho, a sujeira e a derrubada das florestas. Blake conta tudo isso em seus poemas iniciais, fala de meninos que trabalham e de carvão e chaminés. Tudo em linguagem popular, em formas de canção. Mas depois ele começa a desenvolver sua filosofia mística, e é então que ele fica mais interessante.
A igreja para ele, é antro de opressão, padres são arautos da tristeza na Terra. Blake começa a valorizar a Energia ( é esse o nome que ele dá ) Energia que se opõe a fraqueza da alma pura. Para ele, corpo e alma são um só ( Blake influencia muito à Whitman ) a graça está em ser um homem energético, um homem que é alma, coração e genitais.
Lucifer se torna um símbolo. Para Blake, Lucifer é o anjo/homem, o ser que simboliza a atividade criadora do homem e a impassibilidade. Um tipo de anti-padre, o verdadeiro caminho a Deus.
William Blake teve vida longa. Se tornou central para a poesia do século XIX influenciando o movimento pré-rafaelita e depois a Art-Nouveau. Mal lido sua influencia ocasionou um certo ocultismo decadente, sua melhor herança é um inconformismo criativo que se mostra sempre instigante.
" PERMANEÇO EM MINHA TAREFA
A TAREFA DE REVELAR OS MUNDOS OCULTOS.... " Isso é Blake, e de certo modo, esse é a missão de todo poeta.

BOB DYLAN, O HOMEM QUE ESTRAGOU TUDO

Coincidentemente, o rocknroll é destruído nos anos 60 por três homens que nasceram sob o mesmo signo: Brian Wilson, Paul MacCartney e Dylan.
Mas como? Esses caras destruiram o bom rocknroll???? Weeelllll.... de certa forma, sim. Pois Brian Wilson traz à velha tosqueira de Chuck Berry a finesse de arranjos sinfônicos e essa coisa do cálculo rumo à perfeição. Nada menos rocknroll que arranjos ambiciosos. Paul institui a ditadura do bom gosto, do denominador comum. Com Paul, os pais que ouviam Sinatra e Dean Martin passam a ouvir Yesterday e Here There and Everywhere. Mas ninguém foi mais nefasto que Dylan.
Bob Dylan, sózinho, institui essa praga chamada de "rock como forma de arte", outra peste chamada de "artista sensível e sofrido" e por fim, a catástrofe do menestrel e seu violão. Dylan é pai de Lennon, Morrison, Lou, e sua nefasta imagem segue até Thom Yorke e toda cantorzinha mala falando de verdades sobre seu ser. É de Dylan o primeiro album duplo, o primeiro single com quinze minutos e as primeiras letras cabeça. Ele enterrou o rock como puro fun e deu para todo guitarrista ambicioso o desejo de ser relevante, relevante como Bob Dylan.
Mas eu adoro Bob Dylan!!!!! Um cara que faz ITS ALRIGHT MA, I'M ONLY BLEEDING só pode ser um gênio. Tudo o que ele fez entre 64/74 é instigante, e foi ele quem deu respeito e dignidade ao rock. Foi com e por Dylan que escritores intelectuais passaram a levar o pop jovem a sério. Mas a herança que ele deixa, seus filhos bastardos são de lascar!!!! ( E o mesmo digo sobre Brian e sobre Paul. Geminianamente tenho uma posição ambígua sobre os 3. Amo-os e ao mesmo tempo me irrito com sua abundante produção e sua má inflência ).
Dylan foi maior que qualquer outro nome no rock ( os Beatles eram 4, os Stones eram 3 ), e ainda agora serve de exemplo aos roqueiros velhos e calejados. Há uma dignidade sóbria em sua imagem, em meio a toda aquela idolatria e pretensão ele se mantém distante, frio, quase impessoal. Nada nele mira o puxa-saquismo tipo: vejam como sou legal; e também nada tem o traço do escândalo. Discrição, sempre.
Há um filme obra-prima de Todd Haynes, NÃO ESTOU LÁ, que vai te dar uma breve idéia do que seja ser Dylan. Além do que, como cinema, é das melhores coisas feitas nos últimos vinte anos. Fernando Pessoamente ele criou máscaras onde nem ele mesmo pode mais se encontrar. Como Rimbaud, ele é um outro.
Mas esse é o problema: falar de Pessoa e Rimbaud em texto sobre rock é o fim do próprio rock!
A melhor homenagem a Robert Zimmerman seria escutar um velho disco de blues, e recordar que em meio a toda aquela confusão o que ele sempre desejou foi ser um negro velho com um violão em meio as estradas do Mississipi....
Jamais haverá outro igual.

FRAGMENTOS, MÚLTIPLAS LINGUAGENS, CORTES TEMPORAIS, IRONIA... PORQUE CIDADÃO KANE É O QUE É, O MAIS MODERNO E O MAIS VAIDOSO DOS FILMES

Orson Welles foi um gênio. Esse foi seu legado, foi seu brilho e foi sua maldição. Pois ele era maior que o meio. Seu gênio foi do tipo renascentista, ele fosse nascido no século certo teria sido um Wagner ou um Leonardo. No tempo e no lugar em que nasceu, tornou-se um pastiche de si-mesmo. O cinema era pouco para ele, a tv era nada para ele, a vida lhe foi asfixiante. Foi um menino prodigio que tocava Mozart aos 3 anos, que se apresentava como mágico profissional aos 5 e que com 15 anos já excursionava com seu grupo teatral pela Irlanda. Aos 18 causou escândalo na Broadway com seu Macbeth negro e aos 19 era famoso em todos os USA graças ao rádio, midia que ele revolucionou. Aos 21 já era um mito do cinema. Aos 30 era um velho acabado.
Cidadão Kane é inacreditável. Nunca ninguém foi tão genial em seu primeiro filme ( !!!!!! ). Primeiro filme.... A impressão que o filme dá ainda hoje é das mais modernas possíveis: ele é feito de fragmentos, de estilos que se chocam, de tempos que se atropelam e de uma verdade que é sempre inescapável. Imaginar o que deve ter sido ver este filme em 1941, o choque que causou, o espanto e a inveja que fez nascer...
Todo o cinema feito até então está explicitada aqui: os primeiros minutos, dos mais belos da história, são puro Murnau e Lang. A câmera que voa, as fusões que dançam, o jogo com espelhos, as imagens deformadas, a fluidez...
Mas todo o filme é feito dessa liberdade extrema. Cada cena tem um estilo de cinema próprio. Há coisas do policial noir, do cinema poético francês, da fábula e da montagem russa, do épico de John Ford. Tudo Welles pega e usa a seu modo, e tudo ele destrói.
Não há trama cronológica, certas cenas parecem de documentário, a câmera treme e segue os atores, algumas falas são improvisadas, algumas são estilizadas. Ele cria, sem se perder, um frenesi de criatividade, uma fragmentação estética que espelha a própria condição da vida moderna: incerteza e fluidez sem fim.
É conhecida a riquesa das imagens deste filme. Rostos imensos cortando o foco, cenas de fundo vivas e ricas, a tela se enche de detalhes, de movimento e então se congela e se crispa em drama puro. Mas há mais: Welles, irriquieto, usa coisas operísiticas, usa o humor, usa tudo que o cinema permite e tudo que ele viria a ser. Godard, Altman, Scorsese, Coppolla, Todd Haynes, Paul Thomas Anderson, Tarantino, Lumet, De Palma, Kubrick, Cassavettes... tudo está contido em cenas de Kane, ele anuncia o futuro, condensa o passado, brinca com o meio, faz dele o mais mágico dos brinquedos.
Mas de toda essa riquesa, nada impressiona mais hoje em dia que a beleza de suas imagens. Gregg Toland se esmera em cada take, se doa por ter recebido, finalmente, liberdade para ousar o que quisesse. E ousou. Sombras, focos distorcidos, câmera baixa, sets tortos. Kane esgota tudo o que pode ser feito em cinema. Filmes melhores podem existir, filmes tão ricos e com tamanha complexidade de detalhes e ideias, não há.
Falar sobre os bastidores, tão ricos quanto, do filme, deixo para quem assistir os excelentes extras do dvd. O que enfatizo é que Kane é inesgotável. É por direito o filme que mais despertou vocações de cineastas ( e de criticos também ). Para quem ama o cinema é seu Hamlet e seu As Meninas ( de Velazquez ). Tudo o que Orson fizesse depois só poderia ser decepcionante. E esperto como ele era, sempre soube disso. Kane foi sua jóia e sua maldição.

