O MORRO DOS VENTOS UIVANTES - EMILY BRONTE, O MELHOR ROMANCE DESTES MUNDOS

Pedra.
Por detrás de todo rosto empedrado existe a chaga podre. Conhecer o céu e vê-lo ser fechado para sua vida. A porta de madeira batida contra seu rosto. O fim. Ter de olhar para baixo e caminhar, sem vontade, rumo ao inferno. Tecer armadura de ferro pesado e criar cara de pedra. Sua voz será desdém pelos fracos. Eis o único caminho. A pedra.
Porque tudo acaba. Tentamos nos enganar, mas tudo se vai. A alma de quem mais lhe era preciosa se fecha em abismo. Anda e se vai sem olhar. Suas lágrimas endurecem e criam um rastro rochoso. Rindo entre pessoas voce sabe : sua vida está encerrada. Na rocha.
O ódio ao mundo. Voce vê o destino de tudo que agora brilha. Esquecimento. Sabe que todas as coisas serão vazio. Imemória da vida. Mas a sua maldição, a pior ? , é a de jamais poder se esquecer. Só existe um amor para cada coração. Todos os outros são atos desesperados. A tentativa de reanimar um ser partido. A ilusão de se ver aquilo que se fez invisível.
Quem tem a coragem de mergulhar no abismo ?
O MORRO DOS VENTOS UIVANTES é a história de todo coração partido. E de toda coragem irascível. Lido aos 15 anos, na minha era da lama e da névoa. Relido sempre. CATHERINE...HEATHCLIFF....eu sou Heathcliff.... eu sou pedra.
Criar seu próprio universo em sua solidão. É preciso pedra para edificar paredes que resistam ao tempo. Senhor de um globo feito de neblina e sol pálido. Tudo é lama e saudade. Tudo é raiva e vingança.
Porque fui rei da felicidade e hoje sou blasfemador do destino. E o que vejo são partidas, mortes, adeus, brisa tornada muro. Ter de rir do amor, voce que vivia só para ele.
Saiba : detrás de toda face irascível há uma criança desiludida. Erguer o queixo para não cair no vazio. Aprender a ser um destino.
Uma geração atrás. Apenas uma. Eu andava na idade média. Sombras de fogueira na parede, pés nús sobre a neve, candeeiros e bruxarias. Essa riquesa não tem preço. Eu ví a treva da alvorada morta e conhecí a fé no além. Meu pai veio da carroça de burrico e meu avô da pedra cortada a mão. Minha avó bradava maldições e minha mãe sabe o preço de se esbarrar com tifo, desnutrição e nudez na neve de janeiro. Meu sangue conhece a viuvez de toda uma vida, a honra ferida que se paga com a morte, a promessa que tem de ser seguida.
Sou velho como o vazio. Esse é meu ouro e minha cara de pedra.
Mas tenho, sendo um burrico e um lobo, de viver em mundo de aço, asfalto, velocidade e finais. De onde venho TUDO É PRA SEMPRE. Assim me ensinaram. Mas aqui e agora, nada é para sempre. NADA SEMPRE. Maldição de Heathcliff, o mundo que herdei me é odioso.
A casa de pedra me espera no alto do monte. O norte de Portugal ou o norte da Irlanda. Onde nada se dá e onde damos tudo de nós. Onde a alma de Catherine me espera. Para sempre me espera e para sempre lá estarei. Pois toda esta vida é espera...
Jogarei tudo ao fogo e destruirei esta cara de pedra. Quebrarei a janela e me jogarei para ela...
O MORRO DOS VENTOS UIVANTES é sobre a alma.

THE PRETZEL LOGIC - STEELY DAN

Fácil dizer o que o Steely Dan não é : banda de rock, grupo de jazz ou música pop. Mas também nada tem de vanguarda, de folk ou de simples. O que eles são afinal ?
Dá pra dizer que eles odiavam tocar ao vivo. Eram desajeitados e muito feios. Raras bandas foram tão pouco glamurosas. Mas dá pra dizer uma coisa que eles faziam : um tipo de som "de luxo", refinado, macio. Como na mpb, não há ódio no Steely Dan, porque neles tudo soa harmônico.
Na verdade eles eram um duo : Donald Fagen e Walter Becker. E um bando de músicos escolhidos a dedo. Gente do jazz. Mas eles faziam jazz ? Nunca. Então o que tocavam ?
Nasceram em Boston, o que quer dizer muito. Cultura. E eram maconheiros exaltados. Leitores maconheiros. Começa a entender ? Aquele tipo de cabeludo não-hippie mas que fica chapado e é anti-capitalista. Porém o som deles nunca é muito-louco. É muito bem tocado e usa o formato pop. Quatro minutos com refrão e solo curto. Pegajoso.
Pop ? Com esse vocal de quem não tem voz ? Mas que TomJobinianamente coloca a voz ruim sempre no tom exato. Pop ? Com essas mudanças de andamento constantes e letras que são compêndios universitários ? E refrões muito complicados... e magnificamente bem arranjados.
Venderam muito em seu tempo. E hoje são sampleados a toda hora pelo povo do rap. Seriam eles funky ?
O disco tem um vendedor de rua na capa. Pretzels. Capa feia e ao mesmo tempo bela. Fria. Rikki dont lose that number abre o disco. Riff de piano. De gênio. Tá dado o tom. Música bonita e bem feita, mas... mutável. Night by night é noite em Chicago andando de Cadillac. Any major dude é obra-prima de sóbria e madura melancolia. Linda de doer. Tem um arranjo quase medieval e quase freak ( Pode ? Pode ! ). Maduros. O Steely nasce adulto.
Barrytown é festeira e otimista e vem um cover de quem ? Duke Ellington !! Lembremos : O Steely tem a culpa de ser matriz do pop mais vulgar da história. O pop yuppie dos anos 80. Mas o Steely Dan jamais é vulgar ou yuppie. É perfeitamente brilhante.
Parkers band. O disco cresce. Exibição de música elétrica. Voa. Through with buzz é adendo para a obra-mestra : Pretzel logic, hino de inspiração de alguém ( Fagen ) que sabe tudo de harmonia. O dude é inspirado demais !!!!! With a gun é música de cowboy. Mas é cowboy urbano, nada country. Made in Boston. O som do Steely Dan é almofadinha. Sem jamais ser careta. Muita erva.
Charlie Freak é fôlego novo e o disco termina com Monkey in your soul que é psicodelismo inteligente e sob controle. O Steely Dan nunca perde o controle, ele é hiper ensaiado, hiper profissional, mas é sempre vivo.
Mas o que é o Steely Dan afinal ?

COXINHAS E MENINOS - ROQUINHO INGLÊS

O cara é feito de doce de leite com calda de flor de laranjeira. Seu rosto, macio, jamais expressa raiva, perigo, maldade. Tudo nele é "amor".... ele é sublime.... ele é um boçal !
A Veja tem matéria sobre os coxinhas, que nada mais são que os que chamo de "meninos". Aqueles seres inocentes, que nunca saem dos 12 anos de idade, vivendo sempre em mundinho de lágrimas sem tragédia e risos sem perigo.
São bons. Como chá de erva cedreira. E são úteis. Como um band-aid. Se voce os cortar sairá água e não sangue. Se deixam escapar um palavrão logo se desculpam. Para eles "all you need is love". Púberos enrugados.
Sua música é puro Elton John. Mas Elton perto deles é um perigoso rebelde. Elton é uma bicha-velha. Foi um pavão de muito mal gosto. Eles não podem ser bichas. No fundo são carolas. Coroinhas. Aquilo que nas velhas escolas inglesas era a alegria dos veteranos. Eles são sempre os Beatles antes de conhecer Bob Dylan. Filhinhos da mamãe.
Que triste coisinha se tornou o roquinho inglês ! Uma receita que une o U2 e MacCartney... e Smiths sem ironia.
Todos os rebeldes puxaram o carro. Os nerds tomaram conta. Música sem pau, que adocica seus sonhos de amor fofo e paz no mundo. É o mais careta aspecto do conformismo mais ridículo.
É por isso que eu adoro Amy Winehouse. Ela está sózinha nessa briga. Ela é Serge Gainsbourg com vagina e nascida na época errada ( e do lado errado do canal. Os franceses a entenderiam melhor ). Mas a Inglaterra, que já foi terra de inacreditáveis Madness, Keith Richards e Happy Mondays, gente suja, gente baforenta, gente de alma satânica, hoje é terra de Babys Johnsson de talco e fralda. De Coldplay, Keane, e fofuretes afim. O pior saudosismo dos anos 70 travestido de embalo para reaças.
Vá assistir o Cold. Ele vende quase tanto quanto ABBA e BEE GEES. O público é o mesmo. O rótulo é outro. O roquinho inglês mata.

