gran torino- um simples conto moral

Muhammad Ali, Babe Ruth, James Stewart, Abraham Lincoln, Chuck Yeager, Johnny Cash, Dashiel Hammet, John Ford, John Huston, Henry Fonda, Muddy Waters, Thelonious Monk, Leonard Bernstein, Bob Fosse, Fred Astaire, Joe Louis... a América mudou, a América muda radicalmente desde o final da guerra do Vietnã, a América termina, todo império termina se modificando, decaindo em sua educação, esquecendo sua filosofia, perdendo sua inocência, se acovardando, e afinal, sendo invadida pelos bárbaros que um dia dominou.
Clint Eastwood diz ser este seu último filme como ator. Peço aos deuses que esteja longe de ser sua última direção. Como ator, aqui, ele mistura Dirty Harry/ Bronco Billy e o cowboy do espaço. Se despede da atuação de forma elegante, altiva, digna, como sempre fez.
Mas o mundo ainda tem lugar para Clint Eastwood ? A resposta, e creio que ele sabe disso, é não. Sua imagem é de uma outra era. Mas o mundo precisa de Clint Eastwood. Sim, pois ele nos recorda valores arcaicos, broncos, conservadores e muito necessários. Clint, em seus filmes, filmes que têm por assunto básico a moralidade, sempre bate nessa tecla : a ética e a moral nascem da luta. O homem não nasce moralmente limpo, ele precisa ser refinado.
Gran Torino é um filme pequeno. Simples. Pobre. E qual de seus filmes não o é ? Ele não teme parecer antipático, esquemático e pouco " artístico ". Clint sabe que seus filmes irão parecer antipáticos para os alegrinhos fofinhos, serão esquemáticos para os filósofos da cervejaria e terão a tarja de não-arte para os meninos artistas. Gran Torino, sem afetação, sem discurso, sem fogos de artifício, diz muito em muito pouco. Mostra a morte da América. Da América que insistimos em acreditar ainda viva.
Lá está o branco fantasiado de mano, as ridículas gangues, os blacks sem razão para viver e educados por rap e droga, a neta alienada por celulares e aparelhinhos, os filhos frios e cansados. Um mundo irreconhecível. Uma América morta e enterrada.
Clint sempre se disse fã de Kurosawa e vejo muito do mestre neste filme : a relação dos filhos ( Viver ), o choque entre mundos, a vingança. O filme flui fácil, as cenas são simples e nenhuma parece estar sobrando. E termina como deveria terminar. Sem outra alternativa.
A ironia é que Walt é um imigrante ( polaco ), o barbeiro é italiano e seu amigo Kennedy é irlandês. E na relação de Walt e o garoto fica essa tênue esperança : a de que os novos americanos verdadeiros sejam novos imigrantes. Imigrantes de olhos puxados e pele amarela, mas tão estrangeiros quanto ele foi um dia.
Gran Torino é um grande filme. Gran Torino é emocionante em sua pureza e Clint, o mais moralista dos diretores ( no sentido Ford e Hawks do termo ) nos deixa um filme que será cultuado em 30, 40 anos ou enquanto durar a humanidade digna de tal nome.
E macacos me mordam... ele se interessa por tudo que me interessa !!!!!!! A decadencia do mundo ocidental e o triste fim de uma era. Meninos se preparem : a idade média bate às portas...

guetos internéticos

Tá na Folha de hoje. A internet cria um tipo de gueto. As pessoas tendem a só lerem o que já sabem, se interessar pelo que já conhecem. Quando voce abre um jornal impresso voce passa por vários assuntos. Muita coisa que aparentemente não lhe interessaria lhe é oferecida. De repente voce pode descobrir algo que não fazia parte de seu mundinho.
No mundo virtual voce fala com pessoas que são como voce, lê coisas que são como as que voce escreve e ouve apenas aquilo que lhe agrada. Seu mundo encolhe.
Dois anos atrás entrei numa comunidade que era formada por cinéfilos. Um lugar, segundo eles, para discutir o cinema. Pois bem, um dia ousei dizer que Psicose não era um filme assim tão bom. Bem... fui expulso do gueto. Em seu mundinho virtual só os iguais existem.
E assim, voce, caro amigo, passa a pensar, alimentado por seus iguais, que Todo Mundo adora aquele cd dos Dandy Warhols, que Todo Mundo está lendo Michael Chambon e que Todo Mundo vota no seu partido. Não meu caro, não. É apenas no seu ínfimo mundinho virtual que as coisas são assim.
Lembro então que se voce queria ouvir música nova, voce tinha que ouvir rádio. E que rádios como a Difusora e a Excelsior tocavam tudo. Tudo. Então eu ligava o rádio para ouvir aquilo que já gostava. Mas era obrigado na espera a ouvir de Benito di Paula à Tavares, de Bad Company à Isaac Hayes. Tim Maia, Ronnie Von e Led Zeppelin. Isso eu chamo de educação.
Leio em outra parte que a única coisa que justifica minha presença na vida é a expansão da minha mente. E essa expansão se dá pelo novo : ouvir uma ópera que voce jamais ouviu, ver um quadro que nunca foi visto, ler um pensamento novo. No mundo das comunidades da internet isso é impossível. Um cara que é como voce irá lhe indicar tudo que te faz continuar sendo voce-mesmo. For ever...

porque eu odeio o eterno mesmo de sempre

Conheço gente que é capaz de usar uma camiseta branca por toda a vida. Não é gente suja, não. É o tipo de pessoa que tem 22 camisetas iguais. Assim como conheço o tipo de pessoa que tem opiniões sobre as coisas sempre previsiveis : as músicas são sempre as mesmas, os livros são eternamente iguais, os filmes idênticos. Gente com que convivo por mais de 15 anos e que continua ouvindo as mesmas coisas e vendo os mesmos filmes. Pessoas com razoável cultura que jamais me fala de um autor que eu deva descobrir ou de um tipo de música que me fosse estranha.
É sempre mais do mesmo : se o cara ouve rock, morre ouvindo rock... se lê autores americanos, morre lendo autores americanos. Nada de novo em sua vida. Nada que me surpreenda.
Talvez seja a preguiça, talvez a pessoa já esteja solidificada, pronta e transformada em pedra. Ela não consegue descobrir nada por sí mesma. Vai atrás do de sempre. Novas bandas inglesas, velhos filmes italianos, romances noir... não importa, ela se colocou num gueto e dele não sai.
Talvez tenha morrido.
São amizades sem surpresas. Nunca irão falar de uma peça grega que jamais lí, de um filme francês que não conheço, de um tipo de música que me é estranha e enigmática. São burocratas do gosto- batem ponto sempre nas mesmas revistas e nos mesmos sites. Nos endereços conhecidos, nos assuntos batidos, nas vidas passadas.
Eu, que sou orgulhosamente infiel, me vejo entediado pelas novidades mofadas ou pelos clássicos já dissecados... e sigo adiante : um texto latino que ninguém conhece, a descoberta dos prazeres da música judaica, um novo autor alemão, um diretor de cinema que ainda não foi insensado.
O velho, o novo, o agora e o que nascerá me alimentam. Tudo me interessa - não conheço melhor modo de viver, colhendo todas as jóias que brilham pelo caminho, provando o gosto de toda fruta, abrindo o peito sempre que o sol bate, olhos arregalados, boca ansiosa, mãos estendidas, na estrada da mente, vivo, acordado, solto, infiel.

