AS AVENTURAS DE AUGIE MARSH - SAUL BELLOW

Estou no meio deste livro. Mas ele é tão bom que preciso falar alguma coisa sobre.
Ele começa na infância de Augie, e Bellow é tão esperto que ele nos confunde. Durante essa infância ele faz com que nos sintamos como se vivêssemos outra vez nessa confusa fase da vida. O que temos são fragmentos mal compreendidos de vida. Rostos em flash, frases não explicadas e principalmente, uma maravilhosa e constante descoberta. São cem páginas de descobertas. Pessoas e mais pessoas que surgem sem motivo, acontecimentos pouco explicados.
Então vem a puberdade e a vida começa a se explicar. Agora as coisas têm um porque, as palavras significam algo, os personagens se explicitam. Augie se torna real. É estupedificante. Saul Bellow esbanja talento, sobra, é um gigante. As paixões de Augie, a relação com a família, o absurdo humor de tudo aquilo. O universo deste livro me encanta e desejo que jamais termine.
A habilidade em criar tipos beira o Shakespeareanismo ou o Dickensianismo. Centenas. Todos únicos, fascinantes e hilários. Desde o poderoso chefão tetraplégico até a milionária que quer adotar. Mas Augie é o melhor. Trata-se de herói completo. Augie não renuncia a nada, não abre mão de ser o que deseja ser, se estropilha todo, mas segue sendo livre, e o mais importante, Augie se interessa pela vida, por toda a vida. Ele se torna um dos meus mais caros heróis.
Como em todos os livros de Bellow, seu talento é tamanho que toda página tem alguma frase lapidar, alguma descrição perfeita e um toque de profunda filosofia. E tudo com satanico humorismo. Veja esta : na vida só importa o que vem fácil. O que requer esforço não é para voce. Lutar por uma mulher ou por um emprego nunca vale a pena. Isso não era pra voce. Quem ensina isso a Augie é um mexicano ladrão de livros e gênio em matemática. Outra : Augie sabia que nunca iria escrever para Avignon ou vencer uma guerra, mas, lendo esses livros, ele sentia fazer parte disso tudo. Um mundo maior. Era como a morte. Sabíamos que ela estava sempre alí, num canto do quarto, mas amávamos mesmo assim.
Nunca lí descrição melhor sobre o amor a leitura. Eu sei que jamais irei viver um amor como o de Heathcliff e Catherine ( MORRO DOS VENTOS UIVANTES ) mas creio neles e ao ler sua história FIZ PARTE DISSO. Pois agora estou no hilário mundo de AUGIE MARSH. Mundo de ladrões, mulheres vagabundas e falidos safados. Não quero outra vida. É um livro/universo precioso. Quando o terminar escreverei mais.

JD SALINGER e CHARLES M. SCHULZ

Salinger nunca foi chato. Não ficou posando de lider de geração. Ao contrário de Norman Mailer, Capote e Gore Vidal, nunca desejou ser estrela de nada. Sem aparições na TV, sem entrevistas na Playboy. Também não ficou lançando pilhas de livros. Assim não cometeu o erro de Updike ou de Roth, montes de livros banais ofuscando suas obras-primas.
Ele realmente percebeu e sentiu a verdade. A de que VIVEMOS UM APOGEU ANTES DA EDUCAÇÃO. Adolescentes são o ser-humano em seu auge. Depois nos enquadramos. E quem não se enquadra se torna SALINGER - hermitão.
Esse modo de pensar ( que é verdadeiro ) trouxe algo de muito bom a civilização ; a contra-cultura. Momento em que, como adolescentes, questionamos tudo e perdemos todo o respeito pelo velho. Mas após esse momento CAMPO CENTEINIANO, mergulhamos no pior da adolescência : vaidade fútil e infantilismo. Não derrubamos agora o velho para criar o novo, apenas, hoje, idolatramos a novidade.
Salinger surge em momento muito especial. Brando, Clift e depois Dean tornavam pop a angústia jovem, e o cool-jazz embalava o desejo de viver. Salinger surge na hora certa.
Seu livro é coisa hiper rara. Best-seller com conteúdo. Fazem zilhões de anos que nada de tão bom e de tão novo vende tanto. O livro jogou fora as novelas sobre jovens-adultos e criou a novela adolescente. E esse jovem personagem era doido, tímido, neurótico, engraçado, apaixonado e sonso. Sem ele não existiria o Coelho de Updike, o Portnoy de Roth e essas toneladas de livros menores que vão de Nick Hornby até Lollita Pille.
O cinema dos 60 é também filho de Salinger. A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM seria inviável sem O CENTEIO.
Lembro de Robertson de The Band dizendo que é impossível compor se sua vida é cheia de tietes, entrevistas e festas. Compor só é viável em solidão ou na estrada com amigos. Salinger se isolou, tenho certeza, para criar o grande livro americano. Falhou. Em 40 anos de tentativas, o livro não nasceu.
Bloom costuma dizer que todo autor americano segue uma de 3 linhas : Melville, Henry James ou Mark Twain. Embora superficialmente Salinger pareça picaresco como Twain, seu molde é Henry James. Como Fitzgerald, o seu interesse é pelo estilo, pela língua, pela voz e não pelo enredo. Seu texto é acima de tudo bem escrito. É prosa corrigida, trabalhada, refinada até a perfeição.
O tal grande livro americano continua a ser MOBY DICK. Os escritores americanos continuam a tentar fazer seu livro canônico. Seu DOM QUIXOTE, A DIVINA COMÉDIA, CANTERBURY, FAUSTO ou GUERRA E PAZ. A América não tem ULYSSES ou EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO. Nem mesmo um A MONTANHA MÁGICA. A América, muitos dizem, é país de muitos grandes escritores, mas não de grandes livros. Heminguay é o exemplo mais trágico. Grande autor sem um grande livro. E mesmo autores que foram mais longe, como Faulkner ou Bellow, dão a sensação de que seu talento nunca foi completamente explorado. O grande livro que eles tanto ensaiaram não veio a luz. O GRANDE GATSBY é provávelmente o grande livro americano do século XX ( e Salinger concordaria com isso ).
Eu descobri Salinger na idade certa : 17 anos. Foi leitura do Objetivo. Gostei e lembro de o ler em uma tarde. Nunca mais o reli. No correr dos anos vieram autores mais antigos ou mais recentes. Mas Salinger conseguiu em mim o efeito que penso ser aquele que ele sempre desejou : seu nome ficou à parte, fora da corrente, sempre lembrado mas estranhamente alheio. Salinger conseguiu continuar adolescente. Ficou fora do mundo de Saramago, Le Clezio ou Dario Fo.
Ele venceu.
MAS.....
Que maravilha!!!!!! Ao mesmo tempo que a América nos dava Salinger e Brando, ela nos dava algo de bem mais....... sei lá....
CHARLES M. SCHULZ.
Sem Charlie Brown não haveria Woody Allen. Nada, nada é melhor que PEANUTS. Quem amou um dia Linus, Snoopy, Schroeder ou Lucy, vai amá-los para sempre. E Schulz manteve também sua integridade. Só ele fazia PEANUTS. Quando ele morreu ( e que terrível foi esse dia ) a série terminou.
Voce sabe : Charlie Brown tremendo sobre a base é a melhor imagem sobre o homem moderno já feita. Poço de medo e um sorriso que teima em tentar vir. Assim como SNOOPY, como já foi dito, é a mais saudável imagem do homem contemporâneo : apostar na criatividade sempre. Snoopy cria seu mundo todo o tempo e aceita o que a vida lhe dá, mas sempre brigando pelo prato mais cheio. Snoopy não conhece tédio ou desepero, ele relaxa e brinca. Nada é sério para ele, sómente seu prato.
Schulz e Salinger terem vindo juntos não foi acaso. Eles chutam a cultura européia fora. Cultura que nos deu a guerra e o campo de extermínio. E criam a arte americana. O texto que é jazz, e o quadrinho tornado arte, alta e sofisticada arte. Cultuam o menino, a menina, a inocência maculada, a neurose do quase nascido. Charlie Brown luta por nascer.
O grande livro americano jamais irá nascer. O interesse da América é pelo grande homem, não pela grande obra acabada. Jamais haverá um HAMLET. Mas haverá um EUGENE O'NEIL. A arte americana não poderá ter seu MOLIÉRE, mas a França não pode ser terra de SNOOPY.
Acho que é isso.

