HUMOR, DO PEQUENO TRATADO DAS GRANDES VIRTUDES- ANDRÉ COMTE-SPONVILLE

Seriedade em relação a nós mesmos é egoismo, seriedade em relação aos outros é altruísmo. O humor nos salva da primeira e nos ajuda a despertar para a segunda. Nesta virtude de número 17, Comte-Sponville nos surpreende e executa a verdadeira missão do filósofo: faz com que vejamos o humor por outro ponto de vista, subverte o nosso pensamento. Quem quiser saber mais sobre o autor e sobre esse magnífico livro, leia o texto que postei anteriormente.
O humor impede nosso excesso de satisfação, diminui nossa vaidade, tira de nós a seriedade do compromisso conosco. Tudo o que não é trágico é irrisório. Montaigne preferia o riso a lágrima porque sabia que mais sábio é o que percebe o ridiculo da vida: "Vaidade e tolice em excesso. As lágrimas levam a sério demais nossa condição, o riso percebe mais profundamente nossa falsidade, nossa maldade, nossa falta de nobreza."
Mas Comte-Sponville faz uma certeira distinção ( e que explica minha aversão pelo humor que mais se faz hoje, seja em cinema, tv ou principalmente a tal stand up ), é que o humor não é a ironia. Ambas são engraçadas, mas a ironia é uma arma apontada aos inimigos ( reais ou não ), a ironia é zombaria, é maldade, é destruição, jamais virtuoso. Útil? Desde que usado para o inimigo certo toda arma pode ser útil, mas jamais uma virtude. Por que não é virtude? Porque se leva sempre a sério, é o riso daquele que se põe acima de seu alvo, que se vê como mensageiro, do que não se mistura. O ironista está sempre à parte, ele zomba dos outros, ri do mundo, mas não de si mesmo. O ego comanda a ironia, o ego é preservado. O humorista irônico é sempre aquele que se faz mais inteligente que seu alvo, que se coloca muito acima de seu meio. Nada tem de doce, de compassivo, de virtuoso.
Já o humor quebra o orgulho através da humildade. O humorista autêntico é parte do grotesco e do ridiculo, ele é generoso por exibir nossa tolice, nosso medo, nossa mediocridade, e ser, virtuosamente, parte dessa desilusão, dessa dor risonha. Isso é virtuoso, pois conjuga coragem, bondade, doçura, humildade, amor.
André Comte-Sponville dá então exemplos do que é humor virtuoso ( e é triste ver o quanto Woody Allen já foi gênio e o quanto ele se tornou um simples ironista ). Frase perfeita de Woody Allen: A única coisa que lamento é não ser outra pessoa.
O humor é um luto que se vence, a ironia é um assassinato. O humor desarma o ódio, vence o desespero e aguça a inteligencia. Frase de Pierre Desproges ao saber estar com cancer e dizendo isso aos amigos: Mais canceroso que eu voce morre. Não rir contra, rir com. O humor aceita o mundo como é, e diz: Veja! È uma brincadeira de crianças! É como o condenado a morte que levam a forca na segunda-feira e que diz: A semana começa bem! Frase de Freud: O humor não tem algo apenas de libertador, ele também é coragem, é sublime, elevado. Tela de Litchenberg: Faca sem Lâmina onde falta o Cabo. Woody Allen aprendendo leitura dinamica: Li toda Guerra e Paz em vinte minutos! Fala da Rússia!
O humor exorcisa o medo. Woody de novo: Embora não tema a morte prefiro estar longe quando ela chegar. Numa frase assim onde a ironia? Onde o ego de Allen? Outra de Woody, esta genial: A eternidade é longa principalmente quando vai chegando ao fim.
A frase humorística favorita de Freud ( que adorava o humor ) foi lida por ele num anúncio americano de uma casa funerária: Para que viver se voce pode ser enterrado por dez dólares?
O humor é então uma desilusão alegre, uma forma sábia de sair da questão "Quem sou?" sem se deixar enredar por ela, mas sim dando um salto e rindo dessa absurda seriedade. O humor então não é o absurdo, a vida, nós o somos. É o Coelho Pernalonga dando um beijo no bandido no ápice do duelo, Groucho Marx apostando nos cavalos em meio a ópera. O humor desnuda, revela, rebaixa as falsas seriedades, destrói a vaidade. Como não chamá-lo de virtude?