ESPÍRITO SUPERIOR: DESEJOS PROIBIDOS, FILME DE MAX OPHULS

A beleza.... ver este filme é uma humilhação para nossos tempos. Cultuadores do feio e do grotesco que somos ( desde Picasso? Stravinsky? ). Max Ophuls, diretor vienense desta obra-prima, talvez o mais belo filme já feito, volta a Europa após exilio americano, e volta a seu mundo. Mas é mundo já morto em 1953, ano desta produção. O que dirá hoje, tempo de funk e de Chavez ?
Em sua primeira parte o filme é só leveza e bom humor. O que assistimos é o belo mundo das elites do final do século XIX. Não é o mundo de Henry James. James mostra o mundo do futuro, do dinheiro, da América. Aqui é o fim da Europa, fim de um passado, e o que move tudo são os bons modos, as aparências, os costumes, a honra. Nada de americano.
Nunca se fizeram cenários como estes ( e percebemos o porque do amor de Todd Haynes e Baz Lhurmann a este diretor ). São espelhos, tapetes, jóias, móveis, roupas, janelas, pinturas, em tal quantidade, de tanto gosto, é tudo tão luxuoso, tão chic, tão delicado, que dá vontade de abaixar o som e ficar apenas olhando. Mas há a câmera e ela não pára. Ophuls a faz voar pelos cenários, cruza paredes e janelas, flutua pelas tapeçarias. Baila. E é tão suave que mal notamos seu movimento. Os atores sabem se comportar. São dignos do filme que lhes é ofertado. Mas Charles Boyer é mais que isso.
E ainda há uma história. Sobre brincos que são vendidos e insistem em voltar. Esposa infiel e marido general que leva a vida como ordem militar. E em sua segunda parte o filme torna-se drama e é exemplificada a diferença entre homens e mulheres: elas, quando amam, mandam os costumes para o lixo; eles se atèm ainda a seus papeis. Vem o final, um duelo para lavar a honra e uma igreja com velas e diamantes. A beleza vence.
Falar de filme como este é tarefa ingrata. A esposa, futil que se torna apaixonada, é Danielle Darrieux. O amante, nobre italiano, é Vittorio de Sica. E o general, corno que mantém a pose, e´Charles Boyer. Perfeitos. Danielle é pura cocotterie, De Sica é o sedutor que se confunde e Boyer dá um show como o militar rígido. São, dignamente, diamantes em imagens que são joalherias. Ofusca e entorpece a correção, o luxo ao ponto extremo, a civilidade, o savoir faire. Mas, fã de Stendhal que Ophuls era ( o filme tem muito do espirito de Stendhal e de Mozart ), é também mostrada, com muita leveza, o que havia de asfixiante, de falso, de tolo, em toda essa pose presunçosa. A paixão real não pode existir em espelhos de cristal e peles de vison. Fenece.
Max Ophuls é um espírito extinto. Ver este filme é tomar contato com outro mundo, outro cosmo, outra existencia possível. Somos os orfãos do planeta aqui exibido. Ainda queremos, cegamente sem saber, tudo o que é aqui mostrado. Mas não é mais possível obter ou ao menos tentar esse tipo de conforto e de código de conduta. Então, orfãos, nos embrutalhamos. Seria cruel ter Ophuls neste nosso universo. Fica seu legado de beleza. E a certeza de que já fomos muito melhores.

UM FILME PERFEITO: TARDE DEMAIS- WILLIAM WYLER

Fazer um bom filme tendo por base uma obra-prima da literatura é tarefa quase impossível. Fazer, como aqui, uma obra perfeita baseada em livro perfeito é um milagre. Pois este filme é baseado em WASHINGTON SQUARE (A HERDEIRA ) de Henry James, e incrível, é um filme que nunca desmerece esse tão soberbo livro.
Quem leu James sabe: o mistério de sua escrita é a sutileza. Quando mal adaptado ao cinema se torna apenas uma boa história. Quando adaptado com inteligência, como sucede neste caso, toda sua maestria se torna imagem e som. Este filme é uma aula para aquele que deseja saber o que o cinema pode ser. Poucas vezes a sétima arte foi melhor que nesta produção.
Primeiro a história. E um lembrete. Para se apreciar este gigantesco trabalho é preciso ter lido James. Pois ao ler o gênio americano voce terá desenvolvido sua sensibilidade estética, e ao refinar essa sensibilidade voce estará pronto para apreciar a extrema beleza destes diálogos superiores. E quanto prazer cabe em linhas tão bem escritas! Os diálogos são afirmações de engenho. Neles o talento brilha. Estamos então na New York do séculoXIX, e estamos em casa de luxo austero. O pai é um médico muito rico e ele, viúvo, tem uma filha. Ao contrário da mãe, essa moça é feia e sem qualquer encanto. Pois bem. Um dia, um jovem, belo e brilhante, porém esbanjador, se enamora dela. O pai impedirá isso, pois ele não crê que alguém possa amar mulher tão sem graça. Em linhas gerais essa é a história. Mas sabemos, por debaixo disso há muito, muito mais. James falará sobre amor de pai e filha, sobre a morte, sobre sedução, sobre o que é ser mulher e principalmente sobre o dinheiro como destino. O filme, que maravilha, consegue ser tudo isso.
Os personagens. O grande ator inglês, Ralph Richardson, faz o pai. Que prazer deve ter sido vê-lo fazendo Shakespeare...prvilegiada geração que viu ele, Olivier, Gielgud e Redgrave nos palcos. Observe como ele faz esse pai. É um monstro? Jamais. O que vemos é autoridade. Ele precisa fazer o que faz. Percebemos seus pensamentos mais secretos nos olhos desse ator de gênio. O modo como ele sonda o namorado, o modo como ele analisa a filha, o desgosto. Mas temos a filha, papel que deu a Olivia de Havilland seu segundo Oscar. Ela faz uma moça feia, bastante limitada e ingênua. E como a faz? Com olhares de estupidez, reações puras e animais, e a pose de virgem intocada. Os imensos olhos de Olivia são espelhos que refletem alma que luta para existir. Ela se apaixona com desespero. Quando cai na razão e é humilhada pelo pai vemos um coração dilacerado. É dos momentos mais tristes de toda a história da tela. Montgomery Clift faz o pretendente. Faz tão bem que quase cremos em seu amor. Ele é belo, limpo, claro, bom falador, mas jamais engana o pai. Nos pegamos querendo crer no que ele diz. Clift, primeiro ator moderno do cinema, precursor e rival de Brando e Dean, faz muito com pouco. Sua atuação é magistral. Miriam Hopkins é a tia que percebe tudo mas que toma o partido do rapaz. Imagem da solteira casamenteira. Temos então um excelente roteiro em mãos de atores mais que talentosos. Quem misturará essa massa?
O diretor se chama William Wyler, e foi ele, entre as décadas de 30/50, ou seja, no tempo em que cinema era rei único, o diretor mais confiável, mais seguro, melhor dotado. Wyler não errava. Pauline Kael diz em sua crítica que "aqui vemos a perfeição. Wyler guia o filme com mão de ferro. Ele faz um filme sobre o controle com absoluto controle sobre atores e filme."
Todo movimento de câmera é peso sobre nossa emoção. Cada ângulo e cada cena é a imagem exata de destino inexorável. Wyler dirige como um grande dramaturgo cria: dominando todo o material e moldando-o a seus objetivos. Arte suprema em mãos de mago.
Há ainda a trilha sonora impecável de Aaron Copland ( sim, Copland, grande compositor erudito, compôs, pouco, para cinema ). Trata-se de música emocional, majestática, suprema. Eleva o filme à altura de Henry James.
Não há um só momento menos bom neste imenso romance em movimento. Cada cena é um ponto numa tapeçaria de jóias. Fica a memória de se ter testemunhado uma obra que nos alerta sobre tudo o que a tela pode comportar. A perfeição existe. Ela reside aqui.