500 DIAS COM ELA/ MINHA VIDA DE CACHORRO/ SETE HOMENS E UM DESTINO/ SOPRO NO CORAÇÃO

PARIS TEXAS de Wim Wenders com Harry Dean Staton, Nastassja Kinski
Um filme que dói. O amor morre e a estrada se abre. Ser herói é sempre ser só. Isso é verdade ou um consolo? O filme homenageia Ford e todo o cinema da América. Mas é alemão. Tão alemão como é Mann ( os dois Mann, Thomas e Heinrich ). O amor sempre termina e fica este homem andando sem rumo e esta mulher exibida numa tela. Mas ficou um rastro, uma criança. Wenders fez filmes imensos. É o cara. Nota DEZ. Um dos filmes que definiram aquilo que sou. Eu sou Travis.
SETE HOMENS E UM DESTINO de John Sturges com Yul Brynner, Steve McQueen, James Coburn e Charles Bronson
Este filme dá raiva. Queriam transformar Horst Buchholz ( quem? ) em star. Então o filme tem esse péssimo Horst demais e tem McQueen de menos... Baseado em 7 Samurais de mestre Kurosawa, é um western pop com uma das trilhas mais famosas da história ( Elmer Bernstein ). Boa diversão. Não é o oeste de Ford ou de Anthony Mann, mas é muito ok. Nota 7.
500 DIAS COM ELA de Marc Webb com Joseph Gordon Levitt e Zooey Deschanel
O filme segue aquilo que Nick Hornby diz : a vida pode se tornar uma tristeza com essa ração de música pop triste. Neste filme, o cara é fã de Smiths. Conhece sua amada ouvindo o som de Morrissey e Marr no elevador. A partir daí rola o romance dos dois em flashback. O filme é uma chatice. Os dois são exatamente o tipo de gente que menos gosto, dois fofinhos. Viciado em deprê, o cara passa o filme inteiro tentando nos fazer sentir pena. Sentí tédio. Quem gosta disto ? É um tipo de filme de Eric Rhomer para iletrados. Por medo de ousar se usa um narrador para explicar o filme, assim como se datam os flashbacks para não confundir. Sinal dos tempos : um filme para estudantes espertos que é pudico e envergonhadérrimo. Sua única boa cena é ao som de Bookends de Simon e Garfunkel. Ao som de Bookends até jogo de canastra se torna poesia. Mas é, apesar de tudo, um filminho bem intencionado. O Annie Hall de 2009. Mas é chaaaaatoooooooo!!!!!!! Nota 3.
ANNA KARENINA de Julien Duvivier com Vivien Leigh e Ralph Richardson
Livros banais podem dar bons filmes. Livros bons podem ser suplantados pelo cinema ( Wonderboys é um filme melhor que o livro de Chabon ). Hammet, Chandler, Du Maurier, Pasternak, Elmore James, são todos autores médios ( sim, acho Pasternak médio ) que foram melhorados nas telas. Grandes peças podem dar filmes geniais ( cito UM BONDE CHAMADO DESEJO e QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOLFF, duas peças de antologia e dois filmes históricos. ) Mas obras-primas da literatura nunca dão grandes filmes. A exceção, única, é OLIVER TWIST de David Lean, que é melhor que o livro ! Lord Jim de Conrad virou um filme chato, Dom Quixote é ridiculo e Moby Dick se tornou aventura normal. Sem falar em O Morro dos Ventos Uivantes, filmado até por Bunuel e sempre dando filmes ruins. Anna karenina nunca deu certo nas telas. Vira um tipo de romance aguado, vazio, sem aquilo que Tolstoi lhe deu de melhor : Força Divina. Vivien seria uma excelente Anna, mas o Vronski deste filme é um brioche de vento. Se voce nunca leu o livro pode até se divertir com seu visual bonito. Mas de Tolstoi não tem uma vírgula. Nota 5.
MINHA VIDA DE CACHORRO de Lasse Halstrom
Em 1985 a Suécia nos revelava este diretor sensível. O filme se tornou famoso, concorreu até a Oscars de direção e roteiro. Depois Lasse viveria nos EUA e dirigiria filmes como Chocolate e Gilbert Grape. Este filme, sobre um garoto desajeitado e sua família, será para quem o assistir hoje, uma maravilhosa surpresa. Peço para que todos voces o procurem e assistam. Precisa ser assistido porque é um filme que faz bem. A poesia e a alegria vivem neste filme ( e a dor também ). Se voces querem saber o que espero de um filme vejam este. É engraçado e faz chorar. O menino está comovente e a vida com seu tio é a vida que todos nós precisaríamos viver. Dá vontade de rever assim que termina e dá vontade de ir à rua e gritar : Viva a Suécia ! È uma obra-prima dos filmes sobre a infância ( e NADA tem de infantil ). Lindo. Nota DEZ.
MONTE CARLO de Ernst Lubistch com Jeanette MacDonald e Jack Buchanan
O mundo de Lubistch. Distante de nós. De todos os grandes é ele que está mais distante. Seu tipo de filme jamais poderá ser refeito, é filho de um mundo ainda iludido. É Vienna antes de Hitler, é mundo de romance tipo bolo de noiva, de canções maliciosas, de piscadas de olhos, de ligas de seda, de cafés e de cerveja. Não há violencia, não há deselegancia, nada de pressa. O tema é o romance, e não há qualquer pretensão a verdade ou a arte. O objetivo é divertir com classe. Delicioso, mas sinto que sua lingua se apaga ano a ano.... nota 7.
O TENENTE SEDUTOR de Ernst Lubistch com Maurice Chevalier, Claudette Colbert e Miriam Hopkins
Mundo de soldadinhos de chumbo. Romance sempre feliz, risos, dinheiro, reis de carochinha, flores e música de cervejaria. Uma bolha de sabão, leve, linda e que estourou. Nota 6.
A LEI DOS CRÁPULAS de Jules Dassin com Gina Lollobrigida, Yves Montand, Marcello Mastroianni, Pierre Brasseur
Numa vila italiana todos são maus. Não apenas maus, muito maus. Roubam, traem, mentem, enganam. Jules Dassin foi um dos grandes. Na América fez no mínimo 3 obras-primas. Eram filmes policiais e de denuncia social. Foi perseguido pelo Macarthismo e sua carreira continuou na Europa. Filmou na França, Inglaterra, Itália e Grécia. Continuou irriquieto, ousado e genial. É dos meus favoritos. Este é seu filme mais fraco. Os personagens são todos tão maus que o filme nos repugna. Gina é linda, mas incapaz de segurar o filme. Montand está cafa e excelente. A vila é maravilhosa, mas o filme é esquisitíssimo. Nota 6.
SOPRO NO CORAÇÃO de Louis Malle com Lea Massari e Daniel Gelin
Um dos mais originais filmes já feitos. Viva Malle ! Penso que se o mundo tivesse sido feito por Malle seria um lugar muito feliz. Todos seus filmes, tão variados, pregam a anti-culpa. Não existe culpa em seus filmes. Aqui acompanhamos um adolescente fã de Charlie Parker. Seus irmãos, sua primeira transa, o padre, o pai médico, uma doença no coração. Esses temas em outras mãos fariam do filme drama. O garoto não se dá com o pai, os irmãos vivem o perturbando, a mãe tem um amante, ele está doente. Mas, com Malle, tudo é brilho, tudo é leveza e todos são felizes ( sem serem jamais tolos ). É um cinema feito de coragem, de cultura e é sempre pop. Louis Malle não era bem aceito pela nouvelle vague porque apesar de seus temas serem modernos, seus filmes são feitos para serem entendidos. Não há nada de hermético, de enigmático, de intelectual. Mas é alta arte. E aqui ele tem a coragem de tocar no tema mais espinhoso que existe : o incesto. Filho e mãe. Não vou dizer o que ocorre, mas digo que nada parece chocante ou violento. Malle enfrenta o desafio de filmar algo muito pesado com leveza, e estranhamente ele consegue. O filme perturba por isso, nada é como esperamos. O final é sublime. Assisti este filme em 1982, no cine Iguatemi. Ele fora censurado em 1972 ( junto a LARANJA MECANICA e O ÚLTIMO TANGO ) e liberado em 1980, na abertura do presidente João Figueiredo. Adorei-o e fiquei estranhamente eufórico com sua alegria, sua energia e por perceber a absolvição de todo pecado que Malle nos dava. Quase trinta anos depois o revejo e percebo que ele permanece novo, ousado, vivo, e perturbador. É um filme para sempre. Louis Malle foi o único diretor francês de sua geração a dar certo em Hollywood. Viveu por lá de 1979 até 1993, fazendo bons filmes e alguns sucessos de bilheteria. Casou-se com a disputada Candice Bergen e terminou sua brilhante carreira na França, com filmes ainda ousados e lindos. Num país que nos deu Clair, Clouzot, Clement, Cocteau, Godard, Chabrol, Resnais, Renoir e Carné, ele é talvez o mais dotado, com absoluto talento para o drama, a comédia e o suspense. Louis Malle foi perfeito e SOPRO NO CORAÇÃO é único, não se parece com nada e é absolutamente feliz. Nota DEZ !!!!!!!!!!!!!

A FELICIDADE SÓ EXISTE QUANDO É ETERNA

A infancia termina no dia em que percebemos que ela tem um fim. A vida que é só acordar para brincar e odiar a escola parece sem fim. Nós sempre iremos ter recreios com bolachas e sempre teremos de dormir cedo. No dia em que notamos que nosso pai não é tão perfeito e que nossa casa é menor do que parecia, nosso tempo começa a correr e a infância se vai.
A felicidade só é possível na eternidade. O amor tem de ser eterno. No dia em que voce imaginar que ele pode acabar ( o amor ) ela já se encerrou ( a felicidade ). A matemática é inimiga da alegria : contar é guardar e guardar é temer perder. Quando somamos minutos e diminuimos tempo matamos a felicidade. A cerveja gelada do verão deve sempre parecer eterna, ou não será feliz.
Se realmente os cães não têm noção do tempo, se para eles tudo é um eterno agora, então eles vivem na felicidade plena. A alegre existência onde não se ganha nem se perde nada. Antimatemática.
O mundo da ditadura da ciência, da juventude obrigatória, dos horários controlados, é o mundo da felicidade impossível. Saber do final dos processos naturais, tentar emperrar a roda da vida, ansiar pelo novo mais novo, correr para ter mais tempo livre para correr... não há chance para a idéia de eternidade num mundo como esse. Saber que o amor existe no tempo e espaço é matar o amor.
A felicidade está na Lua. Enquanto crermos ser ela para sempre. Na maré que vem toda noite e no sabiá que sempre canta na minha mangueira. Pois esse sabiá é o de sempre.
Por isso há felicidade em Shakespeare, em Mozart ou Rembrandt. O que deixaram transcende o momento em que foi feito. Alí é possível o além de tudo. A felicidade pode residir neles.
Neste mundo cada vez existem mais coisas que nos fazem alegres. O mundo medieval, onde todo dia havia um enterro na família, era muito mais triste. Mas este mundo alegre é um mundo infeliz porque é feito de uma realidade que nos recorda sempre o fim de tudo. A tristeza medieval tinha a possibilidade de se tornar felicidade por, estranhamente, ser luto eterno. A família era eterna, o casamento era para sempre, a dor era imorredoura, e a esperança também. Deus existia.
Deixe chover e pare de amaldiçoar a chuva. Ela é para sempre como o sol é eterno. Por isso me fazem feliz. Não venha a ciência dizer que o sol vai deixar de brilhar um dia, ou que a chuva secará. O sol precisa ser eterno e a chuva voltar a cair. Ou a felicidade será apenas alegria. Quando a gente lembrava que as férias iam terminar elas perdiam a graça.

