SHERLOCK JR. - BUSTER KEATON, UM GÊNIO

Porque um gênio?
Este filme tem uma hora apenas. E em uma hora temos no mínimo quatro desenvolvimentos: primeiro, ele é um apaixonado injustamente acusado de roubo. Depois ele se torna um projecionista de cinema, que sonha estar na tela. Então ele é um herói das telas e ao final, um namorado apaixonado. Todos esses momentos independentes são entrelaçados naturalmente e citam os temas favoritos de Keaton : o ingênuo que se esforça para vencer, o trem e a água. Todo grande filme de Buster Keaton tem uma estação de onde se vai e se volta, e rios, lagos e cachoeiras, onde se "quase morre".
Porque um gênio?
Em seus filmes nada há de literário, de teatral, de século XIX. Ele é completamente cinematográfico. Seu gênio se revela na facilidade com que ele manipula, brinca, cria, ilude, usa a câmera e nosso olho. Na sequencia em que ele sonha estar dentro da tela, temos uma das mais geniais construções. As trucagens se encadeiam e Keaton brinca com seu talento. Seu personagem vai mudando e mudando de cena, as coisas vão se encadeando e nós começamos a agradecer por essa diversão.
Buster Keaton era também um ator maravilhoso. Seu rosto, estranhamente belo, crédulo e sempre alerta, é a face de um homem honesto, forte, e jamais derrotado. Ao contrário de Chaplin, Keaton não deseja nossa piedade. Ele pede nossa admiração. Ele é um estóico. E o rosto de Keaton é a imagem de toda uma filosofia. Mas há ainda o corpo deste herói.
Desde criança ele foi treinado por seu pai no circo. Era jogado ao palco, derrubado, fazia quedas, saltos, voava. O corpo de Keaton é o corpo de um atleta, de um bailarino e de um "esportista radical". Buster jamais utilizava dublês, e todos os seus filmes são cheios de cenas muito arriscadas. Aqui ele anda de moto de costas, pula de trem, cai em rio, despenca de casa. Há uma cena em que ele pula de uma janela e sai disfarçado pelo outro lado que é maravilha de engenho.
Nada então é mais cinema, mais pura luz e movimento que sua arte. Há uma alegria elétrica em seus filmes, uma sensação de que tudo pode acontecer e um maravilhoso otimismo.
Buster Keaton nunca ri dos outros, ele nos faz rir, apenas nos faz rir. Seu humor nada tem de amargo, de perverso e seu personagem nunca nos inspira dor ou lágrima, ele perde, mas não sofre. Luta.
Nada no cinema mudo é melhor que Keaton, e quase nada feito depois tem seu divino humanismo. Os filmes de Keaton são testemunhos de fé, de arrojo e de coragem. Se o mundo fosse lugar perfeito todos seríamos como Buster Keaton foi.

SELTON MELLO/ HAWKS/ JODIE FOSTER/ MIZOGUCHI/ REDFORD

NÃO TE MOVAS de Sergio Castellito com Penelope Cruz
Picaretagem braba! Uma coleção de clichés significando tédio e chatice inglória. nota zero.
IBÉRIA de Carlos Saura
É uma coleção de cenas com música e dança espanhola. A maestria de Saura em mover a câmera é aqui muito bem-vinda. O filme é aula de gosto e de melodia. Para quem gosta de som e dança é obrigatório. Nota 6.
O BANDIDO DA LUZ VERMELHA de Rogerio Sganzerla
Um filme barato, pobre, mal feito, mas que talvez seja o melhor já produzido por estes lados do mundo. Rogerio erra todo o tempo mas jamais baixa a guarda: o filme é uma explosão de som e de imagens toscas. Paulo Villaça imita o Belmondo de Godard e Helena Ignez é fatal. Welles e nouvelle vague made na boca do lixo. Nota Dez.
A BEIRA DO ABISMO de Howard Hawks com Humphrey Bogart e Lauren Bacall
Uma ode ao bom-humor. Neste roteiro de Faulkner, baseado em Chandler, nada faz o menor sentido. Os assassinatos rolam sem razão, o detetive investiga por investigar e nós, pobres expectadores, nada entendemos. Mas neste clássico do noir, nada disso importa. O que interessa é assistir ao filme como coleção de sketches, cenas independentes maravilhosamente bem feitas. Dá pra notar a alegria de Bogart em contracenar com sua nova mulher, Bacall; e notamos que tudo ali parece brilhar. Lendo livros sobre o filme ficamos sabendo que na verdade Bogart sofria pelo fim de seu segundo casamento com a violenta Mayo, mas há paixão nos olhares e isso ficou na película para sempre. A irmã ninfomaníaca feita por Martha Vickers é excelente. Nota 8.
O CHEIRO DO RALO de Heitor Dhalia com Selton Mello e Paula Braun
É uma sátira ao capitalismo? Ou trata-se de uma homenagem ao Monty Python? Este filme tem um grave problema que atinge a maioria dos filmes "esquisitos": seria um excelente curta-metragem. Mas falta história para um longa e depois de seus trinta minutos iniciais, tudo se perde. O que era um bom filme de humor torna-se uma chatice pretensiosa. Selton dá um show de humorismo, seu tipo é antológico. Nota 4.
O HOMEM DO ANO de J H Fonseca com Murilo Benicio e Claudia Abreu
A fotografia é interessante, mas tudo o que acontece é muuuuuito previsível. Do porquinho até a pirralha que vira crente, tudo é chavão e banal. Filminho que parece TV. Nota 3.
SE EU FOSSE MINHA MÃE de Gary Nelson com Barbara Harris e Jodie Foster
Antes de ser atriz adulta, Jodie foi atriz infantil da Disney. Aqui, aos 14 anos, ela faz o papel da filha que troca de corpo com a mãe. Serve como nostalgia do visual 1976: carrões, skates fininhos, bocas de sino e mobília vermelha. Fora isso..... nota 4.
O PRÍNCIPE VALENTE de Henry Hathaway com Robert Wagner, James Mason e Janet Leigh
Aventura baseada nos HQ de Hal Foster. É sobre vikings e rei Arthur, sir Gawain e o amadurecimento de jovem herói. Robert Wagner, muito jovem, está perfeito no papel, e Mason sempre faz um bom vilão. A trilha sonora de Miklos Rosza é das melhores de todos os tempos. Um velho clássico da Sessão da Tarde do tempo em que se passavam clássicos à tarde. Bem legal. Tem torneios de heróis, fugas à cavalo, traições e muita briga. Nota 7.
UM HOMEM FORA DE SÉRIE de Barry Levinson com Robert Redford, Robert Duvall, Glenn Close, Kim Basinger
Baseado em livro de Bernard Malamud, o filme, que fala de promissor astro do beisebol que desaparece após crime e recomeça já maduro, é uma parábola sobre a saga de um herói. É incrível como o beisebol é algo mágico para os americanos. Eles sentem o esporte como raiz, como nascimento, a relação deles com o jogo é como a relação de um filho com sua mãe. Eles vêem naquele diamante relvado o berço, o paraíso, o Eden. Este filme é então, meloso, nostálgico, mas mantém seu interesse graças ao bom elenco e a trilha de Randy Newman. Nota 6.
MOONFLEET de Fritz Lang com Stewart Granger, Viveca Lindfors, Joan Greenwood
Outro clássico Sessão da Tarde. É sobre contrabandistas na Inglaterra de 1750. Um menino vai morar com nobre e descobre que ele é o tal contrabandista. Lang sabia tudo. Tem lindas cenas com caveiras e tempestades. Um filme delicioso! Nota 7.
A RUA DA VERGONHA de Kenji Mizoguchi
Mizoguchi nasceu em família arruinada e viu sua irmã ser vendida como gueixa. Toda sua carreira versa sobre a condição da mulher num Japão em transição. Este é seu último filme. E é fascinante. Mostra, na Tokyo pós-guerra, a vida num bordel ocidentalizado. Não existe mais a figura da gueixa, que devia saber caligrafia, ikebama e tocar okotô. Aqui elas são simples "putas", prostitutas que se afundam em dívidas e pensam em sair "da vida". Impressiona a forma como Mizoguchi sabe enquadrar. Cada tomada é um show de imagem. Ele toma o lado das meninas, mas jamais as exibe como vítimas, elas escolheram aquela vida e pagam por sua escolha. Um filme que tem trilha sonora estranhamente de terror e que hipnotiza em sua verdade simples. As atrizes estão perfeitas: há desde a imitadora de estrelas americanas até a mãe abandonada. Um final digno para um dos três gênios do cinema japonês. Nota 9
SONATA DE AMOR de Clarence Brown com Kate Hepburn, Paul Henreid e Robert Walker
Neste hiper-novelão que trata da vida conjugal de Clara e Robert Schumann nada é muito real e tudo é exagerado e doce. Há ainda a figura de Brahms, feito sem jeito por Walker e de Liszt, feito bem por Henry Daniels. Mas, como Brown sabia dirigir, cenas como a da galinha na cozinha e o final com o concerto de despedida de Clara, se sustentam muito bem. O filme consegue ser bem-humorado mesmo tratando de compositor que morreu louco e de amor travado. Kate está magnética como sempre e Henreid faz um Schumann interessante. Tipo de filme papai/mamãe que Hollywood fazia às dúzias. Nota 6.

