carta a um amigo

Eu cresci acreditando que Carajás faria do Brasil uma nação rica.
Acreditei que venderíamos soja pro mundo, e isso daria saúde e escola boa para todos.
O mundo precisa de carne, logo, obedecemos e criamos boi. E daí ?
A Amazônia é nossa, o mundo precisa dela.
Notou que tudo é voltado para o que o mundo quer, nunca o que nós precisamos ?
Agora é a cana. Ou o petróleo. Porque eles vão precisar. E daí ?
A história nos diz que o provável é que vinte senhores ficarão bilionários vendendo cana e que a nação continue com velhos morrendo nas filas ou mendingando um salário mínimo.
Agro-boys não são confiáveis. Derrubarão safras de alimentos ( sem valor lá fora ) para sustentar o que o primeiro mundo necessita.
E espere...não é triste que em pleno século vinte e um ainda somos um país agrícola. Não é hora de se tornar um país de tecnologia, informática, indústria química ?
Claro que o Brasil está crescendo. Como cresceu com Vargas, Juscelino, Médici, Fernando Henrique...mas para as carências que temos, o tempo que perdemos, cresce devagar demais.
Quando voce pisa num país rico o choque é imenso!
Pessoas relaxadas, andando pela rua sem se preocupar com comida, aluguel, crime, estupro. Ruas sem buracos, polícia bem equipada, escolas bem conservadas. Os alunos aprendem ! Os hospitais atendem ! Praças às dúzias, rios razoavelmente limpos, pessoas bem vestidas, bem nutridas.
Nos anos 70 todos acreditavam que a Europa era o inferno na Terra, e que o Brasilzão era o paraíso ( sem fome, sem terremoto, sem crime ). A Europa tinha terrorismo, greves, drogas e um povo triste e deprimido. Eu acreditei nisso. Fui ingênuo. Fui lá e olhei.
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A França em 1976 ( quando fui a primeira vez ) vivia sob greves diárias. Bombas no metrô, Paris fedia. Bairros inteiros eram sujas ruínas do inicio do século. O país era um caos. Mesmo assim gostei muito. Era mais civilizado, mais rico e tinha uma alegria de anos 20. Era uma pobreza pitoresca. A do Brasil era apenas feia.
Voltei em 82, e a cada vez que retorno o país está cada vez mais novo, mais rico, mais retocado.
Falar na pobreza da França é falar nas hordas de imigrantes, que aportam todos os dias sem dinheiro, trabalho ou cultura. Criam cortiços, criam gangs. O erro francês é o de hesitar para fechar suas fronteiras. Isso pode ser ruim para mim mesmo, mas é o certo para quem lá vive.
Em 1976, éramos a oitava economia do mundo. Beleza isso! Os economistas adoravam. O governo adorava. Os patriotas inflavam o peito e riam da Suécia, Bélgica ou Espanha.
Trinta anos depois... o que mudou ?
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O exemplo é a Espanha. Um país que nos 70 era risível e hoje cresce assustadoramente. Investiu em educação, tecnologia e se tornou agressivo. Não ficou plantando azeitona e laranja porque o mundo precisa de azeite.
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O europeu de hoje come mais, consome mais, viaja mais, e trabalha menos que o europeu de 1976.
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Quanto a China.
Não há um renascimento cultural chinês. Mesmo com toda facilidade de comunicações de hoje, não se vê ninguém seguindo tendencias ou novidades chinesas.
Para crescer, a China precisou e precisa de capital. Esse capital foi conseguido com enormes investimentos japoneses, americanos e agora europeus. Há um interesse do primeiro mundo no crescimento chinês.
A China não tem o menor interesse em tomar o lugar dos EUA ou da Europa. Eles querem ser como o Japão. Discretos, sem policiar o mundo, sem se comprometer. Esse papel continuará sendo dos americanos, que nasceram pra isso.
Toda grande nação atrai imigrantes. Será cômico ver como os chineses lidarão com influencias latinas, árabes, negras, indianas.
Quando o povo adquire um pouco de dinheiro ele começa a querer mais dinheiro e mais consumo. Começa a viajar e conhecer outros modo de viver e de existir. Começa a questionar. Capitalismo-consumo-liberdade. A China sofrerá enormes pressões internas ao enriquecer. Poderá até se desmantelar. E se a linha dura tentar sufocar isso, todo o ímpeto de crescimento se desfará.
Toda mente brilhante procura se situar onde seu brilho pode se espandir livremente e onde esse brilho é valorizado. Esse é o segredo americano ( que foi ensinado pela Inglaterra). Duvido que Pequim atraia mentes a procura de liberdade e divulgação.
A China cresce como um gigantesco bazar.
Seu futuro é de nação central ( quando não foi ? ).
Criará uma classe média que dirigirá BMW e Mitsubishi, beberá Coca-Cola e vinho francês, assistirá Batman e Simpsons, tentará se parecer com londrinos e rapers, vestirá marcas italianas e será cheia de McDonalds, HSBC e Santander.
Todo chinês é obediente. Consumirão e trabalharão pelo bem do primeiro mundo.
Não há nada de novo na China e toda nação dominante trouxe algo de novo à cultura do mundo ( Atenas, Roma, Bizancio, Veneza, França, Inglaterra e EUA ).
Todos somos atenienses, romanos, venezianos, iluministas, vitorianos e americanos.
Não vejo como acrescentar chineses.
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Perca o medo de conhecer o melhor. É absurdo que alguém de alguma cultura não possua a curisidade de conhecer os centros que formaram a cultura humana. Ou será vergonha ?
Saia desse gueto latino-americano, desse antro de rancores, invejas e republiquetas de corruptos-machinhos-vermesinhos. Conheça o que deu certo e não a sujeira fedida do mundo.
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No mais
Todo ser pensante tem a obrigação de questionar tudo, apontar a sujeira de tudo e jamais estar satisfeito. Posso apontar milhares de defeitos europeus ( racismo, esnobismo, preguiça ), mas moro aqui, e sei do antro de crimes, misérias e injustiças que este país é. Basta olhar quais amigos nossos têm bom emprego e bom futuro.
Semana passada aconteceu um tiroteio na porta da loja da minha mãe. Quatro mortos, uma criança atropelada. Uma bala perdida acertou a fachada da loja. Este é realmente um país que vai pra frente.
ABRAÇO.