LENDO OS PRÉ-SOCRÁTICOS

Em Homero e Hesíodo voce pode ser pleno. O homem completo era homem espírito e alma, unidas. Natureza e ser, corpo atlético mais mente culta. A beleza da alma e do pensamento unidas como coisa só, vivendo em casamento à beleza do corpo e da voz. Filosofia feita em dança e música.
Mas a partir de 500 ac. as coisas mudam. O homem olha para o céu e quer saber o porque dele ser o que é. As questões colocadas então são aquelas que ainda hoje importam: o que é o infinito? O que significa a vida? O que vejo pelos meus sentidos é real? Do que é constituída a matéria? O nada é um ser?
O homem passou a ser, desde então e graças a razão, isso OU aquilo. Coerência como lei suprema. A desconfiança da intuição. Se voce é homem é um homem, se voce é civilizado não é bárbaro, se voce é democrata não é tirano, se voce é pitagórico não é eleata.
Pitágoras ainda tentou salvar as coisas. Percebeu a matemática na música e a harmonia como linguagem do cosmos. O número mísitico, o Um unidade da vida, o dois principio da harmonia, o três como matéria.
Fragmentos: Anaximandro, Zenon, Tales, Melisso.... teorias sobre o fogo, sobre a água, sobre o nada. A vida explicada como a tensão, na tensão entre opostos é que ela se faz, sem a tensão-luta não existe coisa alguma. A vida como afeto e repulsa, uma eterna busca e divisão. A vida como matéria, a vida como mentira.... As teorias se sucedem, e eu penso em como a vitória daquele que foi renegado poderia ter modificado todo o pensamento do Ocidente. Meu mundo decidido em aldeias cheias de cabras no Mediterrâneo.
Hegel e Nietzsche comentam esses filósofos. Hegel, que antes de tudo foi um historiador, nos conta suas teses, seus acertos, detalha tudo, ilumina. Nietzsche, que foi professor de estudos clássicos, fala naquele seu tom panfletário. Exalta, propaga, elogia e denigre. Mostra aquilo que se perdeu, aquilo que se deixou de entender. Mostra o caminho que deu errado.
Parmênides e Heráclito, talvez sejam os dois mais ricos em pensamento, milagres de questionamento, fogo jogado na noite. A filosofia nunca mais foi tão viva, tão próxima da realidade, tão poesia. Prova de como tudo nasce em seu vigor pleno, exuberante, direto, ribombante, e em como logo se inicia o lento caminho rumo ao vazio, a palavra pela palavra, ou pior: auto-engano.
Querer ler filosofia sem ler estes textos é como tentar gostar de poesia sem saber de ritmo.

AL PACINO/ DUSTIN HOFFMAN/ LUBISTCH/ CAPRA/ ERROLL FLYNN/ KIRK DOUGLAS

ZOMBIELAND de Ruben Fleischer com Jesse Eisenberg e Woody Harrelson
Jesse tem filmado muito. Falta ator com sua idade? Sua forma de atuação é sonambulica. Vamos dar nomes aos bois? Isto não é cinema. Não que eu saiba o que seja cinema, mas isto não é. Talvez possa ser chamado de brincadeira de internet ou game em telão. Aquelas coisas: humor chulo, visual pseudo-moderno e umas gostosas com pouca roupa ( e nada sexys ). Anuncia e exemplifica a crise do cinema de agora. O horror, o horror.... Nota Vácuo.
THE MECHANIC de Simon West com Jason Statham, Ben Foster e Donald Sutherland
É de bom tom se colocar atores dos anos 60/70 em filmes bobos. Dá uma pretensa dignidade à coisa. IanMcShane, Peter Fonda, Robert Duvall, Jon Voight têm sido muito usados nesses pequenos papéis de brilho falso. Jason ( ator de quem eu gosto. Ele é limitado, mas tem um resto do resto daquela frieza de Steve McQueen ), é um assassino profissional ( ser killer virou profissão de glamour ). Ele é enganado e mata seu mentor. O resto é ação. Adoro filmes de ação e me convenço cada vez mais ( com a ajuda de certos pensadores gregos ) que o valor absoluto da arte está no prazer que ela nos dá. Este filme não é um grande prazer, com certeza, mas é hora de percebermos que filmes de ação são cinema de imenso valor. Nota 4.
A LONGA NOITE DE LOUCURAS de Mauro Bolognini com Jean-Claude Brialy, Elsa Martinelli, Rossana Schiafino
O roteiro é de Pasolini. E pasolinianamente, mostra o submundo reles de Roma. Jovens roubam armas, andam com prostitutas, vendem as armas, perdem o dinheiro, o recuperam, gastam tudo em boate, voltam pra casa. Bolognini foi digno representante dos diretores italianos classe b. Um vasto campo que abrangia de Risi à Rossi, passando por Zampa e Lattuada. Aqui é sedutora a imagem de uma Itália cheia de favelas, ruas de terra e muita fome. Ao mesmo tempo vemos o nascimento do consumismo e da americanização ( o filme é de 1959 ). Mas, como sempre acontece com Bolognini, ele se deixa levar por um certo tédio, o filme perde o ritmo às vezes, e alguns cortes lhe fariam bem. Nota 6.
O ESPANTALHO de Jerry Schatzberg com Gene Hackman e Al Pacino
Pacino nunca foi tão engraçado. Há uma cena de "assalto" que é hilária!!! Mas o filme, feito no auge da contracultura, é triste, melancólico. É sobre um ex-presidiário ( Hackman na atuação de sua vida ) que conhece um marinheiro ( Pacino, melhor que aqui, raras vezes ). Os dois pegam carona juntos e passam a dividir sonhos. Hackman faz um tipo explosivo, do mal. Pacino é inocente, quase um bobo. Há muito de Laurel e Hardy nos dois. Com o correr do filme, Hackman se humaniza e Pacino após choque terrível se torna catatônico. É um filme que ama seus atores. Os dois têm tempo para improvisar, criar personas, nos impactar. Relembrando o filme agora ( assisti-o sete dias atrás ) o que me ficou são seus rostos, comoventes. Árido e muito doído, é um filme para quem ama filmes. Nota 8.
MARATONA DA MORTE de John Schlesinger com Dustin Hoffman, Roy Scheider e Laurence Olivier
Fez sucesso na época este thriller sobre criminosos nazi na América dos anos 70. Hoffman é torturado, enganado, perseguido e não precisa atuar. Olivier é o nazi e recebeu indicação ao Oscar. Não brilha, apenas está lá grunhindo. Scheider está excelente como o irmão que se vendeu aos nazis. ( Os nazis são agora traficantes de diamantes ). Schlesinger dirigiu 3 obras-primas em seu auge. Este não é seu melhor momento. Nota 6.
LADRÃO DE ALCOVA de Ernst Lubistch com Herbert Marshall, Miriam Hopkins, Kay Francis, Edward Everett Horton
Quando Lubistch, já diretor famoso, foi convidado a trabalhar na Paramount, o cinema americano mudou. Ele trouxe charme vienense a Hollywood. Aqui, vemos um casal de ladrões aplicar um golpe numa herdeira futil. Tudo é escapismo, tudo é chic, tudo é prazer. O modo como os dois ladrões se conhecem ( um rouba o outro e é roubado então ) é aula de ritmo. Também demonstra em imagens o nascimento de um afeto. Herbert Marshall é um tipo de ator completamente extinto. Seus modos são tão elegantes que hoje ele passaria por gay-afetado. Dá para notar também o modo como toda fala remete a sexo, sem que nada seja realmente dito. Críticos costumam apontar este como o melhor filme de Lubistch ( e alguns dizem ser ele o melhor dos diretores ), não acho. É uma comédia maravilhosa, mas ele faria ainda mais no futuro. De qualquer modo, a circulação de filmes como este justifica a criação do dvd. Nota 9.
ACONTECEU NAQUELA NOITE de Frank Capra com Clarck Gable e Claudette Colbert
A comédia de Capra é radicalmente diferente da de Lubistch. Aqui tudo é mais direto, mais febril e muito mais "sensível". Capra nunca é cínico. Este imenso clássico fala de casal que se encontra em ônibos inter-estadual. Ela é milionária em fuga do pai para se casar com noivo interesseiro. Ele é jornalista desempregado. E o filme é exemplo de perfeição: nada falha, não há um só minuto sem interesse, tudo, roteiro, elenco, direção, funciona com naturalidade. Perfeito. O casal acaba por se apaixonar e isso é muito convincente. Vemos passo a passo o nascer desse amor. Boas histórias são assim: acontecem como destino invencível. Nos convencem de que Tem de Ser desse Modo. Gable era feio e desajeitado, e mesmo assim consegue ser sempre sexy e simpático. Colbert, a mais mignon das atrizes, está apaixonante. O que mais se pode querer? Nota DEZ!
CONTRA TODAS AS BANDEIRAS de George Sherman com Erroll Flynn, Maureen O'Hara e Anthony Quinn
Erroll já estava meio inchado pelo álcool, mas mesmo assim usa seu charme desinteressado e domina o filme. Que trata de espião ( Flynn ) enviado pela marinha inglesa ao covil de piratas ( Quinn e Maureen ). Não é a ação o cerne do filme, é a relação entre Erroll e Maureen, relação que funciona. O filme é hiper colorido, alegre e bem produzido. É este o filme pop pelo qual o cinema de uma dada época deve ser julgado. É o equivalente aos filmes de terror em série e as comédias teen de agora. É por esse cinema que se avalia a saúde de uma época e não por suas excessões. Este leva nota 6.
ULYSSES de Mario Camerini com Kirk Douglas, Silvana Mangano e Anthony Quinn
É a Odisséia feita em Cinecitta. Filme tolo, com coadjuvantes fracos, mas que mostra também a imensa força do mito de Odisseu. As cena de sua volta à casa como mendigo, do affair com Circe e da vingança final são emocionantes mesmo aqui. Mas o filme no geral é constrangedor. Nota 3.