FILOSOFANDO SOBRE FUTEBOL

Domingo antes do rachão africano, dei uma olhada em Brasil x Inglaterra, México, 1970.
Minha mãe apareceu na sala e perguntou o que era aquilo na tv, aquilo com uma imagem tão ruim. Expliquei, e o primeiro comentário dela foi : "Nossa! Parece tão chato!"
Depois assistimos o vale-tudo africano e ela acabou dizendo : 'Mas isso também é bem chato! Tudo o que eles fazem é correr e se jogar uns sobre os outros." Weeeeel....comecei a pensar então....
Dizem que a copa de 70 foi a melhor e o que parece ser chato hoje seria assim tão chato se fosse ao vivo? Explico:
Daqui a quarenta anos ( em 2050 ) será que Brasil x Costa do Marfim terá algum interesse? Voce já tentou rever a final de 94, Brasil 0x0 Itália ? É masoquismo puro.
Vamos ao jogo de 1970.
Primeira coisa que estranhamos: o jogo tem muito espaço. Antes de 1974 não se marcava no campo do adversário. O campo do adversário era CAMPO DO ADVERSÁRIO. A marcação só ocorria a partir do ataque. Então havia muito tempo para se pensar a jogada. O cérebro funcionava com mais clareza, o stress era menor. Então a bola não se demorava na defesa. O jogo era basicamente de ataque para ataque.
Segundo. Uma total ausência de medo. Como não se marcava a saída de bola, nada de pavor de perder a bola. Se tocava com carinho, de lá pra lá ( sempre para a frente, eram 3 toques até estar no ataque ) e então se procurava resolver o ataque.
Terceiro. Não existe o toque de primeira, há um exibicionismo no trato com a pelota, o empurrão é muito raro. Se entra muito na canela, poucos carrinhos. A marcação na defesa é quase igual a de hoje. Cinco contra três. O meio campo é que fica vazio.
Mas há uma sensação de tempo, de lentidão, de usufruir o pensamento. Não vou entrar na inutilidade futil de dizer se Rivellino ou Bobby Charlton conseguiriam jogar hoje. Pelé hoje seria melhor preparado atleticamente, a medicina esportiva o protegeria mais. No final daria no mesmo. Eles enfrentariam melhores defesas mas estariam melhor condicionados. Em 1970 um problema de menisco ou uma fratura era fim de carreira. Mas o que mais percebo no futebol antigo é a ausência de stress. E foi minha mãe quem percebeu isso no meio do jogo africano: o stress que existe no jogo de hoje, a pressa absurda, os rostos completamente crispados, a ausência de prazer ( com excessão de Messi e de jogos que acabam em 7x0 ).
Penso que o futebol de Brasil e Inglaterra, 1970, ainda se pauta pela estética. Há tempo para se pensar uma bela jogada e para se apreciar essa jogada. Seria maravilhoso o super-slow naquele quarto gol contra a Itália. Conteúdo e pouca forma.
O futebol hoje é bloqueio e cortada. Milhões de bolas jogadas a esmo na área e uma tabela a cada 30 minutos jogados. Não há tempo para pensar e tudo o que nos fascina é o fato de NÃO SE SABER O FIM DA HISTÓRIA. Se for tirado o suspense do resultado final, quase nada resta que nos prenda a atenção.
Ficamos então fascinados pelo rosto em slow, pela rede que se estufa, pela bola girando. Tecnologia tentando preencher a miséria estética. Ninguém se interesserá por Brasil e Costa do Marfim em 2050. Nem eu e nem voce.

VIAGEM SENTIMENTAL - LAURENCE STERNE

Machado de Assis adorava Sterne, e lendo esse brilhante irlandês, logo notamos a influência que Laurence exerceu sobre o genial Machado. Como acontece no autor braileiro, Sterne brinca com o texto, comenta o que escreve, finge ser pessoa real aquilo que criou no papel e faz de gente de carne e osso, ficção. Mas tem mais:
Em pleno século XVIII, ele desobedece a pontuação, ignora regras, ignora maiúsculas, ignora parágrafo. Coloca uma Letra grande em meio a frase, começa diálogos sem travessão, E abandona uma narração ao meio e Inicia uma nova história sem mudar de parágrafo. Quando não, deixa um capítulo em branco por se confessar sem inspiração. Ou completa toda a folha com pontos por se envergonhar do que pensou em escrever. Para Sterne, uma Página em branco é um novo mundo. O humor É rei.
Mas não é autor fácil. Muito pelo contrário. Se este VIAGEM SENTIMENTAL é até que simples, TRISTRAM SHANDY é o ponto culminante da arte de Sterne e é o livro que prova sua genialidade. Em Shandy o satirista atinge a altura de Swift, em VIAGEM SENTIMENTAL, que ele deixou inacabado, apenas entrevemos aquilo que ele foi. Dá menos trabalho para ler e dá muito menos prazer.
Em Shandy este irlandês excêntrico chega a gastar 80 páginas para descrever uma escada sendo descida. Sim, oitenta páginas em letra miúda. MAS COMO? Ora, Sterne É o mago da viagem mental. Cada passo dado nessa escada traz uma conversinha que traz uma anedota que traz uma lembrança que traz uma personagem nova & que traz mais uma história & assim nos vamos e só bem depois disso & daquilo é Que voltamos a tal escada. Mas tem mais:
Laurence Sterne fala de Sexo todo o tempo. Tudo o que ele escreve é coito & gozo & foda cifrada. Neste VIAGEM SENTIMENTAL em suas andanças pela França, ele jamais descreve as paisagens, os lugares ou as estradas. Ele só fala das moças, sejam baronesas ou sejam empregadinhas de hotel. Por todas ele se apaixona, e todas ele esquece. E depois as leva a cama. Ou não? ( )?
Aliás o livro termina com uma frase pelo meio. E sabe-se que era pra acabar assim mesmo. O que Sterne não teve tempo de escrever foi o livro dois, Que se passaria na Itália. Que pena.....
Com o começo da industrialização britânica um monte de gente que era Matuto de aldeia virou urbano trabalhador. A alfabetização se fez em massa e uma montanha de jornais, revistas, livros e fascículos apareceram da noite pro dia. É o tempo em que Henry Fielding lança TOM JONES, e Defoe manda ROBINSON CRUSOE e Swift VIAGENS DE GULLIVER e surgem o dr. Johnson com seu diário e Sterne está nesse meio. Montes de escritores, de poetas, de jornalistas, de sátiras e de livros pornôs. O século XVIII foi o século...!
O inglês descobriu o prazer de ler. E STERNE nos exibe o prazer em escrever.
Se você está acostumado a ler, se você já chegou ao nivel de alfabetização de um inglês/leitor/de 1780, procure ler o TRISTRAM SHANDY. Mas se voce ainda lê só o que tem cem páginas sem grandes complicações & vôos, vá de VIAGEM SENTIMENTAL. Depois você lê o livro sobre meu amigo Shandy.
& então você escreve aqui o que achou.
morou ?
mas Que diabos de nome é esse? Tristram? e lá se vai o velho Laurence Sterne escrever 60 páginas sobre o porque desse nome: Tristram. Vá lá se saber.
Esse povo inventou o humor britânico. O Monty Python habita suas linhas. 1700 e uns quebrados e os caras eram uns safados ( estou falando de Swift e Fielding e Sterne e etc & etc .... ); !!!! caraca!!!!! Morou?