ANNA KARENINA - TOLSTOI

A primeira sentença já faz com que saibamos estar diante de algo muito especial. Após as primeiras vinte páginas estamos viciados e logo sentimos a presença de um tipo de gênio ou duende em cada palavra escrita. Tolstoi é vasto como Shakespeare. Seu dom é o de abarcar tudo. Ao contrário de Dostoievski, ele não se limita apenas aos loucos ou desajustados. Diferente de Tchekov, ele é potente, forte, corajoso, heróico.
Anna é o personagem central mas não é o maior. Vronski é tão grande como ela. O que o livro nos dá é inestimável. A idéia central é : o amor romântico é valorizado demais. Erramos ao aceitar o pensamento de que tudo se desculpa pelo amor. Pode-se matar, e se pode morrer. Se for por amor foi por bela causa. Pois a esse amor, no fundo egoista, Tolstoi opõe o amor de Lievin e Kitty. E em Lievin, Tolstoi cria o mais nobre personagem de toda literatura ( incluindo Quixote e Hamlet ). Lievin ama Kitty com fidelidade e devoção, Kitty aprende a admirar Lievin e dessa admiração brota o amor. Mas o amor deles é um amor que engloba tudo, eles estão interessados na vida, não vêem toda a vida nos olhos do outro. Kitty vive ocupada com seu trabalho na fazenda e Lievin tem ideais. Lievin sonha com a igualdade entre camponeses e vive em crise de espírito e de carne. O livro contrasta todo o tempo o mundo futil de Anna com o mundo vital de Lievin. Lievin entende Anna e poderia a amar. Mas Anna está cega pelo que imagina ser Vronski e Vronski ama Anna. Eles se bastam... mas a vida não é assim.
As páginas da crise espiritual de Lievin e sua cura pela observação da natureza, são a coisa mais maravilhosa que li em toda a vida. Ao ler aquilo voce sente todo o sufoco e aturdimento de Lievin, mas, milagrosamente, a ressureição dele é a sua. Quando ele sente finalmente a paz e enxerga o sentido de tudo, voce, maravilhado, sente exatamente o mesmo. A sensação é de sol brilhando, de anjos descendo, de mar descoberto. Vemos a vida pela primeira vez. Mas há bem mais.
As fofocas e as suntuosas festas, a vaidade vazia, a crueldade do marido traído ( e que nunca se torna um vilão ) o final de Anna. Estamos longe do romance melado, estamos longe do realismo. Tolstoi escreve num estilo só dele, é como se nos pegasse pela mão e fosse nos mostrando o mundo. "Veja leitor, eis uma mulher bela ! Percebe onde reside sua fraquesa ? Veja leitor, isto é a nobreza e isto é a vilania ! " Tolstoi nos faz mais adultos, mais vivos, ele nos dá o mundo.
Anna Karenina nos surpreende todo o tempo. Quando pensamos ter captado quem ela é, algo acontece e duvidamos de sua verdade. O autor cria personagens críveis, podemos vê-los, podemos ouvir suas vozes, mas nunca conseguimos capturá-los.
Leon Tolstoi foi parte da nobreza russa, foi soldado, foi literato. Enfrentou forte crise espiritual e largou tudo. Foi viver numa comunidade agrícola ( em suas terras ) onde fundou uma religião e um tipo de proto-socialismo. Todos os seus anos de velhice são anos de pregação utópica. Tolstoi morreu amargurado pela realidade egoista dos homens, recebendo romarias de escritores que o viam como um deus. Anna Karenina nos dá tudo isso.
O que faz de um livro um bom livro é sua capacidade de nos abstrair da realidade.
O que faz de um livro um grande livro é quando o autor cria uma nova realidade e nós mergulhamos nela.
O que faz de um livro coisa de gênio é o dom de transformar o leitor e o mundo durante sua leitura e após sua leitura. Após Anna Karenina, deixamos de ser os mesmos e o mundo deixa de ser como era. Tolstoi cria um mundo de tinta e papel. E mais incrível, modifica um universo de pedra, água e fogo, usando apenas tinta e papel. Talvez Deus exista.

PARIS TEXAS - WIM WENDERS

Odisseu volta para casa. Tanto tempo depois que ninguém mais o reconhece. Apenas seu velho cão, que morre ao lhe lamber a mão. A ODISSEIA se fixou em nós. Todo herói desde então é Odisseu.
Em 1956 John Ford fez RASTROS DE ÓDIO. Um homem parte para resgatar uma criança. Volta anos depois. E após cumprir sua missão, parte, só. O filme se tornou mito entre cinéfilos. De Godard à Bertolucci, todos o amam. Em 1976 Scorsese homenageia Rastros de Ódio fazendo TAXI DRIVER. Travis Bickle é o John Wayne de 76. E em 1984 Wenders homenageia Rastros com PARIS TEXAS. Num personagem chamado Travis, que também parte só no final, e que une filho à família antes disso. O filme é devastador. Quem um dia amou e perdeu esse amor e sonhou com esse amor irá morrer ao ver este filme. Mas, como os filmes de Ford e Scorsese, não é um filme sobre amor. Ele é sobre o heroísmo. Em Ford é o herói puro, arquétipo de virilidade. Em Martin Scorsese ele é um homem que já não serve ao mundo. No universo de 1976, o herói está por fora, é um perdedor, não tem função. PARIS TEXAS mostra esse herói completamente alienado de sí-mesmo. O mundo não precisa mais dele como em Ford, o mundo não mais o ignora como em Scorsese, agora é o próprio herói que se perde´dentro de seu interior. Ele se nega.
Porque heróis, todos, morrem. Porque heróis, todos, se não morrem se isolam. Vagam pelo deserto, longe de tudo, enfrentando a maior das provas, a solidão. O herói precisa não existir, e ressurgir, quando preciso for, para iluminar os outros.
Mas ele nunca se ilumina. Ele não é bom. O que ele faz não é pelos outros. Nem por sí-mesmo. Ele faz porque tem de fazer. Para poder morrer.
Este filme é o que espero de todo filme grande. Vida. Um filme que fale da vida. Da verdade da vida. Da dor da vida. Da fragilidade da vida. Mas este é mais. É heróico.
Harry Dean Staton foi um herói ao encarnar este papel. Seu rosto surrado é heróico. Nastassja Kinski é heróica na cena do espelho. Quinze minutos sem um só corte... Ry Cooder fez a trilha sonora dos heróis e Sam Shepard escreveu diálogos que ecoam cowboys, beatnicks e perdidos. E Wenders mergulhou no vazio, no risco, no abismo...
É um filme de verdade, dilacerado, desesperado, e estranhamente bonito.
Digna homenagem ao mais heróico dos diretores ( Ford ). Quem se habilita ?

ONDE VIVEM OS MONSTROS/BULLIT/DIRTY HARRY/RENE CLAIR

ANASTASIA de Anatole Litvak com Ingrid Bergman e Yul Brynner

Chatíssimo sucesso do cinema que décadas depois teve mais sucesso ainda, como desenho Disney. Ingrid ganhou seu segundo Oscar e Yul está especialmente canastrão. Um filme para mocinhas românticas, apenas isso. Nota 2.

ONDE VIVEM OS MONSTROS de Spike Jonze

Descubra a criança que há em você.... Não seria melhor descobrir o adulto que procura nascer ? Pois tudo hoje nos ajuda a "descobrir a criança" ! Somos geração do talco e das fraldas. Não nos cansamos de revisitar o mundo idealizado da meninice. Haja !!!!! O filme nada me surpreendeu, eu já adivinhava que haveria um início cheio de fôlego e uma gradual perda de pique até o final mais ou menos. Sina de diretores formados por clips, uma incapacidade total de contar histórias longas. O visual remete às séries infantis inglesas dos anos 60/70, tipo A FLAUTA MÁGICA...Spike andou as assistindo. Adorei os dez minutos iniciais, depois deu muuuuuito sono.... Nota 4.

NA TRILHA DOS ASSASSINOS de John Frankenheimer com Don Johnson e Penelope Ann Miller