A SEXTA SINFONIA - BEETHOVEN

Em tempo de flacidez, em época de artistazinhos bonzinhos, é primordial ouvir e penetrar no titânico universo de Beethoven.
O artista até então, mesmo se possuindo egos colossais como Michelangelo ou Rembrandt, era ou um devedor de favores ou um exótico divertido. Um serviçal, seja pelo nobre ou seja por Deus. E noto que o rock e o cinema de hoje são lacaios do gosto comum. Bom....continuando....
Em tempo napoleônico, Beethoven irrompe berrando aos quatro cantos : SOU TÃO GRANDE QUANTO NAPOLEÃO! FAÇO O QUE QUERO E DO MODO COMO DESEJAR! Ele coloca o desejo no centro do mundo, sua missão tem um só objetivo, o de desenvolver seu espírito.
Porque na Alemanha ? Goethe faz mais ou menos a mesma coisa. Penso que na Alemanha se uniu um tipo de admiração/ódio por Napoleão, uma mistura de racionalismo e misticismo e um surto de desenvolvimento econômico. Beethoven cria sózinho, e isso é muito revolucionário, o público pagante. O artista não mais se rebaixa, se alguém quiser vê-lo, pagará por isso.
Ele era intragável. Um gênio vaidoso, arrogante, vulcânico. Como todo talento genuíno, sua alma o absorvia ( e absolvia ). Um planeta sem Beethoven não vale a pena. Ele fez deste mundo um lugar mais suportável.
Chovia muito quando ouvi a sexta pela primeira vez. Me molhara ( na verdade quase me afogara ) na volta da escola ( Mackenzie ). Havia recém brigado com TODOS os meus amigos. Vivia um mundo beethoviano. Na amarelada sala de casa, coloquei o disco e me deixei ir.
Logo percebi que ao contrário dos clássicos ( Mozart, Haydn, Haendel ), Beethoven não convida-nos a escutar. Ele não seduz, ele se intromete e se afirma. Tudo em sua música é violência. Não há sofrimento em Ludwig, há tragédia. A alegria é desregramento e ele jamais termina com ponto, é sempre uma exclamação. Mas o principal, ele harmoniza a violência, harmoniza o desespero e traduz beleza. Nos dá a chance de vivenciar o sublime em estado bruto. Beethoven é como um mapa que nos leva ao centro de nossa própria sublimidade. Esse monstro de narcisismo se revela um deus de generosidade.
A sinfonia tem lagos, riachos, raios de ira, maremotos e gotas de orvalho. Ele se faz Júpiter. Mergulhar nessa música é saber o quanto de voodoo toda música tem. Você sai do outro lado como se ungido por mel e lava. Outro. Da religião dos renascidos em Beethoven.
Com o tempo o compositor de Bonn, o irascível gênio alemão, se tornou um tipo de continente terráqueo. Ele está lá. Estará enquanto o planeta existir. Sólido, rígido, fértil. Sim, ele é o falo da música ocidental. É o que existe de mais potente em música.
O século XXI precisa de Beethoven. Para recordar o tamanho que podemos atingir. O quanto temos de divino e de satânico. Ele é o homem central de nossa cultura. Ter em sua história alguém como Beethoven dá à Alemanha a inveja do universo. Para o bem e para o mal.

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

MURPHY ANDERSON, JOE KUBERT, GIL KANE, FRANK GIACOIA, CARY BATES, JULIUS SCHWARTZ, SAL BUSCEMA, JIM STERANKO... nos meus 12 e 13 anos eu tive apenas um único objetivo : comprar revistas da EBAL.
A Editora Brasil América. Ela lançava os heróis da National e da Marvel no Brasil. Toda segunda-feira era meu dia feliz. O dia de ir às sete da manhã na banca do "Negrito" para comprar três revistas. HOMEM-ARANHA, SUPERMAN, BATMAN, TARZAN, DEMOLIDOR, CAPITÃO AMÉRICA, KORAK, THOR, QUARTETO FANTÁSTICO... e da editora RGE eu pegava O FANTASMA e MANDRAKE.
Chegava em casa e sentia o cheiro doce de papel recém impresso, de tinta. Lia. O coração aos pulos. Eu realmente amava aquelas revistas. Quando erguia os olhos e via na prateleira da banca uma nova capa colorida, sentia um júbilo que raras vezes sentí novamente. Após ler essa nova revista eu a guardava em meu quarto e ia pra escola. De noite, na sala, eu iria lê-la mais uma vez e passaria dias admirando cada quadrinho e sua capa festiva. Era uma paixão.
Elas fizeram minha bronquite de toda noite desaparecer. Revelaram um mundo maior, um mundo de criação, de dor e de superação. Me sentia Peter Parker, mas também me sentia Matt Murdock e Steve Rogers. E amava, febrilmente, Sharon Carter, Karen Page, Gwen Stacy e acima de todas Mary Jane Watson. Ficava olhando seus rostos e tentando imaginar como seria o timbre de suas vozes.
Tudo começou com um amigo meu ( Juscelino ) que tinha uma pilha de HQs da EBAL e que trocou sua pilha pelas minhas revistas da Monica e do Mickey. De repente eu tinha umas cem revistas para ler. Lí tudo em quatro dias e fiquei viciado. Bendito Juscelino !!!!
Aos 14 anos, veio uma tempestade e eu troquei a paixão pelo Superman pela paixão pelo Led Zeppelin e descobri que amar uma menina de carne e osso doía mais. As revistas foram guardadas, eu ainda comprei bastante durante um tempo, mas já não vivia para elas.
O tempo as levou, vieram livros, veio gente, veio ferida e outros amores. Mas eu nunca gostei de nada de um modo tão "bobo", puro, febril e exaltado. Conseguia entrar nos desenhos, viver dentro deles, sonhar com tudo aquilo.
Às vezes penso que aquele menino ainda está indo à banca do Negrito.