O BANDIDO DA LUZ VERMELHA- ROGERIO SGANZERLA

Seria este o mais genial filme feito no Brasil ? Veja o que digo, o mais genial é diferente de o melhor. Para ser o melhor é necessária a perfeição e perfeito o filme de Sganzerla não é. O som é deficiente, a montagem às vezes é feita às cacetadas e os atores se perdem. Mas genialidade não é perfeição, genialidade é fecundação, potência, coragem. E este filme é sim, a hora e vinte e cinco mais genial já feita no país.
Mas está longe de ser o melhor.
Rogerio Sganzerla tinha vinte anos quando o escreveu e dirigiu. Vinte anos... e sem dinheiro. Mas o texto deste filme, as frases cunhadas em sua narração esculachada ( destaco esta, que é jóia de filosofia : " se não podemos fazer a gente esculhamba" ), a vontade de explodir que há em cada fotograma, a garra genuína do sangue jovem tentado dizer tudo e se perdendo...é prova de talento verdadeiro, de brilho, de gênio. O filme mostra o país de seu tempo e antecipa o de agora. Bandidagem feita por manchetes de jornal, políticos misturados a bandidos, violência cega e suicida. O Kane de Orson Welles está presente na forma do enredo, mas Godard e seu Pierrot são citados sem parar. O final, hilário e hiper brasileiro, é homenagem explícita ao doido gênio francês.
São ruas e gente, câmera na mão, narração bombástica de rádio, tv e mentiras, e a solidão. O filme voa entre essas ruas, essas cenas mal ensaiadas, o som sem sincronização, a trilha sonora que sempre vem em volume errado. Mas com toda essa precariedade o filme sobrevive, cresce e nos faz sentir. Quando ele termina ainda fica na gente uma vontade de fazer.
Fazer um filme, fazer um texto, fazer um mico, um erro ou simplesmente ir pra rua andar e ver...........
Mais uma lista de 50 melhores saiu esta semana. Os 50 melhores filmes não-anglo/americanos de todos os tempos. Ganhou OS SETE SAMURAIS de Kurosawa, o que me deixou satisfeito. Mas em sétimo está CIDADE DE DEUS. Cidade é excelente, mas o sétimo melhor filme do século ? Batendo tudo de Bunuel, Renoir, Truffaut, Herzog, Lang, e um imenso etc. É lista de quem viu poucos filmes, só os mais recentes e meia dúzia de clássicos, mas o que quero falar é das mensagens que logo vieram, pedindo O BANDIDO DA LUZ VERMELHA no lugar de Cidade.
Cidade é muito melhor, não há como comparar. Mas, como falei, O BANDIDO tem mais inventividade, talento bruto, poder e alcance. Os americanos amam Cidade porque ele consegue ser exótico com suas favelas e favelados e ao mesmo tempo ele é muito próximo de qualquer americano por seu estilo de edição e de cor. É bem feito, profissional, bem narrado, perfeito. Um americano acharia O BANDIDO insuportável. ( A não ser que fosse um Scorsese da vida ).
É um filme brasileiro. Mais que isso, paulista. Mais que isso, ele é da boca do lixo.
Rogério explodiu. A tensão que há no filme, a eletricidade, a fagulha de destruição, e ao mesmo tempo, a vontade de viver não pode ser repetida. Como aconteceu com Welles e com Vigo, o filme foi começo e fim de uma carreira.
Só se explode uma vez. O resto é fumaça.