MACONHA NA RUA

Saia do armário e assuma que voce fuma maconha.
Essa é a frase mote inscrita na USP ( pra quem não sabe, USP é uma ilha da fantasia, local onde a realidade da cidade "faz de conta" que não entra. Terra que vive em algum mundo perdido entre Neverland e Paris-68 fake. ).
Eu já fumei e gostei. E daí? Também já bebi até cair e gostei. Já atirei em pardais e me diverti. E me deram morfina em mesa de operação e amei. Gostar não é argumento então. Qual é o argumento?
Deixar que eu, como adulto, escolha o que desejo fazer comigo mesmo. OK. Faça o que quiser consigo. Desde que eu não seja OBRIGADO a te aturar. Nada mais chato que um viajandão. Além do que, ele coloca em perigo minha vida, ao dirigir, e me deixa tonto por tabela, se fumar ao meu lado. Ah.... mas o álcool tem os mesmos efeitos e é legalizado! Pois é, ó caro maconheiro, se voce sabe que o álcool faz tão mal, porque não lutas pela proibição do mesmo? Um mal absolve outro mal? Então liberemos o pó, os remédios tarja preta e a pedofilia!
Maconha é um lixo. Conheço gente que virou um zé-mané de tanto fumar. É tão ruim como a birita. Com uma diferença: a erva financia o crime pesado. Se voce me provar que teu baseado não forneceu grana para uma arma que poderá vir a me matar, aí eu posso pensar em seu caso. Plante em casa, se entupa de fumaça e não venha me amolar.
Quanto a passeata foi o esperado: bando de playboys que posam de alternativos. Um barato! Provocaram os tiras até os tirar do sério. Não vi um negro, um favelado, um cara pobre. O povo freak da Vila e da PUC se divertiu nesse happening. Agora eles podem chegar nas minas e contar sobre sua coragem em pró da liberdade. Então tá.....

O CÃO DO FILÓSOFO- RAIMOND GAITA

Professor de filosofia na Austrália, a questão que introduz o texto é das mais espinhosas: Afinal, os animais possuem uma consciência? E habilmente, o que Gaita faz é nos mostrar a irrelevância dessa questão. Não só dessa, mas a irrelêvancia de várias questões.
No mundo, no universo, não existe uma razão ou uma moral. Mais que isso, em nós não é a biologia ou a evolução que explica a vida. O que a explicaria é a experiência do corpo, a vivência corporal, a lingua viva das ações. Razão, moral, ética, são criações artificiais feitas pelo homem e que são válidas apenas em seus próprios termos. O problema é que estamos perdendo o hábito de questionar VERDADEIRAMENTE as coisas. É como se tudo fosse hoje uma questão de fé. Assim, quando um evolucionista diz que o comportamento materno é herança evolutiva aceitamos isso como verdade infalível. Mas, e as mães que abandonam seus filhos? E as mães que não se importam com as mortes de outros filhos? O que Gaita nos diz é que a vida é feita de muito mais escolhas do que pensamos.
Não importa se um cão pensa. O que importa é o corpo desse animal e aquilo que ele nos diz com seus olhos, músculos e atitudes. Pensar em linguagem canina é pensar em corpo. E o que nos une a esse ser-corpo não é o fato de que todos somos bichos, ou a ideia de que ele possui uma alma. O que une homem e cão é a decisão ativa de se gostar desse animal. Em palavras mais diretas, o amor. Raimond Gaita não tem nenhum receio em usar essa palavra, amor. Para ele, a poesia explica o mundo de forma muito mais completa que a razão. Porque?
A razão tende a sistematizar e reduzir tudo. Ela floresce em mentes que não toleram o imponderável, o excesso, o inalcansável. O pensamento poético faz exatamente o contrário: mostra o complexo naquilo que é aparentemente simples. A razão, ao pensar abrir nossos olhos, na verdade os fecha. Porque nós somos certamente um corpo, carne e sangue, e falamos e sentimos através desse corpo, e nada nele pede a razão, nada nele é absolutamente racional. Ato de irracionalidade suprema: a morte. Para que nascer se sabemos que iremos morrer? A morte destrói toda ilusão de racionalidade na vida e no corpo. Ela é um irracional desperdicio.
Gaita foge das fórmulas simples. Animais são animais. Merecem não o nosso respeito, merecem ser honrados. Honrando a vida de um bicho adquirimos o direito de honrar nossa própria vida. Ao perceber, por pura vontade e poesia, o quanto há de inalcansável num gato ou num pássaro, percebemos também o quanto há de sublime em nós mesmos. É impossível viver a plenitude de se estar vivo sem honrar toda vida ao redor. Mas isso não significa dar aos bichos o status de humanos. Significa entendê-los como seres ao lado de nós, completamente incompreensíveis e por isso mesmo, ricos de possível significado.
O livro discorre longamente sobre o problema do significado. Significado que só pode ser obtido se percebermos as coisas, capturarmos sua verdade possível. Se não houver idealização a priori.
Wittgenstein é citado. O filósofo demonstra que tudo na verdade é feito de crenças. Cremos que os outros têm uma mente. Cremos que eles são como nós. Onde a prova disso na razão? O que nos leva a ter a certeza de que existe uma vida interior em todos os humanos? A crença nessa ideia. Nada disso passa pela razão.
Em outro trecho se fala de Iris Murdoch. Ela fala que se conseguirmos deixar de lado o "ego obeso", ego que nos faz crer na razão; e por outro lado abandonarmos o sentimentalismo fofo da arte, que nos faz ver tudo como lenda e destino; talvez então consigamos usando o amor e a coragem ver a vida como ela é de fato.
Gaita nos lembra então que a ciência só existe em termos de pesos e contagens. Tudo precisa ser reduzido a números mensuráveis. Como medir a consciência de um animal? Num animal nada está oculto, tudo está lá, exposto. No animal o que a ciência pode? Até que ponto nossa consciência não é criada pela ciência para honra da ciência? Até que ponto nossa subjetividade não é criação artificial da arte para glória da arte?
Pablo Casals: " Nos últimos 80 anos todas as manhãs tenho acordado e executado ao menos duas peças de Bach antes de começar o dia. Bendizo a casa. Redescubro o mundo todas as manhãs. Tocar faz-me agradecer por viver e por ser humano. Não me recordo de um dia em minha vida sem o espanto pela natureza..." Esse é o amor incondicional pela vida sem a ajuda da religião. Casals agradece a vida, não questiona a vida, a aceita. Seria isso o ser-com-o-corpo?
Isak Dinesen: "Todos os pesares são suportáveis se contarmos uma história sobre ele."
Chesterton: " A vida está presa a uma teia de aranha sutil. Cada fio é um fio que leva a outro fio. Mas há muitos que desejam a destruir. Para esses tal complexidade é insuportável. São os reducionistas, os hiper-racionais. Esses pensam que se puderem substituir a teia por algo robusto conseguirão ter a paz definitiva. Paz em suas mentes assustadas." Para Gaita, a razão não faz parte dessa teia. Se uma estrela explode nada há de racional nisso. Se voce ama alguém, nada explica isso. Se um cão pensa ou apenas sente, qual o valor desse pensar canino?
RF Leavis diz que existem dois modos de se julgar um poema: " Isto pode ser assim..." e "Isto deve ser assim, mas..." No primeiro caso temos o julgamento que aceita a teia de relações, no segundo caso o endurecedor, aquele que sempre vem com um reducionismo expresso nos "mas..."
Por fim, Gaita tem a coragem de tocar no tema dos direitos humanos. Não existem direitos humanos. Ninguém tem o direito real a nada, o que há é um afeto, um respeito devido e sentido entre os homens. Portanto falar em direito animal é falar de algo que jamais existiu. O que deve ser pensado é o respeito, a honra que deve ser dada a toda a forma de vida. Árduo e belo livro.