AS INCRÍVEIS AVENTURAS DE KAVALIER E CLAY - MICHAEL CHABON

Joe Kavalier é um garoto judeu em Praga, 1938. Estudante da arte do escape ( aquele tipo de mágica em que o artista escapa de arcas, correntes, algemas.... ) Joe, que na verdade se chama Josef, foge dos nazis deixando para trás sua família. Chega a América e passa a viver com seu primo, Sam Clay. O primo lhe apresenta a grande novidade da época, O Super-Homem. Juntos eles criam O Escapista, um novo super-herói. O longo ( demais ) romance de Chabon acompanha a história dos dois. Seu imenso sucesso e sua queda.
Joe domina o livro. Seu desejo de poder libertar sua família, seu imenso talento, seu amor por Rosa, uma artista surrealista, sua piração pós-segunda guerra. O livro o segue, de 38 até 1954. Desde a grande explosão dos quadrinhos no final da década de 30 ( a era de ouro : SUPERMAN, BATMAN, FLASH, MULHER MARAVILHA, CAPITÃO MARVEL e imenso etc ) até a decadência dos anos pós-Hiroxima. E esse é o melhor lado do livro : um verdadeiro amor pelas histórias em quadrinhos. Chabon mostra a genialidade ( da qual não temos mais a noção ) da criação do Super-Homem, o primeiro herói com super poderes, o primeiro a usar capa e a ter identidade secreta, a intuição de se criar um cara que é o sonho de todo nerd. E também sonho de todo judeu. Siegel e Shuster criaram um típico imigrante judaico, vindo de Krypton e usando o nome de Clark Kent para ser absorvido pelos americanos.
Chabon, com bela poesia, defende a genialidade dos hqs, a maravilhosa função da qual eles se incumbiram : a de salvar o sonho de milhões de crianças da América. Uma arte simples, mas jamais simplória, que modificou para sempre a mente de todo o século XX. Quando em 1954, psicólogos e senadores passaram a tentar censurar as revistas, dizendo que elas pervertiam as mentes infantís, Chabon faz uma belíssima defesa dos heróis. Ele diz que Batman e Robin ou Capitão América e Buck nunca forma casos de pedofilia gay. Eles eram respostas a ansiedade de jovens ignorados pelos pais de terem um super-pai. Os adultos não queriam ver isso. Preferiam ver Batman como um corruptor e não como o pai que eles não conseguiam ser.
O romance mistura verdade e ficção. Mostra a decadência pós- era de ouro. A partir de 1947 as vendas caem. Os quadrinhos que vendem são agora apenas os de terror e ficção científica. Ninguém mais quer saber de heróis mascarados. Até que a turma da Timely, agora rebatizada como Marvel salva os heróis com o novo Capitão América, o Tocha-Humana e o novo Namor. E mais tarde o Homem-Aranha. Michael Chabon chama Jack Kirby de maior gênio de todo o HQ, e vemos Stan Lee, Gil Kane, Milton Caniff, Al Capp e vários outros como personagens do livro.
Assim como Orson Welles. Joe e Sam vão a estréia de CIDADÃO KANE e piram com o filme. Kane faz com que os dois se tornem mais ambiciosos e comecem a desdenhar do trabalho que faziam até então. A descrição do filme por Joe/Chabon é brilhante.
Bem, tudo isso é o lado bom do livro. Mas há um lado que o prejudica, e muito ! São quase 700 páginas !!!!! Caramba... nada justifica tanta prolixidade. Quando alguém como Bellow escreve 700 páginas sentimos todo o tempo que elas são necessárias. Mas aqui há um esticamento desnecessário. O livro brilha e então atola, volta a fluir e então se esparrama sem rumo. Pra quê ? Às vezes me dá uma saudade de autores como John Cheever, que falava tanto em tão pouco espaço. Mas.... não deixa de ser um livro invulgar, vencedor do Pulitzer de 2001 e cheio de ambição e verdadeiro amor por seu tema e seus personagens.
Vale muito a pena. Mas cansa...

UP! / JULIE E JULIA/ SIMPLESMENTE COMPLICADO/ DEAD END

GIMME SHELTER dos Irmãos Maysles
O inferno. E uma aula sobre o excesso dionisíaco. Dá pena dos Stones. Parecem bodes indo ao sacrifício. O documentário é exemplar : mostra tudo e entretém. Chance de ver os FLYING BURRITOS detonarem. O mundo enlouqueceu em 1968 ? Nota 9.
UP, ALTAS AVENTURAS
Um problema básico : o garoto é insuportável. Será que hoje todo menino de desenho tem de ser gordo e nerd ? Que saco ! O tema é legal, mas o desenho é chato. Nota 4.
THE ENFORCER de James Fargo com Clint Eastwood e Tyne Daly
Terceiro filme da série. Tem um problema, a auto-ironia. É quase uma comédia. Outro problema é a saída de Lalo Schifrin da trilha sonora. É um policial ok, mas é bem pior que os dois primeiros. Nota 6.
A CONVERSAÇÃO de Francis Ford Coppolla com Gene Hackman, John Cazale e Teri Garr
Feito logo após o Chefão, é um fracasso de bilheteria e um enorme sucesso de crítica. Há quem o considere melhor que os dois Chefões. Absurdo, o filme é chato pacas!!!!!! Acompanhamos Hackman ( grande atuação ) que é um tipo de detetive que coloca escutas para flagrar casais adúlteros. Ele é árido, um homem que não se envolve com nada. Assistimos sua derrocada. O filme é muito inteligente, mas é exibido demais, metido demais, passa do ponto. Nota 4.
DEAD END de William Wyler com Joel McCrea, Sylvia Sidney e Humphrey Bogart
Que cenário é este???? Absolutamente fascinante!!!!! Ruelas, becos, córregos, fachadas de cortiços, mansões. Um labirinto de sombras e pedra, água e luz suja. Fantástico!!!! O filme se centra em bando de meninos de rua, pequenos ladrões violentos e um gangster que foi como eles. O elenco é soberbo e é impressionante como Bogey já nos hipnotiza, mesmo ainda em papel coadjuvante. Um monstro. Roteiro esquerdista de Lilian Hellman e a direção de Wyler, o mais premiado diretor da América. Um filme perfeito para quem deseja começar a entender o cinema dos anos 30. ( o final feliz é meio forçado e evita que este filme seja uma obra-prima ). Nota 8.
JULIE E JULIA de Nora Ephron com Meryl Streep, Amy Adams, Stanley Tucci.
Um show de Meryl. Deve levar seu Oscar. Que figuraça ela cria aqui ! É caricata sim, mas e daí ? Essa atriz magnífica nos dá prazer, muito prazer. Sem ela este filme seria totalmente banal. Ephron sabe fazer comédias femininas, desde Harry e Sally ( que ela só escreveu ). Neste filme vemos o mundo de blogs e dureza de um jovem casal de hoje e a Paris dos anos 40/50 de Meryl e Tucci ( surpreendentemente bem ), uma cidade feita de beleza, prazer e muita comida ( o filme vai te dar muita fome ). Se assiste este filme com facilidade, nada nele ofende o gosto ou irrita a inteligência. Mas Meryl impressiona. Há alguma atriz nos últimos cinco anos com mais e melhores papéis que ela ? Nota 7.
SIMPLESMENTE COMPLICADO de Nancy Meyers com Meryl Streep, Alec Baldwin e Steve Martin
É um perfeito filme de Shopping Center. Você entra na sala com suas sacolas de compras, sua garota e suas pipocas. O filme vai exibir a casa que voce quer ter, o carro que voce precisa e as amigas de sua mulher. É um filme muito feminino. Indicado para patricinhas com mais de 35 anos. Ele é todo bonito, luxuosinho, romântico e engraçadinho. Os homens vão se irritar com tanta peruíce. Mas há algo de muito bom nele : Alec Baldwin. Incrível ! Ele está hilário. Domina o filme, torcemos por ele e é absurdo o que Meryl faz. Quanto a Steve Martin, ele morreu como ator. Foi atacado pela síndrome de Nicole Kidman. Seu rosto se parece com uma cara de boneco velho. Todo inchado, esticado, retocado. Ele está incapaz de ter qualquer tipo de expressão. Rosto congelado. Uma pena, ele era fantástico. O filme termina e voce e sua mulher ( que amou o filme ) vão jantar na noite de domingo. O filme é isso. Ah... tem uma cena com maconha que é muito boa ! Acho que ainda não estreou por aqui. Vai fazer sucesso. A diretora fez aquele filme com Diane Keaton e Jack Nicholson ( ALGUÉM TEM DE CEDER ). Nota 6.
SERÁ QUE ELE É? de Frank Oz com Kevin Kline, Matt Dillon e Tom Selleck
Um show de Kevin Kline ( num cinema ideal ele filmaria mais comédias ). E mais uma comédia maravilhosa de Oz. O cara sabe fazer rir sem apelar nunca. A história de um professor que vai se casar e numa cerimônia do Oscar vê um ex-aluno revelar para todo o mundo seu passado gay. O que rola depois disso é absolutamente hilário. E melhor, ficamos todo o tempo sem saber se Kline é realmente gay. Uma festa !!!!!!!!! Nota 8.