OZU/ MIZOGUCHI/ ALMODOVAR/ ROCK HUDSON/ DORIS DAY

A PRINCESA DAS OSTRAS de Ernst Lubistch
Mais um filme silencioso de Lubistch de sua fase alemã. É uma deliciosa história sobre herdeira milionária e seu principe. Trata-se de comédia mágica, encantadora. Os cenários, irreais, são por sí um prazer. O filme é todo alegria. Enjoy it. Nota 7.
O INTENDENTE SANSHO de Kenji Mizoguchi
Este clássico de Mizoguchi toca na maior chaga da história humana : a escravidão. Mas há mais, ele fala da relação entre mãe e filhos, entre irmãos, fala ainda da decadência e do gosto azedo de toda vingança. Visualmente trata-se de uma obra-prima. Cada cena é uma sinfonia de flores, rostos e de água. Mizoguchi, o mais feminino dos diretores do Japão, desenvolve este enredo, doloroso, triste, poético, com toques de pincel em porcelana. É um filme perfeito e que tende a ser ainda melhor ao ser revisto. O final é inesquecível. Nota DEZ.
CONFIDÊNCIAS A MEIA-NOITE de Michael Gordon com Doris Day, Rock Hudson e Thelma Ritter e ainda Tony Randall
Doris saiu de moda na era hippie. Foi chamada de a mais virgem das virgens do cinema. Mas é pura doideira freak dizer isso. Ao rever seus filmes notamos o quanto ela era sexy. É ainda o modelo de gente como Jennifer Anniston, Meg Ryan e Reese Witherspoon. Rock é um Clooney mais elegante ainda ( e mais afetado ). O filme, o primeiro dos dois, é aquela bobagem bacana sobre moça que odeia playboy e depois passa a amá-lo. O cenário é hiper colorido, Rock faz um mentiroso muito bem e Doris é deliciosa. Um clássico da sessão da tarde. Nota 7.
VOLTA MEU AMOR de Delbert Mann com Doris Day, Rock Hudson e Tony Randall
Sobre publicitário anti-ético e sua rival. É claro que acabam por se apaixonar. É claro que tudo é colorido, fake e muito divertido. E Doris não é uma chata virginal. O filme, o segundo dos dois, ainda é legal. Perfeito para uma tarde de frio. Nota 6.
LE BONHEUR de Agnés Varda
Um homem casado e feliz arruma uma amante. Ele continua feliz e a amante é feliz também. Mas ele, ingênuo e idealista, pensa que a mulher pode aceitar sua felicidade por ter duas mulheres que o amam e a quem ele também ama. Mas talvez não seja assim... de qualquer modo, ao final do filme, ele e a amante continuam felizes. Este filme, de belíssimo colorido, que tem um trio de atores lindos e contentes, não tem trama, não tem drama, não tem comédia. Ele mostra, com muita criatividade e engenho, com uma edição ágil, três adultos e duas crianças comuns e ao mesmo tempo muito especiais. Eis um clássico simples, um belo momento da nouvelle-vague. Lindo filme. Nota 7.
ABRAÇOS PARTIDOS de Pedro Almodóvar com Lluis Homar e Penélope Cruz
Já aviso: eu detestei este filme. Ele é chato, maneiroso, sem nenhum tipo de emoção verdadeira. Tudo parece forçado ou pior: previsível. Dá pra adivinhar tudo o que vai acontecer. Poderia ser uma comédia, mas é levado a sério. Imperdoávelmente vazio. Nota 1.
TOKYO STORY de Yasujiro Ozu
Após os 7 Samurais de Kurosawa, este é considerado normalmente o melhor filme japonês da história. É o filme favorito de Wenders e de vários diretores americanos moderninhos. O estilo de Ozu está todo aqui. Os atores conversam olhando para a câmera. Câmera que está sempre a altura do tatami. Ozu evita as emoções fortes, todas são sutis, mas essas emoções estão sempre presentes, batendo a porta, nos olhares e nos corpos que se encolhem. O tema é típico de Ozu : a família. Trata de dois pais, idosos, que vão à Tóquio visitar os filhos. Nenhum filho é ruim ou frio, mas eles simplesmente não têm tempo livre para os pais. Apenas a nora viúva parece os entender. Nada explode, não há nenhuma cena de dor ou de raiva, mas dentro de nós, lentamente, delicadamente, vai nascendo uma sensação de dor e de inevitabilidade. Misturando seus ingredientes, com precisão poética, Ozu nos leva para dentro daquelas casas, daqueles rostos, daquelas vidas. O filme é uma obra-prima absoluta. Ozu era um santo. Nota DEZ !!!!!!

MARCOVALDO OU AS ESTAÇÕES NA CIDADE - ITALO CALVINO

Eu sou Marcovaldo e Marcovaldo é um idiota. Ele vive numa cidade industrial e tem uma vida banal. Mas Marcovaldo ( e eu ) temos um segredo. Segredo que é dádiva e é maldição. Segredo que faz de nós dois idiotas. Eu e Marcovaldo não temos olhos para a cidade. Não enxergamos ruas, edifícios ou postes. Somos incapazes de perceber carros e lojas. Marcovaldo, assim como eu, idioticamente caminha pela cidade tendo olhos apenas para os ridículos fiapos de natureza que insistem em persistir.
Um pássaro que passa perdido, um cogumelo que brota em ponto de ônibus, uma planta presa em escritório, um peixe de riacho apodrecido, uma flor e uma borboleta condenada, uma árvore em meio ao caos. Marcovaldo se liga a tudo que é lembrete de natureza. Seu olhar reconhece importância somente no que deveria ser vivo. Eu e Marcovaldo somos prisioneiros da saudade daquilo que jamais conhecemos. Somos inapelávelmente patéticos.
Italo Calvino é o tipo de escritor mago. Seu dom não é o da observação ou da escrita. Seu dom é o da criação. Calvino cria barões que não pisam no chão, viscondes partidos ao meio, cidades invisíveis, amores ridículos. Todos os livros que tive o prazer de ler ( e Calvino é um prazer ) são festas de invenção. Calvino diante da folha em branco a preenche de fantasia e nos dá inesperados. Mas aqui, neste belo Marcovaldo, ele é quase realista. Quase. Pois em meio a verdade comum da vida na cidade, em meio a comédia que tanto lembra os bons filmes de Totó e de Monicelli, nasce a criação de Calvino, o fantástico surge, a surpresa. O livro faz rir. O livro nos faz tristes. Como em Fellini.
Coelho de laboratório, pombo da poluição, rio envenenado, planta em agonia, gato humanizado, noite na praça insone, montanha bosque de hospital. O natural-perfeito sempre manchado pela cidade podre. Luzes de neon que obscurecem a Lua. Marcovaldo ansia pela chuva e se perde encantado em nevoeiros espessos. Comemora quando a neve esconde a cidade. O livro de Marcovaldo/eu é feito de vários contos curtos, todos com uma estação do ano, a cidade de indústrias e a família de Marcovaldo. O livro é a mão de Italo Calvino desenhando quadros de desolação cômica. Faz rir.
Longe de ser uma obra-prima como são Cidades Invisíveis e As Cosmicômicas, este é um cativante relato sobre um imbecil simpático. A luta de Marcovaldo está perdida desde sempre. Mas é nessa derrota que reside sua nobreza.