walt whitman

Ganhei de Marcos Vieira de Moraes, em 1991, meu exemplar de Folhas das folhas de relva. Marcos se foi com os anos, mas o livro permaneceu comigo para sempre. Lí Whitman debaixo de um forte sol de abril, sol de meio-dia e completamente apaixonado pela vida. Toda a vida.
Eu estava orgulhoso, saindo de um ano de tristeza insistente. Estava enamorado de mim mesmo ( e de Lú, a menina de lábios grossos e seios generosos ).
Feliz a nação que tem por poeta Walt Whitman. Ele fertiliza todos que o escutam, ele faz música em todo canto, ele é grego e cristão. Sua voz é a dos púlpitos protestantes, suas linhas são orações à vida. Ele absorve tudo. O dito lixo, e o dito luxo. A morte como parte da vida e a vida como destruidora da morte. Ele festeja tudo. Principalmente a solidão.
E nenhum país é mais solitário que a América. E nenhum canta mais sua própria história.
Walt antecipa Bob Dylan e o jazz, antecipa os hippies e os astronautas, antecipa Pollock e The Band. O cinema de Capra e de Ford.
Leio num livro francês, que nos últimos 3 séculos, nenhuma nação leu mais que a América. O americano levou para o novo mundo selvagem uma missão : a de fazer do inóspito o paraíso de Deus na Terra. Para isso levou livros : bíblias e almanaques. E passou a idolatrar a palavra impressa : constituição e jornais. Whitman é filho desse meio : sua palavra impressa é viva e fala com todos os homens e com Deus também.
Eu lí Walt olhnado meu cão que dormia ao sol. E me tornei esse cão.
E fui à faculdade onde conhecí surfistas que fumavam erva toda hora. Eu fui esse surfista.
E conhecí snobs dandys que se afetavam beleza. Fui esse dandy dos dandys.
E fui meu cão, nada pensando e sentindo o sol que cresce.
E o pedreiro que dorme a siesta entre marretadas e pigarros. Eu fui.
A atriz metida que se exibe no palco amador e o garanhão tolo que pensa ser irresistível. Fui.
Não escolho quem sou. Todos eles me vêem.
Fui Dumbo e Clint e O'Toole e Bruce e Popeye e Ferry e Kevin Arnold e Bundy.
Estive só entre prazeres definitivos e medos indizíveis.
Walt Whitman me ensinou a ser isso que sempre fui. Vida.
Estranha coincidencia a de Walt ter nascido no mesmo dia que Clint Eastwood. Ou o fato de Yeats, Pessoa, Lorca e Whitman serem todos geminianos lunáticos ( como Dylan ). Faz com que eu queira crer em astrologia... mas não. Posso citar aqueles que deveriam ser do signo de Whitman e não são : o leonino Shelley e o libriano Eliot.
Há uma foto de um jovem Whitman : dandy, camisa aberta e um chapéu. Ele foi bonito quando jovem, não foi sempre o papai-noel que nos querem fazer crer. Dois olhos desiguais- um muito suave, outro preocupado - me lembra Paul Gauguin -- esse Whitman frances, que falou como Walt pela pintura e encontrou sua América no Tahiti.
( Gauguin é geminiano ). Não se irrite: o poeta americano me traz de volta o mundo da astrologia.
O caminho das pessoas é normalmente da solidão para as pessoas... para tipos como Whitman a coisa é inversa... ele parte da multidão e caminha deliberadamente para a solidão. Tantas humanidades o habitam que ele requer recolhimento para as escutar. E dá voz a elas.
O poeta deveria ser a bíblia das escolas do mundo, o norte dos desesperos e o Freud dos doutores. Receitem Walt para desesperados !
Ele tem a fala de pastores metodistas. E Lincoln é possível apenas na sua terra.
Bem... não é meu poeta favorito- com o tempo me aproximei de Eliot e de Keats e deixei Yeats e Whitman para trás. Mas os dois, o americano e o irlandes me fazem feliz, me dão coragem, me recordam aquilo que a vida de fato é, e aquilo que eu sou.
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Andando por Pinheiros e vendo prédios sendo derrubados pelo novo metrô : sou o novo metrô e sou o mofado prédio que cai.
E olhe aquela multidão de camelôs entrincheirados em sua guerra contra a legalidade : sou tanto o vendedor de quinquilharia quanto o fiscal decidido ou vendido.
O almofadinha que exibe sua roupa cheirosa e seu óculos Gucci e o bombado que mostra suas suspeitas linhas curvilineas : eu me vejo e me aproximo dos dois- tenho-os em mim.
E o gato no telhado imóvel e aquele pássaro que ninguém notou piar: eu notei. Era eu.
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Portanto
quando estiver com voce, serei voce
e quando estiver longe de voce, não mais o serei
e voce então não me reconheceria.
Sou um outro. Sempre. ( e Rimbaud era escorpião ).
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Eu disse que amava o filme O Atalante- o poeta está nele.
E está em todo lugar.

um cão

Uma das mais belas criações do homem : o cão. Sim. Pois o lobo foi criado pela natureza, mas o cão, esse é nossa obra. Foram séculos de convívio, de interdependencia, de aulas e truques, de obsevação. E afinal, criamos o companheiro dos sonhos : leal, dependente, constante e eternamente infantil.
Com um cão podemos ser sempre crianças, podemos ter a 'sem vergonhice' da qual a civilização nos priva. Pois ele é criança sempre e sem vergonha radical.
Não me venha com essa ladainha de que é uma bobagem gostar tanto de um cão e tão pouco de humanos- um amor não exclui o outro, muito mais o afirma. São sentimentos diferentes, porém, complementares.
Um amigo hoje perdeu seu boxer. Nada pode ser dito.
Perdi o cachorro que mais amei ( Nicky ) no tempo exato em que tinha a menina que mais amei. Parece que o mundo sempre mede tudo.
Mas a morte de um cão dói pelo fato de que sentimos que algo de muito inocente se vai. Pois um cão, ao contrário de outros carnívoros, não mata, não caça. Ele apenas vive com seu humano. E encara nosso olhar com abertura, com curiosidade, com clareza.
Amamos os cães porque talvez eles sejam nossa melhor criação.

VIGO/MEL BROOKS/BECKETT FAVORITO DO REI

L'ATALANTE de jean vigo com dita parlo, jean dasté, michel simon e louis lefebvre
todo grande filme é mais que cinema ( mas nunca deixa de ser cinemático ). desse modo visconti ou david lean são também história; fellini e ophuls são pintura; bergman e kurosawa são filosofia e aqui temos vigo- que é poesia. o filme é o mais livre do cinema. o mais poético. possívelmente seja o grande filme da história. nota dez.
JAMAICA INN de alfred hitchcock com maureen o'hara e charles laughton
o mestre fez este filme às pressas. havia assinado com selznick e estava com malas prontas rumo à américa. dá pra notar sua falta de interesse. nota 4.
THE PARADINE CASE de alfred hitchcock com gregory peck, alida valli e louis jourdan
aqui, sete anos depois, o mestre se vê diante de uma briga com selznick. o filme sofre com a interferencia do produtor no roteiro e na própria filmagem. nota 2.
PS- CHAMO HITCHCOCK DE MESTRE PORQUE NÃO EXISTE DIRETOR MAIS PRECISO, MAIS PERFEITO E COM TÃO GRANDE QUANTIDADE DE FILMES DE GÊNIO.
LA TERRA TREMA de luchino visconti com pescadores reais da sicilia.
o chavão comunista está ultrapassado. mas sobrevivem as belas imagens de um mundo passado. nota 6.
ALTA ANSIEDADE de mel brooks com mel brooks, madeline kahn.
o início já avisa : o filme é uma homenagem ao mestre alfred hitchcock ( mais uma ). o que vemos são citações de vários filmes do gênio. tudo encaixado habilmente na história de um psiquiatra que assume a direção de um hospital de pessoas muito nervosas. vertigo e intriga internacional são os mais citados, e é pena não terem achado onde encaixar janela indiscreta. a cena que cita psicose é uma das mais hilariantes e bem filmadas que já tive o prazer de assistir. nota 7.
SILENT MOVIE de mel brooks com o prórpio, marty feldman e vários atores famosos.
no auge do sucesso, de ego muito inflado, mel dá seu famoso tiro no pé : resolve fazer um filme totalmente mudo ! e infelizmente erra. o filme não funciona, e talvez seu motivo principal seja o desacerto da trilha sonora. mesmo assim, passamos todo o filme torcendo por mel, querendo ver se ele consegue renovar o filme silencioso. não consegue. o filme fracassou em seu lançamento mesmo tendo burt reynolds, paul newman e liza minelli em seu elenco ( a participação de burt é muito engraçada ). nota 5.
BECKETT de peter glenville e jean anouilh e hal wallis com peter o'toole, richard burton e john gielgud.
primeiro beckett foi peça de grande sucesso com olivier e anthony quinn. o diretor da peça, glenville, resolveu dirigí-la no cinema. dirigiu sem esforço nenhum- simplesmente ligou a camera e deixou que os atores entonassem o maravilhoso texto de anouilh.
o texto : trata da amizade do muito hedonista rei henrique II e do muito misterioso thomas beckett. os diálogos enfeitiçam qualquer pessoa com um minimo de bom senso/ bom gosto/ sensibilidade. eles voam, dizem tudo objetivamente e têm uma estranha poesia.
a produção : geofrey unsworth cuidou da fotografia, mas é a trilha sonora de laurence rosenthal que impressiona. que coisa maravilhosa ! uma mistura de canto gregoriano e música sinfônica irresistível. uma trilha absolutamente perfeita.
a duração : adiei sua apreciação. o filme tem 3 horas e eu sentia preguiça.--´pois bem- o filme alça vôo. são horas que passam com rapidez e que surpresa- após as 3 horas voce deseja mais !
os atores : richard burton diz suas falas com sua voz costumeira- perfeita. mas o papel de beckett não lhe oferece a dor descontrolada, que é onde ele brilha mais. burton se contém.
mas peter... Deus do céu... que gratidão eu sinto com o que esse ator nos dá ! Que desempenho fascinante!!! vemos em nossa frente um rei- feliz, fanfarrão, mulherengo- ir, pouco à pouco se consumindo em dor. ele ama seu amigo beckett, e é traído por esse amigo. a cena em que o rei percebe a traição é de uma genialidade sublime : vemos o rosto de peter criar nuvens de escuridão, os olhos se apagam em dor e a voz reflete uma imensa agonia. se isso não for pura genialidade, não existe ator genial.
peter teve o enorme azar de concorrer nesse excepcional ano com rex harrison fazendo higgins em my fair lady e perdeu seu oscar certo. qual dos dois é melhor ? quem sabe ? eu premiaria ambos.
beckett é um tipo de filme que deixou de existir : o filme culto ( não de arte, culto. o que é outra coisa. ) um filme que necessita ter um público de bom gosto, adulto, sério, refinado.
fazem 40 anos que alardeiam o fim do western e do musical. bem... os dois continuam por aí. mas este tipo de cinema acabou. com o fim do público adulto, e a queda na qualidade de ensino, ninguém mais tem a sensibilidade de apreciar um filme que pede atenção, conhecimento, detalhismo e alguma erudição. feito hoje, encheriam o filme de batalhas, feitiços e talvez até algum monstrengo medieval.
minha alegria é saber que este filme sobreviverá.
se voce tem alguma curiosidade intelectual, se voce consegue usar mais de dois neuronios, se voce compreende aquilo que escuta... corra e assista este filme.
e aplauda o sublime peter o'toole.