CAPRA/ WYLER/ STERNBERG/ WALTER HILL/ ROBIN HOOD/ BOORMAN

ESPERANÇA E GLÓRIA de John Boorman
Concorreu a monte de Oscars em 1987, mas perdeu todos para O ùltimo Imperador de Bertolucci. Raros filmes são tão bem fotografados quanto este. Os céus e as casas brilham em colorido estupendo ( de Philippe Rousselot ). O roteiro, meio autobio, fala do quanto as crianças londrinas se divertiam durante os bombardeios alemães na segunda guerra. Na época causou certo frisson este filme, por mostrar que em meio ao fogo e a voz de Churchill havia humor, alegria e diversão. È um belo filme do diretor de Inferno no Pacifico e Deliverance. Nota 7.
ROBIN HOOD de Ridley Scott com Russell Crowe
Houve um divertidíssimo Robin mudo com Fairbanks. Depois assisti o clássico com o insuperável Erroll Flynn, Robin alegre, cartoonesco; veio a série de tv inglesa com Richard Greene e o Robin romantico com Sean Connery e Audrey. Um desenho da Disney em 1973. Daí o típico Robin anos 80/90 com Kevin Costner e agora este Robin século XXI. Grande produção, tintas de inconformismo e um monumento à chatice. Pra que fazer este filme? Fuja!!!! Nota 2.
ALMA EM SUPLICIO de Michael Curtiz com Joan Crawford
Joan levou Oscar de atriz com este drama levemente noir sobre mãe que faz tudo por filha esnobe. Inclusive esconder um crime. O filme tem clima, um ar de destino-irresistível, moto que é o cerne de tudo que significa drama. Joan tinha rosto impressionante. Sofria com orgulho. O filme é base de toda dramaturgia rede Globo até hoje. Nota 7.
O CAPITÃO DE CASTELA de Henry King com Tyrone Power e Jean Peters
O que faz de uma aventura algo de especial ? Ação? Não. Um bom personagem. Como ocorre aqui, voce precisa gostar, se identificar e torcer muito pelo herói. Isso se consegue com um bom roteiro e ator de carisma. Este fala de nobre espanhol perseguido que vai tentar a vida no Mexico. Imenso sucesso, Tyrone mostra porque era rei na Fox. O filme avança sem parar. Delicioso. Nota 8.
ESPORAS DE AÇO de Anthony Mann com James Stewart, Robert Ryan e Janet Leigh
Atenção: eis uma obra-prima!!!!!! Os melhores westerns são os mais simples. Aqui temos cinco personagens. Stewart ( fantástico ) é o caçador de recompensas, Ryan ( soberbo ) o bandido capturado. Janet é a amiga do bandido e ainda temos dois ajudantes do "herói". Mas estamos no mundo de Mann: esse herói é antipático, amargo e violento. O que o move ? Dinheiro. O filme é perfeito. Nas paisagens áridas se desenvolve um sombrio drama entre os cinco. Ao mesmo tempo, eletrizante aventura. E para quem quer arte ( coisa que todo bom western traz de contrabando ) se mostra o caráter civilizador da mulher. É ela quem carrega o fardo da esperança. Filme para aplaudir. De pé. Nota DEZ !!!!!!!!
MACAO de Josef Von Sternberg com Robert Mitchum e Jane Russell
Aventura em porto chinês sobre homem aventureiro que tenta ganhar dinheiro. Jane é aventureira também. E cantora. O filme começa bem e vai perdendo fôlego. Sabe-se que Sternberg se desinteressou e Nicholas Ray assumiu a direção. Tem ainda a fascinante Gloria Grahame no elenco. Mas o filme é totalemte esquizofrenico. Nota 4.
EFEITO DOMINÓ de Roger Donaldson com Jason Statham e Saffran Burrows
Roger é diretor egresso dos anos 80, portanto é ação da velha escola: sem excesso de firulas. Fala de assalto a banco. Fala de crise politica. Traições. Tudo na Londres de 1970. Os sotaques são de doer, mas Jason consegue ser um sub-Bruce Willis aceitável. O filme peca por não conseguir empatia entre seu herói e seu público, mas é bastante ok. Nota 6.
O ÚLTIMO CHÁ DO GENERAL YEN de Frank Capra com Barbara Stanwyck e Nils Asher
Raridade recuperada para o dvd. Missionária americana é raptada por caudilho chinês. Ele está apaixonado, ela talvez esteja. Fuzilamentos, bombas e povo nas ruas. Os cenários são maravilhosos!!!! Parecem quadrinhos em P/b dos anos 30. Capra antes de seus filmes de sucesso. É um suntuoso romance inter-racial. Nota 6.
A LUZ É PARA TODOS de Elia Kazan com Gregory Peck, Dorothy McGuire e John Garfield
Melhor filme de 47 para o Oscar, este sucesso fala de repórter que se faz passar por judeu para escrever sobre anti-semitismo. É um filme frio. Peck não convence, é daquelas suas atuações em que parece estar com sono. Mas é um belo roteiro de Moss Hart. Kazan dá a tudo um aspecto jornalístico e nossa atenção é capturada. Exemplo da crise de consciencia que se abateu sobre a América após a segunda guerra. Nota 7.
LUTADOR DE RUA de Walter Hill com Charles Bronson e James Coburn
Um trem chega a cidade deserta. São os anos 30. Bronson é um lutador que vive de quebrar queixos. Coburn logo o empresaria. O tipo que Coburn faz é delicioso. O malandro de rua. Bronson, sempre de cara feia e quase mudo, convence como bruto de coração nobre. Este é o primeiro filme dirigido por Hill. Talvez seja seu melhor. Se fosse feito hoje ( ele é de 1975 ) era capaz de ser indicado a Oscar. Simples, modesto e bacana. Nota 6.
OS MELHORES ANOS DE NOSSA VIDA de William Wyler com Frederic March, Myrna Loy, Dana Andrews, Teresa Wright, Dorothy Malone
Há quem considere Wyler o melhor diretor que os EUA tiveram. Eu não discordaria. Devo ter visto mais de vinte filmes dele, e nenhum é menos que bom. Este é um dos seus maiores sucessos, e é um dos mais corajosos. E premiados, foram sete Oscars. Vemos três soldados voltando ao lar após a guerra. E acompanhamos a terrível dificuldade que eles têm para voltar a vida civil. Por motivo simples e complexo: na vida comum eles perdem a função. Um deles, que era tenente e herói de guerra, volta a ser desempregado e marido corneado. Um outro não consegue se adaptar a vida em familia classe média e a trabalho em banco, e há um marujo que perdeu as duas mãos ( e Harold Russel, o ator, realmente não tinha as duas mãos ) e sente-se um fardo para todos. O roteiro de Robert Sherwood opera um milagre: o que poderia ser dramalhão pesado se faz filme denúncia, sincero, mas que nunca cansa ou entristece. Wyler dá aula de direção: todos os atores brilham, e apesar das três horas de duração, voce não se entedia. Ele era mestre em pegar filmes complicados e fazê-los fluir. Até Ben-Hur ele conseguiu salvar. Então aqui vemos um esmiuçamento da vida desses três homens. O medo de se não ter utilidade, o não reconhecimento de seu heroísmo, a estranheza em se ter um lar, os pesadelos com as batalhas. Isto é aquilo que se chamava de "filmão". Valia cada centavo gasto. Belíssimo. Nota 9.