BILL MURRAY/ CLOONEY/ BOGART/ GRIFFITH/ LUBISTCH/ TYRONE POWER

TARDE DEMAIS de William Wyler com Olivia de Havilland, Montgomery Clift, Ralph Richardson e Miriam Hopkins
Perfeito. Atores de gênio, roteiro com diálogos soberbos e a direção sempre impecável de Wyler. Um exemplo de que é possível transformar um livro genial ( de Henry James ) em filme memorável. Mais cometários abaixo. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
DESEJOS PROIBIDOS de Max Ophuls com Charles Boyer, Danielle Darrieux e Vittorio de Sica
Talvez em termos visuais seja o filme mais refinado que já assisti. Um aula de estética e de gosto. A história exemplifica a perfeição a diferença em amor entre homens e mulheres. Elas têm mais coragem. Ophuls foi um dos grandes. Este é seu melhor filme. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!
UM DIA ESPECIAL de Michael Hoffmann com George Clooney e Michelle Pfeiffer
Um filme todo centrado no charme de dois atores. Para nossa alegria eles são realmente bons de se olhar. George Clooney ainda em seus tempos de ator leve e Michelle bela como sempre. O filme, sobre casal que se odeia e que passa a se amar, se deixa ver. É Sessão da Tarde clássica. 6.
RECRUTAS DA PESADA de Ivan Reitmann com Bill Murray, John Candy e Harold Ramis
Segundo filme de Murray e primeiro de Candy. Sobre dois caras que se alistam pensando ser a vida no quartel fácil. As comédias nos anos 80 viveram grande momento. É a época de Steve Martin, Eddie Murphy, Dan Ackroyd, Lily Tomlin, Martin Short, Leslie Nielsen, John Candy e ainda de Mel Brooks e Woody Allen. Mas, que surpresa, este filme não tem graça nenhuma!!!! Murray está especialmente ruim, exagerando seu tipo de malandro sonolento. Candy está ok mas aparece pouco. O diretor é o pai de Jason Reitmann e ficamos sabendo nos extras que este roteiro era para Cheech and Chong e que acabou com Bill e Harold. Tiraram as piadas sobre marijuana e a graça se foi. Uma chatice. Nota 3.
O FALCÃO MALTÊS de John Huston com Humphrey Bogart, Mary Astor, Peter Lorre
É o mais importante filme noir mas não é o melhor. Vemos aqui todo o nascimento de um gênero : música nervosa, imagens com sombras, mulher falsa, herói individualista e durão. O roteiro de Huston melhora o livro e Bogey está totalmente à vontade, ele nasceu para ser durão. Uma diversão de primeira e uma delicia para madrugadas frias e de chuva. Nota 9.
O FAVORITO DOS BÓRGIA de Henry King com Tyrone Power e Orson Welles
Filmado em palácios italianos, podemos ver a absurda beleza da renascença. O filme fala de tirania e de Tyrone como vassalo que muda de lado. King dirigia de tudo na Fox. Nunca foi genial, mas sabia fazer as coisas andarem. Tyrone era herói humano. O filme é ok. Nota 6.
INTOLERÂNCIA de David W. Griffith
Os Lumiere inventaram a imagem em movimento, Griffith inventou o cinema. Tudo o que pensamos ser "o cinema" foi idéia de Griffith : ação paralela, melodrama, correrias, cenários suntuosos ( aqui são gigantescos ), atores de carisma, movimento. Neste imenso filme ele conta várias histórias em várias épocas distintas, todas entrelaçadas. O filme ainda impressiona por sua inacreditável grandiosidade. Hoje ele seria impossívelmente caro. O cara era provávelmente louco. Ou não, seria o típico americano empreendedor do século XIX, o self-made man. Diversão que noventa e dois anos depois ainda se sustenta. Nota 7.
ENCONTROS E DESENCONTROS de Sofia Coppolla com Bill Murray e Scarlet Johansson
Revisto hoje após o burburinho da época o filme se mantém como modesto romance puritano. Nota-se algo de muito pudico em todo seu romantismo travado. É tristinho, engraçadinho, bobinho e bonitinho. Um belo raio x de uma geração toda "inha". Bill Murray faz bem Bill Murray no Japão. Scarlet está bonita e ruim. O filme é bacaninha. Nota 6.
MEU MELHOR COMPANHEIRO de Robert Stevenson com Dorothy McGuire e Fess Parker
Cachorro e família em fazenda texana do século XIX. Filme de cachorro de grande sucesso em seu tempo. Um dos clássicos da Disney. A diferença dos filmes de cachorro de hoje é que este cão é mais cachorro. Ele nada tem de criança, de humano, de tolinho. Briga com animais, foge, apronta e é absolutamente animalesco. Um bom filme. Nota 7.
EU NÃO QUERO SER UM HOMEM de Ernst Lubistch com Onny Oswalda
O instituto Goethe lança uma série de filmes mudos de Lubistch. Primeiro: é delicioso ver uma Alemanha em nada parecida com Lang ou Murnau. É um país muito alegre e de bem com a vida. O que pensamos da alegre Berlin dos anos 20 está aqui mostrado. A história, muito amoral, fala de moça que se veste de homem para poder sair a noite, e de dandy que se apaixona por esse "rapaz". O filme é hoje considerado um clássico gay. Lubistch faz tudo se parecer com champagne. O filme espuma e alegra. Nota 7.
GATINHA SELVAGEM de Ernst Lubistch com Pola Negri
Este vai mais longe. Soldados alegres, comandante bobão, batalhas de folia, rebeldes atrapalhados e muita malicia. Negri é a cara de Helena Bonham- Carter. Um detalhe histórico. Gente que é anti-americana gosta de dizer que foram os imigrantes do eixo Berlin-Vienna que fizeram Hollywood. Gente como Wyler, Wilder, Dieterle, Sirk, Lang, Murnau, Zinnemann, Preminger, e uma infinidade de roteiristas e fotógrafos. Dizem isso como se Ford, Buster Keaton, Vidor, Milestone, Fleming, Griffith, Wellman não estivessem lá desde sempre. O que se pode dizer é que os imigrantes trouxeram um tipo de filme mais urbano, mais ácido, mais sexy. Lubistch, que foi o imigrante de maior sucesso, se tornando um tipo de "dono" da Paramount, trouxe a comédia maliciosa, manhosa, vienense. Este filme, com sua leveza bem-humorada e seus cenários de bolo de noiva exemplifica todo seu glorioso talento. Nota 8.

A MORTE ( DE UMA PALESTRA DE SCARLET MARTON )

Quando eu fui pagão.
Enterrava meu morto ( e ele era meu, e a morte era minha ) em casa. Ele ficava habitando meu jardim e fertilizava minha vida vegetal. Seu espírito intercederia por mim e era ele quem faria minha rosa florir. E eu sabia que iria morrer sob céu e sobre terra e saberia fazer vicejar o verde das folhas e sabia que a morte é a parte principal da vida. Pois nesse universo primitivo tudo é morte: cada estrela e cada pedra é morta, todo presságio a anuncia. Toda casa tem seu túmulo e seu altar, todo jardim guarda um espirito. A morte regendo a vida, a morte sendo presente, a morte como parte de vida.
Quando me tornei cristão. Passei a crer apenas na vida. A morte tornou-se maldita. Sagrada é a vida, dada por Deus, a morte é incompreensível. E detestável. A vida continua como ressurreição, a morte deve ser vencida. Cemitérios para depositar corpos, corpos que contém alma, corpos que se erguerão, um dia. A morte deve ser banida.
Quando me fiz moderno. Lugares para morrer, de preferencia dormindo. Não posso encarar minha morte, que ela venha em sono de ópio ou em susto de acidente. Que o luto se faça por um dia em capela distante e que o resto seja depositado entre restos. Longe de mim a morte. Que ela se torne espetáculo ficcional, que se torne explosão, malabarismo, show de cores, mas que eu me esqueça de sua realidade. Passo a acreditar que toda morte é não-natural, que morrer é sempre um acidente, um erro médico, um cigarro a mais, uma alimentação errada. Esqueço que morrer é natural, corriqueiro, banal.
Ouço então que Pascal pensava exatamente o que sempre pensei: que toda a história da cultura é uma tentativa de se distrair da morte. O homem culto, racional, tem na morte algo de insuportável. Um intelecto desenvolvido não suporta a idéia do inevitável, do além de sua compreensão. Então ele foge dessa lembrança. E cada vez mais se entrega a distração. Teatro, ritual, livros, passeios, filmes, sexo, romance, drogas, disputas, consumo, virtualidades. Nos distraimos olhando estrelas ( que são mortas ), vendo espetáculos ( de autores mortos ), filosofando ( sobre idéias mortais ). Tentamos acreditar em religiões que consolam. Mas no íntimo todos sabemos: tudo isso nada significa diante da morte. Mas....
Porque o homem é o único bicho a saber de seu fim? Porque mesmo sabendo que tudo morre persistimos? Porque pensar na morte é viver? Memento mori.
Sempre tenho em mim a heróica imagem de um homem primitivo olhando para seu filho morto e pensando aturdido : Porque? Porque? Porque?
Não é a escrita ou a descoberta do fogo que fez de nós macacos mais evoluídos. Foi a consciencia do fim que nos fez humanos. O tentar preservar a memória dos que morreram, o tentar esquecer o próprio fim, o se proteger desse fim. Ser humano é saber-se finito.
Mas existe o risco da desumanização. Que seria ignorar a morte. Não mais preservar memórias, ignorar completamente a própria finitude e principalmente, deixar de respeitar e temer a morte. Em mundo sem a presença da morte seria o homem apenas um produtor de eternos presentes, sem qualquer compromisso com futuro ou responsabilidade por um passado. Insetos.
Quando morrer eu existirei como cinza. Misturarei meu pó ao pó de onde todos vieram. E estarei na situação de todos aqueles que vieram antes de mim. Serei mais um e perderei enfim a arrogancia de ser único. Meu pó será como é e sempre foi e sempre será o universo: para sempre.
Os pagãos sabiam disso. Morrer, para eles, era retornar a Terra. Voltar ao ciclo da natureza. Tornar-se solo. Humus- Humano. Ser um homem era saber morrer. Viver era preparar-se para morrer. E saber disso era aproveitar seu tempo aqui e agora. Carpe diem.
Não quero dizendo isso advogar o luto antecipado ou a morbidez fatalista. O que penso é que precisamos nos apequenar diante do inevitável, adquirir uma noção de importância perante o inevitável, entender que todos estamos nesse caminho.
Saber que na vida só existem dois momentos de súbita e completa clareza ( e que são os momentos onde cessa o tempo ): o momento do amor verdadeiro e o momento da morte. Todo o resto é preparação para amar e morrer ( em seu melhor ) ou covarde negação dessa prova de vida ( em seu pior ). Como dizia Montaigne, filosofar é aprender a morrer.