NOTAS

SOL VERMELHO....................péssimo western europeu. 1
SWEET MOVIE.......................serve pra mostrar o porque do movimento radical de maio 68 ter dado tão errado. Uma infantil mistura de marxismo ingênuo, Reich para maconheiros e cinema amador. ZERO.
SANGUE FRIO.......................suspense com Cusack e Thornton. 6
O FANTASMA DA LIBERDADE......realmente Bunuel não me convence. Ele filma bem, tem idéias, mas e daí ? 5.
ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO.......idem. 4.
SEDUÇÃO PERIGOSA..........filmezinho vagabundo ZERO.
WARRIORS, SELVAGENS DA NOITE.......brega, péssimos atores, datado e absolutamente delicioso! tlim tlim tlim, warriors, warriors,....7.
DUELO DE GIGANTES........Brando descontrolado e viadíssimo com Nicholson tentando roubar o filme. Hiper ego-trips. Depp deve ter aprendido tudo aqui. 6.
OS SAFADOS..............................Frank Oz é um ídolo. O cara fez Vila Sésamo, Muppet Show e os bonecos do Star Wars. E dirigiu Será que ele é?, e outras boas comédias. Steve Martin e Michael Caine, delícia. 8.
A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA.......é um dos fracassos do Burton. Eu o acho belíssimo! 8.
TIGRES VOADORES.......John Wayne na China lutando contra o Japão. 6.
BATMAN ( 1,2,3 E 4 )..........o primeiro, com Kim e Jack é um pé no saco. 2.
o segundo é irritante! ZERO.
o terceiro, com Carrey, ninguém merece! ZERO
adoro o quarto. assumi sua bobice trash. 7.
Batman begins. Banal e sem humor. 3.
O novo. Filme caro. 2.