o nascimento do homem do blog

Música, dança, escultura, arquitetura e teatro. As mais antigas formas de arte só se realizam em grupo. Voce faz música para ser escutado, voce dança com alguém que faz a música, voce esculpe sendo observado pelo modelo e pelo discípulo, voce erege para a cidade e produz uma peça para o público. Não existe, por 5000 anos, a idéia de arte pessoal, trabalho só meu, linguagem própria.
Livros sempre foram escritos. Mas eram redigidos em segunda mão. Sua primeira vida era o texto oral. Eram escritos como mero lembrete do texto oral. Os autores, na maior parte das vezes, nem se davam ao trabalho de os assinar.
Nesse mundo, que recorda vagamente o mundo das favelas de hoje, não existe o privado. Voce só existe no espaço comum. Seus companheiros entram em sua casa, incluindo o quarto, na hora em que lhes aprouver, refeições são sempre em grupo, enterros trazem toda a comunidade para o lado dos aflitos e na doença, todos dão palpites sobre a cura. A idéia da solidão é inimaginável : a família ocupa todos os espaços, os filhos são aos bandos e mesmo os orfãos têm o exército ou a igreja.
Nenhum castigo é pior que o exílio. Viver só, comer só, acordar só.
O gestual desse tempo é emotivo : amigos ao se verem na rua, correm um para o outro, se abraçam e rolam no chão; um enamorado se atira aos pés da amda e os beija; um puxa-saco esfrega a barriga na terra diante do senhor. O senhor... nobres convidam vassalos para a mesma mesa e empregados comem com os patrões. Se defeca em público, os recém-casados são escutados na primeira noite. Pensa-se muito em comida e sexo, é um mundo de pequenas malandragens, de muitos cornos, de brigas por quase nada e com um Estado fictício.
Não se teme a morte. Teme-se o inferno, e coisa para nós inimaginável : não se dá a menor atenção ao corpo- é como se ele não existisse. Ser gordo ou magro, ter espinhas ou pele lisa, tanto faz. A sedução se dá pela lábia e pelo dinheiro e o espelho não é encarado.
Primeira mudança : o estado se fortalece na renascença. Se o seu vizinho erra, o estado o punirá. Então, ele fecha a janela.
Segunda mudança : a especialização. Se voce fica doente, existe o médico, portanto, quem precisa dos vizinhos ?
Terceira mudança : com o protestantismo voce pode falar com Deus sem a ajuda do padre. Para que sair e ir à igeja ?
Quarta mudança : o livro. Agora posso me distrair sózinho, fechado em meu mundo ( atente : meu mundo ). Preciso de silencio.
MONTAIGNE.
Pela primeira vez um homem fala apenas sobre sí mesmo. Atente : é a primeira vez em 5000 anos em todo o globo.
Ele avisa já no inicio do livro : falarei sómente sobre meu espírito. Em solidão. Em repouso. Atente : jamais nada tão redical, moderno e corajoso foi feito por qualquer homem em qualquer tempo. Montaigne nos inaugura.
Sobre o que ele fala ? Tudo que é só dele. Suas leituras, suas opiniões políticas, suas doenças, a natureza, o bem viver. É um egocentrico discorrer sobre seu espírito. Eu eu e eu. No mundo de Montaigne tudo é o eu, nada existe fora desse eu.
RONSARD.
Inaugura ao mesmo tempo o coração egocentrico. Ele fala sobre seus amores, suas dores, seus desejos, suas injustiças. Inaugura o coração sofredor egocentrico.
São dois tipos de blog. O diário afetivo e o diário intelectual.
Somos todos pequenos/ muito pequenos Montaigne/ Ronsard. Ainda não conseguimos criar uma outra forma de ver o mundo. Jamais voltaremos ao tempo em que eu sou o grupo; e não conseguimos sequer imaginar uma outra forma diferente do o mundo sou eu.
Joyce tentou isso. Tentou uma escrita que não fosse um testemunho do eu. Falhou. Mas que bela falha !

o chic

Belo texto sobre o chic.
Beeem... estamos numa das cíclicas épocas de anti-chic.
O chic ( e já aviso que vou repetir muito essa palavra ), nasce como uma reação aristocrática contra o novo-riquismo da burguesia. Na Itália. Em 1550, por aí.
Se o novo rico comprava pratos de ouro, chic era a porcelana mais fina, e se o novo rico comprava a porcelana mais fina, chic era a porcelana mais fina herdada de um avô visconde.
Coisas caras eram compradas. O chic era um dom inato ( como a nobreza o era ).
Num tempo de ciência e de democracia ao extremo, o chic se torna quase impossível. Nenhum cientista pode ser chic e nenhum artefato tecnológico é.
Nada que se populariza pode ser chic, pois ao ser tocado pela plebe ele é desvirtuado, desvirginado, dessecralizado.
Numa livraria um novo rico compra novíssimos blu-rays e um belo e caro livro sobre vinhos ou charutos. O chic acha um livrinho sobre um poeta simbolista que quase ninguém conhece... em francês.
Os anos 80 mataram o conceito e desde os 90 ser chic é ser out.
Na farra cheia de dólares japoneses e yuppismo na bolsa dos 80 todos se tornaram ávidos chics.
Impressiona ver certas imagens da época. Como a elegancia foi hiper exagerada até o brega e como a afetação imperava. Clips hiper-produzidos de Bryan Ferry e Boy George, páginas imitando os realmente chics anos 20 na Tatler e na Town and Country, Bowie com seu cabelo à Oxford anos 30 e filmes metidíssimos e cheios de neon e fumacinhas.
Em Londres até os punks eram chics ( fotos do Clash demonstram como a banda era elegante ) e nas ruas as capas de chuva, as bengalas e as gravatas imperavam. Época de muito gel, de cabelo armado, de maquiagem pesada.
A primeira guerra do golfo marca o fim desse chic caricatural. Os discos de Chet Baker, Sade Adu e Marvin Gaye são escondidos e vêm Public Enemy, Rem e Nirvana.
Mas esquecendo os 80, hoje a coisa se inverteu. São os proletários que ditam tendencias, os novos ricos que as filtram e então a legitimidade é dada pelos esportistas, os nobres deste tempo de competição pura. E tome sandália de dedo, short largo, camiseta e mais camiseta, tênis e boné. Tudo é esporte e faz de conta que é elegante. E o chic ?
Estão refugiados em algum discreto recanto, insistindo em dar valor ao que o novo rico não valoriza. Sentindo nojo dos valores democráticos da ralé e sorrindo com os apetrechos vulgares que o mercado joga na rua dia a dia. Vivendo em condominios vulgares, mas que ao menos têm por nome algo como " Roseiras vermelhas " ou " Vila Clara " e nunca " St. Patrick Towers " ou " New York city buiding "... Vestindo bons tecidos com bom caimento, insistindo em beber conhaque e whisky, ouvindo o que nunca é moda ou vanguarda, mas que sempre é diferente.
Esperando a nova onda chic, quando serão chamados para opinar outra vez. E recordarão dos desfiles de Yamamoto em 1983, de Brideshead na BBC em 1981, de Wimbledon sem propaganda, e de quando se podia viajar sem pressa e com privacidade. Um mundo de exclusividade sem preço e de segredos que ninguém entregava.
Gastava-se dinheiro. Não se comprava. Pois para um chic, o que merece ser adquirido não tem preço.