O PEQUENO ZACARIAS CHAMADO CINÁBRIO- E.T.A. HOFFMANN

Poeta, músico, pintor e principalmente contista. Hoffmann, alemão da grande era de Goethe e Beethoven, é o romântico mais lido de seu país. Principalmente seus contos de horror são hoje bastante populares. Ele foi inquieto, melancólico, idealista, proteico. Zacarias, finalmente traduzido, é um longo conto, ou curto romance, sobre fadas, magos e duendes. Mas é acima de tudo sobre a vida real.
Zacarias é pessoazinha disforme, repugnante e mal caráter. Uma fada sente piedade por ele e lhe concede o dom de ser admirado pelo trabalho dos outros. Zacarias, que se torna Cinábrio, continua o mesmo monstrinho de sempre, mas agora, todos vão enxergá-lo como possuidor do talento de quem estiver a seu lado.
O texto, simples e delicioso, com um humor ágil, joga ácido sobre o iluminismo ( para ele, o progresso é coisa imposta ao povo ) a ciência ( sempre cômica em suas deduções "profundas" nas quais fingimos dar importância ) a religião e até ao próprio romantismo. Mas ao contrário de Voltaire, que em seus contos nega qualquer consolo, em Hoffmann habita a esperança. Lendo, com grande prazer, este texto, sentimos que para ver o maravilhoso da vida, basta ter o desejo de perceber. Para Hoffmann ( e essa é a grande diferença entre os idealistas alemães e os cartesianos franceses ) o mundo é sim, mágico. As explicações científicas nada explicam, perdem-se em inúteis experimentos, provam o que é óbvio e fogem do inexplicável. Romântico que é, Hoffmann crê acima de tudo na maravilha humana. Seu modo de pensar seria massacrado no final do século XIX.
Freud tinha imenso apreço por Hoffmann. Seu texto é rico em símbolos de inconsciente. Ou não. Tudo o que voce esperava encontrar em Alice está aqui : maravilhamento. Zacarias daria um filme magnífico. Hoffmann continua vivo, e isso é fantástico.
Porque hoje, em época desiludida, precisamos mais que nunca dos tolos românticos para nos consolar, nos inspirar, fazer com que recordemos do tamanho que já tivemos. Vivemos um dia , faz tempo, em meio a titãs, acreditamos em mistérios; optamos por nos vulgarizar. Descemos.
No enfoque puramente político, eis um conto que expõe a tolice, atual e eterna, do puxa-saquismo, do conluio e da auto-ilusão. Cinábrio fala obviedades, faz banalidades e é tido por genial. Cercado de anônimos que trabalham e criam, é ele quem leva todo o crédito por tudo de bom que acontece.
Cinábrio poderia ser brasileiro e ter por nome Inácio. Hoffmann é de hoje.