PROTÓTIPO DE FILME: ACONTECEU NAQUELA NOITE- FRANK CAPRA ( A ARTE É UM PRAZER OU É MASOQUISMO? )

Coisa maravilhosa tem acontecido nos últimos anos ( fato notado por Roger Ebbert ): toda uma geração de cinéfilos é criada pelo dvd. Filmes impossíveis de serem vistos se tornaram acessíveis e melhor, filmes clássicos, que tinham uma imagem deteriorada, hoje podem ser assistidos em imagem brilhante, graças a reconstituição para dvd. É o renascimento do cinema dos anos 20/30, filmes deteriorados sendo vistos hoje com sua beleza original.
Numa aula de linguística, quando é citado Bernard Shaw, me surpreendo com a quantidade de pessoas que viram MY FAIR LADY. Metade da turma. Filmes antes desbotados, hoje belíssimos.
ACONTECEU NAQUELA NOITE foi o primeiro filme a ganhar Oscars principais: filme, direção, roteiro, ator e atriz. Só quase 60 anos depois, com SILENCIO DOS INOCENTES, isso foi repetido. O filme de Capra venceu em 1934, e bateu uma concorrencia muuuuito forte. Revisto hoje, esta comédia romantica, mostra todo seu frescor, e, ao lado de LEVADA DA BRECA, é ainda o objetivo, o ápice, o everest, de toda comédia que trata de relações entre homem e mulher. Robert Riskin, o grande roteirista, criou a estrada, os outros a seguiram.
Claudette Colbert é uma rica herdeira que escapa do pai para se casar. Um jornalista durão, Clarck Gable, a ajuda sem saber quem ela é. Falando de forma bem simplificada, o filme é isso. Mas Capra, gênio que é, recheia o filme de dúzias de idéias. Não há uma só cena menos que boa, é um filme perfeito.
Vemos então a América da depressão, com seus tipos "do povo", tentando sobreviver. Ao mesmo tempo há uma gozação aos ricaços. O filme é também documentário sobre momento decisivo de um país. Comédia sempre, mas também aventura, drama, caixa de surpresas e nunca, jamais, óbvio. Alegre, feliz.
Os gregos acreditavam que a primeira função da arte é o prazer. Depois o pensamento e a união de ideais. Prazer. Para quem entende um pouco de arte, para quem já se deixou impressionar pela arte engajada, pela arte masoquista ou pela arte abstrata, o prazer acaba se revelando o valor mais sólido, aquilo que ao final, faz com que algo sobreviva. Mas entenda, não confunda prazer com superficialidade ou escapismo. Não seja tão jeca. Há prazer estético em Bergman e em Shakespeare. E há também a tal profundidade sofrida nos dois. Mas o prazer é acima de tudo o que rege sua fruição. Em Bergman e em Shakespeare, mesmo nos mais duros momentos, há sempre o prazer estético, a beleza, o dom de se saber fazer. E mais: o sofrimento jamais é gratuito.
Hoje há uma imensa massa de seres que pensam a arte como dever, como sofrimento, como masoquismo. Meu mais sincero desprezo a esses jecas do gosto. Como dizia Paulo Francis, são os caipiras que sofrem vendo Strindberg e pensam ser essa a tal cultura superior. Blá!
Voltando.... poucos filmes mostram de forma tão sublime o nascimento do amor. Amor real, que brota da diferença entre ele e ela. Gable mostra todo o verdadeiro charme viril de um homem que sabe se virar, e Claudette é a dondoca que cresce e descobre a vida. Ônibus, estradas, motéis... as cenas vão se sucedendo e algumas são clássicas ( a canção no´ônibos, a carona na estrada, o cobertor entre as camas ), o porque de ninguém conseguir mais fazer uma história assim depõe contra nosso cinema moderninho. Perto deste filme, as tolices de Kate Hudson ou de Reese Witherspoon são vergonhosas.
No seu final, as coisas se resolvem de forma graciosa, certa, leve e sem forçar a mão. Aliás nada parece forçado.
Um toque final sobre os atores. É fácil gostar deles. E é esse o maior mistério do cinema romantico. Ele funciona na proporção do quanto se gosta de seus personagens. Os dois aqui são amáveis. Os gregos estavam certos. Por mais que Haneke, Trier ou que tais reafirmem que a arte é para masoquistas, a arte é um prazer. Saber ter prazer, eis o anti-jequismo.

SENECA

Seneca tentou educar o mais cruel dos imperadores de Roma. Não pode. E perseguido, foi exilado e depois obrigado a cometer o suicidio. Hoje, 2000 anos após sua passagem pela Europa, ler Seneca é ainda de extrema utilidade.
Ele não é um filósofo, pois não cria um sistema. Não é um poeta ou um satirista. Então o que ele é? Um educador. Seneca nos ensina a viver. Com habilidade e muita arte, nos mostra aquilo que importa, mais que isso, faz de nós homens muito mais fortes. Nele não há uma preocupação moral, o que existe é uma preocupação com o valor das coisas e da vida. A pergunta é: viver bem é viver como? Seneca discute o que vale a vida, e dentro da vida, o que é a morte, a fama e o dinheiro. Nos mostra quão tolas são nossas preocupações, mostra a precariedade da vida, a tolice de todo apego, nos coloca na beira do abismo, mas jamais nos dá desespero.
Dizer que Montaigne e Shakespeare adoravam Seneca mostra seu valor. Roma em seu tempo foi o exemplo supremo daquilo que entendemos por O Império. Inglaterra em 1800 e EUA em 1950 são pálidas sombras de Roma. Detentora da civilização, berço do que até hoje nos é familiar, tempo de Juvenal, Marcial, Horácio e deste Seneca, mestre do homem realista, do ser que vive sob tensão e nunca perde a frieza. Criador do moderno herói, do herói distanciado, dono da verdade dura e desencantada, aquele que age sabendo que a ação é vã.
Tenho um amigo que descobriu Seneca via Humphrey Bogart. Esse meu amigo entendeu a ponte que os une, e essa ponte não é o cinismo, é o desencanto. Seneca soube ver o básico, valorizar o valor mínimo, dar peso ao que parecia sem peso. Foi um dos melhores cérebros que já viveram. Lê-lo nesta era de novo barbarismo, época que nega história, honra e hospitalidade, é de fundamental importancia. Mais que isso: é vital.

O ESPANTALHO um filme de JERRY SCHATZBERG ( FILMES COMO PEÇA DE ARTE )

Um bando de diretores apaixonados por cinema europeu toma a América. E dá aos atores fãs de Marlon Brando e de Montgomery Clift, a chance de inventar, criar, e ousar muito. Mas, sem querer, dois desses diretores criam o cinema-pipoca e matam tudo aquilo ( ou salvam os estúdios da inevitável falência ). Quase todos esses diretores, que não sabiam ou não queriam filmar ação e explosões, caem então, no gueto dos filmes de arte. Somente Altman, Scorsese e mais ou menos De Palma e Coppolla sobrevivem. A lista deles é imensa ( vai de Ashby até Yorkin ), Jerry Schatzberg foi dos maiores derrotados.
Numa estrada, Gene Hackman e Al Pacino pedem carona. Hackman é um tipo de cara puro-impulso, violento, macho, mau. Pacino é otimista, engraçado, bondoso, tolo. Por teimosia de Pacino, eles se tornam amigos. Cruzam o país em trens e caronas e vão visitar a irmã de Hackman. São presos e por fim visitam a mãe de um filho de Pacino. O final é digno da época em que foi feito: terrivelmente amargo.
Gene Hackman gosta de dizer que este foi o papel de sua vida. Diz que Jerry ligava a câmera e fazia com que eles improvisassem todo o tempo. Dá para notar isso. Por mais triste que seja a cena, há nela a alegria da criação. Toda a cena tem a duração que deve ter, nunca a duração que a pressa ou o mercado exigem. Gene Hackman comove quando seu tipo durão amolece. Al Pacino faz um tipo que não é seu costume: faz humor. Ele tem duas cenas hilárias, mas o que mais nos marca são seus enormes olhos escuros, a terrível cena em que ele é quase estuprado e o desespero da sua última cena. O filme, magnífico e sem nenhuma concessão, é marca de diretor cheio de caráter. A era Star Wars encerraria sua carreira. A forma iria sobrepujar o conteúdo.
Os atores da época também não tiveram fim melhor. Se Al Pacino, Jack Nicholson e De Niro sobreviveram por ter amigos que sobreviveram, e se Dustin Hoffman perdeu muito de seu status ( mas não todo ), atores estrelas da época como Robert Redford, Warren Beatty, Steve McQueen, James Caan, e até Paul Newman, perderam a vontade de atuar, reconheceram o fim de "seus" diretores e de seu tipo de papel. Atores maravilhosos e não tão famosos ( Jon Voight, James Coburn, Cliff Robertson, Robert Duvall, Lee Marvin, Elliot Gould, Donald Sutherland ) se tornaram caricatos e preguiçosos e toda uma nova geração que veio em sua cola ( penso em William Hurt, Dennis Quaid, Ed Harris, Kevin Kline, John Malkovich ) jamais pode desabrochar. Papéis como o deste filme, que surgiam em dúzias, passaram a vir aos pares.
O cinema criou uma armadilha para si-mesmo: fez nascer uma geração de cinéfilos que amam apenas a ação e o ruído, o escândalo e a sensação. Tentar fazer com que o cinema seja cada vez mais apenas ação e ruído levará à um beco. E então?