o melhor filme já feito é sobre um rio que passa...

Jean Vigo. Dirigiu L'Atalante. Foi seu segundo filme. Foi seu último filme. Jean Vigo dirigu deitado numa maca. Ele morria de tuberculose. Mas o filme é feliz. É um canto de amor à vida que passa.
Maurice Jaubert fez a música. Faz chorar a música deste filme.
Boris Kaufman fez a fotografia. Depois deste filme ele foi à América. Trabalhou com Kazan e Lumet. A fotografia de L'Atalante é a mais bela possível. Realista e sem artifício. Poética sem falsear a realidade.
Jean Dasté faz o noivo. Dita Parlo é a noiva. Eles se casam e vão viver em um barco fluvial. Não se entendem e se separam.
Michel Simon é um marujo. Michel Simon tem a atuação mais irreal da história do cinema. Não é a melhor ou a maior atuação: é a mais original, portanto, a mais genial.
O filme é um poema. Mas nunca se afasta da vida real. Ele é realista.
E eu penso :
Nunca mais tivemos um recanto como o quarto de Michel Simon no barco : máscaras, instrumentos, ossos, trapos, pó, bonecos e muitos gatos. Onde há uma cena em que ele tenta seduzir a noiva - sutil e abjeta- linda e suja.
Nunca mais tivemos tanta pobreza em um filme e no entanto tanta riqueza visual. São névoas, é o sol, e o rio que passa e as roupas no varal. Navalha e espuma, travesseiros brancos e lençois.
Não mais os beijos. Não mais aquele garoto tonto que vive no barco e quase nada diz mas que Vigo premia com breves closes reveladores.
Quanto amor cabe naquele noivo ciumento ! Quanto amor vive naquela noiva simplória ! E a sensualidade da saudade que enlouquece o noivo na cama !
Não mais aqueles ângulos de câmera que nunca se repetem, mas que não traem nenhum exibicionismo. Gigantescos marinheiros, gigantescos barcos, gigantescos segundos.
O filme flui como pensamento e marca como sonho. Nada parece construído, ele parece natural. É um filme que respira, que cheira, que se pode comer.
Eu bebo L'Atalante.
Eis então o melhor filme já feito. Mas como ? Diz voce...
O melhor por ser tão rico em linguagem como Kane, porém, muito mais poético, muito mais natural, muito mais simpático e vivo.
Não posso afirmar que o prefiro se comparado à Vertigo ou Rashomon. Mas L'Atalante é o melhor por ser mais nobre que Vertigo e mais mágico que Rashomon.
Vigo não tem a genialidade de Kurosawa ou a maestria de Hitchcock. Mas sentimos que ele era melhor.
A tuberculose o levou ao final das filmagens. Tivesse vivido mais, ele teria se tornado o maior diretor da França. Um Fellini francês ( L'Atalante lembra muito os melhores filmes do poeta italiano ).
Nunca mais um diretor morrerá de tuberculose em plena filmagem.
Nunca mais um abraço como o do final do filme.
Nunca mais direi que um filme é o melhor.
Nunca mais um diretor de cinema parecerá com um passarinho ferido.
Nunca mais um filme se deixará ver como uma paisagem que passa.
Nunca mais...nunca mais...
Pois o mundo que criou L'Atalante é morto e enterrado
Mas não esquecido.
Eu prefiro os filmes de Hitchcock- são mais emocionantes e são perfeitos
Eu prefiro os filmes de Kurosawa- são mais sábios e geniais
Bergman é mais inteligente e impressionante
E Ford é mais cinema puro
Mas eu amo aquele barco, aquele casal e aqueles marujos... torço para que sejam felizes e quero acompanhar o barco que vai passando...
Eu amo L'Atalante.

a vida privada

Ando relendo o monumento de Dubuy sobre a vida privada.
Uma casa antiga. Qualquer uma, em qualquer bairro. Observe suas janelas : elas se abrem quase que sobre a rua. Mais que arejar ou iluminar, sua função é a de trazer a rua para dentro da casa.
Compare agora uma feira livre a um supermercado ( ou o shopping com a loja de rua/ cinema de rua com cinema de complexo )- na rua, esses centros de compra ou lazer se misturam ao fluxo da vida- ruídos, gente que passa, dia e noite, chuva e sol.
Digamos agora que uma familia conversa numa sala. Então voce pega um livro e vai ler em seu quarto : eis o revolucionário inicio da individualização do homem- o livro ! Todos vêm voce se afastar e se isolar- o livro te isola. Sua intimidade aflora. Mas, mesmo com o livro, não foi sempre assim. No inicio era inadmissível que alguém lesse apenas para sí mesmo : lia-se em voz alta e para outros. Sempre.
Toda invenção nasce familiar/ social e se torna depois ferozmente individualizante. Recordo que toda tv era dos vizinhos e amigos - qual a graça de não a dividir ? Depois se tornou uma diversão apenas familiar, para então se tornar de cada membro ( até 1975 era muito estranho querer uma tv no quarto - pra que ? ).
Quando surgiram os jogos eletronicos sua maior graça era a de se exibir para os amigos, disputar quem seria o melhor, frequentar as casas de video-games. Hoje um garoto consegue se divertir em absoluta solidão ( o que seria aterrorizante para o cara de 13 anos que fui um dia ).
Converso toda madrugada com alguns amigos nesta tela- é interessante, mas sinto que minha solidão- após confidencias, frases e piadas- continua exatamente a mesma. Eu apenas olhei uma frase escrita numa tela e ví uma figurinha de tv se mover. Não houve toque, não houve calor, não existiu nenhum afeto real.
A história do homem caminha da absoluta falta de intimidade ( que vizinho vem pedir ovos ou açúcar hoje ? ) à total solidão. E mesmo em locais que garantiam alguma ação em grupo ( voce hoje faz ginática com um aparelho, não em grupo; anda de ônibus cercado de zumbis plugados em celulares e mps; não olha seu vizinho de restaurante ) a abertura ao acaso se torna cada vez menor.
Se pensarmos que as casas da idade média não tinham trincos e que no Rio de 1930 a grande diversão era ir conversar na rua, vemos que estamos num acelerado processo de enclausuramento físico. A ilusão de se estar ligado ao mundo via internet é apenas um narcótico, que unido a prozacs e extasys dá uma falsa sensação de se viver.