OCIDENTE E ORIENTE, O MEDITERRANEO

2500 anos atrás. 500 a/c. O oriente grava suas impressões digitais. Penso na terrível realidade que fez com que o pensamento se engolisse e negasse a própria realidade. No oriente a vida se torna ilusão. A dor e o desejo não são reais. Em seu aspecto mais elevado esse modo de pensar nos leva a calma absoluta. Em seu pior lado nos dá a indiferença a miséria e a aceitação da injustiça. Mas estou aqui para falar do mar, do Mediterraneo, terra-água onde nasci.....
Penso agora nas maravilhas que se descortinaram aos olhos ainda virgens desses curiosos-arrogantes. A diferença entre ocidente e oriente se faz. Se eles negam a realidade e tentam chegar a paz completa, cabe a nós tentar entender o porque das coisas serem como se apresentam. Nós não negamos nada, tudo queremos saber. Em seu melhor esse modo de ser leva a criação de novos mundos. Em seu pior à ansiedade sem fim.
Mas eu penso na história de amor. Em que aqui não é mundo para misticismos. Os deuses aqui, no ocidente, são todos deuses humanizados. São Eros, Thor ou Éfeso. Aqui se vive com o porque da filosofia. Não com o "assim é" do oriente. A religião aqui é fraca, pois não são o judaísmo e o cristianismo também orientais?
Cultua-se o oriente como se lá existisse o segredo da paz. A luz da verdade. O budismo nasce, belo sim, como luz, ou como negação da dor fingindo-se não existir? Se eu fechar os olhos o lobo deixa de existir. É essa toda a sabedoria? Se a vida é ilusão e se o desejo é o mal então para que viver? Para se apurar a alma? Deixar de encarnar?
Enquanto o oriente fecha os olhos os gregos pegam as coisas e as observam de perto. O que é isto? Não posso deixar de amar o oceano Mediterraneo, berço de paraísos. Se os orientais procuravam negar a enchente do rio, o tigre feroz e a fome que mata, cabia aos gregos entender o que é a chuva, o que é ser um homem e como diminuir a fome. Não posso deixar de amar esse mundo ocidente, feito de um mar mediterraneo para um atlantico. Mundo barco, mundo navio, esse Prometeu que rouba fogo de um deus, esse mundo que não nos dá paz, trégua ou alivio, mas que nos deu Beethoven, Shakespeare e Kant.
Pois aquele grego jamais fechou seus olhos. Tentou ver a beleza na vida e entender o porque da dor macular tanta luz. A história do ocidente é um navegar eterno e no oriente se medita e se ora. Nós aqui comemos até explodir, olhamos até cansar e falamos até morrer. Tínhamos de criar o amor e tínhamos de navegar até descobrir ainda mais ocidente. Nós temos sempre de ir. Não nascemos para estar.
Já senti a felicidade oriental e é ela como um morrer, um concluir, um fundir.
Mas a felicidade ocidental é um gozo espiritual, um resplandecer de força, um riso imenso, um irradiar de poder. É todo corpo. É aqui. Dionisio e Apolo.
Sou grego e no mar mora minha dor. Nasci assumindo todo pecado do passado e orando para deuses que são homens. Quero ver, quero ser, quero a eternidade. Eu desejo todo o tempo. Se a miséria existe faço dela poesia. Se a dor bate canto sua sina. E o que não entendo penso.
Porque sou portugues da beira do oceano e me joguei ao fundo onde achei um mundo. Não medito, crio.
Do ocidente filho. Mito.

ANTHONY MANN/ RESNAIS/ DEMY/ TOURNEUR/ ALEC GUINESS

ERVAS DANINHAS de Alain Resnais com André Dussolier e Sabine Azema
Surpreende a jovialidade de Resnais. Da turma dos pra lá de 80 é ele o que mais ousa. Plasticamente este é bastante nouvelle-vague. Mas está longe do ótimo Medos Privados ou do excelente Amores Parisienses. De qualquer modo, eis um cineasta! Nota 6.
MÚSICA E LÁGRIMAS de Anthony Mann com James Stewart e June Allyson
Na história do cinema americano, dois diretores foram terrivelmente subestimados: Dassin e este Anthony Mann. O homem fez policiais, montes de westerns, épicos e esta bio de Glenn Miller. Uma bio exemplar. Cheia de liberdades com a história, mas jamais traindo o espírito da arte do biografado. De modo leve e colorido, acompanhamos o incio de Miller, seu casamento feliz e o hiper-sucesso. Há uma cena com Louis Armstrong e Gene Krupa em boteco de jazz que é sensacional. Stewart em mais uma aula de simpatia e atuação relax. Nunca perde o tom. Nota 8.
LOLA de Jacques Demy com Anouk Aimée
É bela a França de 1960 com seus carros pequenos, os ternos e vestidos com chapéu e suas meninas bailarinas. Mas há algo de muito flácido neste exercicio de otimismo de diretor "delicado". Na história de prostituta que espera o retorno de seu grande amor, Demy homenageia Ophuls sem jamais chegar perto da leveza do mestre austríaco. Destaque aqui para bela trilha sonora de Michel Legrand e a fotografia brilhante e livre de Raoul Coutard. O filme embaralha finais felizes, mas falta sinceridade e força. Nota 5.
REDE DE INTRIGAS de Sidney Lumet com Peter Finch, William Holden, Faye Dunaway
Forte. Um roteiro irado de Paddy Chayefski joga na tv todo o fel possível. A mensagem é simples: violencia vende. O filme ganhou Oscars para Finch ( póstumo ) que está soberbo como o âncora que enlouquece, e para Faye, hilária como a ambiciosa diretora de programação. É uma excelente diversão e um filme soberbo. 120 minutos de pura raiva e de nenhum mal humor. Nota 9.
AS OITO VÍTIMAS de Robert Hamer com Alec Guiness, Dennis Price e Joan Greenwood
O British Film Institute elegeu esta comédia negra um dos dez maiores filmes ingleses da história. Não é pra tanto. Tem atuação inspirada de Guiness ( fazendo oito papéis diferentes. Foi ele quem inventou essa coisa que Eddie Murphy adora fazer ) e tem bons diálogos. Mas o assistindo reparamos no porque do pessoal do Cahiers ( Truffaut, Chabrol, Godard ) desbancar tanto o cinema inglês da época. Não há o menor sinal de criatividade na direção, não há um take arrojado, uma tentativa nova, nada. Hamer posta a câmera e deixa os atores recitarem suas falas. Felizmente eles são excelentes. Mas falta vida a este filme "chá das cinco". Nota 6.
MEU CACHORRO SKIP de Jay Russel com Freddie Muniz, Kevin Bacon, Diane Lane e Luke Wilson
Diane é linda que dói. Cada close em seu rosto é uma declaração de amor. E temos aqui um filme "de cachorro" muito acima da média desse tipo de filme. Nada de cães que falam. O filme é lacrimoso e engraçado e quem adora cães deve assistir. Como cinema é novela bem fotografada. O cachorro é rei de simpatia. Nota 6 para o filme e 10 para o cão.
A MORTA VIVA de Jacques Tourneur
No inicio dos anos 40 Val Lewton, produtor da RKO, lançou uma série de filmes baratos de horror. Na verdade não são de horror. São peças de estilo, filmes de clima, soturnos. Este fala de Voodoo em ilha tropical. Tem até macumba. Tourneur sabia dirigir de tudo. Este é divertido exemplo de cinema hiper-popular que guardava momentos de invenção. Nota 6.