OS ANÉIS DE SATURNO- W.G.SEBALD

Se a modernidade/contemporaniedade se mostra via fragmentação ( e também por um sentido que nunca se apreende ), o alemão Sebald é um hiper-radical moderno. Fragmento e sentido escapável, é isso que define seu texto. Seus livros parecem começar pelo meio e não têm "um fim". Histórias são desvendadas dentro de outras histórias, tudo é biográfico, tudo é mundo real. E nada, absolutamente nada parece fazer sentido. A falta de rumo e de objetivo é a única realidade.
Enquanto Sebald vaga pelo leste da Inglaterra, e fala percebendo e testemunhando, da terrível decadencia que se faz em toda parte ( antigas mansões abandonadas, monumentos partidos, praias desertas, bosques doentios, animais em fuga, pessoas flácidas ), ele nos conta fatos que remetem a lembranças e recordam cenas que trazem em sí novos assuntos.
A vida de Joseph Conrad na Polonia, a fuga para a Inglaterra, a vida como marinheiro e por fim sua carreira como um dos maiores autores "ingleses" do século. Conrad esteve no Congo em 1890, pensou ter visto lá todo o inferno possível, e foge em crise para a Europa. Essa história faz com que Sebald fale do livro Coração das Trevas e da exploração do Congo pelo rei belga, Leopoldo. Toda a riquesa da Europa como riquesa da escravidão, do suor, da morte e do furto. Quinhentos mil negros congoleses morrendo por ano, na exploração escrava dos minérios africanos. Negros trabalhando em minas, 18 horas por dia, caindo ao chão e sendo substituidos por mais negros. Hecatombe pior que o holocausto, que o gulag soviético. E isso traz a Sebald a história de Roger Casement ( pois é, ele é o personagem do novo livro de Vargas Llosa ), um irlandês que denunciou o reino belga e que de herói britânico ( paladino do bom mocismo inglês ) passou a pária e foi executado. Isso por ser homossexual e por apoiar a revolução irlandesa.
E Sebald segue incansável. Descreve as faixas de areia onde castelos desapareceram no mar, fala da feiura da Bélgica e do desconforto na Holanda. Fala de Chateaubriand, a familia nobre, que vivia em palácio do tamanho de um bairro e que fugiu da revolução. Na Inglaterra ele se apaixona e não se pode casar por ter esposa na França. Passa a escrever um longo diário que lhe dará fama universal. E tudo ele coloca nesse diário: botânica, poesia, ciência, história, guerras, filosofia... Vida longa, vida escrita.
Já ao quase fim do livro, Sebald fala da criação de bichos da seda e da deterioração das árvores na Europa. O modo assustador como todos os bosques estão expostos aos incêndios, árvores atacadas por vírus, espécies desaparecendo. Amanhecer sem pássaros. Séculos, milênios de devastação. Solo completamente esgotado. Sebald fala do Brasil, país que vive agora a devastação que a Europa viveu no século XVIII. ( No caso europeu a devastação do século XVIII foi a mais recente e derradeira ).
Sebald não enrola. Para ele estamos no começo do apodrecimento. Somos sombras de tempo que está encerrado. Vivemos em sala de espera, com belas distrações, mas É uma sala de espera. O sentido se partiu, a desilusão foi vivida e como acontece na vida particular de cada um de nós, quando se perde a confiança não se pode mais revivê-la ( apenas como farsa ).
Longe de ser a obra-prima que é AUSTERLITZ, este é um terrível legado de um dos autores que mais interessam.

ΟΡΦΙΚΟΣ ΥΜΝΟΣ ΠΡΟΣ ΑΘΗΝΑ (ORPHIC HYMN TO ATHENA)



leia e escreva já!

A LÍNGUA BÁRBARA E A LÍNGUA DOS DEUSES

Os anéis de Saturno de Sebald, ando lendo. Ele vaga pela feia Bélgica e pela decadente Holanda. Vaga pelo leste da Inglaterra, areia abandonada. Pensa em Joseph Conrad e no rei Leopoldo da Bélgica destruindo o Congo atrás de dinheiro, riquesa, poder. Os feios monumentos que esse rei deixou na Bélgica, esse período, 1880/1910, época em que a razão era inquestionada, em que o futuro seria racional. Época que criou a sociologia moderna, a psicanálise e a linguística, apreender a vida em um sistema. A tolice dessas ilusões.
Decadência. Sebald anda e tudo o que percebe é decadência. Campos que são explorados a mais de mil anos. Montanhas erosadas. Animais cheios de medo ou transformados em idiotas. Palácios tomados pela sujeira, pelo vento, pela umidade. Projetos de cidade hiper-racionais que nos dão desalento e vazio grudento. Histórias dentro de histórias que remetem a outra história.
Em dois meses eu perdi um futuro casamento, um emprego, um pai e todas as certezas da vida. Passei a andar e fotografar árvores, casas abandonadas e animais perdidos. Restos de sentido. Do meu sentido. Árvores que sobrevivem em heroísmo. Casas que são memórias do que não fiz. Animais que testemunham o que não pode ser falado. Minhas fotos são o sentido.
Manhã de sentido:
Numa aula de clássicos é lido o fragmento número um de Arquíloco. Respeito silencioso. Mas o milagre é feito no sentido de quando falta rumo: ela o relê em grego clássico. Ergue-se da sala um zumbido. Vejo pessoas se voltando para trás. Sorrisos. Faz-se todo o nexo. O segredo grego é intuído. A língua que eles tinham e sabiam.
A voz ecoa como milhares de sinos. A voz canta em sua fala. Essa língua é canção ao ser dita. Prosa que é poesia e verso que nasce ritmado. Suave como sopro. Sopro de Afrodite. Ela é certa como o mar e a maré, a lua e sua fase. Cadências que sobem e descem, voz/língua humana. Ouço e me comovo. A voz foi feita para aquela língua. Com tal instrumento voce cria a poesia, o teatro e a filosofia. Milagre.
Decadência.
Nenhuma língua tem tal sonoridade. Ela é como deslizar de água em subterrâneos cheios de eco. Entendo porque para eles toda língua soava bárbara. A voz que fala enfeitiça, dá luz, é uma fala de sortilégios e de seduções. Silêncio na sala. O tempo se vai, distância desfeita, versos de 2500 anos.
Poesia só em grego.