DO AMOR - UM TESTEMUNHO

Quando comecei este blog tive a resolução de não fazer um blog-umbigo. Não escrever um diário. Mas, foi inevitável, nas entrelinhas ele é um diário. Daquilo que assisto, vejo, ouço. Mas lendo este blog voce não saberá, nunca, se estou feliz ou triste, amando ou solitário. Disfarço meu umbigo. Prefiro ver o dos outros.
Dois amigos pedem para que eu repita aqui uma conversa que tive com eles. Sobre amor. É meio umbigóide demais pro meu gosto. Serei breve então.
Com 45 anos, apesar de aparentar 44, acho que aprendi alguma coisa sobre esse tal de amor. Pouco. Mas alguma experiência adquiri. E sei que aquilo que mais atrapalha é o tal de " e viveram felizes para sempre..." Eu explico.
Tive três amores do tipo absoluto. E dois do estilo feliz. No absoluto TUDO é amor. Eu comprava cds pensando em tocar pra ela, eu via filmes só com ela. Se comprava uma camisa tinha de ser aprovada por ela. Telefonemas que duravam até 10 horas... Trabalhava pensando nela e cobrava suas visitas ao meu trabalho. Ciúmes até de seu passado. Eu morreria por ela e não percebia que esse tipo de amor é a morte do próprio amor. Os amigos só existem se a amarem também e precisam escutar o quanto ela é incrível. Na verdade eu me apaixonei por mim mesmo, " pela história fantástica e original" que eu pensava estar vivendo. Cada reencontro era um momento de sublime felicidade.
Mas há um problema : "e viveram felizes para sempre..." O ar se torna rarefeito. O mundo inteiro passa a ser só ela e como eu a amo e ela me ama, nasce a OBRIGAÇÃO de ser feliz. Ela tem de me fazer feliz, pois ela é tudo e só ela deverá me bastar. E eu devo fazer o mesmo por ela, pois no universo dela só eu existo. Que lindo né ? Que trágica armadilha !!!!!! Nas 3 vezes em que estive envolvido em amor desse tipo, o fim foi o mesmo : violento. ( Não físico, mas violentamente devastador ). Cobranças de felicidade, de dedicação ( por mais que voce dê não há como ser tudo para alguém ). E a velha frase : " Voce não era assim!!!"
No fim o que sobrevive é o desejo sexual e uma sensação de que poderia ter sido e não foi.... Nunca poderia ser!!!!!
Tive também dois amores felizes ( e que terminaram em dor também. Mas de outro tipo. A dor do fim de um sonho e não do fim de tudo. )
É um amor em que o mundo cresce e não diminue como no outro. Não há o desejo de que o outro seja tudo, mas sim de que vivamos tudo com o outro. Cresce o interesse pela vida, pelos amigos, voce se abre. A comida parece melhor, o sol brilha mais, seus olhos se abrem para coisas que voce não via. O círculo de amigos aumenta, o trabalho rende mais, voce conversa sobre tudo. Neste amor ela é uma companheira de vida e não a própria vida. Instintivamente voce nota que este amor não o fará feliz para sempre. O fará sim, melhor para viver.
Cobramos demais do amor. A vida se tornou entediante e queremos que a pobre menina seja tudo. Penso que o segredo é entender que o amor resolve seus problemas amorosos. É óbvio!!! Mas seu trabalho, sua família, amigos, saúde, dúvidas existenciais... continuarão como sempre. O amor não vai te salvar de voce mesmo. Ele poderá clarear as coisas, torná-lo mais forte, mas não " feliz para sempre".
Ah sim.... meus amores felizes terminaram. Em suave e difícil desgaste. O tempo venceu. Na verdade o fim do amor é ainda mais misterioso que seu nascimento. Quem sabe ?

ACABOU CHORARE - NOVOS BAIANOS

Quero mais. Só rock é pouco e jazz é pouco também. Como alguém pode só escutar ópera ou quartetos de Haydn ? Eu quero mais. O som de Ravi Shankar e de Trenet. Música pop da Itália e da Espanha. Mariachis e guaranias. Cabe todo som na minha cabeça. Música é para expandir.
Voce odeia MPB à priori ? Pobre de voce. Entre o lixo inominável e a pretensão cabecista existe muita coisa mais que boa. Porque voce, menino do Brasil, devia saber que o som do Brasil é acusticamente insuperável. O segredo nacional não é a ginga ou a percussão. É a harmonia. No som que se fazia no país tudo podia entrar, harmonicamente. A grande música pop do Brasil é fluxo de maré, é embalo de acalanto, é doce e ensina a viver. Pode salvar vidas.
Mas não cabe, talvez, em seu mundinho de trevas.
Bom gosto e bom astral. O disco começa se pondo em campo. Brasil Pandeiro é escalação de seleção, carta de deliciosas intenções. O tabuleiro está posto. Ele é baiano.
Quando então entra Preta Pretinha o gol é de placa. Nascer com esta canção... ela é tudo aquilo que poderia ter sido o Brasil. E é aquilo que a gente insiste em tentar ser : bonito. Talvez seja a mais bonita das canções. É ingênua, é solar, é esperança de vida. Preta Pretinha justifica toda a música nacional, de Caymmi até agora. Quando entra a percussão as meninas dançam e eu sorrio e penso : viver pode ser bom.
Mensagem de todo este disco/manifesto : VIVER PODE SER BOM.
Abre a porta e a janela e vem ver o sol nascer... eu sou um pássaro que vive avoando/ vive avoando sem nunca mais parar/ aiaiai saudade não venha me matar...
O disco não precisava de mais nada. Mas vem Tinindo Trincando que é uma festa de maconha e álcool barato. As cores dançam e o otimismo é rei. Swing de Campo Grande é ressaca carnavalesca. Jogar bola, ver as meninas e cantar, fora isso nada faz sentido, a vida é só bola, menina e violão. Se não é tinha de ser.
É engraçado, na MPB não existe o ódio... rockeiros cobram dela algo que ela não tem, ódio. É como cobrar harmonia de punk rock. Outro mundo.
Acabou Chorare. Se a gente perder de vez o dom de cantar o amor tudo estará perdido. Esta canção é amor de verdade e eu sei, se não se sabe cantar a raiva é porque se vive no amor. Chorare é tristeza confortável. Amor quente, lindo e pra sempre. Beijo em nosso ouvido.
Mistério do Planeta. Uma viagem filosófica baiana. Aquele nada que é tudo sendo coisa alguma. Mas o violão é lindo. Aceitar a vida. O mistério de cantar e imaginar esta letra.
A Menina Dança. Malandrices de quem chega sempre e nunca parte. Tanta malandrice irrita corações azedados. Me dá vontade de viver mais quatro décadas. Repetindo tudinho aquilo que fiz. A menina dança e eu danço com ela. No meu olho.
Besta é Tu. Besta é tu. O quanto cabe de alegria numa canção. Quando eu tinha 18 anos esta canção fez com que eu vendesse meus discos cabeça. Num mundo ideal todas as músicas seriam assim. Num dia ideal a gente acorda ouvindo isto. Porque não viver neste mundo/ se não há outro mundo.... Eu pulo e sorrio. Besta é tu...
Um Bilhete Pra Didi. Música estradeira de bananas e de garotos que vendem caranguejo.
Quantas vezes desci a Serra ouvindo isto ? E me sentindo e tendo consciência de estar completa e absolutamente feliz. O sol no verde, a água espumando e o cheiro... e o mar lá no final. Lindo.
ACABOU CHORARE é viajar para a idéia solar. Mas não vou cabeçar... sem filosofices, o disco é lindo e alegre. Nenhum país faz nada parecido. Este tipo de canção é só aqui. Não é pouca coisa.
Eu ia lhe chamar/ Enquanto corria a barca.... Abre a porta e a janela e vem ver o sol nascer......