O INFERNO DO BUDISMO

Passaram-se 2500 anos desde que Sidarta Gautama esteve entre nós. É bom recordar isso, pois nunca estivemos tão distantes do que ele disse. O mundo, dia a dia, se torna cada vez mais a imagem daquilo que Buda chamava de Inferno. Um mundo onde o desejo é o único rei.
Todo cara metido a intelectual já namorou o budismo. E intelectuais verdadeiros também. Desde Schopenhauer, passando por Wagner e Hesse, todos sentiram fascinação pelo milagre mental executado por Gautama. A criação de uma religião sem qualquer tipo de Deus. Que sequer fala de paraíso ou inferno, que nega a individualidade, e que em sua forma verdadeira, não fala sobre imortalidade. É o ponto máximo do pessimismo humano. Mas estranhamente, dentro desse pessimismo é a única forma de paz absoluta que conheço.
Após a morte de Buda ( e ele morreu em nirvana. E morrer em nirvana significa nunca mais encarnar. E nunca mais encarnar significa o bem supremo : deixar de existir. ) seus seguidores deturparam tudo o que ele pregara. No Japão criaram até mesmo deuses budistas, o que é a negação do próprio budismo ( como ser desapegado se apegando a um deus ? ). Mas isso ocorreu com todas as religiões. A transformação de um caminho individualista numa forma de politica. Mas vamos ao inferno e ao céu.
Buda descobriu algo que considero extremamente ousado. Toda a infelicidade humana vem de desejos não satisfeitos. Mas é próprio do desejo o ser insaciável. Portanto a vida consiste na infelicidade de desejos jamais saciados. E todo desejo é uma ilusão. Nenhum desejo pode salvar sua alma da dor, da fome e da morte. Correr atrás dos desejos, obedece-los é emaranhar-se em armadilhas, viver na mentira, naquilo que não dura. Pois o desejo é finito. Como vencer a ilusão? Como ser livre? Negando o desejo. Ignorando-os. Vivendo para aquilo que independe de querer, de procurar, de ansiar. Tudo o que está fora do mundo de espaço e tempo, o que é para sempre e constante, a verdade.
Buda bate de frente com o freudianismo em que vivemos. Para ele o mal não é a repressão do desejo. O mal é a escravidão a carne e ao desejo, o depender de coisas e de seres. Mas observe: o não-desejo budista é ato consciente. Não é medo do mundo real, é a transcendencia. Jamais sintoma ou fuga, antes, abandonar-se suavemente à vida.
Voce sabe que vivemos no império do tempo e do desejo. Ser feliz é satisfazer desejos e ser livre é ter tempo. Tudo ilusão. O desejo satisfeito não existe. O tempo não existe. Satisfazer um desejo é saciar coisa transitória. Ter tempo é ter coisa alguma. Mas o que o budismo nos dá?
Estranhamente ele nada nos dá. Para o budismo não existe recompensa. Voce segue o bom caminho ( não matar, não se iludir, não guerrear, não comer carne ) e talvez ganhe como recompensa o não existir. É preciso então dizer o que é a reencarnação budista.
O que reencarna é a vida, não voce. Nada daquilo que voce é ou faz pode sobreviver. Porque são coisas ilusórias, existem no mundo do desejo. A fagulha de vida que é parte do universo é que reencarna. Se voce for ruim, esse seu tesouro volta como bicho. Pois para o budismo, o animal é o ser completamente preso. Um bicho não tem opção. Viver para ele é viver no desejo e na ilusão. Fome, cio e medo. É uma visão do bicho bastante anti-Disney. Os animais não são bons ou ruins, são escravos de seu instinto. O homem pode ser superior a isso. Ou não.
Buda teve a coragem de enxergar que tudo termina em ruína. Que seremos trapos envelhecidos, que sempre sentiremos dor e que tudo o que fica de nossa brilhante passagem são cinzas e vazio. Mas sua intuição genial foi a de entender que tudo isso não tem valor algum. Se viver é uma miséria então viver não é tão importante assim. O que importa é o que está fora da vida e da morte, e isso não pode ser falado ( palavras são vãs. Budismo é religião sem discurso ). Nirvana.
Não sei se já tive alguma fagulha de experiencia budista. Mas sei, por experiencia própria, que a felicidade genuína só existe em solidão. Para ser feliz voce não pode depender de alguém ou de alguma coisa. A felicidade a dois é felicidade que depende, que possue, que é sempre insegura. Que vai acabar. A felicidade com o eterno ( que não é deus nem algum santo ) é para sempre. Não depende de tempo, de lugar, e atenção: nem de voce mesmo. Ela é o momento em que voce deixa de ser voce, em que voce se desvanece.
Atingir esse estado com droga ou ação é depender de coisas. O estado de bem-viver estará preso a droga ou a ação, voce será escravo. Ele deve nascer de dentro de voce, do além de voce, do nada vazio que há em nós, do absoluto zero. Onde não há desejo, tempo, vontade ou imagem.
Eu já vivi vislumbres disso. Em tempo de absoluta solidão. De total falta de dinheiro. De nada para fazer ou planejar. Em que o risco da depressão era constante. Mas foi momento em que consegui ir além da tristeza e da dor. Em que o nada querer e o nada fazer se transformaram em existir. Em que percebi a imensa insignificancia de meus desejos, de minha vida, de todas as vidas, de todo o universo. Em que vi a pequena ilusão de tudo aquilo que parece importante, no caminho cheio de estridencia e bobagens que trilhamos. Vendo tudo isso me deparei com o desespero e o puro cinismo. Mas voce o supera com o budismo. Porque voce percebe que mesmo o desespero e o cinismo é um nada. Voce os ignora.
Há pouco espaço para o amor em Buda. Amor é paixão e paixão é escravidão a um outro. Mas há lugar para compaixão. Nasce um sentimento de respeito ao que importa, e a vida de tudo e de cada um importa, pois todos estão empenhados em transcender a miséria do desejo. A maioria de forma errada. Mas voce também. Um budista não irá te consolar ou te erguer do chão. Ele também não tentará fazer sua cabeça ou se aproveitar de sua fraqueza. Ele seguirá seu caminho e esperará que voce siga o seu. Ele nada tem de cristão.
Apesar de não comer carne e de ser desapegado de amigos, estou tão longe do budismo como voce está. Sou escravo de conforto, de boa comida e de mulheres bonitas. Aliás, sou escravo de tudo o que é bonito. Sou amante desta vida. E temo terrivelmente a morte. Mas já senti, com uma certeza rara, que Buda está certo. Que existe uma paz absoluta onde cessa tudo. E que este mundo é um absoluto engodo.
Sincera e lentamente eu sinto que minha vida caminha para o caminho amarelo. Mas os objetos são muitos e eles me atrasam. Mas eu vou chegar lá. Um dia.

REDE DE INTRIGAS ( NETWORK ) - SIDNEY LUMET

Logo após uma obra-prima chamada UM DIA DE CÃO, Lumet lança em 1976 seu filme para Oscar : NETWORK. Leva os prêmios de ator ( póstumo, para Peter Finch, ator inglês que está impressionante ), atriz para Faye Dunaway e roteiro, para Paddy Chayefski. E numa das maiores zebras do prêmio, perde filme e direção para Rocky, Um Lutador e John G. Alvidsen, o diretor do filme de Stallone. Hoje eu finalmente assisto Network e sou dominado pela força irada e hilária desse propositalmente exagerado filme que bate forte na tv.
Lumet e Chayefski começaram trabalhando em tv. E como todos de sua geração, acreditavam que a tv se tornaria cada vez mais sofisticada, fazendo com que a cultura se tornasse acessível a todo o planeta. Exatamente o que se pensava da internet. Os dois piraram quando viram, principalmente a partir dos anos 70, no que ela se tornou. Os presidentes do veículo, que viviam só para sua empresa, e que ainda tinham algum idealismo, sendo substituidos por grandes conglomerados de acionistas, que nunca pisavam na empresa e queriam apenas o lucro rápido, custe o que custar, para poder vender as ações e saltar fora.
O filme conta a história de âncora veterano que é demitido. Ao se despedir no ar, ele surta, e diz que irá se matar ao vivo na terça seguinte. A direção da tv enlouquece e lhe dá bronca. Mas o diretor é seu amigo e deixa ele ir mais uma vez ao ar para se desculpar. Dessa vez ele faz um discurso irado, expressa a raiva e a impotencia dos americanos e pede para que todos corram a janela e gritem. Numa bela cena vemos as pessoas gritando nas janelas. Está construído um campeão de audiência. Vemos pelo resto do filme, esse ex-ancora e atual profeta, enlouquecer cada vez mais, até ser morto ao vivo. Peter Finch faz esse insano com humor e entrega, e nos dá uma das mais espetaculares atuações do cinema. Morreu do coração pouco antes da entrega do Oscar, já favorito, e venceu. Mas há mais.
Faye Dunaway faz a nova diretora de programação. Uma ambiciosa mulher de negócios, sem vida pessoal, que se envolve com o velho amigo do tal profeta. É hilária a atuação de Faye. Ela revira os olhos e goza quando fala em cifras, transa falando de programação e foge alucinada de tudo que seja vida real. William Holden faz o veterano de tv que se envolve com ela. Um observador da loucura dela e do profeta. Ele tem uma frase genial : - Ela é da geração que aprendeu a viver com o Pernalonga.
Robert Duvall faz o novo chefão de departamento. Consegue dar nuances à um personagem que é repulsivamente frio. A cena em que ele perde o emprego é de antologia.
Assistimos o enlouquecimento não só do profeta, mas da própria tv. Faye negocia com grupo terrorista e lança A HORA MAO-TSÉ-TUNG. E ao final vem a transmissão da morte ao vivo.
O filme exagera. Mas se minha geração foi educada por Kojak e Flintstones, a geração que hoje tem 30 foi criada por Xuxa e Jaspion e a atual cresce com filmes pornô na internet ( onde se vê gente defecando e pisando em ratos vivos ). William Holden diz que noventa por cento da população só conhece a vida via tv. Não lêem livros ou jornais. O que a tela mostra é sua única regra de comportamento, sua educação.
Em 1976 ainda se discutia isso. Hoje sabemos que o jogo foi ganho de goleada pela tv. A internet segue seus passos. Do veículo de cultura que se imaginava nos anos 90, se tornou rede de fofocas, sexo, violencia e jogos. Vivemos pautados pela tela. Nos interessa só o que passa por ela. O resto não existe.
Paddy Chayefski constroi um roteiro exemplar. Ainda não conheço filme tão bom sobre a tv e noto que o estilo visual de todos esses filmes tipo George Clooney é decalcado deste NETWORK.
Obrigatório !