Policial estilo anos 80. Detetive fracassado investiga crimes. A ação é ok. Frankenheimer foi um dos grandes entre 62/72, de repente desandou. Mas isto é bem divertido. E bastante imbecil. 5.
O ÚLTIMO BOY SCOUT de Tony Scott com Bruce Willis
O irmão mais jovem de Ridley fez na sequencia dois bons filmes, este e AMOR A QUEIMA ROUPA. O estilo é cheio de luz, cores, brilho e reflexos, ou seja, publicitário. Mas Bruce nunca esteve tão bem ( lí que Tarantino acha Willis grande ator ) fazendo seu tipo azarado cornudo. O filme diverte muito, tem cenas de ação centradas nos stunt e não em efeitos. Enjoy, é um dos melhores filmes pra homem dos anos 90. Nota 8.
THE LAST WALTZ de Martin Scorsese com The Band
Na história do cinema dois filmes disputam o prêmio de melhor show já gravado, este e STOP MAKING SENSE de Johnathan Demme com os Talking Heads. São completamente diferentes. Demme fez um filme modernista, minimalista e esquizo; Martin nos dá um filme que reflete aquilo que é The Band, o filme é direto, simples, objetivo. Fala todo o tempo sobre a amizade. Como música é nota dez, como cinema é 7.
BULLIT de Peter Yates com Steve McQueen, Robert Vaughn e Jacqueline Bisset
O moderno filme policial nasceu com Dirty Harry, mas dois anos antes Bullit abriu o caminho e fez melhor. Nada é mais cool que este filme. Tudo aquilo que ligamos ao que é ser cool está aqui. Em sua trilha sonora ( jazz de Lalo Schifrin, pra mim a melhor trilha de policial da história ), nos carros ( muscle cars, o de Steve é um clássico ) roupas, cenários, silêncios, ressacas. Basta assistir os primeiros cinco minutos de Steve em cena para se entender tudo o que era cool em 1968 e é ainda hoje. Aliás hoje o estilo Bullit é mais cool ainda !
O filme, cheio de ação e com muito poucos diálogos, segue um policial rebelde ( Steve ) investigando coisas da máfia e de política. Tudo com as ruas de SanFran de fundo e Miss Bisset, dona de beleza surreal, enfeitando o apto de Bullit. Yates, diretor inglês muito bacaninha da época, nunca deixa a câmera parada. Ela corre, voa, treme e ginga. Há uma perseguição de carrões pelas ladeiras que dá até frio na barriga. O filme foi hiper sucesso de bilheteria e é um clássico. O tipo de filme que Soderbergh adoraria assinar. Esperto, frio, elegante, viril, ritmado, enfim, cool. Steve McQueen merece seu título, o rei do cool. Nota DEZ !!!!!!!!!
DIRTY HARRY de Don Siegel com ELE.
...é seu dia de sorte ? Depois que Clint disse isso nunca mais o cinema foi o mesmo. Se voce é um dos infelizes que nunca o assistiu e resolver conhecer este lixo delicioso, saiba que para entender a importancia disto é preciso saber que tudo o que voce assistir aqui foi feito pela primeira vez por Harry, o sujo. O sangue, o som do Magnum 44, um policial metendo bala nos meliantes sem dó, a frieza, o politicamente incorreto. Harry mata e mata sem nenhum problema de consciencia, e isso na época causou indignação. Observe como o filme tem poucos tiros. Espertamente eles notaram que um único tiro causa mais impacto que duzentos. E que tiros ! Nós vibramos com eles ! É um filme podre, sujo, muito feio, de humor pesado, cheio de furos no roteiro. Mas é inesquecível, empolgante, viciante. Clint cria um mito moderno e deixa como cria uma penca de heróis ( de Rambo até Matrix, todos têm algo de Harry ). Nota 9.
MAGNUM 44 de Ted Post com Clint Eastwood e Hal Holbrook
Harry em seu segundo filme ( ele é também responsável pela praga das continuações ) enfrenta gangue de policiais justiceiros. O inicio do filme é hilário, um close gigantesco na arma de Harry. O filme é mais ambicioso que o primeiro, mas tem menos suspense. A violência é maior, o impacto menor. Nota 6.
MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS de Alain Resnais com Pierre Arditi, Andre Dussolier, Laura Morante, Lambert Wilson
Resnais melhorou com a idade. Aos quase noventa anos ele domina uma leveza sem igual. Este filme fala do grande tema deste tempo : solidão. Consegue não ser piegas, não ser triste e não ser tolo. Adultos tentando fugir desse fantasma. Não conseguem. O filme é belíssimo. Nota 9.
POR AMOR de Sam Raimi com Kevin Costner, John C Reilly e Kelly Preston
Muita gente não entendeu o porque de Raimi amarrar os melhores anos de sua carreira ao Homem-Aranha. Porque ? Este filme ajuda a responder. Porque Raimi é banal. Este filme tem duas horas de cenas sem qualquer sinal de criação. Tudo é óbvio, previsivel, novelesco. E o tema é bom : jogador veterano recorda sua história de amor enquanto joga sua última partida. ( Baseball ). Costner até não está tão mal, mas o filme é idiota. Começo a pensar que todo diretor de série sabe o que faz ( ou o que não faz ). Talvez Raimi, Bryan Singer, Chris Columbus e agora Christopher Nolan e Gore Verbinski sejam apenas isso mesmo, diretores de séries. Nota 2.
O TEMPO É UMA ILUSÃO de Rene Clair com Dick Powell e Linda Darnell
Clair fugiu dos nazistas e foi filmar nos EUA. Se deu bem. Seus filmes lá são ótimos. Este fala de jornalista que recebe jornal do dia seguinte, ou seja, ele sabe tudo o que vai acontecer antes que aconteça ! Típico tema de Clair : fantasioso e feliz. O filme pede por atores melhores. Um Cary Grant o transformaria em ouro puro, Powell é apenas um tipo de Adam Sandler elegante. Mesmo assim é boa diversão. Nota 7.
FESTIVAL EXPRESS de Al Eamon
Inacreditável !!!! Em 1970 botaram num trem um bando de músicos e os soltaram on the road no Canada para fazerem shows. A idéia era um Woodstock itinerante. É lógico que tudo deu errado. Os hippies enfrentavam a policia, queriam ver os shows de graça. O produtor faliu e os músicos continuaram fazendo a excursão for fun. Muita bebida, muita droga, muito som. O Grateful Dead até que está bem. Era sua fase mais country, mais pop. Buddy Guy é um desastre. Tem ainda o Flying Burrito Brothers sem Gram Parsons, tocando Lazy Day. Nota mil pra eles. Mas tem também a chatérrima Janis Joplin dando seus gritos de sempre. The Band salva tudo : 3 canções de arrasar. Mas o melhor são os bastidores. Músicos totalmente junkies. Um retrato da proto-história do pop. Nota 5.
PS: Meirelles fazendo um filme sobre Janis com a filha do grande Caleb Deschanel ? Tô fora !!!!!

MARC CHAGALL NO MASP

Dos artistas modernos nenhum impressiona melhor aqueles não habituados com a arte que Chagall. Não por ele ser mais simples ou pop, mas porque Marc Chagall conseguiu um equilíbrio entre religião/arte, modernismo/arcaísmo, poesia/pintura, sonho/realidade. Este poeta russo é único no século XX, acredita no homem, acredita na vida, acima de tudo crê no amor.
Chagall nasceu judeu, em aldeia russa. Jamais deixou de ser muito russo, muito judeu e nunca tirou seu coração da aldeia. As cores, roxos e vermelhos vivos, verdes profundos, amarelos brilhantes, são completamente russos. Como russos são seus sentimentos. Marc é absolutamente sensual, as figuras dançam, pulam e sempre levantam vôo. Seu judaísmo está na profusão de estrelas de Davi, velas, profetas, ícones. Tudo remete ao Deus do velho testamento, as cerimônias, as barbas. E existe a aldeia. E é dessa aldeia que Chagall tira sua poesia. Galos de olhos ferozes, bodes rindo, pássaros que são homens, camponesas que são rochas. Sol e lua e essas vacas voando pelo céu, vacas de olhar divino e que são um dos mais felizes símbolos do século. A pintura de Marc Chagall, mágica, nos faz planar no céu.
Mas não pense que ele foi um aldeão. Viveu em Paris, entre artistas modernistas, viveu com sua musa, Bella, namorada da aldeia que ele deixou para trás enquanto se instalava na França. Um dia ela vem para o encontrar, e Chagall pinta sua obra-prima, aquele quadro desmaiante, onde a noiva flutua ao ser beijada pelo artista. Mas Bella morre, anos depois, e Marc deixa de pintar. Seu luto é total : para que pintar sem Bella ?
Redescobre o amor e volta às cores. O segundo Chagall é menos poeta e mais mestre, equilibrado. Descobri esse encantador cigano/judaico em 1985, no canal 9. Roberto D'Avila entrevistava Marc aos 90 anos em Paris. Nove da noite, era o Conexão Internacional. Duas horas com esse mestre russo/francês. Ao fim da entrevista, onde se falou de guerra, gueto, aldeias, modernidade, cor, idade, Roberto pede para que Marc Chagall dê um conselho aos jovens espectadores. O poeta se ergue da cadeira e com olhos brilhantes e subitamente renascidos diz "- Amour ! " Somente o amor existe... Pieguice ? Não ! Na década da ironia ( era 1985 ) eu entendi tudo. Dois meses depois ele falecia.
Desde então eu descobri Gauguin, que com sua inquietude e seu heroísmo radical se tornou meu artista favorito. E encontrei Klee, Kandinski e Vermeer. Mas Chagall, o nunca imitado Marc, o aldeão que não criou escola, é desde sempre um tipo de avô ideal, de patriarca ícone.
Ir ao MASP ver Chagall é obrigatório. Irei uma vez por semana. Uma romaria a um anjo, um puro, um olho em comunhão com a alma do universo, gurú.

MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS - ALAIN RESNAIS

Sim, nascemos sós e morremos sós. Escovamos os dentes sózinhos e sonhamos solitariamente. Mas há um momento em que essa solidão termina. Nasce a chance do amor.
Cinema francês... faz dez anos que o cinema francês vive um belo momento. Veteranos em atividade digna ( quando não genial ) atores excelentes e novos nomes. Nada digno de Clair ou Clouzot, mas é um cinema que ao contrário do americano, ainda dá espaço para o homem adulto.
Este filme, onde o cenário sempre se parece com uma geladeira chic, e onde a neve não pára de cair, é poema discreto à solidão inenarrável. Todos se movem em células asfixiantes, todos tentam, desajeitados, escapar.
E como é fácil perder o amor ! Uma frase, um lapso, um não-dito... e pluft, foi-se !
Alain Resnais tem carreira que nasce no muito complexo ( Hiroshima e Marienbad ) e ruma a simplicidade. Ele se remoça, se torna cada vez mais leve, vai ao básico. Este filme é todo simplicidade, mas é principalmente elogio ao coração. Judiado coração.
O filme tem algum humor. Mas é melancólico. Patético. E profundamente HUMANO. Na ração de cinema "made in USA", onde até os perdidos têm a cara de George Clooney, é um alívio ver atores que têm rosto de gente. Como nós.
SABINE AZEMA, PIERRE ARDITI, LAURA MORANTE ( belíssima ) ISABELLE CARRÉ, LAMBERT WILSON e principalmente esse mago ANDRÉ DUSSOLIER. Estão superlativos. Trazem nos rostos a marca daquilo que não deu certo. Os diálogos que lhes dão para dizer são perfeitos, ecos de vazios e brilhos de esperança. O desajeitamento do primeiro encontro via internet é antológico.
Os minutos finais, neste muito simples filme, são sim momentos de gênio. O octagenário Resnais dá sua mensagem em cenas de brilho estético intenso e de discreta humanidade. Nada é grande neste filme, tudo é floco de neve.
O fato dele estar ainda em cartaz ( dois anos ? ) depõe a favor desse público. Ainda existe vida adulta nas telas. Ainda há público para este filme.
Nem tudo se perdeu.