um mundo de saudosistas precoces

Andei lendo um livro francês do século XVIII. Um poeta menor que não vale a pena citar. Em um de seus poemas satíricos ele discorre ferinamente sobre pessoas que ouvem músicas de cinquenta anos atrás, lêem textos com mais de 10 anos e se vestem como seus pais. Isso em 1725 !!!!
Bom... isso me faz pensar. Desde quando não temos uma bela, ingênua e injusta ruptura ? Um momento em que todo o passado é desvalorizado, destruído, jogado no lixo ?
Em pintura creio que desde Pollock e o expressionismo abstrato, nada surge com o desejo de mudar todo o olhar e transformar Picasso, Miró ou Braque em velharia senil.
Na literatura o último movimento agressivo foi o do Nouveau-Romance de Robbe-Grillet, há já cinquenta anos atrás. No teatro, o Living Theatre aconteceu a mais de quarenta anos e na dança após Merce Cunningham e Martha Graham nada de muito revolucionário surgiu.
O último movimento que tentou destruir alguma coisa do passado do cinema faz cinquenta anos e se chamou nouvelle vague, um movimento que fez muito mais mal ( câmera tremida, roteiro improvisado, atores sem direção ) que bem ao cinema. Mas que teve a coragem de o renovar.
Na música popular a coisa é pior. O jazz nada renova. Seus santos são cultuados ao infinito e nada do passado é criticado. No pop desde os anos 80 que não se agride ninguém, as gerações convivem irmanadamente num corporativismo bom-mocista e anti-rock'n'roll.
Se eu pensar que em 1977 todo disco gravado em 1975 era considerado velharia; que Mick Jagger aos 29 anos era chamado de avô do rock e que em 1984 alguém que tocasse guitarra ou bateria era chamado de saudosista...
Penso que o mercado descobriu que melhor que lançar novas e destruidoras modas, é melhor vender todas as modas : as de ontem e as de hoje, tudo junto ao mesmo tempo e para todos.
Isso acabou com a injustiça de se esquecer dos Kinks ou de se chamar Alex Harvey de ultrapassado. Mas ao mesmo tempo criou uma montanha de lixo que não é recolhido, de dinossauros que nunca morrem, de bandas com 15 anos de estrada que posam de jovens, de trastes que insistem em durar.
Tem gente com 30 anos de idade que não faz idéia do que seja uma barulhenta/ egocentrica e saudável revolução.

john cheever

Heminguay e Fitzgerald foram geniais apenas em seus contos. Os romances longos que deixaram são insatisfatórios. Já Faulkner e Henry James são grandes nos dois formatos. Nos últimos cinquenta anos tivemos grandes romancistas americanos. Autores do calibre de Philip Roth, Saul Below ou Updike. No conto John Cheever não tem rival.
Acabo de ler " No tempo das Maçãs ", uma coletânea de contos que vão desde a época da segunda guerra até os anos 80. Cheever escreve sempre sobre a classe média. Os personagens centrais são homens, normalmente de cidades grandes, casados e aparentemente banais. Os contos são curtos ( de 10 a 15 páginas ), a linguagem é simples, porém ele não usa gíria ou palavrões. Não acontecem atos de heroísmo. Mas muita coisa acontece.
Ao contrário da maioria dos autores de contos atuais, John Cheever nunca escreve sobre o tédio. Seu texto jamais parece vazio e jamais parece gastar tempo à toa. É objetivo ao extremo. Mostra pessoas em crise, em momentos decisivos, surpresas com a vida.
Somos seduzidos com narrativas sobre gente nada sedutora. O homem que resolve nadar um bairro inteiro de piscinas, um outro que tem sua vida salva ao ver o pai nadar nú numa cachoeira, um desempregado que acredita na vida, um rádio que transmite as conversas reais dos vizinhos. Nós flutuamos com esses personagens e nos vemos totalmente absorvidos por seu inconsciente desespero e por seu cotidiano feito de reuniões, churrascos, gim, sexo casual e cinema.
O mundo para John Cheever é cruel, vazio e muito frio, mas como todo grande escritor, ele ama seus personagens. Seu conto, curto e singelo, sobre um homem numa cabana, que ao relembrar sua vida descobre que ao morrer sentirá saudades da solidão ( anoitecer, o mar, a luz do sol, o cheiro da chuva ) e não das pessoas ( esposa, filhos, amigos ), só não é a melhor coisa que já lí em forma de conto porque um dia lí Os Mortos de Joyce.
Procure esse livro e leia todas as suas linhas. John Cheever era um escritor. Um verdadeiro escritor.

LEONE/COEN/FRANK CAPRA

THE GOOD THE BAD AND THE UGLY de sergio leone com clint eastwood, elli wallach e lee van cleef. Foi Pauline Kael quem disse que assistir à um western italiano é tão estranho à um americano quanto assistir um filme sobre aborígenes da austrália. Cowboys com caras de napolitanos... Este é um divetidíssimo filme que marcou toda a geração de Tarantinos e Ritchies. Não é um western, é uma aventura passada num western made in europe. Fotografia maravilhosa de tonino delli colli e trilha famosa e excessiva de morricone. nota 9.
HIGH PLAINS DRIFTER de clint eastwood com o pro´prio. Dizer o que ? Belo, ágil, cheio de imperfeições, intrigante, quase ridículo, inesquecível e saboroso. nota 9.
THREE MULES FOR SISTER SARAH de don siegel com shirley maclaine e clint eastwood. juntar a adorável shirley ao taciturno clint é como colocar açucar em gim fizz. nota 2.
BUGSY MALONE de alan parker com jodie foster e scott baio. Um musical sobre gangsters dos anos 30. porém o filme é interpretado por crianças, em cenários diminuídos e as armas atiram chantilly. é o primeiro filme de parker e jodie está com 12 anos de idade. há um clima de pedofilia que hoje incomoda. mas é divertido. nota 5.
ARIZONA NUNCA MAIS de joel e ethan coen com nicolas cage, holly hunter, john goodman, frances mcdormand. os irmãos coen nunca foram tão bugs bunny como neste filme. um casal caipira rapta um filho de um figurão. mas, como acontece com os coen, tudo se complica. muito. cage está hilário, holly dá um show e a fotografia ( do futuro diretor sonnenfeld ) parece cartoon. um sucesso dos anos 80 e que é uma aula de edição e roteiro. nota 9.
LOUCURA AMERICANA de frank capra com walter huston. que diretor mágico capra foi !!!! um filme curto e simples, todo passado dentro de um banco. mas quanta fluidez, como os personagens são bem definidos, quanta graça e drama em tão poucas linhas. slumdog millionaire- alguém notou que ele é um capra de segunda ? - cheio de brilharecos e balangandãs ?.... fique com o otimista/ moralista original, o poeta frank capra. nota 7.
A MÃO QUE BALANÇA O BERÇO de curtis hanson com rebecca de mornay e annabella sciorra.
a fotografia, com sua cara de filme feito para a tv, estraga muito deste suspense com péssimos atores e roteiro banal. hanson faria depois o ótimo la confidencial e um dos meus mais adorados filmes : garotos incriveis. este leva nota 1.
CRY BABY de john waters com johnny depp, iggy pop, traci lords. rebeldes gays brigam com almofadinhas gays. garotas machudas participam. este filme, chato- flácido- tolo, é colorido como um clip das go go's e tão esquecível como seus discos. nota 1.
MULHERES E LUZES de fellini e lattuada com carla del poggio, giulieta masina e peppino de filippo. as cenas iniciais com o show mambembe são das melhores coisas que fellini já filmou. mas o filme todo, o primeiro do gênio, é de uma beleza estúpida. cenas de estrada e de trem inesquecíveis e uma visita ao circo para se guardar. nota 7.
CAMINHO DO DIABO de budd boeticher com randolph scott e maureen o'sullivan. um cowboy solitário se envolve em sequestro. de todos os diretores classe b que os críticos franceses salvaram do esquecimento, budd é o melhor. este filme, curto, barato, simples, tem tudo aquilo que o western precisa : ação, poesia e honra. a prova de que o talento pode transformar a banalidade em ouro puro. nota 8.
CASINO ROYALE de huston, mcgrath, annakin, parrish e guest com peter sellers, david niven, ursula andress, woody allen, orson welles. a trilha de burt bacharach é uma delicia! sexy e cafona, alegre e fofissima. o filme, que foi um desastre de critica e de bilheteria, precisou de cinco diretores para ser acabado. a história, cheia de furos, tem até woody allen ( hilário e já sendo woody allen ). mas eu me diverti muito! adorei seu ar de malicia ingenua, suas cores psicodélicas e seu desfile de garotas bonitas e atores admiráveis. é aquilo que onze homens e um segredo sempre quis ser. nota 6.

apenas ir andando...