GIMME SHELTER - IRMÃOS MAYSLES, O INFERNO EXISTE

Ao final de uma excursão vitoriosa pela América, os Rolling Stones têm uma idéia : um show e um filme para comemorar esse sucesso! Um show grátis. Ótimo, mas a prefeitura de SanFran veta o show na última hora e na véspera eles conseguem o autódromo de Altamont. O show é marcado para sábado de manhã, a montagem do palco se inicia sexta de noite. Os Hell Angels farão a segurança. O desastre está anunciado.
Para quem não sabe, este filme é dirigido pelos irmãos Maysles, e eles são considerados, inclusive por Walter Salles, geniais como documentaristas. O filme é uma obra=prima. Não estou falando de rock, ele vale como cinema documental, ele mostra TUDO. Uma das mais terríveis imagens do inferno na Terra. Vamos por partes...
Jagger e Watts assistem o filme na sala de edição. E em sua primeira parte, o que vemos, é o último show no Madison Square Garden e a preparação de Altamont. O palco, a luz, o som sendo montado com milhares de loucos presentes, palpitando, perturbando, arrumando encrenca e se drogando. Quando palco e bastidores estão prontos, o que vemos, aturdidos, é que existem centenas de loucos sobre o palco e dentro dos bastidores. Em nossa era de shows hiper-profissionais, ver isso é como assistir ato de extrema irresponsabilidade : o cenário do caos.
Antes de chegar na Califórnia, a banda dá uma parada no Muscle Shoals, o mítico estúdio onde Otis Redding, Aretha e os Booker T gravam. É um barraco de lata no meio de uma fazendola!!!! É emocionante! Recordo de Steve Cropper dizendo que enquanto eles gravavam, os racistas ficavam jogando pedras no telhado e esperando lá fora para surrar os músicos.... Nesse estúdio eles gravam you gotta move.
Em Altamont começa o show. O Flying Burrito Brothers abre. Na época Keith estava muito amigo de Gram Parsons, e Gram era influência sobre o som dos Stones. Eles tocam e é o único momento de boa música em Altamont. Os Burritos eram magníficos!!!!! Mas a coisa esquenta. Os muito doidos Jefferson Airplane sobem ao palco, palco onde estão uns cem Angels fazendo nada e tentam tocar seu pop psicodélico. Não conseguem. Os Angels começam a provocar e Marty Balin, o vocal, parte pro pau. E o pau come no palco e na audiência. Ondas de violência irrompem em todo canto enquanto patéticamente Grace Slick fica tentando acalmar o povo. Vemos gente nua na platéia, mas não é mais a nudez de Woodstock, é uma nudez monstruosa, decadente, ofensiva. Em quatro meses, apenas, todo o colorido de Woodstock se tornava este negror horrendo de Altamont. A doce ilusão, falsa, de Hippies e flores, mostrava aqui seu lado real : vômito, violência, estupidez, drogas pesadas. As cameras mostram tudo, vão fundo, closes em dezenas de pessoas em surto psicótico. É terrível !
Os Stones chegam e tentam tocar. Jagger, gayzérrimo, satanico, esperto, tenta fazer seu show, mas é impossível. Há uma cena, longa, maravilhosa : Jagger dançando e um Angel, dois metros distante, de pé no palco, encarando Mick com fúria no olhar. Sentimos que aquele cara o detesta. E ele fica lá, ao lado do microfone, como se o palco fosse seu.
Um cão cruza o palco, perdido. Um pastor alemão. Moças sobem no palco, gente sobe e desce, e Jagger canta enquanto isso. É hilário ? Não. Alí eu vejo onde morrem os sonhos. As pessoas mostram sua face. Matam um negro na frente do palco. Ele aponta uma arma para Jagger e os Angels o matam com paus e facas. Na nossa frente. Tudo anunciava isso. Eram mais de 500 mil loucos, em bad trip. Eram centenas de Angels, passeando de motos em meio aos hippies, prontos para brigar. Eram centenas de brigas, todo o tempo. E era a postura satanica dos Stones, postura que eles abandonariam nesse dia/noite. Jagger sentiu medo, muito medo. Eles haviam ido longe demais, todo o lixo do mundo os seguia. A banda se torna então uma paródia de sí-mesmos, inauguram nesse pavor o rock moderno : circo, it's only rocknroll.
No estúdio há um longo close em Charlie Watts. Apenas isso. Vemos o mais doce dos Stones. Esse é momento de puro cinema. De soberbo cinema. ( E eu penso em como a MTV matou esse tipo de filme. Não se faz mais filme para cinema com bandas. )
Outra coisa que notamos : como era bonito ver Jagger e Richards juntos. Aqueles meninos que se conheceram por acaso num trem em Richmond e que fizeram da caretésima Inglaterra o lar da mais sexy das bandas. O negócio deles era glamour e os dois formavam um casal perfeito : Mick era o dandy e Keith o pirata.
O mundo mudou demais em cinco anos. Não temos consciência disso, mas entre os yeahs yeahs yeahs de She Loves You e o inferno de Altamont se passaram apenas cinco anos !!!!!! É outro planeta ! Onde havia uma doce ingenuidade juvenil, nasce em dezembro de 1969 uma horrenda decadência agressiva. A mudança foi rápida demais, radical demais. A loucura foi demais.... dionísio tomou conta de Altamont.
Assista Gimme Shelter. Sabendo que é um documentário sobre pesadelo. Um anti Woodstock e um anti Beatles. Os Stones são aquilo. Jagger tocando blues para Tina Turner no backstage é o real Mick Jagger. Mas eles morreram naquele palco. Foram trucidados. Como faziam as bacantes dionisíacas na Grécia arcaica. ALTAMONT FOI A ÚLTIMA NOITE DIONISÍACA DO PLANETA.
O horror, o horror, o horror......
PS;
Há um vídeo no youtube onde em 1966 os Stones tocam HAVE YOU SEEM YOUR MOTHER BABY STANDING IN THE SHADOWS em Amsterdam. O público perde o controle e agressivamente começa a invadir o palco e interrompe o show. Numa aula de cool, a banda não se importa e Brian Jones gargalha. O duendismo é exatamente isso. Veja.