THERE'S A RIOT GOING ON- SLY AND THE FAMILY STONE

Sly explode em 1968 tomando de assalto as paradas dos EUA com uma mistura de funk com soul e psicodelismo. Sua música, alegre e otimista, dançante e viajante, pregava um novo mundo, mundo onde brancos, negros, mulheres, chicanos e indios viveriam em completo estado de fun. Sua banda era um grupo que exemplificava essa afirmação. Negros e brancos tocando juntos, com um batera mexicano e duas mulheres, uma delas no trompete. Em 1969 eles estão no auge, roubam o show em Woodstock e lançam TRÊS !!!! albuns e conseguem TRÊS!!!! Primeiros lugares.
Mas vem 1970 e tudo muda. Sly se tranca em estúdio, gasta uma fortuna em mixagem, descobre os gigantescos e complicadíssimos sintetizadores da época, enche-se de cocaína e torna seu som uma coisa muito menos fun e tremendamente soturna. Lança no fim do ano THERE'S A RIOT e consegue mais um primeiro lugar. Mas é o começo do fim. Vamos ao som.
Primeira impressão. A mixagem é tão diferente, torta, quebrada, que voce vai achar que o disco tem algum defeito. Os instrumentos surgem e somem, o volume varia, os agudos crescem, a bateria quase desaparece, o baixo está alto demais. E o vocal não é vocal. É apenas grunhido e gemido. Bateria eletrônica e muito teclado. E o baixo de Larry Graham, aqui inventando o snap.
Ele é todo dançante e a segunda coisa muito estranha é que ele não tem época definida. Dizer que ele é do tempo de Let It Be ou Let It Bleed é muito estranho. Ele parece de outro tempo. Qual ?
Se EXILE ON MAIN STREET é o disco de rock que toda banda tem de um dia enfrentar, RIOT é o disco que todo artista negro traz como charada em sí. De James Brown a Prince, passando por grupos de rap e cantores de r/b, todos tentaram seu RIOT. É o rito de passagem , o ficar adulto, o se mostrar multi-facetado, e é, sempre, o começo do fim. Todos eles quando fizeram seu RIOT de certo modo, se esfacelaram a seguir. Quando não, terminaram ( Outkast é bom exemplo )
Luv'n haight abre o disco e nela voce já vê a quebradeira e o baixo mandando. Sly grita e geme e grunhe e berra. Nada no disco é canção. Pode-se dizer que é voodoo elétrico. Isso define o disco, ele é tão elétrico que dá choque.
just like a baby é puro sexo. Uma transa molhadaça em lençóis sujos. Sly mia aqui.
poet é das coisas mais lindas da história do gênio humano. O som divaga dentro de seu próprio som e atinge uma introspecção coltraneana. Ouvir isto é morrer um pouco.
family affair é momento de falsa alegria. O disco é de ironia.
asphalt jungle é o som dançante "do futuro". Quanta gente do rap já bebeu aqui ? Um auge de música negra ( mais um ) numa sequencia de faixas que é o auge dos auges.
brave and strong é uma afirmação. Seus ouvidos já se acostumaram com o som anguloso e quebrado. Agora, aqui, é tudo dança. A banda, a melhor das bandas de qualquer cor, está tão afiada que chega a aturdir.
smilin' é doce como veneno. Repare no baixo e tome consciencia : o disco quase não tem bateria!
time é pra se derreter. Hino das cenas dionisíacas de minha vida, abraço de paixão, é triste triste triste. Sly se lamenta, sai do tom, geme atravessado, nunca está cantando. Ele está em perigo sempre.
spaced cowboy é isso. Doidona. LSD hilário e gozação chapada. Dá pra ver que eles se divertiam, mas dá pra ter certeza : o fim está chegando.
runnin away é pausa que refresca.
thank you é o fim. Leio que é a descrição de uma morte a bala. É hipnose. É para nunca se esquecer. Uma longa dança de feitiço, uma orgia solitária, assassinato do Sly original, disparo de revólver. Uma comunhão de baixo e teclado com vozes alucinadas que levam seu cérebro e seus quadrís ao desencontro. Você DANÇA!
Este disco é Public Enemy, é acid music, é rap, é Red Hot Chili, é Massive Attack, Prince, Guru e Outkast. È um de meus top five e é prova de que dá pra ser genial e ainda assim nunca ser chato ou pedante.
Depois deste disco Sly continuou lançando discos. Mas, com o cérebro frito pelo pó, nada mais era sombra ao que ele fizera. Vai ter mais um come back dele neste verão europeu. Reverenciá-lo é obrigatório. O cara não tem rival.