Na maior parte do tempo fomos caçadores. "Caçávamos" qualquer coisa que pudesse ser capturada. Insetos, filhotes, carniça, crustáceos. Andávamos muito para conseguir esse alimento. Nosso corpo foi se tornando o que é. Feito para andar e olhar, andar e olhar.
Mas um dia alguém plantou e então paramos de andar. E foi nesse momento que alguma coisa se partiu em nós. Passamos a esperar. Esperar pelo crescimento da planta, pela chuva, pela mudança de clima. Não íamos mais atrás do bom clima, esperávamos por ele. Começamos a olhar para a paisagem, não como caçadores; como simples observadores que matam o tempo. O movimento das nuvens, as cheias dos rios, a aproximação de forasteiros. Sementes foram acumuladas, terras acumuladas, cães treinados e o resto voce sabe : a contagem de grãos dando na matemática e a cidade se desenvolvendo como fortaleza contra o roubo de terra.
Mas o que me interessa é outra coisa. Começamos nessa hora a nos divorciar daquilo que a vida realmente é. Começamos a criar conceitos que não existem na vida. Ao observar a semente, se regada e cuidada, brotar e crescer, passamos a crer na justiça da vida. Se voce planta voce colhe- maçã dará maçã, em março irá chover, todo verão será quente- para sempre será assim.
Mas não é.
A natureza não é justa. Às vezes não chove em março.
Um leão mata um filhote de zebra e o come vivo. Uma enchente leva o que estiver por perto. Um filhote não oferece seu alimento ao irmão mais magro. Uma estrela explode sem haver qualquer senso de justiça nisso. Mas nós passamos todo o tempo querendo encontrar um sinal de justiça, de lógica em tudo que acontece.
Que sentido? O único sentido é o de que a vida tenta permanecer viva e que toda vida se alimenta da morte ( quando voce come uma alface ela precisou ser arrancada e morta, sabia ? ). E sua gripe foi curada com a morte de um inocente virus que tentava viver.
Se seu amigo morreu aos 17 anos, se um país aniquilou um outro, se sua esposa se foi mesmo voce sendo tão bacana, se seu patrão sumiu com o dinheiro da empresa... não pense em justiça. Nada disso tem a ver com o mundo agrícola onde o limão dá limão e se plantarmos colhemos. A natureza continua sendo o mundo em que fomos criados : um bosque fechado, onde andamos eretos, olhos arregalados, procurando não ser atacados e atacar algo mais fraco.
Para quem conheceu o mundo de onde vim, pensar assim é mais natural. Sou de um tempo onde se caçavam passarinhos com estilingue. Assistí cães lutarem na rua por fêmeas, gatos brincarem cruelmente com ratos. Toda casa, inclusive as mansões, tinham horta. Nelas nós tomávamos consciência dessa abstração criada pela agricultura : o tempo. Eu olhava minha mãe vir da feira, frangos vivos enrolados em jornal com a cabeça para baixo. Ela os matava com a indiferença de quem abre um pacote de arroz. Eu adorava ver o coração ser arrancado das tripas, quente e ainda pulsando. Cruel ? Claro que é. Me revolta tudo isso. Hoje minha mãe não consegue matar uma barata. Mas o que é a floresta que voce tanto ama ? O que fazem os índios inocentes ? Os africanos da savana ?
Esse caçador grita em nós e reprimido dá tiros a esmo do alto de uma escola, atropela bebados nas avenidas, luta vale tudo em ginásios ou dá tiros virtuais em telas coloridas. Esse caçador entende a vida real melhor que o agricultor, que o filósofo, que o artista. Ele caminha e procura. Não inventa motivos para agir, éticas, símbolos, enrolações.
Sua religião pede apenas por mais caça, seu casamento é desejo de procriar, sua arte é chamamento para viver.
O homem agricultor, que planta e espera colher, ainda é, mesmo após séculos de revolução industrial, o predominante em nosso modo ilusório de ver o mundo. Mas talvez surja um tipo de humano ainda, tolamente, mais distante da vida. Um corcunda apertador de botões. Com olhos que só percebem imagens luminosas e ouvidos que apenas existem se plugados. Um homem que só entenderá o tempo se ele puder ser acelerado; desligado totalmente de tudo que for feito de pedra, madeira ou barro. Deletando pensamentos inúteis, emoções sem razão e maus fluidos.
Felizmente não estarei presente nesse mundo.

3 momentos de um herói

The good, the bad and the ugly. Aqui nasce o moderno filme de aventuras. Eis o filme favorito de 9 entre 10 diretores moderninhos, este é o western que até aqueles que não gostem de western adoram. O revejo então. E me emociono com suas faces gigantescas, com seu enquadramento absolutamente magistral, com seu roteiro cheio de humor e com uma violencia exata. Reconheço o personagem Tuco, feito com rara genialidade por Eli Wallach e vejo o nascimento do moderno herói cool - o Blonde- de Clint Eastwood- modelo de todos os heróis atuais. Note bem o que disse : todos!
Sergio Leone, fã confesso de Kurosawa, dirigiu este filme que mudou a história do cinema. Dirigiu sem medo de demonstrar seu amor ao mestre japonês: o inicio do filme é puro Kurosawa, o roteiro é ao estilo Kurosawa e Clint faz um Toshiro Mifune americano. Suas cenas de ação são lutas de samurais sem espadas e os longos silencios recordam Rashomon ou Os 7 Samurais.
Mas há um outro lado: todo europeu tem uma necessidade visceral de colocar algo de superior, de pseudo-aristocrático em tudo que faz. Um europeu não consegue- jamais- ser puro. Por mais que Leone ame o cinema de Ford e Hawks ( outras duas referencias do filme ) ele, Leone, jamais terá sua pureza, sua simplicidade, seu imediatismo americano.
Então, mesmo Leone tentando, ele cai na tentação de encher o filme com imagens pictóricas artística, de exagerar nas doses de música operística( a tão famosa trilha de Morricone funciona genialmente como música em sí- mas as boas trilhas de cinema devem fazer o filme avançar, comentar a ação e não, como aqui, chamar a atenção sobre ela própria e distraírem o expectador ).
É como rock inglês : por melhor que o cara seja ( e olhe que sou fã dos hiper-ingleses Roxy Music e Kevin Ayers ) eles nunca conseguem parecer tão crús/ diretos/ não afetados/ descomplicados- como os americanos. Sempre colocam arte no bolo. Pitadas de erudição, quilos de pretensão, temperos de simbolismo.`É o que diferencia Clash e Ramones/ Bowie e Iggy/ Beatles e Dylan.
Leone então, por mais que tente, acaba empetecando seu filme, dando uma profundidade ao que não necessita ostentar tal profundidade. E quase perde o rumo, nos ofetando um excesso de cenas bonitas, de música magnífica, de rostos arquetípicos.
Mas Sergio Leone é um mestre e consegue superar tudo isso. Se despe desse excesso e termina por nos dar um maravilhoso filme: divertido- apaixonante e inspirador.
Clint Eastwood, já famoso, dirige seu segundo filme : HIGH PLAINS DRIFTER ( O estranho sem Nome ). Um cowboy chega à uma cidade e se vinga de toda a população. Como ? Não direi para não estragar seu prazer. O que posso falar é que a vingança é tão terrível quanto é original.
Este filme, que tem uma fotografia belíssima de Bruce Surtees, é muito, muito estranho. Ele flutua entre o humor grosseiro e um tipo de horror sanguinário. Acaba sendo um filme meio indefinido, meio vago e absolutamente fascinante.
Voce começa a ter um imenso prazer em olhar aquela paisagem ( que não é "bela" ), voce passa a torcer intensamente pelo dito "herói" ( que é muito amoral ) e se pega envolvido.
Em seu tempo -1973- o filme foi intensamente massacrado pela critica, hoje é um quase clássico do western.
Eu sei que o filme de Leone é muito maior e melhor, mas este filme me deu um prazer bem maior.
Por fim, 3 Mules for Sister Sarah, filme de Don Siegel que é bacaninha mas que nunca dá certo totalmente. Simplesmente porque Eastwood não combina com Shirley MacLaine. Ela precisa de um ator mais falante, mais bonzinho a seu lado e na verdade, Clint Eastwood nunca funcionou ao lado de uma mulher ( nem com Meryl Streep ).
Neste filme ela é uma freira perdida no México e Clint é mais uma vez Toshiro Mifune nascido na América. Mas não se faz a fagulha. Esqueça.