UM FILME FEITO DE JAZZ

SHORT CUTS foi homenageado pelo cristão PT Anderson no infinitamente inferior Magnólia.
Mas Short Cuts é puro e genuíno jazz. As cenas correm e se embaralham como quartetos que viram big-bands e viram solos e viram trios.
Histórias numa LA cheia de calor e de sexo. Personagens que se cruzam e se ignoram ou se agridem. Mas Altman é mais, muito mais inteligente que PT e portanto seu filme tem ironia.
Pessoas esforçadas mas de pouco brilho, tendem a ritualizar a arte. Não percebem humor onde há. Levam tudo a sério. Acham que o valor só existe na cara de compenetrado. Isso é que destruiu o tal CLUBE DA LUTA, um roteiro hilário que o fracote diretor levou a sério. Isso é que dá genialidade a Altman, que leva Short Cuts no sorriso, na malandragem, no jazz.
Neste filme ninguém se redime, não há arrependimento, nem perdão. Não caem sapos do céu, vem um terremoto do fundo da Terra. E ninguém muda por isso.
Short Cuts também tem sua morte, mas ao invés de um velho, é uma criança. E Altman evita choros, ajoelhamentos, magia. Ele mostra, exibe, festeja, e nunca se perde.
Tom Waits tem o papel da sua vida e rí e nos faz gargalhar durante o terremoto, numa cena toda improvisada. Lily Tomlin resplandece de vida e vigor. Tim Robbins nos conquista num papel difícil e Frances McDormand está ao nível alto que esta atriz magnífica sempre exibe. E temos ainda Julianne Moore, Madeleine Stowe, Robert Downey, e muito mais.
Annie Ross é quem canta e por Deus, como canta !!!!!!
Minha crítica favorita Pauline Kael, diz que Altman é uma lição de sanidade. Seus bons filmes mostram como ser são num mundo enlouquecido. Pois eu digo que Short Cuts ensina tudo sobre fazer filmes, escrever roteiros e atuar.
E viver também.

a carta de uma amiga

Uma amiga que trabalhou no meio editorial me envia uma carta que repito aqui ( uma parte ).
As editoras estão lançando "novas" coleções de Jorge Amado e Thomas Mann. Logo virão Proust e Dostoiévski.
Que se passa ? Crise.
Publicam-se menos títulos que em 1998. As compras têm caído ano a ano.
Apenas auto-ajuda e biografias se vendem. Porque ? Bem, tanto um como outro falam aos umbigos feridos. Livros de quem procura consolo e exemplos.
As editoras creem que não existe mais nenhum autor genial não publicado ( e não há mesmo ).
Nos anos 70 numa coleção chamada Novos Autores, foram publicados 70 novos nomes. Nenhum publicou um segundo livro. O que aconteceu ?
Alguém lê ?

tom stoppard e marienbad

O ANO PASSADO EM MARIENBAD não tem atores. Alain Resnais ordenou que eles não atuassem. Posassem.
Não há movimento. Os atores não se movem. A câmera não pára de andar.
O filme não possui história e não é improvisado. Ele é rigorosamente racional, como Racine ou Diderot.
A música é apenas música, ela não comenta nem enfatisa nada.
Não há TEMPO. Os personagens não vêm de lugar algum, não irão há lugar nenhum. Só existem enquanto o filme existe.
O TEMPO não passa. O filme dura hora e meia, mas a história conta 3 segundos ou menos, que se repetem em várias situações.
O personagem central não é humano. É o palácio, que se torna o ser mais vivo, mais dramático do filme.
Ele nos hipnotiza. Nos irrita e assusta muito.
Alguns irão rir nervosos e atacar. Outros dormirão. Eu penso sem parar.
Há alguma magia aqui. QUAL ?
TOM STOPPARD disse em Paraty que prefere um bom western que um filme de arte mal feito. Esse é meu modo de pensar. O filme tem um propósito. Qual ? Se é fazer rir, é isso que cobro. Se é fazer pensar, que o faça!
Marienbad faz pensar. Não diverte e não emociona. Atingiu o alvo.