AS AVENTURAS DE AUGIE MARSH - SAUL BELLOW

" ... e esse espetacular engrandecimento antigo, com suas ruínas de arte e inúmeros signos nobres, eu conseguia apreciar, ainda que não quisesse ser simplesmente esmagado pela grandeza daquilo tudo. Mas no poder moderno do luxo, com seus batalhões de trabalhadores e engenheiros, são as COISAS em sí, os produtos, que são eminentes, e o indivíduo não chega nem perto de ser igual à imensa soma delas."
Eis aqui SAUL BELLOW em AUGIE MARSH, conseguindo dizer o porque de eu me sentir tão mal perante a arquitetura moderna e tão bem perante cidades antigas. Andando por Roma ou Veneza somos esmagados pela grandeza da obra de GRANDES HOMENS. Cada monumento tem o nome e a face de algum herói. Prédios não remetem a ser humano nenhum. É apenas uma coisa. Esmagados pelo inanimado, sem pensamento, pelo absolutamente não humano.
" ... que em qualquer vida de verdade, voce tem de sair e ser exposto fora do pequeno círculo que abarca duas ou três cabeças na mesma história de amor. Experimente ficar, para ver, do lado de dentro. Veja quanto tempo voce aguenta."
Augie Marsh nasce em Chicago. Não conhece o pai e sua família é sustentada por parentes e pelo serviço público. Augie Marsh aos 10 anos é um malandro de rua. Vende jornais, tenta roubar e idolatra um tipo de chefão do crime. Acima de tudo, ele tenta agradar, não criar atrito, e segue sempre alguém. Augie é feliz.
"... e é isso que a humanidade sempre faz. Ela é feita desses inventores e artistas, milhões e milhões deles, cada um tentando a seu próprio modo recrutar outras pessoas para representar papéis coadjuvantes e apoiá-lo no seu faz de conta."
Augie percebe cedo que tudo é mentira. Ninguém, NUNCA, diz aquilo que realmente pensa ou sente. E desse modo, todos passam pela vida sem poder ser o que se nasceu para ser. Augie Marsh se apaixona, tenta estudar, rouba livros e os vende, mora em pulgueiros, e conhece gente, muita gente, gente rica, gente pobre, louca, sã, felizes e tristes. Tem um irmão demente e outro ambicioso que se tornará a proto-imagem do yuppie voraz.
".... como se, quando chegava o momento, deixássemos a companhia de quem quer que estivesse conosco e fôssemos reservadamente sair no braço com nosso antagonista eleito no seu esconderijo secreto."
Tentam enredar Augie no mundo dos milionários. Mas ele não cai, ele esnoba o dinheiro. Foge sempre, mas ao mesmo tempo está sempre de volta. Ajuda um aborto, se envolve em sindicato e vai pro México em caçada a águias e cobras e amor ( que sempre termina em desespero ).
" ....A GRANDE INVESTIGAÇÃO DE HOJE É QUANTO UM SUJEITO PODE SER MAU, NÃO É MAIS O QUANTO ELE PODE SER BOM."
Quem diz isso é Padilla, um dos caras que nosso herói conhece nessa jornada. Um dos muitos que fazem com que Augie se movimente, todo o tempo, logo ele, que tanto queria ficar parado. Porque Augie logo descobre que voce só pode ser voce se estiver parado.
"... no mundo da natureza voce pode confiar. Nele voce já sabe. Mas no mundo dos artefatos voce tem de ter cuidado todo o tempo. Nele voce tem de saber, e não dá pra ficar com tanta coisa na cabeça e ser feliz."
Num livro que tem um milhão de grandes pensamentos, talvez este seja aquele que mais me toca. Vivemos cada vez mais, em mundo onde PRECISAMOS saber coisas. Números de código, datas e horários, cruzar uma rua e pegar um táxi, pagar contas, ligar maquininhas, responder mensagens, cuidar do corpo, cuidar da beleza, proteger o patrimônio, cumprir horário, cumprir metas. Sobra espaço pra ser voce ?
"... tédio é a convicção de não poder mudar. O homem murcha quando pensa ser a mudança impossível. Mas não é engraçado ? Passamos toda a vida com medo da mudança e procurando o que nos faça estáveis. O amor por exemplo."
É um livro devastadoramente rico. Vem a guerra e eis Augie perdido num bote salva-vidas no meio do mar e depois eis ele casado e rico em Paris. E corneado.
Mas quem é Augie? Seria ridículo eu dizer que ele é todos nós? Mas ele é. Saul Bellow, gigante, consegue criar um adorável Candido do século XX. Otimista teimoso, apaixonado, desiludido, medroso, enganável e totalmente perdido. O livro é um colosso.

PRESTON STURGES, ERNST LUBISTCH, THE YOUNG VICTORIA,MIZOGUCHI

O CONDENADO de Carol Reed com James Mason
Na Irlanda, revolucionários fazem assalto. O líder é ferido e o filme, escuro, sombrio, mostra sua tentativa de sobreviver na cidade suja. Reed foi um dos gigantes do clássico cinema inglês ( e autor do Cidadão Kane de lá, O TERCEIRO HOMEM ). O filme é muito forte, mas este dvd tem sérios problemas de legendagem. Nota 7.
CRISÂNTEMOS TARDIOS de Kenji Mizoguchi
Nesta história de um filho de ator, ator que sofre por não ser tão bom como o pai, há todo o esteticismo belíssimo de Mizoguchi, o mais clássico dos diretores do Japão. Todo movimento de câmera é preciso e os cortes, quando há, são suaves e muito necessários. Voce observa o filme, não o assiste ou analisa. Nota 7
A ROSA PÚRPURA DO CAIRO de Woody Allen com Mia Farrow, Jeff Daniels e Danny Aielo
Um dos mais melancólicos filmes de Woody. Sua mensagem central é a de que nada nunca muda na vida real, e portanto, o que nos salva é a fantasia. O roteiro brilha em idéia, mas falha em emoção. O herói sai da tela e os personagens do filme de onde ele fugiu se revoltam. Eis Woody sendo Charlie Kauffman antes de Charlie ser moda. Mas o ator que faz o herói seduz a mocinha por quem o personagem de ficção se apaixonou. E ela, e eis o centro do filme, opta pelo ator, pelo real, e é traída por ele. No fim, uma cena magistral, Mia Farrow, totalmente desolada, assiste no cinema a Fred Astaire e Ginger Rogers e volta a viver. Um elogio ao cinema de quem realmente o entende. Nota 7.
THE YOUNG VICTORIA de Jean Marc Valée com Emily Blunt, Miranda Richardson e Jim Broadbent
Delicioso. O filme ainda não estreou por aqui e se estrear vá ver. É romantico no sentido antiquado do termo, ou seja, tem bom gosto e boas intenções. Faz bem , voce termina o filme se sentindo em paz com o mundo. Conta o início do reinado de Victoria, a rainha que fez da Inglaterra aquilo que pensamos sobre ela ainda hoje. ( E que acabou em 1960, mais ou menos ). Os atores estão muito bem, leves e bem dirigidos. Bela surpresa! ( E é lógico que eu, vitoriano que sou, me apaixonei pelo filme ). Nota 7.
AMANTES de James Gray com Joaquim Phoenix, Gwyneth Paltrow, Vinessa Shaw
Psicólogos irão gostar. Mas o mundo precisa de mais um filme sobre gente deprimida? Deprimidos do tipo mais chato, vivendo em seus ambientes de cores pastéis e pouca luz? O que nos interessa na vida banal daquele cara? Ele é apenas um mala. O filme padece da atual síndrome cabeça: confunde fazer arte com ser triste. É a arte da impotência. Nota 1. ( Sorry Leo ).
LADRÃO DE ALCOVA de Ernst Lubistch com Herbert Marshal e Miriam Hopkins
Uma festa! Se voce quer saber o que é o tal Lubistch touch, eis aqui a resposta. O filme, delicioso tipo champagne e caviar, é aula de luxo. Cheio de pequenos toques de estilo e esfuziantemente alegre. Trata de casal de vigaristas, ladrões, e fala de seus golpes e sua tentativa de enrolar uma jovem milionária. Herbert é o rei da sofisticação e Miriam está bastante engraçada. O roteiro é um festival de frases de duplo sentido, ele faísca. Os cenários têm aquele luxo irreal da Paramount dos anos trinta, tudo brilha em branco e prata. Este é um dos filmes míticos da época e demorou muito para que eu finalmente o encontrasse. Valeu esperar, não me decepcionou. Esperava diversão de classe, é o que ele é. Nota DEZ.
TINHA QUE SER VOCÊ de Joel Hopkins com Dustin Hoffman e Emma Thompson
Uma comédia romântica sobre gente comum e com mais de quarenta anos ( ele, mais de sessenta ). Ninguém tem tiques de neurótico. São sofridos, são humanos. Ele viaja para Londres a fim de assistir o casamento da filha. A nova família da ex não o aceita. No fundo da solidão, ele conhece quarentona que ainda solteira, cuida da mãe ex-doente. Ele força o romance, segue-a por uma tarde. Ela cede devagar. Duas solidões se encontram. O filme nada tem de artístico. Conta sua história, simples, com humildade. E funciona. Porquê? Neste tipo de filme é necessário que nos apaixonemos pelos personagens. Isso acontece. Emma é apaixonante. Ela se faz desajeitada, meio tímida, desiludida. Dustin é o mais humano ator de sua geração ( Nicholson faria deste personagem um bufão e De Niro o transformaria num perigo ), ele sofre, erra muito, tenta acertar e acaba nos acertando. Se voce tem mais de 40 é obrigatório. Trata-se de uma raridade : filme adulto sem ser metido. Filmes como este antes eram a regra, hoje nos surpreendem. Nota 7.
CONTRASTES HUMANOS de Preston Sturges com Joel McCrea e Veronica Lake.
Uma obra-prima. Filme favorito dos Coen, é a história, maravilhosa, de um diretor de cinema que resolve fazer um filme sobre os pobres ( nome do filme que ele quer fazer : O BROTHER, WHERE ART THOU...). Se disfarça de mendigo e cai na estrada. Mas o estúdio o segue, lhe dando toda a cobertura possível. Ele conhece atriz fracassada e acaba desistindo de sua idéia. Mas, em cena mirabolante, torna-se um mendigo de verdade e é preso numa prisão rural do sul. O filme diz todo o tempo que somente pessoas privilegiadas se interessam por filmes sobre a miséria. Quem é pobre sofre demais com essa chaga para querer vê-la nas telas. Pois bem, na prisão rural, em cena de gênio, se passa um filme para os presos. Um desenho de Mickey e Pluto. Os condenados riem e ele se pega rindo. Sua teoria desaba : o povo precisa de risos, e quanto mais cruel é sua vida mais voce necessita disso. Voltando a Hollywood ( ele escapa da prisão em cena genial e bem sacada ) o diretor fará mais uma comédia.
Preston antecipou aqui seu final de vida. Nascido em família trilionária, ele foi o primeiro roteirista a virar diretor, abrindo o caminho para Wilder e Huston. Foi educado na Europa e era um tipo de excêntrico Professor Pardal. Seu grande prazer era inventar coisas. Aliás ele ia para o estúdio de pula-pula !!!!! Mas se tornou alcóolatra e seus filmes foram perdendo a graça. Terminou pobre. Este filme, vinte anos adiante de seu tempo em estilo e malícia, começa com letreiro homenageando todos os palhaços do mundo. Nós é que somos homenageados por seu prazer. Uma obra prima absoluta, engenhoso, sempre surpreendente, vivo. É fácil notar este filme como fonte da vivacidade dos Coen. Nota DEZ!!!!!!!!!!!
CONTATO de Robert Zemeckis com Jodie Foster, Mathew McCornaghy
Algumas cenas são tão infantis que dá vontade de rir. É ciência para crianças e o filme tem aquela tara por teclados e telas. Exibe nerds como heróis de nosso tempo. Mas os vinte minutos finais são mágicos. As imagens das galáxias, a viagem pelo tempo, o reencontro com o pai. Dói pensar o que este filme poderia ter sido se feito com mais coragem. Nota 5.