COPA DO MUNDO

Minha mãe não acredita, mas eu lembro de um monte de caras fumando cigarros fedidos ( talvez Continental sem filtro ) e ouvindo a copa de 66. Recordo da tv com um campo de futebol preto e uma bolinha branca. O azar do Brasil foi cruzar com Eusébio. Portugal aliás, foi a primeira seleção européia a ter negros no time. Eusébio era um Christiano Ronaldo macho. Um Etoo muito melhorado.
Em 1970 tivemos o melhor time do mundo e da história. Nunca uma equipe campeã foi tão incontestável. O esquema era louco: 4-6-0. E deu certo!!!!! Lembro da estréia, a Tchecoslovákia saiu na frente e meu pai achou que vinha mais um vexame. Mas depois ficou fácil. Foi o jogo de Jairzinho. Inglaterra e Brasil foi um dos top five de todos os tempos. Charlton contra Pelé. Era pra ter sido 6x6 ou 8x8. O melhor jogador da Inglaterra era irlandês e nunca jogou uma copa ( George Best ), mas eles tinham Lee, Banks, Jack e Bobby. Tocavam de prima e perderam montes de gols. Do outro lado o melhor time da história do esporte. Foi ao vencer os ingleses que começamos a pensar: talvez dê. Foi pena o Brasil não cruzar com a Alemanha. Overath, Seeler e Beckembauer. E Gerd Muller, que marcou 9 gols nessa copa e foi o artilheiro. Mas os alemães ficaram na Itália, que venceu por 4x3 com prorrogação estafante. Lembro que no dia desse jogo teve festa junina no quintal de casa. Brasil e Peru eu ví na casa de minha madrinha. E na final jogamos um prato de espaguetti na casa de um italiano. O primeiro tempo foi 1x1 e muito dificil. A Itália tinha um zagueiro genial, Fachetti, e um grande atacante, Gigi Riva. Mas no segundo tempo eles cansaram e recordo Rivellino berrando no campo e o gol maravilhoso de Gerson. Gerson foi o melhor jogador daquela copa. Foi o cara. E teve aquele golaço do Carlos Alberto fechando aquela copa hors concours. 1970 foi o fim do romantismo. Brasil 4x1 Itália foi o fim de uma era. Não sei se foi a melhor final da história. Em 54 teve Alemanha e Hungria. Mas foi a final digna de uma copa brilhante. Uma copa onde 4 equipes poderiam ter vencido.
Se 70 foi o fim do romantismo, 74 foi a primeira copa moderna. A copa da Holanda. Eu adorava os holandeses. Era o time de maio de 68. Cabeludos, desencanados, esquisitões, sexys. A camisa laranja passou a ser símbolo de tudo o que era novo. Mas qual era a novidade? Eles pressionavam. Ás vezes a gente via os dez jogadores em dez metros de campo. Avançavam e encurralavam o adversário. Linha de impedimento comandada por Neeskens e Krol, defensores que viravam centro-avante, todos defendendo, todos atacando. Destruíram o Uruguai, não deixaram o time de Pedro Rocha e Forlan passar o meio-campo. Massacraram a Argentina ( 4x0 ). Suurvier, Crujff, Rep, Resenbrinck, VanHannigan, Van der Kerkoff. Que festa!!!!!!! Os jogos do Brasil eram uma chatice! Zero a zero com Iugoslávia e Escócia. Só jogou bem contra a Argentina. E perdeu de Holanda e Polonia. Polonia de Lato e Deyna. A final foi um bom jogo. Mas a Holanda fez um a zero aos 2 do primeiro tempo. E relaxou. E os alemães tinham Becekembauer, Overath, Breitner, Muller, Vogts, Bonhoff e Sepp Maier. Raça e técnica. Mas a Holanda tinha de ter ganho. Eles eram bons demais. Lembro de um jogo fantástico: Alemanha e Suécia debaixo de chuva. Foi 5x3 pros alemães. Os suecos tinham seu melhor time da história. 1974 foi das minhas copas favoritas. Se voce esquecer o Brasil mediocre, foi copa de novidades, velocidade, arrojo, de um jeito diferente de jogar. E eu adorava aqueles jogadores com cabelos longos e cara de bandidos.
Detesto recordar 1978. O Brasil não merecia ganhar, mas a Argentina foi campeã suspeita. Foi uma copa onde ninguém merecia vencer ( talvez a Itália de Bettega e Causio. Venceu os argentinos na primeira fase, mas caiu muito nos mata-mata ). A Argentina tinha os ótimos Ardiles e Kempes, mas a final contra uma Holanda envelhecida ( e sem Crujff ) poderia ter sido vencida pelos laranjas. Meteram uma na trave aos 44 do segundo tempo ( estava 1x1 ). Mas quando recordo aquela copa de generais, de papel picado e gramados ruins, me dá um argh. Chorei de raiva ao ver a Holanda perder de novo. Entendi que o futebol era um esporte injusto. Esporte onde Crujff e Platini jamais seriam campeões, e onde centenas de pernas de pau ergueriam a taça. ( Jogadores como Zico, Gullit e Puskas jamais venceram. E Best, Weah, Cantona sequer a jogaram. Enquanto isso temos nove jogadores da Itália de 2006, absolutamente medíocres, campeões do mundo; e mesmo o Brasil de 2002 tinha meio time abaixo do nível de "time campeão".)
1982 foi uma copa maravilhosa. Aliás, foi a última copa-show. Verão na Espanha, o público com roupas e caras de praia. E jogos inesquecíveis. O Brasil foi assim tão bem? Venceu a URSS no roubo e goleou Escócia e Nova Zelandia. Depois sim, engrenou nos 3x1 na Argentina e foi excelente sim, contra a Itália. Zico, Falcão, Sócrates e Oscar fizeram uma copa sem erros. Mas Cerezzo, Serginho, Luizinho e Junior foram irregulares demais! Dizer que foi azar a derrota é ser um idiota arrogante. A Azzurra venceu Brasil, Argentina, Alemanha e Polonia, sem ajuda de juiz e sempre dominando o jogo. Tinham Zoff, Scirea, Gentile, Cabrini, Antognoni, Conti, Graziani e Rossi. Uma defesa perfeita, um meio campo criativo e um ataque muito rápido. Era um time leve. A final, em que bateram a Alemanha de Rumenigge e Breitner por 3x1 foi a última final aberta, bem jogada e emocionante. Mas 82 teve mais. A Polonia de Bonieck, a Belgica de Gerets e a França, de futebol técnico e encantador, de Platini, Giresse, Tigana, Tresor, Rocheteau, Six e Ghenghini. E o melhor jogo que já ví, a semi com a Alemanha, 3x3 e a derrota dos bleus nos penaltis. Italia e França deveriam ter feito aquela final. Seria um jogo estupendo. Acompanhei todos os jogos da França naquela copa. Foi o melhor time que eles já tiveram. Foi uma injusta derrota. Chorei de novo. Quem disse que a vida/futebol tem justiça?
1986 foi uma doida torcida contra Maradona. O cara fez a maior atuação individual que já assisti. Nos jogos contra Inglaterra e Belgica ele atingiu o ponto máximo a que um atacante pode chegar. A final foi jogo de um time só. Apesar de ter sido 3x2, os alemães já entraram derrotados. Foi uma copa chatinha. Jogaço só Brasil e França ( os dois já mais pragmáticos que em 82 ) e um Dinamarca 5x1 Uruguai que causou espanto. Houve quem chamasse o time de Laudrup e Elkjaer de novos holandeses. Mas na sequencia tomaram de 5 da Espanha de Butragueño.
1990 foi a pior copa da história. Montes de prorrogações. Violencia e muita cera. A Itália de Schilacci, Donadoni e Baresi conseguiu perder em casa. A copa foi tão ruim que Maradona arrebentado e manco foi o astro. Mas deu a Alemanha de Mathaus, Klinsmann e Voller. A Holanda de Van Basten, Rijkaard e Gullit foi a decepção. A Inglaterra fez sua última boa copa. Tinha Paul Gascoigne, um George Best revivido. A final foi digna da copa, um a zero com gol de penalti suspeito.
Em 1994 só jogou o Brasil. Copa nos EUA sem ingleses e irlandeses é como copa no Brasil sem Portugal e Itália. A Romenia teve certo brilho com Hagi e a Bulgaria com Stoichkov. Mas Alemanha, Itália e Argentina só decepcionaram. Os italianos chegaram à final porque alguém tinha de chegar. Sobrou pra eles. Mesmo assim foi zero a zero e penaltis. Uma final horrenda. O Brasil foi ok. Uma defesa excelente e Romário fazendo gols com a ajuda de Bebeto. E só. Zinho e Mazinho é dupla que ninguém merece! Copa de quarenta graus a sombra não podia ser boa! O melhor jogo acabou sendo Brasil 3x2 Holanda. Branco salvou o país.
1998 foi a copa onde até a França se tornou pragmática. Thurran, Desailly, Blanc e Lizarazu formaram talvez a melhor defesa da história. E ainda tinham Deschamps e Vieira no meio campo. O esquema era o do Brasil de 94. Em vez de Romario, Zidane. Só que Zidane foi expulso no jogo contra os sauditas. Pegou 3 jogos de gancho ( a copa positivamente não foi roubada ) e voltou só na final. Todos os jogos eliminatórios foram sem Zidane. E a França teve de rebolar com um ataque ruim. Mas foi justo. Na final dominaram e atordoaram o Brasil. Que jogou uma copa muito mediocre. Os patrioteiros inventam até hoje as teorias mais idiotas para não aceitar o que o mundo inteiro viu: venceu o melhor. Em 98 a França, como o Brasil em 94, não teve contra quem jogar a final. Sobrou pro Brasil.
Se a copa de 1990 não tivesse existido, 2002 teria o prêmio de pior copa da história. O único bom jogo foi a vitória do Brasil sobre a Alemanha na final ( mesmo assim seria melhor com Ballack em campo. ) Não consigo lembrar de jogo nenhum que me tenha divertido. Basta dizer que Turquia e Coreia chegaram entre os quatro! Recordo do jogo mais roubado da história, Espanha e Coreia, em que os espanhóis eram a toda hora pegos em impedimentos inexistentes e tiveram dois gols absurdamente anulados. O Brasil também foi favorecido contra Turquia e Belgica. Nunca foi tão fácil vencer.
2006 teve um dos piores campeões. A Itália tinha Totti. E só. A França seria uma campeã melhor. Mas Zidane pirou. Raras vezes vi o Brasil levar um baile. Lembro de um jogo da Inglaterra no Maracanã em que John Barnes destruiu o Brasil. Mas o que Zidane, Vieira e Henry fizeram com o Brasil foi sacanagem!!! 1x0 com sabor de goleada. Acho que não passamos do meio campo!!! Que saudades de 1970 !!!
Não dá pra saber o que virá agora. Eu queria uma copa aberta como a de 70, revolucionária como a de 74 ou divertida como a de 82. Um campeão digno de copa, como o Brasil de Pelé, a Alemanha de Beckembauer ou a Itália de Rossi. Um craque incontestável, tipo Maradona e Crujff. Quero gols e nenhuma decisão por penaltis. Final com penaltis não vale!!!!!
Mas sei que o esporte mudou. Tem brasileiro na Alemanha, meio Arsenal na França, amigos brasileiros e argentinos na Inter. Antes o Brasil jogava como Brasil porque todos eram treinados no Brasil. O mesmo para ingleses, italianos e franceses. Agora todos são treinados à italiana, carrinhos e pressão. A copa deixou de ser o encontro de estilos diferentes e se tornou o encontro de estrelas que se parecem demais. Surpresas são impossíveis. Mas é a copa....