TALVEZ ESTE SEJA O MAIOR FILME JÁ FEITO

8 e meio, de Fellini. Porque?
Certos filmes nos dizem quem somos. Mostram onde está nossa paixão.
O apaixonado por Bergman é um homem fascinado pela inteligência, assim como um amante de musicais vive o mundo da poesia. Bunuel traduz em seus fãs o fascínio pelo mistério e o western denota o orgulho da virilidade.
Fellini é o cineasta do amor à vida, e assistir seus filmes é como conhecer aquilo que os humanos têm de mais fascinante.
1963 foi o ano em que o cinema foi arrebentado. Após 8 e meio e O Ano Passado em Marienbad, nada mais foi o mesmo. Marienbad é o filme que destruiu o tempo e 8 e meio destruiu o roteiro.
Fellini não sabia que filme fazer e fez um filme onde um diretor não sabe o que filmar. E nessa falta de idéias, ele, gênio que foi, nos dá o melhor filme sobre impotencia, masculinidade, cinema, fragilidade, velhice, musas, música, anti-intelectualidade e humor.
Sim, pois o filme é muito, muito feliz. De uma felicidade de quem conhece tudo e aceita a vida como ela é e deve ser. Fellini tem apetite por mulheres gordas e mulheres etéreas, ópera e sinfonias, comida, amigos, família cinema e quadrinhos, sonhos e atores e acima de tudo, Giulieta ( feita aqui por Anouk Aimée ).
Cheio de coragem, ele exibe sua vida : as amantes e a esposa traída, as culpas e a preguiça, a indecisão e o machismo.
O filme flui como sinfonia ( " a melhor arte sempre se parece com música " ). Começa em surdina e se encerra como coda, num crescendo ininterrupto. As cenas finais, AS MAIS BELAS DO CINEMA, são uma ode à amizade e a existência, com seu desfile, feliz e melancólico de personagens.
Não há, de 1963 para cá, nenhum grande filme que não tenha alguma influencia direta ou não de 8 e meio. Nada é mais ambicioso e ao mesmo tempo feliz e simples.
Onde encontrar cenas como aquelas dos desfiles de rostos nas fontes de água ? Ou as frases finais, ditas por Guido, que aproximam Fellini de gigantes como Tolstoi e Stendhal ?
No mais... Mastoianni...ele fazia intelectuais, mendigos, gays, machões, palhaços, latin lovers... onde outro que se lhe compare ?
VIVA MARCELLO !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

romantismo geral

As pessoas têm a tendencia a confundir toda a arte com romantismo. Tolice! Os tempos sempre variam entre romantismo e classicismo, realismo ou simbolismo.
Vivemos uma era de romantismo covarde. Porque romantismo e porque covarde ?
É romantico porque escrevemos sem parar sobre o EU. O que eu sinto, eu fiz, eu penso, eu sou. Criamos um mundinho de espelhos voltados para umbigos gordinhos/inchados. Pensamos TODO o tempo : com quem vou transar? com quem vou amar? quem me dá valor? quem me escuta?
É covarde por ser um romantismo cauteloso, com para-quedas e antídotos para qualquer veneno. Nos cercamos de espelhos mas não nos entregamos à solidão radical do EU. Nos drogamos/entorpecemos mas com drogas testadas e conhecidas. Cultuamos o passado mas por falta de cultura é um passado recente, passado que na verdade é ainda presente.
Fugimos da realidade, a negamos covardes, mas essa fuga é estéril, não cria propostas de novos mundos ou novos modos de viver. Nos viciamos no pior do romantismo.
O artista, ou o mundo clássico é o oposto disso.
Sentir e olhar o mundo de uma forma clássica, é isentar o EU, esconder sua presença, não exibir sentimentos, não ser sentimental. Quando tomamos contato com a obra de um clássico, nos envolvemos com seu trabalho, com sua inteligência, mas não percebemos o que ele realmente pensa daquilo tudo ( e nem qual personagem é ele ).
MOZART é o exemplo do artista clássico. Compunha coisas geniais, mas jamais percebemos como ele se sente, o que ele pensa da vida ou da própria música. BEETHOVEN inventa o artista hiper-romantico. Todo o tempo sua música diz : EIS ME AQUI !
Um mundo clássico ( e ele existiu. na história do mundo ele é normalmente clássico ), seria um mundo onde o interesse maior é na sociedade, na natureza, na observação da vida e no agir em grupo. O eu é camuflado e exibir emoções é considerado de mal-tom.
Flaubert, Swift, Conrad são escritores clássicos. Goethe, Shelley, Proust são romanticos. Stendhal e Tolstoi conseguem um genial meio termo, assim como Faulkner e Balzac. Rimbaud é o romantico que morreu realista e foi radical sempre.
Penso na música pop e percebo que quase todos são romanticos. Exibem o eu como bandeira e feridas como totens. Mas há excessões. Penso em Brian Wilson, que escrevia canções solares enquanto afundava no caos. Penso em Bowie, que jamais se comprometeu com nada e nunca exibiu verdade pessoal nenhuma. Penso em Dylan, que se perdia de sí mesmo. E nos cronistas frios e distantes( e mesmo assim passionais, mas jamais umbigais ) gente como Cohen, Waits, Lou ou Iggy.
No cinema Renoir, Ford, Huston, Hawks, Kurosawa, Godard, são exemplos dos não-romanticos, enquanto Visconti, Fellini, Bergman, Truffaut, Woody Allen têm total comprometimento com o eu.
Escrever um blog é em 99% das vezes um ato romantico. Tento manter o pudor clássico. É isso.