GLOBO DE OURO, SHERLOCK HOLMES E O FUTURO

Salvo surpresas o Oscar irá confirmar : AVATAR é o filme do ano e possivelmente dos anos 2010/2011 e por aí afora. A obra prima de Tarantino foi ignorada ( ele é o Sam Peckimpah da minha geração... ) e um filme bacaninha e com cheiro de prêmio como o do simpático e boa gente Jason Reitmann foi consolado com um premio de roteiro. Robert Downey Jr ganhou coadjuvante de comèdia e pagou um mico nos agradecimentos : tentou ser bem louco e foi apenas um chato.
A evolução do cinema é tecnológica. Não há mais como se iludir, isso vem desde os anos 80. Nisso ninguém bate James Cameron, ele é o Orson Welles atual. Deve estar despertando várias vocações de cineasta. A homenagem à Scorsese foi ok. Dois takes de MEAN STREETS ( se mostrou a cena no bilhar ) valem mais que SHERLOCK HOLMES inteiro.
Cecil b. de Mille venceu. Cinema é circo.
Legal foi ver Sandra Bullock ganhar. A atriz mais simpática de sua geração. Ela não é pior que Gwyneth, Julia ou Reese. Tava na hora de vencer. Melhor ainda foi ver Jeff Bridges levar o seu. O cara trabalhou com Huston ! E é o GRANDE LEBOWSKI ! Jeff sempre foi excelente, basta ver O PESCADOR DE ILUSÕES.
O GLOBO DE OURO sempre foi mais progressista que o Oscar, imagine o que vem por aí ! AVATAR leva tudo de barbada ! É capaz de Guy Ritchie ser indicado.
Tá rolando uma picaretagem que ninguém percebeu : se SHERLOCK HOLMES se chamasse as aventuras de Ian Hunter ou Pete Thomas teria o sucesso que está tendo ? O que quero dizer é que de Sherlock se pega apenas a marca conhecida, a grife Conan Doyle e se faz um filme que nada tem de Holmes. A marca Sherlock é apenas um seguro de bilheteria.
James Bond nada mais tem de Bond, Batman deixou de ser Batman... um dia se filmarão as aventuras de TOM SAWYER como um super herói do Mississipi.
Teria muito mais mérito criar um novo personagem, criar um herói. Como se fez com Indiana Jones ou Luke Skywalker. Eles não eram grifes, foram criados só pelo cinema. Mas hoje, neste cinema de banqueiros, é mais seguro investir na empresa Sherlock, mesmo que o filme nada tenha de Holmes ou Watson. Pra mim isso é paraguaísmo.
E tome filmes com nomes de HQ, games ou personagens históricos. Só na segurança, sempre.

THE LAST WALTZ - THE BAND & MARTIN SCORSESE

No tempo em que toda banda tinha de ser a mais louca, The Band surgiu como uma ilha de sanidade. Nesse mesmo tempo em que todo grande guitarrista dava solos de meia hora, The Band tinha o mais influente guitarrista e ele fazia solos de meio minuto. Na enciclopédia do rock, da Rolling Stone, é dito que este grupo salvou a vida de milhares de caras que haviam se perdido e não conseguiam voltar das loucuras psicodélicas. E acredite, ela foi a mais amada das bandas e o primeiro grupo de rock a aparecer na capa da Time ( em 69. Os Beatles só apareceram em 70. ) Foi o grupo que fez com que Clapton largasse o Cream, e com que montes de músicos lembrassem que o importante era uma boa canção.

Eles surgiram no Canadá e tocavam de tudo. Quando Dylan resolveu fazer rocknroll os chamou para excursionar... o resto é lenda. Meu amigo Fabio diz que são considerados musicalmente um exemplo de entrosamento. Todos são cobras, mas ninguém é líder de nada. The Band tem quatro vocalistas e nenhuma estrela. É desde 2000 minha banda favorita. Eles falam fundo para aqueles que tiveram o coração partido, mas que mesmo assim não se tornaram cínicos. Eles são cowboys, eles falam de fé, de amizade, de lendas da estrada, do que é ser homem.

The Band é para homens. Não serve para meninos.

Em 1976, num ato exemplar, resolveram terminar o grupo. Eles não tinham mais nada a dizer, viajar não era mais divertido, não queriam enganar ninguém. Chamaram o amigo Scorsese e fizeram um filme desse final. THE LAST WALTZ. Na época ninguém convidava ninguém para tocar em homenagens, o show foi inovador por trazer convidados especiais. E o cenário de palco foi a base estética dos MTV acústicos.

Martin Scorsese, fã, faz as entrevistas. Os caras esbanjam simpatia. O som que eles fazem é a cara deles : amigáveis sem jamais serem engraçadinhos. São adultos, e são muito rocknroll. É bom demais ver os caras tocando. Eles sorriem todo o tempo. Totalmente anti-afetação.

Os convidados... alguns são banais como Ronnie Hawkins, chamado por ser o cara que os lançou no Canadá. Eric Clapton é engolido por Robbie Robertson. Os solos de Robbie são como Miles Davis em rock. O menos que é muito. Seu timbre é único, a guitarra de Robbie nunca grita ou chora, ela balbucia, ela sussurra, enfeitiça.

Dr. John vem com seu boogie de Orleans e a coisa pega mesmo é com os Staples. A voz daquele negro velho, como um anjo de bondade... é pra chorar de alegria.
Mas tem mais. Tem Joni Mitchell. Joni fez música com Charles Mingus. A música que ela canta é um pop-jazz absurdo : pura delícia, pura genialidade. É tudo aquilo que o Style Council tentou fazer e nunca conseguiu. O tempo foi bom para Neil Diamond. Na época do show ele era a carta fora do baralho. O brega. Ouvindo-o hoje eu o sinto como um baladeiro maravilhoso ! E que voz ! Aliás, este show é uma aula de vocais.
E vem Van Morrison. Um pequeno elfo desajeitado. Soltando aquele vozeirão e dando chutes no ar. E tudo explode quando Muddy Waters traz o voodoo do Mississipi e manda Mannish Boy. Caraca!!!!! Que do cacete ! Que voz, que momento histórico, que tesão inigualável !
E ainda tem Neil Young, que parece realmente comovido por estar lá ( quantos canadenses ! Young, Joni, Hawkins e a Band ).
E no final, ele : Bob Dylan, o cara.
Aqui um adendo :
Em 1966 Dylan ia morrer. Anfetaminas demais. Mas ele sofre um acidente de moto sério que o faz convalescer com seus amigos em Woodstock, numa casa de fazenda, a tal BIG PINK. Nessa casa, eles andam, cavalgam, e cantam no porão. Dylan renasce. Os caras que moravam na BIG PINK eram Robbie Robertson, Rick Danko, Levon Helm, Garth Hudson e Richard Manuel : THE BAND. Dylan sai de lá com o disco THE BASEMENT TAPES e a Band com seu primeiro disco, MUSIC FROM THE BIG PINK, uma das mais belas coisas já gravadas.
Voltando... eis Dylan no palco e eis como é Bob com The Band. Dylan rí !!!!!!! E milagre : até diz thank you após os aplausos ! Ele está totalmente em casa, os caras são os únicos que se casaram com Dylan. Foi com eles que Dylan enfeitiçou a Inglaterra em 1965.
Todos voltam ao palco e vemos Neil Young, Van Morrison, Clapton e agora Ringo Starr com Ron Wood fazendo backing vocals para Bob Dylan. Mas vemos todos homenageando THE BAND. Inclusive Scorsese.
Mas apesar de todos esses convidados, o melhor é a própria banda. Rick toca baixo como se fosse da Motown e canta com imensa paixão. Levon é O baterista. Sua batera é básica, mas que riquesa em pratos e em ritmo, e que voz rascante, rouca, do pântano ( Levon Helm é o único americano ). Há ainda o teclado de Richard, que cantava em falsete e que morreu em 87 de heroína... e Garth, o pacato e sério Garth, que conta a real, que o "lance deles era ficar na BIG PINK, pintando uma porta, arrumando uma janela, pescando...que essa coisa de rocknroll, de celebridade torna a música impossível...." um belo momento pego pelo microfone de Martin.
Se houver um céu para onde os amantes do rock vão, com certeza Garth, Rick, Robbie, Richard e Levon estarão no portão nos esperando. São a coisa mais nobre do pop, a total honestidade de carreira e de filosofia. Fizeram discos que trazem para sempre a luz do fim do túnel, a flor no asfalto, o sorriso no abismo.
Assim como os Stones são o sexo do rock e os Beatles são o cérebro, The Band é o coração. THE LAST WALTZ maravilhosamente filmado por Scorsese com a mesma equipe de TAXI DRIVER é digna homenagem a quem a merece.
Um toque : Faltou Gram Parsons. Não tivesse morrido em 73, o maravilhoso Parsons estaria naquele palco. Mas a musa de Gram, Emmylou Harris cantou com a Band... lindo !
A foto famosa dos Beatles de 68, todos de preto, barbas e chapéus, é uma citação deles ao novo grupo que surgia : The Band....
Apesar de assinar Tony Roxy e de o Roxy Music ser a banda que mais gostei na vida, é na The Band que me vejo. Se eu pudesse voltar a vida e pudesse escolher, eu não queria ser Bergman e nem Fellini, não queria estar na guitarra dos Stones e nem no vocal do Led Zeppelin... eu queria segurar as baquetas de THE BAND e tocar CHEST FEVER....
É isso!