PADDY CLARKE HA HA HA - livro de RODDY DOYLE

Meninos precisam de espaço. Meninas não ligam pra isso, mas eles sim. Precisam de muita terra, de sujeira, de pixe mole, de canos de esgoto, de mato, de fogueiras, de campo de futebol e de riachos. Meninos não precisam de quartos e de banheiros. Mas o mundo está encolhendo, o espaço dos meninos encolhe e o das meninas só cresce.
Eu detesto Roddy Doyle! Porque numa dessas coincidencias malditas ele escreveu em 1993 este livro. Que é exatamente igual ao livro que estou escrevendo nos últimos 3 meses! O estilo é o mesmo: lembranças de um garoto de 8, 9 anos. Escritas como se tivessem sido redigidas pelo garoto. Aquela linguagem de garoto que lê livros, entende? Lembranças simples, soltas, curtas, sem ordem de cronologia ou de impotância. Caramba, o livro ganhou o Booker Prize! É bom pra cacete!
Paddy mora num subúrbio de Dublin. A família dele é mais ou menos feliz e ele é um aluno mais ou menos bom. Então a gente lê sobre as brincadeiras, as brigas e tudo. E principlamente as mudanças. Porque que a gente deixa de brincar? Paddy está o tempo todo criando brincadeiras. Ele brinca com a comida, com as cobertas, ele lê brincando, chora brincando, ele até sonha brincando! Tudo é motivo para se imaginar um indio, um africano, um cowboy, um herói, um monstro. Porque que a gente joga isso fora com 12 anos de idade?
George Best. Paddy e seu pai adoram George Best. Eu adoro George Best. Ele é o cara. O ponta esquerda glamuroso do United. Paddy corre pela casa inteira quando Best faz um gol. Todo menino irlandês da época ( estamos em 68 ) queria ser George Best. Todo menino deveria ter sido menino no tempo de George Best ( e de Pelé ).
Eu queria que o livro fosse maior. Queria que nunca acabasse. Que o território de Paddy ( e de Liam, Ian, Simbad, Patrick, Pat, Kevin ) não fosse transformado num bairro residencial. Que não tivessem espantado as abelhas, os ratos, os pássaros e drenado e cercado tudo. Queria que eles ainda estivessem se sujando de pixe e acendendo fogueiras por lá. E querendo ser George Best e não Christiano Ronaldo.
Mas a gente fica adulto, apesar de não saber disso. A gente fica e pronto, acabou o brinquedo. A cama passa a ser apenas isso, uma cama, e as ruas apenas ruas. Mas este livro lembra de tudo. O mundo dos meninos. E meninos só são meninos se tiverem espaço.
Eu acho que Roddy Doyle deve ser um cara muito legal. Ele é só um pouco mais velho que eu e viu tudo o que eu vi. Roddy não tem culpa de ter me imitado antes. Eu até o perdôo por preferir o United em vez dos Gunners. Eu também queria ser um cara de Dublin. Mas sou do Caxingui. É quase igual, né?

Já falei que o livro é um bilhão de vezes bom? Acho que é o Tom Sawyer de hoje. Gostei pra caramba! Fim.

DENNIS HOPPER E OS MUITO LOUCO !

Não gosto de caras que são "muito louco!" Tem um público ( que se acha "bem louco" ) que hiper-valoriza tudo que é, aparentemente, doidão. O que gosto é do talentoso, apesar de, louco.
Dennis Hopper foi hiper-valorizado. Como ator ele era apenas esquisito. Como diretor fez apenas dois filmes legais. E só. Mas eu li gente chamando-o de gênio. Como há quem pense ser Ginsberg ou Kerouac geniais.
Antes de Hopper houve Kate Hepburn e John Garfield que foram mais rebeldes contra Hollywood e eram atores de verdade. Antes de Hopper houve Robert Mitchum que era bem maconheiro e ator de carisma real. Hopper foi apenas um doidão que viajou de ácido por vinte anos.
Porém......
Não posso negar que o rosto dele era legal de ver. Ele era engraçado e poderia ter sido um super comediante. Não posso negar que ele é, para sempre, um dos mais fortes símbolos hippies. E que mesmo que voce odeie hippies, acredite menino, sem eles voce não estaria hoje dormindo com sua namorada em paz ou vestindo sandálias havaianas e bermuda. Nosso mundo é herança hippie. O mundo antes deles era mundo de chapéu e paletó. E Hopper será sempre parte desse novo mundo. Mundo que trouxe muito mal e muito bem. Mas o principal : como acontece com Keith Richards; Dennis Hopper ( e Jack Nicholson ) não imitaram ninguém.
É fácil ser Johnny Depp ou Robert Downey. Existem antecedentes de excentricidade para seguir. Existe Keith Richards para guiar roqueiros doidos e estilosos, existe Bowie para ser molde de artistas pop irriquietos e dubios. Antes deles havia nada.
Se voce fosse esquisito voce tinha de ser esquisito de seu modo. E solitariamente. Era um mundo de ternos cinzas e cabelos engomados. Recordo, quando era bem criança, de como era ruim para alguém ter cabelo comprido. Te chamavam de bicha e de comuna. Riam de voce. E ser bicha e comuna era correr risco de apanhar. Mas tinha gente que ia adiante. Keith, Mick, Marianne Faithfull e Hopper estavam pouco se lixando. Eles abriram as portas para voce e eu podermos ser esquisitos em paz.
Subir num palco e rebolar ou berrar ou se estropiar ou ser preso é agora fácil. Todo mundo faz isso. Ser Depp ou Penn é fácil. Seu vizinho é como eles. Mas penso em como era dificil ser Mick Jagger na Londres caretíssima de 1964. E penso também, é lógico, que ser Jagger ou Keith hoje não tem a menor graça. É ser mais um.
Dennis Hopper morreu no dia de meu birth e penso que nesta década próxima teremos de ver a morte de Clint Eastwood, de Woody Allen, dos últimos Beatles e provávelmente de Iggy de Mick e Dylan. Jack, De Niro e Coppolla....
Se com as mortes de Tolstoi e depois de Joyce o mundo perdia seus últimos gigantes, aquele tipo de cara que é do tamanho do universo, tipo Freud ou Eliot, o homem de ambição sem fim; com as mortes desses heróis doidos libertários, veremos a morte dos últimos originais, os últimos a crescerem e se moldarem a sí-mesmos, sem a linha de montagem da hiper-informação e do eterno-passado-presente de hoje. Os últimos a serem originais por não terem em quem se moldar.
Fica o tiro que Hopper leva no fim de Easy Rider. Fica o eco daquele tiro. E o resto é Lady Gaga....