latcho drom

Uma menina no deserto. Egito. Ela é suja e muito pobre. E linda.
Um garoto canta com voz aguda. A tribo trabalha. A menina salta para o centro do espaço e dança. Pulseiras, saias, sedas e pratas e maquiagem de bruxa. Dança com passos que nunca ví ou imaginei. O garoto a olha como homem maduro. Ela dança como mulher de sempre.
Na Turquia um homem pula sobre uma mesa. Veste azul. É feio. É feliz.
Esse homem de azul dança e nos atinge. Suas mãos se movem como se fossem estrelas. Sua sensualidade nos humilha. Sua alegria nos ofende.
Uma mulher, imensos quadris, pula sobre a mesa. Ela acompanha o homem de azul e balança as cadeiras como uma espuma de cachoeira.
Tudo é vivo.
Isto é LATCHO DROM, um documentário de Tony Gatlif, feito em 98. Mostra, sem narração nenhuma, ciganos no Egito, Turquia, Marrocos, Romenia, Hungria, Eslováquia, França e Espanha.
Sinto orgulho. Muito orgulho. Orgulho por ter um pé nesse mundo.
Recordo a auto-bio de Nikos Kazantzakis. Ele passou toda a vida procurando o segredo de seu ser. Tentou ser budista, marxista, freudiano, grego-clássico e simbolista. Percebeu enfim que ele era filho de seu pai, e portanto neto de seu avô. E que seus avôs eram beduínos e que sua angústia vinha da saudade do deserto...
Na Romenia ( assim como em todo o filme ) é impressionante como as velhas se comportam como crianças e como as crianças parecem adultas. Os meninos de 10 anos é que cantam. E olham com malícia para as meninas de 13 que dançam. As velhas riem e os velhos rebolam.
É uma humilhação para nosso mundinho raso, eternamente infantil, engolindo pílulas para se divertir, pílulas para transar e esticando a pele para se sentir bem. O homem de azul sobre a mesa humilha qualquer frequentador de raves em Ibiza. Ele está bombando. Não vai onde está.
Na Hungria, dezenas de violinos tocam febrilmente na rua e no trem, uma triste menina ( linda e suja ) canta um desafio enquanto olha a paisagem que passa.
Homens vivem em casas na árvore e na neve. Cavalos correm com força musical.
Na Espanha, um menino, com o olhar mais verdadeiro e eterno e bíblico e rimbaudiano que já ví, encarna o duende e canta. Geme...Penso : como viver sem essa força ? Heis a verdadeira sinceridade. Vida.
Na França, violinos e violões fazem o som da felicidade.
É tudo.
Mas é bem mais. Latcho Drom é a chance de assistir e sentir o sempre, o eterno aqui, a herança, a música da vida, da Terra, do sexo.
Não sei como voces podem conseguir o dvd. Foi um presente de Larry, amigo meio-cigano que sempre sabe do que gosto.
Não é um documentário. è uma aula de duende, de sedução, de alegria pura.
Aqui, agora e para sempre!