BONS COSTUMES/ PETER SELLERS/ DAVID LEAN/ SEMPRE AO SEU LADO

BONS COSTUMES de Stephan Elliott com Colin Firth, Kristin Scott Thomas e Jessica Biel
Texto de Noel Coward e música de Cole Porter. Comentei este filme algum tempo atrás e só agora ele entra em cartaz. Como os nomes de Noel e Porter deixam perceber, é o tipo de diversão chic e civilizada que está totalmente fora de moda. Este filme requer bom gosto e leveza de humor. Adorei ! Então eu tenho bom gosto e humor ? Sei lá... o filme é uma delícia fútil. Existe algum filme ruim feito por Colin Firth ? Ele é ótimo. Nota 7.
AEROPORTO de George Seaton com Burt Lancaster, Dean Martin, Jean Seberg e Jacqueline Bisset
Foi contra este tipo de filme que a nova-Hollywood se ergueu por entre carreiras de pó, barbas e filmes de Antonioni. Eles bateram forte neste mastodonte. Seu sucesso os irritava. Alguém tem coragem de agredir Peter Jackson e James Cameron ? Aeroporto é mais velho que novela das seis. Mas prende a atenção, afinal, todos gostamos de desastres e de ver gente ter medo. Nota 5.
NOITE SEM FIM de Sidney Gilliat com Hayley Mills, Hywell Bennet e Britt Ekland
Uma coisa horrenda ! Baseado em Agatha Christie, o filme não tem nada da dama inglesa. Desprovido de suspense, de estilo e de humor. O elenco é horrendo, a direção banal. Curiosidade : Britt Ekland, atriz sueca que acabou com o pouco equilíbrio que havia em Peter Sellers e que depois transformou Rod Stewart num babaca. Nota 1.
ASSASSINATO NUM DIA DE SOL de Guy Hamilton com Peter Ustinov, Jane Birkin, Maggie Smith e Colin Blakely
Outro baseado em Agatha. Mas este é ok. Bem produzido, bem fotografado, bons atores e toques de humor e crueldade. Um filme indicado para madrugadas de vinho e queijo. Nota 7.
A FILHA DE RYAN de David Lean com Sarah Miles, Robert Mitchum, Trevor Howard
Se Spielberg pudesse nascer de novo ele gostaria de nascer David Lean. O rei do bom gosto, o diretor que melhor sabia usar a tela grande, o perfeccionista. Lean tem todas as qualidades de Spielberg e nenhum de seus defeitos : David Lean nunca é piegas. Ryan é seu maior fracasso e quase destruiu sua carreira. Mas é um belo filme ! A Irlanda nunca foi melhor fotografada e o filme é vasto painel de um mundo desaparecido. Nota 7.
A PANTERA COR DE ROSA de Blake Edwards com David Niven, Peter Sellers, Claudia Cardinale e Robert Wagner
O filme que originou Clouseau. Mas ele não é o centro do filme. Há romance demais e Peter Sellers de menos. Ficamos torcendo para que ele surja logo na tela. Acaba sendo um filme xoxo com alguns bons momentos. Sellers foi um gênio. E que ano estupendo foi esse para Claudia !!! Em 1963 ela esteve neste filme, em OITO E MEIO de Fellini e em O LEOPARDO de Visconti !! Nota 5.
UM TIRO NO ESCURO de Blake Edwards com Peter Sellers, Elke Sommers, George Sanders e Herbert Lom
O segundo da série. Há milênios atrás, este foi o filme que me fez começar a gostar de filmes "velhos". É minha comédia favorita de todos os tempos, mas isso não quer dizer que eu a ache a melhor. Tenho uma relação afetiva com todas as falas e cenas deste filme. Ele é como meu paraíso pessoal. Encontramos Sellers em seu auge. Clouseau é criação de gênio. Mas é aqui também que nasce seu ajudante sempre sério ( Dudu ), o criado Kato e principalmente o comissário Dreyfuss, impagável na pele de Lom ( ele só não rouba o filme porque tem de disputar com Sellers ). É uma comédia que cresce cada vez mais, vai se tornando mais e mais veloz e termina já dando saudade. Aconselho a que os muito jovens não o assistam. Nota DEZ.
RAN de Akira Kurosawa
Quando o cego larga sua flauta e se aproxima do abismo percebemos que a arte do cinema pode ser tão nobre quanto a melhor literatura. Jamais vi filme com fotografia tão linda e raras vezes assisti obra com tal alcance. Um dos segredos de Kurosawa ( são vários ) é sua modéstia. Ele filma épicos gigantescos como quem faz um filme B. Tudo parece direto, sem complicações. RAN é inesquecível. Pretender conhecer cinema e não penetrar em RAN é nada saber. Nota .........
KAGEMUSHA de Akira Kurosawa
Aqui o mestre se perde. A trilha sonora lembra John Willians, o roteiro tem sérios problemas e o filme desmorona todo o tempo. Em que pese a maestria de Kurosawa em filmar batalhas, o filme é o pior de sua grande carreira. Nota 4.
COWBOYS DO ESPAÇO de Clint Eastwood com Ele, Tommy Lee Jones, Donald Sutherland e James Garner
Clint sempre fez dois tipos de filmes : Hawks e Hustons. Este é Hawks. Amizade masculina é o tema central. Quem tem amigos antigos vai adorar o filme. É um RIGHT STUFF ( OS ELEITOS ) caipira. Uma delícia, sem a menor pretensão, com um elenco cheio de carisma e muito bem levado pelo impagável Clint. Humor e aventura, quem quer mais ? Nota 7.
UM CASAMENTO PERFEITO de Eric Rhomer
Rhomer diz fazer documentários sobre o rosto humano. Note : seus filmes são sempre felizes. É por isso que gosto deles ( apesar do desleixo e do fato de que ele não sabe dirigir atores. ) são leves, esvoaçantes, simples, banais. As pessoas falam e falam e falam. E tudo o que fazem é... falar mais. Como todos nós. Para esse tipo de filme funcionar é vital que nos apaixonemos pelos personagens. Isso não acontece desta vez. Nota 4.
SEMPRE AO SEU LADO de Lasse Hallstrom com Richard Gere e Joan Allen
Hallstrom... em 1985 ele chamou atenção mundial com VIDA DE CACHORRO, um dos mais bonitos retratos da infância já filmados. Depois veio a América e GILBERT GRAPE, CHOCOLATE.... virou um bom fazedor de filmes para mocinhas. A poesia de seu primeiro sucesso se perdeu. Filmes de cachorro.... espero que um dia façam a obra-prima dos filmes de cachorro. Não foi este. Sua primeira metade é banal. Mas a segunda, bem... é um dos filmes mais tristes que já assisti ! Não deixem as crianças assistirem. Ao contrário de outros filmes de pets, este tem lágrimas mas não tem final feliz. Eu chorei pra caramba !!!!!! Mas é pura manipulação, minhas lágrimas são pelo cão sofredor, não pelo filme. Que apelação !!!!!!!!! Nota 4.
PAULO FRANCIS
Assistam de joelhos ou joguem tomates na tela, mas assistam. Um mundo sem Francis não tem tempero e a geração que não o conheceu nem imagina o que significa ser provocado por Paulo Francis. Ele era um provocador, mas com conhecimento de causa, com história, com argumentos. Foi o cara que me fez procurar livros de Waugh, Greene e Huxley; foi o cara que me abriu os olhos para Gielgud, Olivier e Rex Harrison e que me fez desconfiar para sempre de modas e opiniões moderninhas. Ele era sincero. Faz uma falta do caramba !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

GAROTOS INCRÍVEIS - MICHAEL CHABON

Quem me conhece sabe de minha paixão pelo filme de Curtis Hanson baseado neste livro. A comparação do livro, que lí somente agora, com o filme, que já vi 4 vezes, serve para clarear os limites do cinema e fazer pensar em como deve ser cruel adaptar um livro tão bom.
Chabon, autor jovem, é das coisas mais "quentes" das atuais letras americanas. Já ganhou Pulitzer e consegue unir erudição com popicidade. Este é seu segundo livro e fala de um final de semana na vida em crise de um professor/escritor que não consegue parar de aumentar seu prometido novo livro : WONDER BOYS.
O livro é muito mais amargo que o filme. O editor gay, feito no filme por Robert Downey Jr com simpatia ( aliás o grande limite a Downey como ator é que ele não consegue deixar de ser simpático ) é um nada simpático e afetadíssimo, falso e maldoso homossexual no livro. Assim como James Leer, o garoto prodígio, é um suicida sensível, que tem na mão uma tatuagem onde se lê FRANK CAPRA ( a tattoo sumiu nas telas ). As alusões ao cinema dos anos 30 são constantes no livro. Fala-se da beleza arrebatadora do jovem Henry Fonda e dos atores que se mataram. Mas o livro e o filme se desencontram de vez mais a frente...
A aluna Hannah, que no filme é mera sombra, no livro é uma paixão do professor. Ela o assombra todo o tempo com suas tentativas de sedução, às quais ele resiste. Em compensação, Sara, a esposa do reitor e mãe do futuro filho do protagonista, é aqui coadjuvante. No filme ela aparece mais.
O miolo do romance é uma visita a casa da ex-esposa do professor, onde a família dela comemora a páscoa judaica. São as melhores páginas do livro e trágicamente no filme desapareceram sem deixar o menor rastro. Aliás não é só a quase pedofilia do autor com sua aluna que foi eliminada, toda alusão ao judaísmo também.
Como no filme, a vida do professor gira ao redor da maconha. No livro a coisa é bem mais pesada, seu vício é total. Nada há de cômico na erva, ele fuma por estar em crise e saber que seu livro é um lixo. A crise é absoluta. No fim ele perde tudo, carreira, aluna, carro, amigo, aluno. Mas o livro emociona com um dos melhores finais da década. As últimas páginas deste romance sobre a crise são de maravilhosa beleza. Um otimismo real aparece, uma paz possível.
Chabon escreve bem. Ele é fácil de ler, mas jamais é superficial; ele é pop sem fazer gracinhas. Consegue criar um personagem apaixonante ( Grady Tripp, o professor. No filme feito com inspiração por um carismático Michael Douglas ) para quem torcemos todo o tempo. Sua trajetória através desse louquíssimo final de semana é cômica, trágica, heróica e patética.
GAROTOS INCRÍVEIS é livro que faz com que a fé na literatura permaneça. Diversão soberba e escrita perfeita.
Um adendo : Como deve ter sido triste ao autor do roteiro ( premiado ) eliminar capítulos inteiros, cenas que poderiam render tanto na tela, diminuir personagens, cortar falas, abreviar desastres e passar sobre rostos e vozes. Penso em tantos livros destruídos no cinema, livros como MORRO DOS VENTOS UIVANTES que sempre deu filmes péssimos, ou ANNA KARENINA livro monumento que na tela vira uma novelinha frágil. Em compensação penso em David Lean, que filmou OLIVER TWIST e GRANDES ESPERANÇAS e conseguiu fazer dos dois livros filmes geniais. GAROTOS INCRÍVEIS o filme, está mais para GRANDES ESPERANÇAS que para ANNA KARENINA, Curtis Hanson sobreviveu a transposição.
Mas o livro é ainda melhor que o filme. Mais profundo, mais engraçado e muito mais febril. O cinema tem limites claros, e o tempo é o mais óbvio.
Faço aqui uma campanha : Peguem o que sobrou do livro e produzam mais um filme ! Please !