MAX OPHULS/ RIVETTE/ HOMENS QUE ENCARAVAM CABRAS/ MARGARET SULLAVAN

AMEMOS OUTRA VEZ de Edward H. Griffith com Margaret Sullavan, James Stewart e Ray Milland
Acabou de sair em dvd e já se esgotou. Vários milagres ocorrem neste filme. É um melodrama que nunca se torna piegas. Tem uma atuação de Margaret Sullavan que é pura feitiçaria : ela atua sem jamais parecer atuar. Ficamos comovidos com a naturalidade de suas falas e de seu gestual. Toda a vulnerabilidade exposta. Antológica. Stewart e Milland estão muito bem, mas são ofuscados pela atuação histórica de Sullavan. O filme trata de um casal. Ele é jornalista, ela é atriz. O amor os une, mas o que os une é apenas o amor. O filme mostra que isso é pouco para fazer deles um casal feliz. Eles se casam, mas a vida os separa. Raramente o cinema foi tão adulto e muito mais raro é mostrar os desencontros da rotina destruindo o amor. Apesar do final precipitado ( o filme tinha de ser mais longo ) é uma obra-prima. Ao final voce carrega o filme dentro de seu peito. Atenção : ele jamais ameaça fazer chorar. Mas nos toca de forma mais profunda. A cena do reencontro ( mais um ) é de antologia. Sullavan foi uma gigante. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!
HOMENS QUE ENCARAVAM CABRAS de Grant Hesley com George Clooney, Jeff Bridges, Ewan McGregor, Kevin Spacey
Filme de doidão. É uma tentativa de se fazer um filme dos anos 70 em 2010. Claro que foi um fracasso. Os atores estão excelentes, mas essa sátira à guerra, sobre batalhão de soldados psíquicos naufraga na falta de estilo e de ritmo. Algumas boas idéias não salvam o filme da chatice geral. Nota 2.
A BELA INTRIGANTE de Jacques Rivette com Michel Piccoli, Emmanuelle Beart e Jane Birkin
De todos os diretores da nouvelle vague Rivette é o mais chato. Este premiado filme leva tres horas e meia para mostrar um pintor pintando uma menina nua. Claro que o filme fala sobre o processo de criação, sobre as relações de homem/mulher, sobre a inspiração. Mas pra mim, é um pretesto para se exibir Beart nua. Emmanuelle Beart é a atriz mais bela dos anos 90 e o filme exibe isso sem nenhum pudor. É o que ele tem de melhor. No mais, pincéis, taças de vinho, belas casas de campo, e conversas desinteressantes. Emmanuelle é linda. Nota 3.
ÓDIO NO CORAÇÃO de John Cronmwell com Tyrone Power, Gene Tierney e George Sanders
Se Beart é a mais linda atriz dos anos 90, talvez Gene Tierney seja a mais linda de sempre. Cada close dado em seu rosto exótico ( ela tinha sangue chinês e americano ) provoca a certeza de que a beleza é mesmo para sempre. O filme, em seu estilo perfeito, fala sobre garoto injustiçado, sua fuga da Inglaterra e a fortuna conseguida nos mares do sul. Termina com julgamento e vingança. É o filme popular com história, o filme povão que nunca apela, o filme que satisfaz o cara que procura só um passatempo e diverte o cinéfilo. Tipo de cinema industrial do qual sinto falta. O filme que tem ação e romance, bom roteiro, produção cara e atores de carisma imorredouro. Foi isto que fez de Hollywood mito. Relaxe e goze. Nota 8.
CORAÇÃO PRISIONEIRO de Max Ophuls com Barbara Bel Geddes, Robert Ryan e James Mason
De vez em quando um diretor do passado se torna moda. Junta-se ao panteão dos intocáveis ( Bergman, Kurosawa, Welles, Wilder... ) algum diretor mais ou menos esquecido e se começa a divulgar sua genialidade. Nos anos 70 foi Ozu, nos 80 Michael Powell, nos 90 Melville e agora é Ophuls. Interessante notar que é sempre um ou mais diretores que chamam a atenção para o diretor quase esquecido. Ozu por Wenders, Powell por Scorsese e Coppolla, Melville por Tarantino. Max Ophuls, alemão que fugiu do nazismo e fez uma série de filmes na América, depois retornando a Europa, é amado por Todd Haynes e Baz Lhurmann. O estilo Ophuls está presente explicitamente nos dois. Os filmes de Max são femininos. Há um cuidado com vestuário e cenário, um modo de movimentar a cãmera em ritmo de melodia, uma atenção a sentimentos não ditos, uma delicadeza encantadora. É um cineasta que expressa frustração, raiva engolida, tudo aquilo que deveria ter sido e nunca foi. Estranho observar que a vida de Ophuls foi exatamente como seus filmes, frustrante. A história fez com que seu talento se perdesse. Pois ao contrário de Billy Wilder ou de Fritz Lang, Max jamais se adaptou aos EUA. Este filme fala de um milionário louco que se casa com moça vulgar e carreirista, apenas para contrariar seu analista freudiano. Sabemos que Ophuls tentou trabalhar com Howard Hughes. Sabemos que Hughes o humilhou. E vemos Robert Ryan em 80 minutos fazer um Howard Hughes com a complexidade que as 3 horas de Scorsese e Di Caprio não atingiram. Ryan mostra um homem cruel e sádico, torturado e muito isolado. O filme também fala do amor ao dinheiro ( ela quer crer que o ama, mas ama apenas seu poder ) e não a toa, a primeira imagem deste brilhante drama é a de Barbara, em apartamento pobre, vendo os anúncios da Harpers Bazaar. A câmera de Ophuls se mexe todo o tempo, atravessando paredes, subindo ao teto, dando closes e planos gerais. E nunca nos sentimos incomodados por isso, mal o percebemos. Este filme foi fracasso na época, hoje está justiçado. É um belo drama. Nota 9.
SANGUE NA LUA de Robert Wise com Robert Mitchum e Barbara Bel Geddes
Western de sombras escuras que fala de disputa por gado e terra. Mitchum é o pistoleiro que muda de lado. Wise dirigiu de tudo : musicais, comédias, sci-fi, terror, guerra, filme de espiões, romances. É dele A Noviça Rebelde, Jornada nas Estrelas e West Side Story. Fez tudo muito bem, mas nunca com genialidade. Este é um western impessoal. Dá pra ver, nunca aborrece, mas se esquece em seguida. Nota 6.

OSCAR WILDE - TEATRO

Entre 1880 e 1910 o homem atingiu seu ponto de maior brilho. Se preciso lhe explicar o porque, é sinal de que voce não faz idéia do que seja brilho ou homem. Não faz mal, voce tem sobrevivido mesmo assim.
Para todo o mundo fora das ilhas britânicas, Oscar Wilde é o autor de Dorian Gray e de alguns contos simbolistas. Para os ingleses ele é o autor de teatro mais amado após Shakespeare. Esse fato mostra a diferença entre a Europa e a ilha.
Como contista e autor de Dorian, Wilde é muito bom. Às vezes fascinante. Como autor de comédia teatral não tem igual.
Acabo de ler SALOMÉ, O MARIDO IDEAL e A IMPORTÂNCIA DE SER PRUDENTE. Me calo sobre Salomé. Drama poético enfadonho. O Marido Ideal já é Wildeana. Prudente é uma obra-prima.
Oscar Wilde foi um superstar antes do rádio e do cinema. Fazia tours pelo mundo onde se exibia em teatros repletos. Conferências e palestras sobre arte, estilo e poesia. Foi o primeiro artista a dizer que sua arte era secundária, sua obra-prima era sua vida. Todos hoje tentam ser Oscar Wilde. Ninguém sabe como ser.
Ele pregava o esteticismo. A beleza como bem supremo. Sendo belo, tudo é desculpável. Nada tem mais profundidade que a aparência. A arte deve ser bela. Não necessita de moral, filosofia ou sentido. Ao artista compete produzir beleza.
O pintor James Whistler seguia seu credo. Sua obra e sua casa ( e sua aparência também ) são esteticismo puro. O ilustrador Aubrey Beardsley ( que tem desenhos soberbos reproduzidos em Salomé ) é de uma sofisticação estética imbatível. Mas foi Oscar o papa arauto desse credo.
1880/ 1910 é tempo de auge humano porque é época em que as classes dirigentes do mundo possuíam o máximo de educação. O povo tinha uma educação grotesca ( como continua tendo ) mas os ricos e poderosos estudavam em escolas exclusivistas, exigentes e muito duras. O mundo atingiu seu apogeu porque nossos líderes eram muito bem educados. Ler os discursos de politicos da época, sejam ingleses ou brasileiros, americanos ou egipcios; e ler o que senadores e ministros falam hoje, é observar o nivelamento sob o mínimo que o século XX trouxe. Tempos POP jamais produzirão Churchill ou Roosevelt. Devemos nos submeter a Berlusconi e Lula.
Não ficarei citando as frases que cintilam em Prudente. A peça mostra a classe privilegiada fazendo absolutamente nada. O humor nasce da falta de sentido em tudo o que é falado, no inesperado em que corre todo diálogo, na leveza borboletante de sua ação. Toda a comédia mais brilhante do cinema tentou ser Wildeana.
Os melhores ingleses ( e sei que Oscar era irlandês ) pensam ser Wilde. Eles gostam de se imaginar como borbulhantes espirituosos, desajeitados romanticos, introvertidos poetas. Como estrelas esnobes e faiscantes estetas decadentes. Mas ninguém, nem mesmo Waugh ou Wodehouse, conseguiu se aproximar da absoluta maestria de Wilde em escrever sobre absolutamente nada.
Ler A IMPORTANCIA DE SER PRUDENTE é como assistir MY FAIR LADY : aula de bem-viver.
Oscar Wilde é total e irresistivelmente prazeroso. Nesse enredo de dois amigos que vão ao campo para propor casamento a duas mocinhas adoráveis, somos convidados a amar o cinismo, a mentira, a falsidade, o interesse e a frieza. Desde que tudo seja feito com tato e gosto, tudo é permitido. Ao fim do texto concordamos com Oscar. Se bem dito, o revoltante é inebriante.
De Wilde, nestes tempos Wildeanos, se pegou o menos perigoso. O culto ao star, a fé de que maior que a obra é o artista, e uma afetação esnobe. Mas se esquece que tudo isso vinha com a genialidade de se unir idéias contrárias e fazer nascer uma nova verdade, o humor fino que é feroz mas é sempre elegante, a construção de trilha de ironia e de ambição.
Ele só foi possível em mundo otimista. Aplaudir ao divino Oscar é nossa devoção.