EXISTE OUTRO EU ?

É possível, de alguma forma, deixar de ser voce mesmo ?
Um homem está no deserto. O que ele faz alí não tem grande importância. Então, ele tem a chance de ser outro. Conseguirá ? Vale a pena ?
Em nossa vida relações terminam e sobrevivem por causa disso. Voce quer ser outro. Mas aquela pessoa, todo o tempo, recorda quem voce é. Voce se afasta, tenta ser diferente. Ou... voce ama aquela pessoa porque ela lhe recorda quem voce é e quer continuar sendo.
Relações são perigosas porque é muito difícil um amigo aceitar que possamos ser outro. Ele tenderá a pensar que mentimos agora ou que mentimos antes.
Pois esse homem ( Jack Nicholson ) começa a traficar armas. É a identidade que lhe coube. Rimbaud traficou armas e isso não é uma coincidencia. Rimbaud foi o maior dos isatisfeitos. Foi do extremamente dandy- poeta-espiritual ao extremado-bandido-cigano-ação.
E as imagens desse filme ( sim, é um filme, e sempre são imagens belas ) nos mostram janelas com grades, gaiolas, cães encoleirados, estradas bloqueadas. E o homem ( Jack ) não consegue ser outro.
A conclusão é a de que morremos para ser outro. Morremos para deixar de ser. Pois por mais que nos mudemos para outro país, por mais que refaçamos novas amizades, mudemos de emprego, seremos sempre o que podemos ser : o que somos.
A reichiana e muito má atriz Maria Schneider ( e fascinante ela foi/é ) representa a chance que a juventude tem de ainda se criar. Mas os muito jovens não possuem vivencia para isso e acabam sendo um quase nada, um sopro.
Não aconselho ninguém a ver este filme. Ele é árido, lento, modorrento.
Eu o adoro. É cinema como pensamento, como tese. Ele não te diverte ou emociona, ele te ensina e muito. Te dá cultura. E cultura, veja só menino, não é informação!!!!
Ah sim... o filme é The Passenger, do Antonioni ( não há diretor mais fora de moda ) e Jack está dando show ( consegue passar da impassibilidade para a total confusão ).

FREUD, MARX E NIETZSCHE, eles erraram.

O maior erro que um intelectual pode cometer é confundir o particular com o geral. Pensar que sua vivência é a vivência de todos e que seu testemunho vale para qualquer um.
O século xx, século ansioso por negar todo o passado, acolheu esses 3 profetas com fogos de artifício e pagou o pato pelo engodo. O século pensou ser ousado e novo, anti-religioso, anti-burguês, anti-repressivo e se tornou tonto, iludido, caótico.
Freud hiper valorizou o sexo e apesar de qualquer psicólogo saber que seus livros são hoje peças de museu, na sociedade ele criou a crença de que todo mal vem de alguma repressão física, que o sexo é tudo, que a família é um ninho de neuroses. Tudo bobagem. Freud via o mundo assim por suas razões íntimas. Era uma verdade particular que ele dividiu com o mundo.
Marx errou em tudo. O sonho do proletário era e é se tornar um burguês-conservador, jamais um revolucionário. Assim como o sonho do burguês é ser um aristocrata.
O futuro do capitalismo é mais capitalismo, pois o capitalismo é um organismo que se adapta a novas situações. Se adapta exatamente por ser anti-dogmático, por não ter pudor de mudar de atitude e credo. Marx era um romântico muito ingênuo. Enxergou no povo o que ele queria enxergar e errou todas as suas previsões históricas. E o pior : o marxismo se tornou um tipo de religião atéia. Questão de fé, jamais de inteligência.
Nietzsche errou em acreditar apenas na força. Ele não conheceu, ou não desejou conhecer a solidariedade humana. Não notou que ser fraco pode ser um sinal de resistência. Jamais foi à fundo no porque da existência de Deus ( porque essa necessidade humana ? ).
Não sei, e ninguém sabe, quais serão os pensadores deste século. Charles Darwin é o único titã do século xix que ninguém conseguiu derrubar. Mas penso que uma cultura guiada pela idéia da sobrevivência do mais apto não pode gerar grande filosofia ou arte.