CINEMA DE CRIANÇA

O cinema dos anos 70 foi o cinema da droga. Mais especificamente, da cocaína. Os filmes ( os que marcaram a época ) são todos testemunhos da euforia, da paranóia e da deprê do pó branco. Cheirava-se muito, demais, era um absurdo. Atores, roteiristas, diretores, produtores, todos seguindo uma longa carreira rumo a destruição. Gente como Sam Peckimpah, Frankenheimer, Friedkin, Dennis Hopper, Coppolla, com seu caminho truncado para sempre. Os filmes eram desejos de viciados : montes de pó ficavam a disposição nas mesas dos executivos. As coisas tinham de mudar, ou todos morreriam e matariam a indústria.
Produtores como Jon Peters e Joel Silver assumiram o controle nos anos 80 e trouxeram com os anos Reagan a estética gay. É impressionante como todo filme dos 80 tem tiques e trejeitos homo. Rambo é o símbolo maior, boneco bombado gay com enorme falo nas mãos. É a era dos paletós brancos com ombreiras, dos cabelões armados, dos Armani, de Top Gun e dos David Lynch da vida. Nasce Almodovar, Van Sant, Greenaway, Fassbinder vira chic. As mulheres no cinema perdem seu espaço como musas e se tornam más, predadoras, perigosas sem o lado sexy do filme noir. Atração Fatal. As atrizes ficam com um jeito meio assexuado e os homens com ar de academia : suados e de peito nú. Gays.
Nos anos 90 o mundo e o cinema ( e estou falando básicamente de Hollywood. Mesmo quando cito Fassbinder falo de seu impacto em LA ) se tornam adolescentes. Todos os filmes giram ao redor do rompimento/reatamento com o lar. Tudo é adolescência, tudo é feito em torno do conflito com pais ausentes ou o final da escola. Paternidade ( o medo dela ) é tema recorrente e Hollywood abre mão, para sempre, do filme adulto. De Forrest Gump a Titanic, tudo é adolescente, tudo é vida entre 14/18 anos ( mesmo quando já parecem adultos, como em Pulp Fiction ou Magnolia, são velhos teens em crise com sua família ou brincando de matar ). No cinema dos 90 o único interesse é parecer sempre jovem.
Agora, nos anos 2000, retornamos ao mundo da criança. Tudo é fantasia e susto. Tateamos entre a verdade ( nunca aceita ) e a saudade do útero : mundo fechado onde tudo é um grande eu. Neste cinema há a pura infantilidade gaga, até a total negação do mundo adulto. É um cinema que foge do tempo, que tem olhos apenas para o brinquedo, o devaneio, a masturbação mental. O sexo se torna algo a ser evitado, a vida real vira empecilho e tudo passa a ser fantasia. Nas mãos de poetas esse mundo seria digno de Chagall ou de Klee, mas o cinema está nas mãos de banqueiros... É um cinema onde até a neurose é vista como brinquedo, o amor se torna um conto da carochinha e a violência uma brincadeira de bonecos e carrinhos.
Sempre há excessões. Nos 70 Woody Allen não tinha traços de pó branco e Altman expelia perfume de erva; nos 80 Indiana Jones nada tinha de gay e nos 90 havia um cinema americano não adolescente. Mas a linha central, a cara e o rg da década foi teen, assim como de 2000 até 2... ela cheira a fraldas e talco.

RAN AKIRA KUROSAWA, UM MONUMENTO

A cor. Vermelhos de sangue e verdes de mato ao vento. Imagens de nuvens e um sol. Esse é o visual do filme : sangue, relva, cavalos de castanhos brilhantes e nuvens. Há filme melhor fotografado que este ? Cada imagem é uma aula de estética.
Drama. Não há romance aqui. Este é o mundo da guerra. Universo de homens sem heróis. O inferno. RAN é o testamento de um gênio. Talvez do maior mestre dentre todos os mestres.
Ver o filme dá uma estranha sensação. Entramos em outro planeta, outra era. De seu início, plácido, até seu final, belíssimo, nós fomos jogados numa odisséia que vai do vazio ao nada. Quando o filme termina nos sentimos como de volta de uma viagem. RAN é uma jornada.
Sentí um ódio profundo quando o filme se encerrou. Pensei : -Como Kurosawa ousou fazer um filme tão genial ? De que adiantará agora ver outros filmes ? Todos parecerão pequenos !
A cena final do filme : um cego à beira do precipício. A beleza do kaos. O filme é belíssimo, mas é o inferno.
Em três horas vemos apenas cenas pefeitas. Todo movimento de câmera é discreto, todo enquadramento é riquíssimo. Cinema puro. Não há a menor influência de tv ou de teatro.
Uma sequência em que se exibe uma batalha. Não ouvimos o som da batalha, apenas música. Cenas coreografadas de sangue e crueldade. Uma das maiores sequências já filmadas. Kurosawa, o mais talentoso dos diretores.
Fazia algum tempo que eu não via um filme do mestre. Revendo RAN reencontro toda a amplitude que o homem pode ter. Nos seus filmes o homem nunca é pequeno, ele é um monumento.
Todos os locais onde RAN acontece têm a profundidade da melhor poesia. Um filme Shakespeare com tons de Dostoievski. Um Kurosawa.

CIÊNCIA, UMA NOVA RELIGIÃO

Juro que assisti isto na GNT.
No futuro nosso cérebro será transformado num software. Dessa forma, quando o hardware morrer, basta colocar o soft em outro aparelho. Teremos então a vida eterna ! ( E fico pensando qual seria o valor de uma vida eterna... mas o cientista nunca pensa em "valores", o raciocínio é sempre em termos de "solução de equação" )
No futuro teremos a nossa disposição a escolha : estaremos conectados a uma virtualidade em que poderemos viver com o rosto que escolhermos e o cenário que criarmos. A nanotecnologia, implantada em nosso cérebro, fará com que possamos viver amor, sexo e desejo apenas mentalmente. Fantástico ! É a velha "lógica" da humanidade : destruir o que nos foi dado para em seguida refazer tudo. Voce suja para limpar e destrói para reconstruir. Num mundo de seres em cadeiras, ligados em seus sonhos "reais", "onde iremos não só ver e ouvir, mas viver o sexo na cabeça, criando o que quisermos", bem, nesse mundo o acaso é ignorado, tudo se torna aparentemente controlável. Pois é... mas o telhado ainda terá uma goteira para ser tapada e as enchentes ainda levarão gente embora. Esses FRANGOS DE GRANJA conectados, ignorarão isso ?
Daí o idiota falou algo de uma irresponsabilidade absoluta : o planeta pode, tranquilamente, suportar 10 bilhões de seres, ou mais. Porque a ciencia SEMPRE irá criar uma saída. Esta é a lógica do tolo : como nunca morri, jamais morrerei. Diz ele que a energia solar e os alimentos criados em laboratório poderão suprir quantas pessoas existirem. E mais, que criaremos água. OK. Ele só esqueceu de dizer de onde será criada a água e o alimento. Ele não disse que NADA é criado do nada ! A Terra, por mais que os babacas ignorem, tem um limite físico. Tudo o que fazemos é feito a partir de algo que existe antes. Se voce fizer um tomate em laboratório ele será feito de algum componente colhido da Terra. A única forma de sair desse círculo seria sair do planeta. Sair para onde e como ?
O que esses deslumbrados infantís não conseguem notar é que a vida é circular : tudo o que voce faz tem um resíduo que não desaparece magicamente ! O que voce faz volta, nada é eliminado, tudo fica. Já o homem pensa em reta : eu deixo meus restos para trás, e eles desaparecem... Isso não existe, é a ilusão de nosso modo de pensar. Tudo o que é feito permanece. A energia solar será usada para produzir alguma coisa e essa coisa deixará resíduos. Para produzir água é preciso alguma matéria prima, qual e de onde ? Todo ato tem um eco no sistema.
Em outro canal, o oposto.
E nesse oposto uma idéia que jamais havia notado :
Se a Europa e os EUA fossem uma ilha ( como foi a ilha de Páscoa ) completamente isolada, sem nenhum contato ou troca com um vizinho, eles já teriam sido extintos. O que existe HOJE no continente europeu não basta para garantir a sobrevivência autônoma da própria Europa. Sem o comércio com o resto do mundo eles estariam extintos. Não há desenvolvimento econômico ( no atual modelo ) sem a destruição completa do equilíbrio natural. È impossível. Pois o desenvolvimento é baseado em exploração frenética e constante de energia e matéria, e toda matéria é finita e toda energia produzida transforma alguma coisa em outra coisa.
Interessante o palestrante usar a imagem do automóvel. Uma máquina que desde 1910 é básicamente igual : um trambolho de 3 toneladas, com uma capacidade energética imensa, usado para transportar um corpo de 65 quilos. É a imagem da absoluta falta de lógica. Nada na natureza é assim : nela a energia x é usada numa função x. Conosco, uma energia x é usada para realizar menos y.
Quando se fala em modelo de desenvolvimento não pense em crítica ao capitalismo. Russos e chineses poluíram e poluem mais que europeus.
Assitindo os dois programas eu observo como o otimista falando se aproxima perigosamente da religião. Ele consola e fala de um paraíso futuro baseado não em fatos, mas apenas na fé. Chega a prometer a vida eterna e a transformação do homem num tipo de deus, capaz de criar vida. Volto a dizer que essa besta consumada não percebe o óbvio : que se destrói com facilidade para depois se tentar recriar com imensa dificuldade.
A ilusão de que podemos não só viver sem a natureza, como até mesmo recriá-la e melhorá-la é não só burra, é criminosa. Somos o que afinal ? Viemos de onde ? Não estamos sujeitos as leis naturais ? Comemos, bebemos, desejamos, tememos, apodrecemos, criamos...
Mas sempre existe aquele homem que não aceita suas imperfeições, que acha sexo um nojo, que ignora tudo o que é resto, tudo o que escapa de sua idéia de vida auto-construída. Que crê na mente pura ( como se existisse tal coisa ) na perfeição da idéia. Não vejo nenhuma diferença entre esse escroto e o stalinista ou o nazista. É a mesma crença em organização, planejamento e eficiência. Meu espírito rebelde indignado chucro indomável se exalta e se rebela contra suas crenças cegas e seu sorriso falso.
Ligados aos nossos chips e nossa vida virtual continuaremos a defecar. Quem vai limpar a sujeira ? E onde ela irá aportar ?