CONTEMPLAR

... parou e observou que sobre as nuvens deveriam viver deuses. Isso enquanto suas ovelhas pastavam e seus peixes secavam ao sol e no sal. Contemplando a vida, desperdiçando seu tempo, ele sentia a sublimidade de tudo, a sua própria atemporalidade.
O espírito cresce enquanto olhamos sem desejar nada, no momento em que deixamos o olhar vagabundear pela vida. Nossa visão lambe as coisas da vida e elas passam a responder, falam com nossa alma que folga na vida.
Heidegger diz que isso se perdeu. O mundo quer, hoje mais que nunca, que nosso olhar veja apenas o objetivo, o que interessa, o trabalho que é útil. Então voce nem percebe a árvore que caiu ou o prédio sem razão. Voce apenas olha objetivamente : uma vaga para seu carro, o relógio que corre e um corpo que acende seu desejo. Voce passa pela vida penetrando nas coisas, comendo as coisas, querendo as coisas e se transformando numa dessas coisas. E será comido, querido, penetrado e transformado.
Se contemplamos somos contemplados. A onda se torna nós, o sol se torna nós, o vento se torna nós.
Mas o patrão quer que voce deixe de ser bobo. Deve produzir e quem produz nada pode contemplar. No século XVIII voce começa a ser obrigado a não contemplar mais, no século XIX voce luta por contemplar, tenta reverter a história, no século XX voce perde o dom da contemplação. No XXI voce não se lembra mais do que seja isso. As nuvens perderam seus deuses e agora essas nuvens nem mais existem em sua vida. Foram embora.
Não se contempla uma lâmpada. Não se contempla uma TV. E nem a tela do computador. Mas se podia contemplar a chama da vela, a janela da casa e uma página em branco. Voce olhava a chama e via sua saga de amor, e pela janela entendia a rua e a cidade. A página em branco lhe fazia dialogar com sua alma. Não existe contemplação na eletricidade. Só é possível a ação. O trabalho.
É necessário o resgate desse dom que é nosso maior tesouro. Mas nunca olhar um jardim com hora marcada ou ver o mar como possibilidade de se fazer algo. É preciso vagar a vista pela vida, ver o que não se pensou querer ver, deixar o olho levar a mente a perceber.
Nossa arte nada contempla mais. A pintura tornou-se discurso e o cinema é parque de diversões. Tudo é eletricidade que nos leva ao trabalho físico, ao esgotamento, a pressa.
Cesse a atividade e olhe a pedra ou um pente no banheiro. Observe o desenho do azulejo e o movimento da cortina ao sol. A rachadura no cimento pode ser a chave para algum novo caminho. O homem se fez assim : olhando/contemplando o mundo e vendo por trás de tudo um outro mundo. Filosofia, religião, arte.
Nunca precisamos tanto de poetas.

SATURDAY NIGHT FEVER ( NADA FOI MAIS ODIADO, PORQUE SERÁ ? )

Em 1977 tivemos o punk, com seu ódio a Yes/ Floyd e Led. Mas quem ouviu Sex Pistols e Clash sabe : punk era/é rocknroll. São guitarras altas e vocal macho cuspindo rebeldia sincera ou não. A turma da velha-guarda ( que tinha só 28/30 anos ) se ressentia do punk, mas o entendia.
Em 1977 tivemos a disco music e aí é que a coisa pegou. Em todos esses anos eu nunca mais ví nada em música ser tão odiado. Nem funkdorio ou axé foi tão perseguido pelos "inteligentes" roqueiros sinceros. Queimavam-se discos de discoteque em estádios, faziam-se protestos, festas anti-disco, discos contra a música dançante.
Porque ?
Eu lembro que adorava Led/Stones e Rod. Portanto deveria odiar a disco. Mas eu sentia que alguma coisa não estava certa. Algumas músicas eram muito boas e era tudo tão divertido ! Demorou para que eu percebesse o que se passava : o libertário e jovem rocknroll se aburguesara. Ele odiava a disco por ser coisa de preto/pobre/gay e inculto. Tudo era preconceito.
Rock era guitarra e dor. Disco era ritmo ( feito por montes de instrumentos ) e prazer.
Rock era branco e inteligente. Disco era mestiço e alienado ( era ? )
Rock cantava desejo como violencia e machismo. Disco cantava desejo como frescura e festa.
E o principal : pela primeira vez surgia uma música pop e jovem que não era filha dos velhos caras do blues e do folk, ela nascia do gueto chicano, da favela do Harlem, de Miami. Toda a raiva roqueira era a raiva do filho mais velho que vê o irmão caçula ignorá-lo. Ao contrário dos punks, que ao "odiar" o rock lhe davam valor, a disco ignorava-os.
Assiti o filme de John Badham oito vezes no cinema. Matando aula com amigos no Gazeta ( devo ser do tempo de Ramsés...fomos de carona !!!! Pedíamos carona na rua, e conseguíamos ! ) com minha mãe no Cal-Center, no Iguatemi sózinho, com os mesmos amigos no Gazetão.... cheguei a decorar os diálogos e na sala as pessoas se levantavam e dançavam durante as cenas de dança.
Sim, eu sabia todos os passos e cheguei a ter meu colete branco, a calça com vinco, o paletó de lapelas largas, a corrente de ouro no peito de camisa aberta... Ficava horas me preparando para sair. E com o cabelão de fã do Led Zeppelin !!!!!
Porque eu tinha esse problema : via o filme de Travolta oito vezes mas continuava ouvindo Sabbath e Johnny Winter. E detestava o conformista John Travolta, o moleque que destronara Steve McQueen, Redford e Pacino.
O sucesso de filme e disco foi avassalador. Durante dois anos só se falava nisso. Os críticos ignoraram tudo. Na época crítica e bilheteria eram coisas distintas. Hoje o filme seria indicado a prêmios e levado a sério. Na época não. Filme pop tinha de ser filme ruim.
E música pop tinha de ser lixo. Será ?
Em 1980 já falavam que a disco estava morta e esquecida. Mas penso em Madonna, Michael Jackson e Prince. Eles tinham o visual e a sexualidade de Sylvester, Jimmy Bo Horne e esse inacreditável Rick James. E vieram os Mantronix, Duran Duran, e depois a onda pop do final dos anos 80 com Soul to Soul e C and C Music Factory. E mais..... Rick Astley, Dee Lite....
Quem me lê sabe que não consigo seguir as "novas" bandas. Tudo o que vem do pós-punk, new folk, psicodelismo, indie, etc me dá um sono danado. É música boa pra quem tem menos de 25 anos, quem começa agora a ouvir rock. É a música de guitarra/baixo e batera de sempre.
Mas a linha evolutiva que vem do funk, do som da Philadelphia e da disco, da disco de New York com seu baixo pesado e seus vocais gritados, da euro-disco, cheia de synths e de vocal gelado, isso ainda me interessa. São os caras que adoram a paixão viril do rock ( quando há ) mas são também seduzidos pela doce sensualidade hermafrodita da discoteque.
O filme é muito melhor do que voce pensa. E Travolta está excelente. Mostra-se o mundo pobre de NY. Gente sem governo, sem país e sem família funcional. E que joga tudo pra fora sendo um rei numa pista de dança. O filme mostra então o nascimento de uma cultura de club que existe e existirá ainda por muito tempo. Mais vaidosa, mais hedonista que a de hoje. Menos deprimida e mais pobre. Feliz.
SATURDAY NIGHT FEVER é dos meus filmes "calcanhar de aquiles". Filmes que adoramos mesmo sabendo que tanta gente "culta" os despreza. Filmes como UM TIRO NO ESCURO, PRIMAVERA PARA HITLER, VIAGEM AO CENTRO DA TERRA, GOLDFINGER ou DURO DE MATAR.
Eu adoro SATURDAY NIGHT FEVER. Adoro Travolta e adoro até os BEE GEES. Parte de mim está lá. E talvez seja a melhor parte.