ROCK INGLÊS

Mas música não era só música!!!!! Caramba! Era uma coisa muito suja e muito suicida que podia te deixar totalmente doido ou soberbamente feliz. E voce ia pra rua querendo alguma coisa completamente nova da vida. Queria morrer ou viver para sempre!!!!!
Mas a música não era apenas música!!!!!!! Cacete! A gente sabia que os mineiros em greve de fome morriam com o jogo duro de Thatcher. E sabíamos que se ela dobrasse o movimento trabalhista inglês, a Inglaterra, derrotada, a suja Inglaterra dos cockneys desdentados, dos anarquistas cuspidores, dos torcedores mal encarados do Arsenal, os fãs de Sham 69 e de Madness e de Buzzcocks, nós sabíamos que se eles perdessem a Inglaterra se tornaria uma terra de cuzões. Eles perderam....... mas a música ainda significou muito por algum tempo.
A maioria silenciosa venceu e a festa acabou. Música, por melhor que fosse, se tornou apenas música. Veio aquele Duran Duran e aquele Culture Club. E Paul Weller virou dandy. O cara de boca suja e vômito de Guiness virou personagem cômico de filmeco de Guy Ritchie. Perigo nenhum. Nenhuma mudança a vista. E esse monte de bandas que fazem apenas música.
Mas voce sabe. Acreditamos no perigo. E eu me postei, ferozmente, do lado contrário. Tanto acreditei na ferocidade dos punks que ferozmente me fiz conservador. Odiava aquilo tudo porque eles odiavam e destruíam tudo que eu amava. Hoje eu sei : fui o vencedor. Hoje eu sei : eu tinha que ter perdido. Maldita vitória.
Quando vejo Sham 69 tocando em Reading, Borstal Breakout, vejo energia revolucionária autêntica. Não é um garoto dando tudo de sí por AMOR A UMA BANDA AMADA, é a ira POLÍTICA, a raiva em estado bruto, a música que não significa música, ela quer dizer ATITUDE. Não há referência a nada. Não há o respeito a nada. Eles estão pouco se lixando para Kinks, Stones ou Dylan. Eles expressam uma atitude, uma POSIÇÃO PERANTE A VIDA, TOMADA DE PARTIDO, COMPROMETIMENTO RADICAL, CORAGEM DE ERRAR. É por esse motivo que o rock inglês de hoje me interessa tão pouco. O país que sempre fora o mais irado, mais político, mais comprometido com a realidade, hoje produz bandas que respeitam demais as bandas do passado, que amam demais Beatles, Small Faces e que tais, que amam até mesmo a rainha!!!!!! Não consigo levar a sério! A pretensa rebeldia é sempre a rebeldia copiada durante a infancia, em frente ao espelho, raquete de tênis na mão, imitando o Sham 69 ou The Jam. Ou esse monte de deprimidos profissionais, pseudo artistas que cresceram querendo ser Morrissey ou Robert Smith. Só engole quem nunca conheceu a delícia e a dor do artigo genuíno. Músicos que só pensam em música. Bandas que só têm por referência outras bandas. Essa eterna repetição de coisas dos anos 80..... que saco!!!!!!
E a Inglaterra, pobre nação, que foi terra do rock mais irado e azedo, do cinema mais engajado e de escritores fedidos, é hoje lar de drogadinhos meninos de calça justa e cabelinho despenteado. Cuja atitude significa apenas atitude, cuja raiva é apenas raiva, e cuja música é somente música. Bláaaaah!
O Arsenal virou time de futebol arte! Socorro!!!!!!!!!!

WOODSTOCK NÃO TEVE MÚSICA. MAS FOI CINEMA.