PORQUE O CINEMA HOJE É TÃO IRRELEVANTE ?

Bons filmes continuam a ser feitos. Bons atores e bons diretores continuam a existir. Então porque, para todas as pessoas que amam o cinema, ele passa uma sensação de total decadência ? Bem... não é dificil responder e há um texto de Pauline Kael, escrito já no final dos anos 70, que ajuda a entender. Vamos por partes...
O BLOCKBUSTER. Primeiro vem o grande sucesso. O filme que todo mundo vai assistir, que todos comentam, que o cara que nunca vai ao cinema sente vontade de ir assistir. É através desse filme que se julga o momento atual. E o grande sucesso de hoje é sempre tecnológico. Não existe mais o grande sucesso baseado num grande desempenho, numa grande história ou numa bela produção. O que existe é o grande efeito, e isso é circo, não é cinema. Um espetáculo em que o público vai para fazer : "aaaaaah !" quando o trapezista pula mais alto e "oooooooh" quando o leão abre a boca. Nenhum grande sucesso é baseado em diálogo ou roteiro. GOLPE DE MESTRE, E O VENTO LEVOU ou mesmo A NOVIÇA REBELDE seriam hoje filmes B. Devemos julgar 1973 por GOLPE DE MESTRE também. Julgamos o agora por AVATAR. Em que pese Avatar ser um bom filme, todo seu sucesso é baseado em Marketing e nos seus efeitos. Em circo. Seus atores nada podem fazer, seus diálogos têm o nível Stan Lee de dramaturgia. BASTARDOS INGLÓRIOS se lançado em 1973 seria o hit da estação. Hoje é considerado arte...
OS PRÊMIOS. Vencer em Cannes ou Veneza fazia do filme um evento. A repercussão desses prêmios hoje é nula. E fato estranho, mesmo o Oscar não repercute mais. GOLPE, E O VENTO e NOVIÇA venceram como melhor filme, graças a seu sucesso, mas também às suas qualidades. Quando o filme dos irmãos Coen venceu ( com maravilhosa justiça ) nada aconteceu. Ao contrário do que otimisticamente eu esperava, não se inaugurou uma nova fase em Hollywood. Se BASTARDOS vencer agora, infelizmente não se inaugurará uma fase Tarantinesca e se NINE vencer, isso não irá significar a volta dos musicais. Mas já foi diferente. A vitória de OPERAÇÃO FRANÇA trouxe a era dos anti-heróis radicais que durou até os anos Reagan, e o triunfo de O PODEROSO CHEFÃO ( e seu enorme sucesso nas bilheterias ) trouxe um bando de moleques ao poder total. Poderá isso se repetir ?
O OUTSIDER. Esse é o grande problema, " Poderá isso se repetir ?" Querer repetir alguma coisa, mesmo que genial, nunca é bom sinal na arte. E hoje, todo diretor de talento, fica tentando repetir aquilo que Scorsese ou Cassavettes fizeram. E vem então esses filmes espertinhos, com suas trilhas de rock, seus personagens malandros, seus cigarros e roupas 70's, suas cenas de improviso. São bons filmes, mas eles nada trazem de novo, não podem fertilizar nada, são lembretes da genialidade do passado. Mas pode ser pior : sempre no cinema o filme de arte foi a antítese do filmão. E hoje, quanto mais filmão o blockbuster é, mais "artísitico" o outsider tenta ser. A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA era o anti AEROPORTO. Para hoje um cara ser o anti BATMAN ele acaba sendo tão metido que se torna incomunicável. É a total negação.
A PRODUÇÃO. Se disputava um roteiro. Após comprá-lo, se escolhia diretor e depois o elenco. Hoje não. Se cria um produto. È encomendado um roteiro. Escolhe-se um diretor que tenha feito algo parecido com aquilo ( ou igual ). O grande filme é feito por produtores, mas quem são esses caras ? Executivos de publicidade ou de TV. Herdeiros de grandes empresas de petróleo ou de construção. Tudo, menos cinema.
O GÊNERO. Julga-se um momento do cinema não por seus melhores filmes ( que sempre podem enganar) mas sim pelo filme médio. Pela aventura, pela comédia, pelo drama médio. Posso dizer que morro de tédio com HOMEM-ARANHA, SENHOR DOS ANÉIS e HARRY POTTER. Por um motivo muito simples : eu adoro cinema ! Todos esses filmes são feitos para fãs de TV. São séries em tamanho big. Não há sutileza, não há criação, não se usa a linguagem do cinema. Tudo é edição e mais edição. Como na TV, luta-se violentamente pela atenção de um público incapaz de concentração. Vejo o Homem-Aranha pular e nada acontece comigo. Vejo apenas um boneco colorido saltar... será que ninguém mais percebe como aquilo é RIDÍCULO ? Quando olho Clint Eastwood em DIRTY HARRY dar tiros, quando vejo Bruce Willis se sujar em DIE HARD, quando vejo Mel Gibson pirar nas ruas, quando vejo Stallone pendurado num abismo... bem, há emoção alí. Mesmo Sylvester é um ator. Nós vemos sua expressão facial, seus gemidos, seu esforço, ouvimos sua voz. Há uma dimensão humana a ser superada. O bonequinho saltando nada me diz. Se é para fantasiar, vamos de SHRECK, ele é imensamente melhor.
A ESCOLHA. Então estamos reduzidos a idiotice de bonecos tolos, comédias românticas de debiloides e filmes políticos que se parecem com aulas de atualidades. E por outro lado, diretores que odeiam o cinema pop e fazem uma tristíssima mistura do pior de Bergman com o pior de Cassavettes. São aqueles filmecos deprê, em que para confrontar os filme HQs, NADA acontece. Filmes chatíssimos em que sempre os personagens são deprimidos, os cenários são mal iluminados e as atrizes se vestem como indigentes. E no meio dessa tristeza, tentando manter as coisas em algum nível de sanidade, os herdeiros da última grande geração, os Tarantinos, Coen, Haynes, Hanson, Payne, Burton... Mas todos eles sabem que seu cinema, por melhor que seja, é irrelevante. Pois ele dialoga com o passado, não reverbera agora, ecoa para trás. São filmes que sempre são homenagens aquilo que o cinema fez.
A CURA. Sempre que o cinema mudou, ele mudou porque havia um novo público querendo novos filmes. E esse novo público surgia SEM QUE OS PRODUTORES PERCEBESSEM. O público que fez de um filme tão radical como A LARANJA MECÂNICA ou O ÚLTIMO TANGO um sucesso, foi formado pelos livros e pela política. Se dependesse do cinema, tudo se resumiria a NOVIÇA REBELDE. Para o cinema mudar o público teria de mudar. Como ?
MUDANÇA. O último público novo no cinema foi o da geração 1977, que de certa forma é a nossa geração. Foi quando os jovens formados pela mistura de TV e quadrinhos se encantaram com STAR WARS e TUBARÃO. Fazem 32 anos que temos cada vez mais STAR WARS E TUBARÃO. Porém com cada vez mais robozinhos e bichos de borracha, cada vez menos Harrison Ford e Roy Scheider. Só não vê quem não quer : o grande sonho de todo produtor irá se realizar : cinema sem ator nenhum, sem diretor e sem roteiro. Circo, mágicos e palhaços. Até quando aplaudir ?
A VOZ. Spielberg disse uma vez que " Um bom filme deve ter um roteiro que possa ser resumido em 25 palavras... " Beeeeem... se é assim ( e não esqueçamos que Steven nunca escreveu um roteiro ) então estamos muito bem ! 2012 é o filme perfeito, sua trama pode ser resumida a 3 palavras.