SCHLESINGER/ LUMET/ WYLER/ AUDREY/ O'TOOLE/ BETTE DAVIS/ REESE/ GLENDA JACKSON

DOMINGO MALDITO ( SUNDAY BLOODY SUNDAY ) de John Schlesinger com Peter Finch e Glenda Jackson
Poucos filmes são tão poéticos. Poéticos não no sentido de belos cenários ou lágrimas tristonhas, muito mais que isso, este filme é poesia na forma de ver o mundo, em como entende o amor, as relações e a maneira como se dá o ritmo de suas cenas. A história, que nunca é melô, fala do amor de um médico inglês por um jovem artista plástico. ( Atenção! O filme tem cenas de beijo e cama entre homens, jamais gratuitas e nunca exibicionistas. Reais. ) Mas esse jovem é livre, desapegado, e namora também uma mulher que trabalha em escritório. Todos os três sabem do que ocorre, nada é escondido. No final, num domingo, o jovem parte rumo à New York, e em cena magnífica, o médico, Peter Finch ( um ator fenômeno ) se volta à câmera e fala "conosco". Dentro dessa situação do que trata o filme? De quase nada. Jamais se mostra qualquer um dos três como um ser excepcional. Ninguém sofre como mártir do amor. E também nada há de frio ou de distanciado. Schlesinger consegue o equilíbrio perfeito: conta-nos uma história de amor que não é drama ou comédia. Talvez crônica. Visualmente o filme é perfeito. Ruas de Londres com estranhas e assustadoras figuras, uma casa de amigos que é centro do liberalismo que grassava na época ( 1971 ), as crianças fumam maconha numa cena, alegremente, e nenhum comentário moralista é feito ( aliás o filme tem também o mérito de nada comentar, deixa para nós o trabalho de analisar e pesar ). Glenda Jackson faz a mulher. Grande e famosa atriz inglesa, da tradição teatral de Peter Brook, ela logo largaria a carreira para viver. Seu desempenho é de um naturalismo inebriante. Peter Finch, que alguns anos depois ganharia um Oscar póstumo por Rede de Intrigas, domina o filme. Sem medo algum, faz um médico que se joga no amor por esse solto e etéreo jovem idealista. Sua fala que encerra o filme ( "Eu sou feliz, mas eu preferia ser feliz com ele..." ) me arrepia ao ser lembrada. Poucas vezes o cinema foi tão honesto. John Schlesinger é talvez o cineasta central da Inglaterra dos anos 60. Atingiu seu auge com o sucesso de Perdidos na Noite ( Oscars de filme e direção ) e com este filme voltou a ser indicado. Mas estranhamente sua carreira desandaria na década de 70/80 ( drogas? neuras? ). O que dá uma certa melancolia ao filme... saber que foi este o último grande filme de um cineasta de tamanho talento. Original sem ser hermético, dramático sem cair nunca no dramalhão, ritmado sem parecer futil, eis um filme profundamente adulto. Obrigatório! Nota 9.
ASSASSINATO NO ORIENT EXPRESS de Sidney Lumet com Albert Finney, Vanessa Redgrave, Sean Connery, Ingrid Bergman, Lauren Bacall, John Gielgud, Jacqueline Bisset
Um elenco all-star para nada. Apesar do luxo da bela embalagem, Lumet jamais consegue criar suspense, clima, interesse. Ficamos sentados entediados, vendo o desfile de rostos conhecidos e a solução de um crime que não empolga. Ponto muito baixo da longa carreira de Lumet. Nota 3.
L'EAU À LA BOUCHE de Jacques Doniol-Valcroze com Bernadette Lafont
Um dos jornalistas originais que formaram o que viria a ser a nouvelle-vague, Valcroze em sua estréia se mostra constrangedor. Os atores estão perdidos, as cenas são mal dirigidas, sem rumo, sem porque. Tudo parece irritantemente amador. Um desastre! Nota Zero.
COMO ROUBAR UM MILHÃO DE DÓLARES de William Wyler com Audrey Hepburn, Peter O'Toole e Eli Wallach
Um falsário tem uma obra roubada de museu por sua filha. Quem a ajuda é um pseudo-ladrão de obras de arte. A filha rouba o pai para o salvar de ser descoberto como falsário. Bem...é imenso prazer ver duas pessoas como Audrey e Peter na tela. Ela, sempre com visual de Givenchy, desfila seu tipo gracioso, e Peter, irônico, combina bem com seus modos e suas roupas. O filme se vende como diversão de classe ( um gênero de cinema que não é mais tentado, talvez por falta de público de classe ). Wyler dirige com leve interesse ( em fim de carreira, é seu penúltimo filme ). A trilha sonora, do novato John Willians, é talvez a melhor que ele fez. A longa sequencia do roubo vale o filme, o resto é meio vazio. Mas ver Audrey e Peter é sempre um prazer. Nota 6.
A NOIVA CAIU DO CÉU de William Keighley com Bette Davis e James Cagney
A Hollywood dos anos dourados ( 20/50 ) era assim: se prometia um filme X, se fazia o filme X, sem nada de mais, sem nada a menos. Cagney está durão e cínico, Bette explosiva e forte, o filme é tola, óbvia, comum diversão. Mas é também vivo, alegre, nada chato e bem feito. Assite-se com interesse sempre renovado. Fala de noiva que a mando do pai, que não quer que ela se case, é raptada por piloto de avião, falido. O avião cai no deserto e lá se dirigem a cidade abandonada. A ação não cessa, os diálogos são bem escritos e tudo parece inverossímel ( mas voce diz: e daí? ). Uma delicia escapista. Veja e relaxe... Que bom! Nota 7.
COMO VOCE SABE de James L. Brooks com Reese Witherspoon, Owen Wilson, Paul Rudd e Jack Nicholson
O fato de Owen filmar tanto mostra a falta de bons atores de sua idade. Reese não. Ela é uma boa atriz. Sabe ser tola sem ser caricata. Rudd é apenas um tonto e Jack nada tem a fazer. O filme, uma bobagem sobre amor, tem um ponto mal desenvolvido, mas que é tocado: as pessoas aqui amam, mas evitam todo o tempo falar sobre amor. São vazios, não entendem o que seja amar. Esse aspecto salva o filme da completa nulidade. Brooks é um mito da tv. Mary Tyler Moore, que ele escrevia e produzia é uma das cinco melhores e mais premiadas séries da história. Depois ele se envolveu com Taxi ( que lançou Andy Kauffman ) e Os Simpsons ( que dispensa comentários ). No cinema ele ganhou Oscar de direção com Laços de Ternura e voltou aos holofotes com Melhor é Impossível. Mas desde então ele só tem decepcionado. Tornou-se banal, comum, quase vulgar. Uma pena. Nota 3.
HELLRIDE de Larry Bishop com Larry Bishop, Michael Madsen, Leonor Watling, Dennis Hopper, Vinnie Jones
Tarantino produziu e Robert Rodriguez fez a trilha. Mas o filme é uma piada sem graça. Sobre gang de motoqueiros, nada funciona. O roteiro é bobo, as imagens vazias, tudo parece uma gozação forçada. Bishop, como um tipo de durão é lamentável. Este filme é um tipo de MACHETE que não deu certo ( MACHETE é do cacete! ). Nota Zero!

A CANÇÃO DE ROLANDO

Guerra e guerra. A CANÇÃO DE ROLANDO, texto que funda a literatura francesa, traz para nosso cínico mundo pós-moderno a lembrança de que nossa história é a história da guerra. O texto, escrito por volta de 1ooo anos atrás, discorre sobre a morte de Rolando, herói de França, e de seus onze companheiros, dentre os quais Olivier, mortos em batalha contra os árabes em terras de Espanha.
A guerra dói. Vísceras são expostas no livro. Intestinos e fígados escorrem pela barriga, miolos saem pelos ouvidos. Cada golpe de espada é um jorro de sangue. Cavalos são estropiados. E em meio a toda essa sujeira, todo esse horror, irrompe o riso de Rolando, primeiro herói francês. Que herói é esse? Rolando guerreia. E vemos que toda a arte, todo o engenho, toda a inteligência humana se realizam, então, na batalha. Eles avançam com júbilo e matam com prazer. Morrem em dores terríveis, porém, certos da glória. O livro nos choca. É mais imoral que a mais imoral das transgressoras peças de arte moderna. Matar e morrer são o ponto mais elevado da vida de um homem.
Na história real Carlos Magno e seus pares de França ( Rolando e Olivier ) foram pegos encurralados no país Basco. Quem os atacou foram os bascos e mais alguns espanhóis. No livro, escrito cerca de 300 anos após o fato, são os árabes que os atacam. Milhares de árabes matam 60 franceses. O modo como o ódio se manifesta sem culpa nos é hoje odioso. Os inimigos são bestas desprovidas de sentimento. Todo árabe é mentiroso, cruel e traiçoeiro. Uma raça de demônios dos infernos. Matá-los é ter lugar cativo no céu.
Amanhece e o sol brilha sobre relva verde e plana. De cada lado do campo, inimigos se ofendem e se preparam para avançar. Uniformes coloridos, brasões, bandeiras e tambores. Os inimigos avançam. ( Futebol ou Rugby? ). Nada é mais belo para a mente medieval que esse combate. O sangue manchando o verde da mata, cavalos relinchando e armaduras brilhando ao sol. Gritos de ataque. Avante!
Cem anos mais tarde a cavalaria seria tomada pela paixão à Virgem e a mulher ideal, e o amor menestrel se tornaria o centro de sua missão. Rolando celebra o mundo da guerra pré-mulher. Em tempos cínicos, onde fingimos ser tudo paz, a caçada e execução de Bin Laden ( para mim, um assassino indigno de julgamento ) nos mostra que nada mudou. A única diferença, imensa, é que hoje fingimos não ver e não ter nada com isso.

TEMPO E ESPAÇO: A TEOGONIA - HESÍODO

Cada deus que nasce é pai antes de nascer e filho antes de seu pai nascer. Confuso? Ler a Teogonia nos dá uma estranha sensação, em alguns versos voce tem o vislumbre de que o tempo lhe foge, se desvanece, mostra-se o que é: vão. Porque o tempo em que Hesíodo viveu desconhecia a contagem do tempo. Entenda-me, o tempo é uma criação da igreja medieval. Sua função era a de marcar as horas das obrigações cristãs. Por mais ateu que tu sejas, creia, sua vida diária é regida pela igreja ( mas não pela religião, que é atemporal ). Dezembro do Natal, e depois páscoa, corpus-christi, finados, e todos os santos, cada um com seu dia. Hora da primeira oração, da segunda, da terceira. Hora da Ave Maria. Dia de São Pedro, São João, São Lucas e Santa Genoveva. O capitalismo pegou o calendário já criado ( pelo papa ), nós vivemos enredados nessa invenção, tão artificial quanto uma catedral.
Porque no universo não se conta o tempo. As coisas acontecem cada uma em seu ritmo único. E se voce olhar à certa distãncia, todas acontecem ininterruptamente: é tudo agora e sempre agora. Hesíodo sabia disso. Homero sabia disso. Cada deus era dono de seu tempo. E cada vez em que era cantado tornava a nascer e procriar. O homem que eu sou é filho de meu pai e pai de meu filho desde que nasci. Ao nascer, meu filho nascia comigo, e quando meu pai nasceu eu nascia com ele. A morte de meu pai vive ao lado de sua vida que já era sua morte. E eu morri e nasci com ele. Meus descendentes moram comigo desde sempre. E mais: o momento em que estou é meu. Se estou nascendo, morrendo, crescendo ou decaindo independe de uma contagem. É meu mundo. O que fui aos 12 anos está presente e o que fui aos 35 pode estar distante. Então não é o que fui, sim o que é. Voce como uma acumulação de afirmações. OS DEUSES COMO A VONTADE DE SER. Zeus e Cronos querem ser, eles são.
O poema conta o nascimento dos deuses. Seres fecundando seres. Deuses nascendo. Idade do ouro, idade em que trabalho e morte não existem. Idade de Prometeu, aquele que logrou enganar Zeus. Ladrão do fogo, condenado a suportar a dor, a mulher ( fonte de dores ) e a insatisfação eterna. A criação do Hades, o nascimento de Zeus, o pênis do pai arrancado e de seu sêmem nascendo Afrodite, o amor. Guerra de Titãs, guerras e astúcias. Filhos castrando pais, pais comendo filhos. Hesíodo previu nossa era: era do ferro, tempo de ferrugem. Prata e bronze deixadas atrás, o ferro é a época de suor, esforço, velhice. Do trabalho sem fim. Era sem deuses.
O poema, escrito 2.700 anos atrás é forte, é selvagem, é vontade de poder ser. Ele é. Sempre é. O mais viril dos poemas, os mais astutos versos, vontade de nascer sempre.
A Grécia arcaica é a eterna juventude.