os dois melhores escritores

Não é dificil encontrar livros de Henry James nas livrarias. Ele está sempre presente em novas edições e traduções. Este é um fato que me dá esperança e alegria : ler James é fundamental. Ele é um dos dois maiores escritores em qualquer língua surgidos nos últimos 100 anos. Um americano que se tornou inglês e que escreve com ritmo e requinte. Voce penetra em sua prosa, se vê cercado por seus ambientes e passa a pensar o que os personagens pensam. Henry James possui a magia de Proust com a fluidez de Stendhal. Um mestre.
O outro, e que é o melhor, é Joseph Conrad. Qualquer um que já tenha suado ao tentar escrever algo que preste, fica assombrado com a escrita desse autor. Conrad, que nasceu polonês, foi marinheiro até os 30 anos. Percorreu todo o globo e viu de perto o auge do sistema colonial inglês. Se naturalizou e passou a escrever livros aos 35 anos- sempre em sua nova língua- na qual se tornou, por opinião consensual, o maior dos mestres.
Joseph Conrad se tornou a meta a ser alcançada por um certo tipo de autor: o escritor que viveu- o intelectual que não perdeu o sabor da vida real. Heminguay, Mailer, Greene, Hammet, Updike... todos devem muito à Conrad. Seus livros, que têm o enredo do livro de aventuras e a profundidade do livro filosófico, são milagres inatingiveis- frases perfeitas sobre frases perfeitas- personagens profundamente reais em situações limite- momentos decisivos em lugares distantes- o horror do isolamento- viagens sem motivo ou destino.
James e Conrad, dois desenraizados estrangeiros, exemplificaram o destino do homem moderno, a inadaptabilidade da alma atual, o futuro incerto do herói.
Ler seus livros é obrigatório.

vila madalena/vila olimpia/sra smith/gomorra

O filme é italiano. Para os los hermanos da vila madalena já conta muito. Gomorra. Artificial, calculado, óbvio, chatíssimo. Mas como fala de "sociedade" interessa aos revolucionários da cervejinha/ aos sempre barbudinhos de sandália/ os chapéuzinhos vermelhos saudosistas/ os cegos que não têm bengala/ os classe média que amam os proletários ( proletários que não conhecem. O único pobre verdadeiro de suas relações é o garçom- que com condescendencia, ele trata por "igual").
É um lixo de cinema. Calculado para os orfãos das brigadas vermelhas e para aqueles macaquinhos amestrados que aplaudem qualquer idiotice feita por qualquer macho anti-americano.
O filme é americano. Para os playboys suburbanos que frequentam a Vila Olimpia isso conta muito. Trata de dois robozinhos programados para matar. E eles matam com grande alegria e eficiencia. São Brad ( que com a idade está ficando com cara de burro ) e Angelina ( cujo beiço parece poder explodir à qualquer momento ). Mas a propaganda diz que os dois são lindos. Os fortinhos/ sorridentes/ celular na mão/ "olha aquela gostosa" da Vila O acreditam em tudo que as revistas bacanas e os canais a cabo dizem. Então Brad/Angelina são tudo o que eles querem ser. E ter. O filme, calculado como uma campanha de marketing, tem a cozinha que todos querem, os carros que eles sonham, os computers do futuro e eles até vão a bares iguais aos da Vila O. E dão tiros em gente com cara de pobre-safado.
Se hoje em sp, voce tem desprezo pela turma Vila O, e morre de rir com o discurso idiota "de esquerda" da Vila M... cara, voce deve fugir do filme italiano e do filme dos assassinos-glamurosos.

CARRIE/BETTE DAVIS/STEVE MCQUEEN

Tom Horn de William Wiard com Steve McQueen
o último filme de steve é um western de uma tristeza glacial. dá pra notar o avanço da doença que mataria o astro logo após o final das filmagens. ele tinha 50 anos, mas aparentava 70 naquela altura. é triste pensar no que ele poderia ter feito no futuro que não viveu. tinha carisma de sobra e um estilo calado e frio insuperável. mas este é apenas um filme pobre e de pouca razão de ser. 3.
Teu Nome é Mulher de Vincente Minelli com Gregory Peck e Lauren Bacall.
o roteiro de george wells ganhou o oscar daquele ano. é o avô das ditas comédias romanticas. aqui, feita com muita classe e diálogos adultos e leves. peck é um jornalista de beisebol e lauren uma snob designer. minelli leva com seu bom gosto de esteta. nota 7.
Domino de Tony Scott com Keira Knightley e Mickey Rourke.
foi scott, o irmão de ridley o culpado. foi ele quem nos anos 80 criou a mania de filmes cheios de truquezinhos de imagem. atores posando. camera dançando. ar de anuncio de tv. filmes como top gun, fome de viver, dias de trovão e maré vermelha. este filme é dos maiores lixos imagináveis. um monte de movimento que não vai a lugar nenhum, ação sem emoção, cores e sons que existem por existir. um vergonhoso retrato do quanto o cinema se tornou futil. Zero.
Mama Mia!!!!!!!!!!!! de Phyllida Lloyd com Meryl Streep, Pierce Brosnan, Colin Firth, Julie Walters.
produzido por tom hanks. e isto é muito importante : o filme tem o astral de the wonders. que imenso prazer o de se ver meryl streep brincar. que delicia assistir pierce brosnan esbanjar charme adulto pela ilha encantada onde o filme existe. e que deplorávelmente ruim roteiro temos aqui ! será que não podiam criar um mínimo de emoção, um minimo de surpresas ? temos neste a prova do porque de os musicais atuais não funcionarem : os números de canto e dança são jogados na tela sem preparação. o roteiro não cria um gancho, um motivo poético para que a canção se inicie, ela vem de repente. de sopetão. mesmo assim eu senti afeto pelo filme. por meryl, pierce e colin, e por que não ? pela muito subestimada música do abba, que desde a década passada vive sua vingança contra aqueles que não enxergavam nos anos 70 que aqueles suecos eram os herdeiros de phil spector. nota 6.
Vitória Amarga de Edmund Goulding com Bette Davis, Ronald Reagan e Bogey.
bette é uma frívola milionária. adoece. cancer cerebral. dramalhão ? é. mas nada revoltante. o filme flui e bette estraçalha. só vivien leigh em e o vento levou poderia lhe tirar o oscar daquele ano- e tirou. bette mostra egoismo, vaidade, medo, culpa, dor e coragem, ensinando como iluminar a tela. quando ela está em cena o filme brilha. brilha muito. felizmente ela está em todas elas. 7.
Depois do Ensaio de Bergman com Lena Olin e Gunnar Bjorstrand.
é um dos filmes que o genio fez após sua "aposentadoria". conversas sobre teatro, existencia, tempo, morte. não é filme de cinema, é feito para a tv sueca. 5.
Carrie de Brian de Palma com Sissy Spaceck, William Katt, John Travolta e Piper Laurie.
As pessoas que odeiam os anos 70 são aquelas tímidas personalidades que abominam a exuberancia louca que havia então. tudo era super-big nos 70 : carros imensos, cabelões gigantescos, sapatos e lapelas colossais, filmes egocentricos!!! e que felicidade a de uma época que em 3 anos assistiu : O chefão e a conversação/ taxi driver e alice não mora mais aqui / tubarão e contatos imediatos/ guerra nas estrelas e american graffitti/ annie hall e manhattan e nashville com um estranho no ninho. e carrie. um filme do mais exagerado e anos 70 dos diretores: de palma. um diretor que sempre vai ao limite, que não teme o mal-gosto, o exagero e a falta de tato. neste filme, se uma pessoa morre, mais 20 morrem; se uma cena é cruel, mais crueldade é adicionada. o roteiro é péssimo, os atores ( com excessão da comovente sissy ) estão à deriva, a trilha sonora compromete, o papel da mãe é caricatural... mas, funciona! funciona como uma homenagem aos filmes ruins, como uma diversão pop, e para mim, é uma deliciosa comédia de saudável humor-negro. a cena da corda segurando o balde com sangue é puro hitchcock : brian segue a dica do mestre : se o balde apenas caísse sem sabermos que ele iria cair teríamos apenas um susto- mas sabemos que o balde cairá, e vemos a agonia de carrie lá embaixo e esperamos-quando irá cair???? carrie é um filme que feito hoje mostraria visceras e explosões, a camera rodopiaria pelo cenário e os alunos seriam deprimidos sórdidos. de palma tem muito mal gosto, mas filma bem demais. nota 8.
Appaloosa de Ed Harris com Ed Harris, Viggo Mortensen, Jeremy Irons e Renee Zelwegger.
primeiro: o que aconteceu? Jeremy irons surgiu em 81 como possivelmente um novo olivier. após seu oscar em 88 foi relegado a apenas um tipo : o vilão fino e gelado. se tornou um desses atores excelentes e sub-utilizados, como gary oldman, malkovich, willem dafoe, terence stamp. dito isso...o western, de todo tipo de filme é o que mais depende de carisma. trata-se de um tipo de filme que expõe o ator : é seu corpo se movendo. aumentado, isolado, observado. esse ator tem que ser magnético. como o foram wayne, cooper, stewart, clint ou burt lancaster. viris e magnéticos. esse tipo de ator não se forma estudando teatro ou assitindo tv- ele se forma na vida. para o western são necessárias cicatrizes, rugas e uma voz que transmita solidão e coragem moral. no western não existe um homem numa estrada correndo ao sol- no western é O homem correndo NA estrada debaixo DO sol. tudo é amplificado e exposto na sua mais profunda e última realidade. meninos não gostem de westerns. eles não têm celulares/ carrões e computadores. mas o principal é: ele mostra aquilo que seremos ou já somos. este é um faroeste do tipo anthony mann- crepuscular. existe ação e companheirismo. mas é tudo mudo, surdo, meio em vão. ed e principalmente viggo têm bons rostos para westerns, mas falta um pouco de brilho ( quem teria hoje ? ) mas há aquele relacionamento direto, tipo john ford e dá pra ver que todos os envolvidos amam o que estão a fazer. digno, honesto e preciso. 7.