OS MALDITOS UNITED/ O SEGREDO DOS SEUS OLHOS/ CROSSFIRE/ JOHN FORD

CROSSFIRE ( RANCOR ) de Edward Dmytryck com Robert Young, Robert Ryan, Robert Mitchum e Gloria Grahame
É um muuuuuito bom filme. Uma lição de direção segura, com garra, e de atores perfeitos em seus papéis bem escritos. Se voce quer se iniciar no filme noir é esta a escolha. Nota Dez.
TIRAS EM APUROS de Kevin Smith com Bruce Willis e Tracy Morgan
Chegou a passar aqui ???? No século passado este diretor chegou a ser levado a sério. O trágico foi que ele começou também a se levar a sério. Mas aqui não. È uma bobagem assumida, uma comédia policial sobre dupla de tiras e tráfico de drogas. O filme seria bem melhor se esse tal de Tracy não estivesse presente. Ele é péssimo !!!!! Bruce faz o que sempre faz : John MacLane. Quer saber ? Tem até que boas piadas. Numa tarde de domingo em dvd até que desce. Nota 5.
O SEGREDO DOS SEUS OLHOS de Campanella com Ricardo Darin
Uma bela história de amor ( sim, é de amor ) que tem várias cenas ( as melhores, inclusive a excelente cena no estádio ) tiradas de Kurosawa. Mas não é uma obra-prima como alguns dizem. Não é, porque se trata de um filme igual àqueles que os italianos faziam às dúzias entre 55/75. Uma dose de romance, pitadas de pieguice e colheres cheias de politica. Em tempos de big business este filme se destaca por parecer ir contra a corrente. Não é, como parece ser obrigatório hoje, pura ação vazia, e também não é filme de arte cabeça, que é a segunda opção de nosso cinema atual, é apenas uma bonita história. Campanella tem talento para mostrar cenas de amor travado e dirige os atores com delicada atenção. É um bom filme. Nota 7.
O PRISIONEIRO DA ILHA DOS TUBARÕES de John Ford com Warner Baxter
Estamos no mundo de Ford. E é um Ford dos anos 30. E foi um dos poucos fiascos de Ford. Entende-se o porque : é uma história triste, sobre injustiça. Fala do médico que foi preso por tratar da perna quebrada do assassino de Lincoln. A fotografia expressionista de Bert Glennon é soberba e Ford conta sua história economicamente bem. O cenário da prisão na ilha tem um design soturno, uma delicia ! Nota 7.
OS MALDITOS UNITED de Tom Hopper com Michael Sheen e Timothy Spall
Filme de 2009 que não passou por aqui. Fala de Brian Clough, o melhor técnico inglês que a seleção inglesa "não teve". Vemos sua carreira entre 68/74. Um muito vaidoso técnico de futebol, que leva o Derby County da segunda divisão ao campeonato da primeira e a semi-final da euro contra a Juve. Depois ele vai para o Leeds ( que é o maldito United ) o grande time vencedor da época ( jogando sujo, violento, feio ) onde fracassa. Para quem viu e gosta do verdadeiro futebol inglês, o filme é obrigatório. As cenas de pancadaria ( o filme intercala cenas reais com ficcionais ) no incio do filme, ver Kevin Keegan jogar pelo Liverpool...é maravilhoso ! O futebol inglês ficou fora das copas de 74 e 78 e este filme mostra porque : eles jogavam o futebol mais violento, tosco, manhoso da história. Uma delicia ! Vemos o bandido Billy Bremmer e o assassino irlandes Giles, a lama de péssimos gramados, os socos, cabeçadas, chutes, cuspes... Ah !!!! Quem matou essa Inglaterra tosca ? Time que tinha como grande objetivo vencer a Escócia no torneio das ilhas, time que pouco se lixava para o resto do mundo. Pra onde foi tudo isso ? Aqueles açougueiros zagueiros, aqueles atacantes pernetas, os goleiros e seus chutões até a outra área..... Os cabelos sujos e longos ao vento, as camisas sem patrocinio ( que linda a vermelha do Liverpool sem nada a manchá-la ) a torcida bêbada.... Estará o mundo se tornando Castrati ? Sábados de manhã na Globo, Inglaterra X País de Gales.... carrinhos e mais carrinhos, todos maldosos..... bem, me excedi. Para quem gosta disso tudo o filme é ótimo. Quem não gosta, sai fora !!!! O roteirista é o mesmo de A Rainha e Frost/Nixon. Em tempo : em 1978 Clough foi para o Nottingham Forest. Sabe o que ele fez lá ? Bi-campeonato europeu ! O único inglês a conseguir isso ! Bi !!!!!! No Forest !!!!! 79/80 !!!!! Nota 6 ( como filme )

CROSSFIRE - DMYTRYCK, A VIRILIDADE DO CINEMA NOIR

O cinema é dividido em gêneros : drama, comédia e aventura. Esses gêneros se misturam, comédia de aventuras, drama aventureiro, tragi-comédia.
Dentro do cinema existem as sub-divisões : no drama temos o drama de tribunal, o drama político, o drama familiar, o histórico, o existencial. A comédia maluca, a comédia de situações, a de boudoir, a italiana, a chanchada, o pastelão. E a aventura-western, o filme de piratas, a aventura de sci-fi, a aventura de horror e o suspense.
Existem filmes, bons ou não, que embaralham gêneros. Oito e Meio seria drama, comédia e filme existencial.
E existe o filme noir, que é drama, mas também é aventura policial. CROSSFIRE ( RANCOR ) de Edward Dmytryck é um dos cinco melhores e é porta de acesso para os infelizes que jamais conheceram as delícias desse cinema.
O filme. A primeira cena já nos prende. Sombras numa parede : um homem é espancado até a morte. Toda a fotografia do filme é estilizada, sombras e cenários ordinários. Estamos no mundo dos filmes mais viris já feitos.
Sim, mais que filmes de guerra, que têm sempre algo de adolescente ( por mais cruéis que sejam, há sempre a camaradagem e o aspecto de jogo de jovens provando virilidade ) e mais que westerns, que estão sempre imersos na poesia da solidão e do sacrifício, é o noir o tipo de filme que melhor exibe a alma do que seja " ser homem ". Ou do que era isso.
Não comentarei o medo da mulher que existe em todo noir. Falarei do modo como eles mostram, sem alarde ou pretensão, de um modo econômico, a condição existencial do homem. Um ser solto nas ruas, sem grandes ilusões, livre, porém estranhamente preso, atado a solidão, atado a um passado sem brilho, comprometido com a sobrevivencia.
RANCOR trata de um crime. Da investigação de um policial tranquilo e boa gente, de soldados que acabaram de voltar da guerra, e principalmente de racismo. O filme é um dos primeiros a ter a coragem de tocar nesse tema. Mas o que vemos são prostitutas, bares de jazz, delegacias, apartamentos vazios, ruas, táxis e lanchonetes. Não existem famílias, não há natureza ou jardins, nada de amores risonhos. É mundo urbano, seco, noturno, feroz. Ninguém é sorridente. Há humor, mas é riso de bilis.
Seneca assombra cada cena de um bom noir. E também algo de Nietzsche. Mas é um Nietzsche americano, menos prolixo, menos " culto". O que num filme europeu seria discurso, aqui é vazio.
Os três Roberts do elenco estão soberbos. Robert Young é o policial. Calmo e metódico. Robert Ryan é o assassino. Grande ator que foi, Ryan é máscara de ódio cego, de burrice orgulhosa. E temos mais uma vez Robert Mitchum. O safo Mitchum, imagem de homem que viu tudo e sobreviveu. E ainda temos Gloria Grahame, que faz uma puta que é ilha de raiva.
Dmytryck, o diretor, foi dedurado por Sam Wood. Wood o acusou de comuna no MacCarthismo. De vítima Dmytryck se fez algoz : passou a dedurar. Sua carreira naufragou. RANCOR é o último filme feito antes do maremoto dedurista. Nada nele é exibicionista. Dmytryck conta sua história ( de Robert Aldrich ), não faz nada em excesso. O filme tem a duração exata, os atores certos, a montagem que funciona. Esquecemos estar vendo um filme.
O noir é hoje impossível ( e todo ano são feitas, de Spirit a Sin City, tentativas de o reviver ) porque a virilidade não se manifesta mais de forma noir. Hoje ela é muito mais histérica, deselegante, explosiva.
Fica este filme.