Acaba de sair uma caixa com 4 dvds de Woodstock. Tudo remasterizado etc e tal. Um monte de extras, o filme inteiro ( que ganhou o Oscar de melhor doc ) e shows que aconteceram no palco mas que ficaram fora do filme oficial. Waaaaaal.....
Eu já conhecia o filme a décadas e ainda recordo de quando ouvi o disco pela primeira vez ( imaginando como seria o filme ). O filme é esquisitaço. Pois ele é um gigantesco e partido em dois, documentário. Profundamente bom e irritantemente ruim. Explico sem explicar : tudo o que parecia ótimo em 1969 é hoje péssimo, e aquilo que era posto de lado então é o que mantém o filme relevante. Por partes.
Nunca conhecí alguém que fosse razoávelmente interessado na vida que não mostrasse desejo de ter estado no festival. ( Mesmo fãs de forró e de rap ). Porque ? Drogas, sexo e rocknroll ? Mas isso tem em qualquer rave de hoje. ( E vendo o filme noto como toda rave que presta é Woodstock até os ossos ). A primeira coisa que choca vendo o filme é em como, quarenta anos depois, aqueles caras, se descontarmos as gírias antigas, são fisicamente idênticos as pessoas que encontramos em Ilhabela no reveillon, em bares da Vila Madalena e em cursos de teatro ou yoga. Em compensação, aqueles velhos, aqueles policiais, os caretas em geral, desapareceram. O homem de gravata e chapéu, cabelo rente, calça de tergal. A mulher de anágua e meias, de laquê.... desapareceram. Sem aqueles tolos hippies de 69 não usaríamos camisetas e jeans, bermudas e colares, brincos e cabelos diferentes.
Mas foi só isso a revolução ? Visual ? Não. Diz-se que os hippies perderam. Que eles não mudaram o mundo. Será ? Olho Woodstock e acho o mundo de 69 próximo do nosso. Eles enterraram o homem estilo John Wayne ou Sinatra. Para o bem e para o mal. Hoje falamos de sexo, de drogas, de ecologia, de socialismo, de gays. Acredite : isso tudo era tabú. Se voce era um pouquinho esquisito, antes de 68/69, voce era um freak, e seu destino era a chacota ou pior. Aquele milhão foi à Woodstock para poder ser freak. O lado ruim é que desde então muita gente é esquisita por modismo.
O filme foi dirigido por Michael Wadleigh e tem Martin Scorsese como co-diretor e editor chefe. Como cinema o filme é belíssimo. E muitas cenas anunciam TAXI DRIVER e principalmente GOODFELLAS. ( O helicóptero ameaçador ). É um filme feito de câmera na mão, travellings e zoons. E as falas são maravilhosas ! Os alto-falantes anunciam : " Atenção! O ácido marrom que está sendo vendido não dá boa viagem. Voce está avisado, mas se mesmo assim quiser provar o problema é seu." Eles realmente acreditavam estar mudando o mundo. Que a partir dalí ninguém mais iria ligar para dinheiro, cobiça, posse ou crime. Uma tolíssima ingenuidade para nossos tempos. Mas também uma bela dor de cotovelo para nosso mundo cansado. Um jovem que acreditou de verdade nisso, voce sabe, conheceu o paraíso, mesmo que por apenas 3 dias.
Loucura. Ao mesmo tempo que o exterior daqueles jovens nos é familiar, que suas caras de chapados e seu sexo free nos sejam conhecidos, seus sonhos e seu delírio feliz nos é totalmente desconhecido. Há uma cena em que os produtores se abraçam ao ver que o festival rolou ( mesmo que sem lucro ) que é comovedora. Eles estão falidos, e estão completamente felizes. Ver seus rostos nos faz pensar.
O que define a juventude é sua virgindade. O novo é verde e ser jovem é ser ignorante ( abençoadamente ) da maldade e do limite. Toda geração jovem teve a crença de estar mudando o mundo. Desde Napoleão. Sim, os românticos foram os primeiros a crer nessa mudança, a arrogantemente querer mudar tudo e se enxergar como a melhor das gerações. Livres. Essas ondas se repetiram desde então. ( Isso não havia antes ). Assim foi com os realistas, os socialistas, os fascistas, os modernistas, os beatniks, os existencialistas, e os hippies, filhos de tudo isso. A fé total num novo mundo. A certeza de se fazer parte de um GRUPO PRIVILEGIADO que estava sendo o protagonista de uma história sem igual. A crença no herói.
Nossa geração se parece infantil. Mas é um infantilismo cínico. Jovens que não crêem em nada e que NÃO POSSUEM A CORAGEM DE AO MENOS IR AO FUNDO DE SUA DESCRENÇA. Penso que nosso infantilismo é na verdade senilidade. Como velhos desdentados olhamos para aqueles jovens nús escorregando na lama e pensamos : " Voces são porcos! Voces perderam! Apostaram no perdedor!!!" Bem... eles viveram. Tiveram a coragem de apostar. Nós jogamos no seguro. Saltamos no abismo em tela de computador. Eles foram lá e se jogaram. O que ganharam ? O que voce ganhou ?
Peguei a rebarba daquilo. Peguei a reação. Punks, glitters. Eu realmente acreditei que os punks haviam destruído tudo. Eu pensei que a queda do muro era o paraíso na Terra. Nada, desde Napoleão, muda tudo. Mas tudo mudou alguma coisa. Definitivamente. Antes de Woodstock as multidões só se reuniam para guerrear. E mulheres de família não se sentavam no chão para fumar erva. E não dormiam abertamente com namorados. Eles fizeram vários gols. Mas a expectativa era tão grande que esse 8 x 0 pareceu um 0x0.
Quanto a música....
O festival aconteceu na hora errada. Na entressafra. Fosse um ano antes e teríamos Cream, Traffic, Byrds, Buffalo Springfield, Love, Jeff Beck Group, Yardbirds e Soft Machine. Fosse um ano mais tarde poderíamos ter visto o Led Zeppelin roubar o show e mais Black Sabbath, Pink Floyd, Faces, Elton John, ELP ou até T Rex. Em 1969 um monte de bandas estava terminada e havia uma multidão de novos grupos ainda pouco conhecidos. Woodstock não poderia ter Stooges ou MC5 e não quiseram chamar os novos countrys, pois naquele tempo hippies viam o country como a música da direita. Johnny Cash teria arrasado e os Flying Burritos Brothers seriam soberbos.
Dessa forma o festival dá espaço a gente em crise, em momento ruim. Hendrix, sem vontade, Joan Baez, chatíssima e já ultrapassada, Jefferson Airplane em fim de feira, John Sebastian sem saber onde está. Há também as apostas que não vingaram, gente como Joe Cocker ( e nada de Van Morrison ) e Ten Years After ( que veio quando o Jeff Beck Group acabou. Era para termos Beck, Rod Stewart e Ron Wood em Woodstock ! ). Do filme original, de bom, apenas Sly Stone ( que estraçalha e mostra todo o futuro negro da música ) e The Who. Assita no disco 4 eles tocarem Sparks. Do Caralho !!!!!! Keith Moon e Pete Townshend completamente tomados tocando em volume altíssimo e fúria suicida. Eles sobram em meio a nulidades como Crosby, Stills and Nash e os insuportávis Mountain.
Hippies gostavam de sons "muito loucos". Hoje eles adorariam ( e adoram ) Radiohead e Bjork. Acho que é por isso que não os suporto. Gosto mais do som direto, crú, no osso. No disco 4 tem uma banda que fazia muito sucesso em 69 e que ficou fora do filme oficial ( aquele que todo mundo conhece ) porque não era muito louca ou radicalmente política. Os hippies desconfiavam deles. E eles eram apenas dois irmãos caipiras, um baterista "rufus lenhador" e um baixista plebeu. Mas vendiam mais que os Beatles ( em 69 ) O CREEDENCE CLEARWATER REVIVAL fez o melhor show de Woodstock. Quando entram os acordes de BORN ON BAYOU ouve-se, finalmente, em meio a frouxidão de Grateful Dead e Melanie, rock de verdade. John Fogerty solta o vozeirão, a guitarra rebola e a bateria traz o som do voodoo do pântano. Se isso não te enfeitçar voce merece meia hora de rock-cabeça. Descabelantemente bom!!!!!
O filme vale então pelo documentário em sí. Aquele monte de freaks achando que o mundo era deles. Não pela música, que salvo Who, Sly e Creedence, é sofrível.
Ir a um grande show hoje, seja Metallica, Beyoncé ou Oasis, é ir a apenas isso, um show. As pessoas vão para olhar o palco, azarar e se dopar. Exatamente como em Woodstock. Com uma diferença fundamental : Tudo o que se fazia, droga, romance ou música, tinha por objetivo o encontro de uma nova vida, de um novo mundo, de alternativas.
Tenho ceteza que voce não viu nada disso no Morumbi.