gore vidal, um ensaísta

DE FATO E FICÇÃO de Vidal. Foi lido na década de noventa. O emprestei para alguém que jamais o devolveu. Agora releio esse delicioso livro.
Gore Vidal tem um modo malicioso de escrever, sem papas na língua, sem nove horas. Ele vai direto ao ponto e mesmo assim jamais parece reles ou estúpido. Ele é suave e gentil e ao mesmo tempo duro e incisivo.
Ensaios sobre escrita, cinema e politica : tudo aquilo que ele entende. Entende por ter sido roteirista, politico e um belo autor de prosa e de dramas teatrais.
Scott Fitzgerald é para ele um chorão. Um autor que tem apenas dois ou tres bons contos e apenas um belo livro : Gatsby ( que mesmo assim sofre de absoluta falta de humor ). Gore ve em Scott o mesmo que em Heminguay : autores que devem sua fama ao que foram e não ao que escreveram. Ele alerta que com o avanço do pensamento científico, só o que é de verdade e não inventado importa, e portanto, a vida que um escritor viveu é mais importante que sua obra. Ou seja, nesse mundo pseudo-científico-útil, Heminguay/ Jack London e Steinbeck são mais relevantes que Proust/ Flaubert, Joyce, o que se trata de um absurdo.
Fitzgerald foi roteirista em Hollywood, onde ao contrário do que diz a lenda, ganhava muito bem e nada produzia. ( Huxley, Faulkner, Greene e Dos Passos também foram. )
Depois Gore escreve sobre Edmund Wilson, o melhor ensaísta que a América já produziu. Um grande bebedor de gim ( e Gore alerta sobre o fato de que toda essa geração foi chegada a litros e tonéis de álcool ruim ), e um homem que provou um erro de Freud : Wilson criava muita ficção e crítica e tinha uma imensa vida sexual ativa. Edmund Wilson trouxe às letras americanas os nomes de Verlaine, Yeats, Proust, Flaubert. Viveu até os 75 e era um ferrenho esquerdista ( num tempo em que ser de esquerda exigia coragem, hoje exige cara de pau ).
No terceiro capítulo, Vidal fala sobre Christopher Isherwood. Um ingles que viveu na Berlim pré-nazismo, tipo 1930/35. Um grande estilista que em seus contos descrevia de forma bela e contundente a vida boêmia desse momento único na história. Hordas de americanos e ingleses bem de vida iam à Berlim, onde conseguir um amante homossexual proletário era muito fácil. Nunca existiu um lugar com tal concentração de Homos/ Bis e travestís.
Isherwood foi amigo de Huxley e também escreveu para cinema ( inclusive Hitchcock ). Vidal aproveita para discorrer sobre a perseguição nem tão sutil que autores gays sofriam/sofrem.
O capítulo sobre cinema. Traz uma questão que todos nós nos esquecemos de fazer : afinal, o que faz um diretor ?
Estamos tão condicionados ( desde a Nouvelle Vague- pois foram Godard e Truffaut quando jornalistas que criaram essa crendice ) a ver o diretor como deus que não mais pensamos naquilo que ele realmente faz. Vidal, que esteve lá, conta que o poder do diretor acabou no cinema mudo, época em que imagem era tudo. Quando o cinema começa a falar, Hollywood chama a peso de ouro os melhores escritores e o roteiro passa a ser coração e alma de um filme. Gore Vidal cita Kurosawa, único grande cineasta que teve a humildade de confessar : " um grande roteiro dirigido por um cineasta ruim ainda pode se tornar um bom filme. Mas um roteiro ruim dirigido pelo melhor dos diretores ainda será um filme ruim ".
Diretores/ roteiristas ( Huston e Wilder ) podem ser considerados donos de um projeto, mas devemos sempre entender que um direor pega o projeto já desenvolvido. Atores escolhidos, fotografia, data de estréia, quem fará a montagem.
O livro ainda discorre lembranças sobre Tennessee Willians, outro grande chorão.
Depois temos Louis Aunchincloss ( autror que deveria ser melhor lido ) e um belo capítulo que anuncia o fim da leitura. No futuro todos lerão só o que é útil/ comprovadamente saudável e que garante ser vida real- ou seja- biografias exemplares.
Há um texto sobre Mishima e que me fez recordar como o mundo enlouqueceu por volta de 1970. Mishima, o mais famoso escritor japonês ( não o melhor ) se suicidou praticando seppuku após discursar na tv contra a presença americana na vida do Japão. Um general, por pedido expresso do autor, decepou sua cabeça e a exibiu no alto da torre da tv de Tokyo.
Mishima era um raDICAL de direita que cultuava o corpo. Para ele, a beleza da alma estava na beleza do corpo. Segundo Vidal, ele se mata aos 45 por não querer viver a queda desse corpo pela idade. ( Gore é informado o bastante para nos alertar que no ocidente o suicidio é ato de desespero, no Japão é uma escolha livre. Ato de afirmação. )
Daí temos uma critica àquela turma tão em moda nos 60. Autores franceses que iriam destruir o romance e criar o romance do futuro : romances sem tempo, sem personagens e sem enredo. Deram com os burros na água.
Depois um perfil de Teddy Roosevelt, o presidente dandy que meteu os americanos em guerras vergonhosas e da qual o país paga o pato até hoje.
E vem um maravilhoso texto que fala do ódio que as mulheres devotam aos homens. Ódio que nasce da escravidão milenar pela qual elas passaram. Vidal previu em 61, que a liberação feminina faria com que a vingança viesse : chifres aos milhões, desprezo pelos apaixonados, sexo por sexo, descartabilidade masculina e mulheres de 60 com garotos de 18.
Afinal, durante cinco milenios elas foram a serpente, a bruxa, a danação, a fonte da doença e um animal procriador. No final do livro, um dado :
Talvez, Darwinisticamente, estejamos nos preparando para o fim da vida. Estamos deixando de nos procriar, nos tornando mais homos e menos interessados, estamos nos enclausurando na virtualidade da droga e do sonho ( e hoje no mundo virtual em sí ). Tudo isso parece um fim de ciclo, fim de vida, inicio da despedida. É como se não mais valesse a pena crer na vida.