SEM CULPA E SEM MORAL

Pretty Baby, filme de Louis Malle feito em 1977. Tem Susan Sarandon e Brooke Shields.
Não é um grande filme. É apenas um filme bonito e muito agradável. Mas acima de tudo, ele seria impossível nos dias de hoje ( principalmente feito pela Sony ).
Em New Orleans, 1920, uma menina de 12 anos ( com corpo de quem tem 12 ), cresce num bordel. Ela é filha de Sarandon, prostituta do lugar.
A menina brinca com os clientes e se comporta como uma criança normal e feliz. Brinca de dançar, cantar, falar piadas e observa, deslumbrada, o trabalho da mãe.
Um fotógrafo se encanta pela mãe e a criança sente ciúmes. Tenta seduzir o fotógrafo do modo como uma criança faria. Infantilmente, inclusive brincando de ser prostituta.
Certa noite sua virgindade é leiloada. E ela rí e se diverte em sua primeira noite.
A menina seduz o fotógrafo. Vão morar juntos. Ela brinca de ser sua vagabunda.
Lógico que a relação fracassa. A mãe a leva embora quando se casa com um homem rico.
O fotógrafo sofre. Mas nada muito dramático.
O filme é isso : um anti-Lolita. Não há arrependimento. Não há culpa nenhuma. A menina não é vítima ou vilã, ela se diverte e sente desejo ( infantilmente lidado ). O filme é leve, não julga, não tem qualquer moral a condenar ou a defender, ele mostra e exibe.
Malle é um dos mais naturais dos diretores. Começou em 59, em plena Nouvelle Vague, mas seus filmes sempre foram caretas no modo de filmar e ousados nos temas. Sopro NO Coração, de 1971, mostrava o incesto entre mãe e filho com total naturalidade e bom humor.
Malle foi para os USA em 75, casou-se com Candice Bergen, e fez uma série de filmes importantes. Voltou em 87 para a França e morreu nos anos 90.
Vale a pena conhecer Pretty Baby. Nem que seja para entender que tudo pode ter mais de um lado, mais de uma abordagem e que a vida é bem maior do que podemos perceber.

batman

Um menino escreve na Folha sobre o novo Batman.
Muito estranho...
É uma reportagem ou é uma crítica ?
Como tem uma opinião pessoal do tal menino, deve ser uma crítica. Mas que crítica é essa ? É a tal matéria tipo : eu acho/ eu penso/ eu digo. O menino elogia mas não diz onde está o acerto, joga confetes mas não diz porquê.
Eu sei que ele viajou para LA pago pela Warner, mas ele devia disfarçar um pouco. Fala que a atuação de Heath Ledger é demais, mas não diz no que. Seu Coringa é punk e histérico... tá, e daí ? Todos sabemos que o dito ator só sabia interpretar em dois registros : catatonia morfética ou histeria aguda. Mas a Warner cria um fato novo para vender o filme. Aliás, o primeiro "novo" Batman tentou criar a ilusão de ser uma obra de arte. Inventaram até que Christian Bale sabia interpretar. Bem... não colou nem com os meninos.
Eles estão tentando, tentando e um dia conseguem.
Batman, Superman, Homem de Ferro são o que são : lixo divertido. Eu adoro! Mas não me venha jogar areia nos olhos : não são filmes sérios. Sequer são bons.
O dia em que eu levar a sério um cara de capa e carro esquisito, que sussurra pseudo-filosofices infantilóides, e tem como inimigos uns vilões com visual de Joãozinho Trinta... vai ser hora de eu parar de ler, parar de escrever e pensar que 24 horas é a última bolacha do pacote.