UMA PROMESSA ( WALK ON THE WILDE SIDE )

Eu tinha fugido da escola e estava ouvindo um disco. E naquela tarde de agosto, sol de bosta, prometi que nada em minha vida seria nunca jamais "nos conformes". Devo a Lou a primeira vez que tive orgulho de ser um merda.
Eu era jovem pra caramba então. E passei a gostar de pensar que havia a porra de uma maldição sobre mim. Bobagem eu sei, mas devo a Lou a primeira vez em que ser um pseudo-maldito não me pareceu ser um loser.
Nada mudou. Passou um monte de anos e não passou nada. O que me seduz ainda é aquilo que ninguém quer. Se voce gosta de azul eu vou amar o amarelo. Continuo sendo um espirito de porco.
Lou Reed pegou minha orelha com essa linha de baixo que é a melhor da história do universo ( Herbie Flowers ) essa voz que é a voz do cara merdinha das ruas e esse som límpido, safado, sexy. Tinha de haver um coro de black girls, tinha de ter um sax de bêbado. Há um clima aqui que é como cheiro de gim com sêmem jogado no azulejo. Mas a voz de Lou, o merdinha, jamais perde a elegãncia.
Naquela noite eu perdi minha virgindade. Ela tinha cabelo de fogo e peitos de porcelana. E cheirava a walk on the wilde side. Era elegante, mas era todo o pecado do mundo.
All right.

CORAGEM E REMÉDIOS. FIM DE ERA.

Cottardo Calligaris toca num assunto de raspão: toda civilização em estágio terminal torna-se covarde. Ele escreveu ontem sobre essa falta de coragem, essa medrosa reticência das elites de agora. Já não me lembro quem, mas alguém disse que o mundo do futuro seria um mix de spa com hospital. Desde crianças, nossa única fé seria em dietas e pílulas. Na mosca! Mas o buraco é mais profundo.
Toda civilização quando agoniza se torna covarde. Passam a temer o futuro, temer más vibrações, temer a morte. Vivem apenas para a preservação da própria vida ( parece a voce óbvio viver para continuar vivo? És filho de agora! ). O hedonismo surge como único consolo e gerações flácidas desistem de ter filhos e perdem todo vínculo com religião ( verdadeira, religião que obriga a deveres ) ou transcendencia. Viver se faz apenas "sobreviver". Foi assim com os romanos, persas, bizantinos e babilonios. Com aztecas e maoris. As elites dirigentes deixam de ser exemplos e pior, tornam-se patéticas. Seres assexuados, esquálidos, sem vontade ou desejos, histéricos e medrosos. Presas em potencial de corajosos bárbaros, presas de homens com coragem para morrer.
Calligaris fala de que poucas coisas hoje nos fazem correr riscos. Penso na patética segurança da fórmula um, no não-me-toques do futebol, e até penso na guerra moderna, sem vísceras, sangue e corpos mutilados ( veja, detesto a guerra e a violência. Escrevo com razão fria, não com meu coração delicado ). Viver é, para homens e animais, correr riscos, viver e morrer. Quando se foge apavorado de todo risco também se está fugindo de toda vida futura possível. Interrompe-se a corrente da luta. Penso em snowboarders se jogando de montanhas, isso sim, isso é coragem, risco real. Mas penso também em toda essa coragem usada apenas como exibição de coragem, sem um fim que não seja o próprio ato. É coragem verdadeira, bela, mas é um desperdício. Esses atletas correm esse risco porque o mundo não lhes oferece mais nenhuma chance de provação, de risco, de adrenalina natural.
Ah sim... o que me motiva a escrever isto é aquele patético casamento daqueles dois débeis herdeiros da casa real inglesa. Olhe para a cara deles. Herdeiros de reis que precisaram matar e morrer, gritar e sobreviver. Uma elite que era elite POR CORRER OS RISCOS. Ir lá e brigar ( mesmo que fosse uma briga em roubo ou trapaça ). O que eles são agora? Ovelhas de raça? Bonequinhos de porcelana? Triste piada a Inglaterra, país que jamais ousou matar seus nobres, que lhes paga para que continuem a lhes iludir. Grotescamente ridiculo.
Para finalizar, acabo de folhear a revista Caras. Estrelas de Hollywood que estão obviamente doentes, atores com rostos de nenês afeminados, sorrisos falsos. Esses são os modelos? Caraca! Que venha logo o golpe final !

CHÁ NAS MONTANHAS- PAUL BOWLES

Na introdução deste livro, Gore Vidal, que sabe tudo, tece elogios a Bowles. E diz que "os americanos, tanto leitores como críticos, tendem a só dar valor aos escritores que escrevem apenas sobre a América. Autores que vivem e pensam apenas o sonho ou o pesadelo americano". Desse modo, os melhores escritores dos Estados Unidos: Henry James, Edith Wharton e Vladimir Nabokov são sub-valorizados. Henry James por ter vivido sempre na Europa, Wharton por só se interessar pela alta-classe de New York e Nabokov por ser um emigrado russo. Para Gore Vidal, Bowles sofre dessa maldição, pois é um americano que vive e escreve sobre o Marrocos e o México. Waaaallll....
Penso que Henry James é com certeza o maior e melhor escritor que a América gerou. Mas não acho que ele é sub-valorizado. Basta ver a constante reedição de sua obra e a quantidade de filmes baseados em suas histórias. Edith Wharton é sua maior seguidora e não está esquecida. Quanto ao gênio Nabokov, ele só não tem maior reconhecimento pop pelo fato de vivermos em tempos moralistas e também por sua escrita ser muuuuuito refinada. Voltando a Paul Bowles....
Nos anos 80 era coisa de bom gosto fashion-chic ler Bowles. ( Como era ler Gore Vidal ). Paul Bowles tinha uma coisa de maldito, de inconformado e de decadente que muito atraía a geração Chet Baker- Basquiat. Mas isso passou. Os anos 90 enterraram os 80 e o que era chic em 1985 se tornou brega em 1995. Bertolucci ainda teve tempo de fazer um filme sobre Paul Bowles: O CÉU QUE NOS PROTEGE. Ninguém melhor que Malkovich para ser Bowles. O filme é lindo, aterrorizante e desagradável. Assim como a escrita de Bowles: simples, banal e estranhamente assustadora.
Há algo de latente em todos estes contos: a loucura. A gente lê esperando por muita violência, pela explosão de sangue, por decepações. O sexo também paira em cada linha. Sexo sempre não natural. Os contos se passam sempre no deserto, seja México seja Marrocos. E todos exibem americanos perdidos em meio a cultura incompreensível. Tudo pode acontecer nesses lugares, a lógica é abolida. E quase nada acaba por acontecer. Mas acontece... O tempo escorre e os personagens vagam aturdidos.
Não é agradável ler Paul Bowles. Há uma foto dele na contracapa. Rosto de gente ruim. Morreu nos anos 90, vida longa. Tudo o que ele fez ficou em segredo para ele mesmo. Correu mundo, casou com Jane, a genial Jane Bowles ( Debra Winger no filme, brilhante ) e escreveu muito. Mas Gore Vidal diz que o que Bowles queria ser era músico.... aquele tipo de músico erudito dos anos 30 na América, do tipo que botava uma turbina de avião no palco para "tocar" com a orquestra. Ou que escrevia concertos para serrote e piano ou furadeira e cello. Acabou na África, escritor. Bem... seus contos não deixam de ser uma furadeira em papel.

ZURLINI/ ALAIN DELON/ RICHARD BURTON/ KEVIN KLINE/ MALKOVICH/ MELVILLE/ HITCHCOCK/ MILOS FORMAN

O MANTO SAGRADO de Henry Koster com Richard Burton e Jean Simmons
Burton interpreta este soldado romano como se em ressaca. Não reage. O filme, pop épico cristão, é de uma chatice sem fim. Nota 2.
O REENCONTRO de Lawrence Kasdan com Kevin Kline, William Hurt, Glenn Close, Jeff Goldblum, Tom Berenger, Meg Tilly
É o segundo e o melhor filme de Kasdan ( roteirista de filmes de Lucas e Spielberg ). Fala de grupo de amigos que não se vê há mais de dez anos. Se reencontram no enterro de um deles, e esse amigo se matou sem que eles saibam o porque. Após o enterro, que nada tem de trágico, eles resolvem passar um fim de semana juntos. O filme é apenas isso, esse fim de semana, certas feridas reprimidas e relações mal resolvidas. Algumas cenas são bastante emocionantes, mas penso se essa emoção não é mérito apenas da trilha sonora ( é fácil emocionar com you can't always keep what you want ). De qualquer modo é um filme muito acima da média ( concorreu a Oscars em 1983, aliás, um belo ano para o prêmio ). Kline faz o alegre e bem sucedido pai de família, aquele que mais traiu os ideais hippies, Hurt é um ex soldado do Vietnã que ficou impotente, Goldblum é um jornalista cínico, mulherengo, Berenger um ator de tv e Meg Tilly a muito jovem ex-namorada do suicida. Ela é a ponte da geração hippie, que se tornou materialista, e a geração doidinha dos anos 80, que tenta reviver os ideais dos ex-inconformistas. Kevin Costner faz o defunto, todas as suas cenas em flash-back foram cortadas. Todo o elenco brilha, são todos atores adoráveis que teriam tido melhor sorte se tivessem vivido na era de De Niro e Pacino. Bons papéis começam a rarear exatamente a partir daqui, 1983. Para quem tem amigos antigos é um filme obrigatório. Nota 7.
KLIMT de Raul Ruiz com John Malkovich e Saffram Burrows
Picaretagem pura. Um lixo metido a grande arte, um pedante exercício de virtuosismo vazio. Aqui está a afetação máxima em cinema. Odiável! Malkovich está tão ruim quanto. Ah... o filme é sobre o pintor austríaco. Quem espera um retrato da brilhante Viena da épóca, fuja. Nota ZERO.
OS PROFISSIONAIS DO CRIME de Jean Pierre Melville com Lino Ventura
Será Melville o melhor diretor da história do cinema francês?....Quem sabe?...Clouzot, Clair, Bresson, Cocteau...Os filmes de Melville são filmes de quem ama Bogart. Mas são ainda mais viris que Bogart. E mais realistas. Bandidos passam a perna uns nos outros e a policia tenta entender o que se passa. Ventura é um ex-detento. E Melville faz tudo com cenas curtas e cortes muito secos. O filme foge do glamour, mas é cheio de jazz. Poucos entenderam tão bem o que é o jazz quanto este francês. Filme para Homens. Cigarros, carros sujos, botecos e armas pequenas. Eu adoro os filme deste cara!!!! Nota 8.
MURDER! de Alfred Hitchcock com Herbert Marshall
É o primeiro filme falado de Hitch. E é cheio de truques de imagem. Mas percebe-se sua origem teatral, algumas cenas são absolutamente estáticas. Longe das obras-primas do mestre, vale para se conhecer Herbert Marshall, um dos mais elegantes atores ingleses do século. Nota 5.
OS AMORES DE UMA LOURA de Milos Forman
Começa com uma menina tcheca cantando rock em tcheco. É 1965. Época de Kundera e Havel. Três anos antes do massacre. É o primeiro filme de Forman. E é dos seus melhores. Jovens tchecos tentam viver e amar e entre eles há uma moça loura. Quem amar? Os jovens são desajeitados e egoístas, os mais velhos são feios e casados. O estilo de Forman se revela aqui: ele ama rostos banais, gente feia, vulgar e estranhamente magnética. Os ambientes são grotescos, pobres, mesquinhos, mas eis o segredo: são nossos ambientes. É maravilhoso ver um filme com gente de verdade, com fedor, espinhas e roupas sujas. Nada de "mundo cão" falsificado, mas o mundo suburbano como ele de fato foi/é. Há uma cena em baile de soldados, em que as três meninas são paqueradas por três gordos de meia-idade, que é perfeita. A cena é muito cômica, ridícula, comovente e cheia de suspense. Milos Forman já surge sabendo tudo. Um toque: entre 1965/1968 o cinema tcheco era o mais amado por criticos e festivais ( e levaram dois Oscars, em 66/67 ), este filme mostra o porque. Com a invasão dos tanques russos tudo isso seria destruído. Nota 7.
A PRIMEIRA NOITE DE TRANQUILIDADE de Valerio Zurlini com Alain Delon, Sonia Petrova, Renato Salvatori e Gian Carlo Gianninni
Um poema melancólico. A história de um homem que vive sem raiz, sem ilusão, sem afeto. Tenta ser indiferente a vida. Mas se perde ao conhecer uma mulher. É dos mais perfeitos exemplos de uma alma delicada sendo dilacerada pelo mundo estúpido. Belo, implacávelmente belo, este é aquele tipo de cinema que dignifica a arte e em meio a tanta estupidez nos recorda o porque de tanto amarmos filmes. Zurlini era um poeta. NOTA DEZ!!!!!!!!! ( critica abaixo )
A MULHER DO SÉCULO de Morton da Costa com Rosalind Russell
Este filme serve como uma prova: a prova de que alguma coisa se perdeu na América. Porque? Veja: este filme, sofisticadérrimo, foi um sucesso em 1959. Hoje ele nem seria feito. Baseado em peça da Broadway, fala de garoto que é criado por tia triliardária e excêntrica. Ela o ensina a ser livre. O filme é documento de um certo tipo de snob americano da época, o americano novaiorquino que amava arte hindú, poetas russos doidos e professores franceses de arte grega. Rosalind Russell dá uma aula de humor, de elegância, de prazer em viver. Aliás, o filme é um maravilhoso anti-depressivo. Temos a defesa de mães solteiras, de judeus, da diversidade, das "portas que se abrem". Para a época é uma mensagem ousada. Mais que isso, o filme é uma festa, com seus cenários luxuosos, o diálogo sempre interessante, atores carismáticos e cores vibrantes. Assiste-se com esfuziante prazer. E não se emburrece, enobrece-se. Voce assiste e se sente feliz, que mais querer? Obrigatório!!!!! NOTA DEZ!

A PRIMEIRA NOITE DE TRANQUILIDADE- VALERIO ZURLINI

Nós homens fazemos tudo por uma mulher bonita. A beleza de uma boca ou de um seio nos transforma em tolos, asnos ou em heróis e poetas. Mulheres são diferentes. Elas sabem zombar de bíceps ou de belos lábios masculinos. Elas sabem que atitudes são mais importantes que pernas bem feitas. Este maravilhoso filme de Zurlini TAMBÉM é sobre isso.
Existem filmes que são belos por seu argumento. Outros por suas imagens. Mas alguns poucos são belos por um personagem. É este o caso. Danielle, um homem melancólico, um perdedor consciente e proposital, feito com gênio por Alain Delon, é desses personagens que carregam um filme direto para nosso coração. Raras vezes se mostrou com tamanha beleza a saga de um homem sensível sendo massacrado pelo mundo moderno. O filme chega a provocar dor.
Delon é um homem que chega a Rimini. É um viajante, um ser calado, um estrangeiro em seu próprio país. Anda a esmo e vemos então que ele dará aulas num liceu. Estamos no auge do radicalismo italiano ( 1972 ) e de cara ele diz a classe que para ele "esquerda ou direita são iguais, talvez os fascistas sejam apenas mais estúpidos". Mas o filme não é politico ( ou é? ). Logo vemos que ele é casado e que sua esposa é infiel, fato que lhe provoca indiferença. Na aula ele sente atração por uma calada estudante, belíssima, e essa é sua perdição. Ela namora o playboy bad boy da cidade e é também uma prostituta. Delon/Daniele imaginará ser ela um tipo de alma para ser salva. Ele acabará encontrando aquilo que sempre desejou: a primeira noite de tranquilidade, o sono sem sonhos, a morte.
Nesse processo ele fará amizade com três malandros. A vida desses homens é carteado e prostitutas ( e penso em como o cinema americano é incapaz de exibir com naturalidade, sem crime ou neuras, essa vida tão masculina de bordéis e garotas de programa ). O filme tem cenas muito reais e bem feitas de boates e festinhas em apartamentos que mais se parecem com motéis. Nada é julgado e nada cai na chanchada, estamos longe do mundo de virgens de quarenta anos.
Ruas com chuva, um inverno que penetra a roupa, casas em demolição, pinturas e afrescos. Há uma cena chave em igreja onde existe uma pintura de Della Francesca. Delon, que é um professor de arte, descreve como aquela obra foi feita e o que ela significa. Na descrição da obra ( tão pequena, tão simples, tão sobre-humana ), vemos a descrição de Delon/Danielle, do que ele pensa ser a estudante/prostituta e mais: do próprio Valerio Zurlini, o mais delicado dos diretores da Itália. Uma cena perto do fim, em que ele e um amigo vão à casa abandonada é cena de antologia. A prova de que o cinema pode ser arte de nobreza viril.
Poucos filmes são tão tristes. Poucos são tão reais. Aqui a tristeza não é a tristeza da excessão. Não é o drama de junkies, de doentes terminais ou de bandidos de favela. É a tristeza de um homem que não possui conexões, que viveu e viajou demais, que descrê de tudo e que pensa, por um momento, ter encontrado uma fonte de vida nova. O que ele encontra é a tranquilidade. Para sempre. Eis um grande filme!